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intertextualidade prof. Larissa Lemos intertextualidade Intertextualidade é o nome dado à relação que se estabelece entre dois textos, quando um texto já criado exerce influência na criação de um novo texto. Diversos autores utilizam textos já existentes e reconhecidos, chamados de textos fontes, para servir de base às suas novas criações. Contribuem assim para o enriquecimento da exploração de um determinado tema, da exaltação de uma personalidade, da comemoração de um acontecimento, da valorização da cultura de um povo,... A intertextualidade pode ocorrer de várias formas, nos diversos gêneros: na prosa, na poesia, nas letras de música, na publicidade, nas imagens, na pintura,... Intertextualidade explícita e intertextualidade implícita Na intertextualidade explícita, ficam claras as fontes nas quais o texto baseou-se e acontece, obrigatoriamente, de maneira intencional. Pode ser encontrada em textos do tipo resumo, resenhas, citações e traduções. Podemos dizer que, por nos fornecer diversos elementos que nos remetem a um texto-fonte, a intertextualidade explícita exige de nós mais compreensão do que dedução. Poema de sete faces Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada. O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do bigode. Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus, se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo. Carlos Drummond de Andrade até o fim Quando nasci veio um anjo safado O chato do querubim E decretou que eu estava predestinado A ser errado assim Já de saída a minha estrada entortou Mas vou até o fim "inda" garoto deixei de ir à escola Cassaram meu boletim Não sou ladrão, eu não sou bom de bola Nem posso ouvir clarim Um bom futuro é o que jamais me esperou Mas vou até o fim Eu bem que tenho ensaiado um progresso Virei cantor de festim Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso Em quixeramobim Não sei como o maracatu começou Mas vou até o fim Por conta de umas questões paralelas Quebraram meu bandolim Não querem mais ouvir as minhas mazelas E a minha voz chinfrim Criei barriga, a minha mula empacou Mas vou até o fim Não tem cigarro acabou minha renda Deu praga no meu capim Minha mulher fugiu com o dono da venda O que será de mim ? Eu já nem lembro "pronde" mesmo que eu vou Mas vou até o fim Como já disse era um anjo safado O chato dum querubim Que decretou que eu estava predestinado A ser todo ruim Já de saída a minha estrada entortou Mas vou até o fim É possível observar, após a leitura dos dois textos, que o poema de Drummond serviu de texto-fonte para a música de Chico Buarque, pois há uma referência explícita aos versos do poeta, sobretudo no início da canção. A intertextualidade implícita demanda de nós um pouco mais de atenção e análise. Como o próprio nome diz, esse tipo de intertexto não se encontra na superfície textual, visto que não fornece para o leitor elementos que possam ser imediatamente relacionados com algum outro tipo de texto-fonte. Sendo assim, pedem de nós uma maior capacidade de realizar analogias e inferências, fazendo com que o leitor reative conhecimentos preservados em sua memória para então compreender integralmente o texto lido. A intertextualidade implícita é muito comum em textos parodísticos, irônicos e em apropriações. Observe o exemplo: Hora do mergulho feche a porta, esqueça o barulho feche os olhos, tome ar: é hora do mergulho eu sou moço, seu moço, e o poço não é tão fundo super-homem não supera a superfície nós mortais viemos do fundo eu sou velho, meu velho, tão velho quanto o mundo eu quero paz: uma trégua do lilás-neon-Las Vegas profundidade: 20.000 léguas "se queres paz, te prepara para a guerra" "se não queres nada, descansa em paz" "luz" - pediu o poeta (últimas palavras, lucidez completa) depois: silêncio esqueça a luz... respire o fundo eu sou um déspota esclarecido nessa escura e profunda mediocracia. Engenheiros do Hawaii Na letra da canção há uma referência a um famoso provérbio latino: si uis pacem, para bellum, cuja tradução é Se queres paz, te prepara para a guerra, exemplificando, assim, aquilo que chamamos de intertextualidade implícita, pois não foi feita a citação do texto-fonte. Tipos de intertextualidade Paráfrase; Na paráfrase, a intertextualidade incide na temática. Há uma reafirmação das ideias do texto fonte. É utilizado um tema previamente explorado por outro autor na criação de um novo texto com estrutura e estilo próprios. Parafrasear significa “Interpretar um texto com palavras próprias, mantendo seu sentido original” Exemplo de paráfrase: "Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá..." (Canção do exílio, Gonçalves Dias) "Moro num país tropical / abençoado por Deus / e bonito por natureza..." (País Tropical, Jorge Ben Jor) Explicação: Abaporu, de 1928, é uma obra-prima pintada pela artista Tarsila do Amaral (1886-1973) e que inspirou o Movimento Antropofágico. Em homenagem à Tarsila, o fotógrafo Alexandre Mury (1976) apresentou sua obra acima, um registro fotográfico que é exemplo de paráfrase. Paródia Na paródia, ocorre a subversão da temática do texto fonte, alterando e contrariando o que foi expresso anteriormente de forma irônica e satírica. Visa a crítica e a reflexão, promovidas através de um momento de fruição e jocosidade. Exemplo de paródia: Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. (ditado popular) Se Maomé não vai à montanha, a montanha vaia Maomé. (paródia) Segundo os exemplos acima, podemos perceber melhor a diferença entre a paródia e a paráfrase, na medida que na segunda imagem, observamos o tom humorístico e crítico envolvido. Assim, fica claro que a ideia original foi alterada e por isso, trata-se de uma paródia. Referência ou alusão Na referência ou alusão, é feita a sugestão ou insinuação de um acontecimento, personalidade, personagem, local, obra,... Não é apresentada a intertextualidade de forma direta, mas sim através da apresentação de características simbólicas. Exemplo de referência ou alusão: A mais bonita de todas era sem dúvida Helena - a minha filha e não a outra. (Alusão a Helena de Troia, a mulher mais bonita do mundo) Exemplo de alusão: Ele me deu um “presente de grego”. (a expressão faz alusão à Guerra de Troia, indicando um presente mal e que pode trazer prejuízo) Citação Na citação, ocorre uma intertextualidade direta, havendo a reprodução de parte do texto fonte. Há uma transcrição das palavras de outro autor, devidamente destacada com aspas e com a identificação desse autor. A citação visa conferir credibilidade ao novo texto. Exemplo de citação: Segundo Bechara (2015, p.276), "o verbo se diz pronominal quando o pronome oblíquo se refere ao pronome reto". exemplo de citação: Em entrevista à revista Veja (1994) Milton Santos aponta: “A geografia brasileira seria outra se todos os brasileiros fossem verdadeiros cidadãos. O volume e a velocidade das migrações seriam menores. As pessoas valem pouco onde estão e saem correndo em busca do valor que não têm”. Epígrafe Na epígrafe, um autor utiliza uma passagem de um texto fonte para iniciar um novo texto, estabelecendo uma relação com essa passagem na criação da nova criação. É muito utilizada em trabalhos acadêmicos, atuando como um pensamento que serve de base à obra. Exemplo de epígrafe: "Ensinar não é transferir conhecimento,mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção." (Paulo Freire) Ela é muito utilizada em artigos, resenhas, monografias, e surge acima do texto, indicado por uma frase semelhante ao conteúdo que será desenvolvido no texto. Exemplo de epígrafe utilizada num artigo sobre educação: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. (Paulo Freire, “Pedagogia do Oprimido”) Pastiche No pastiche, há a imitação direta do estilo de outros autores, mesclando esses diversos estilos numa única obra. Aparece como uma criação independente, sem o intuito de criticar ou satirizar. O pastiche é muito utilizado em músicas e imagens. Exemplo de Pastiche: Texto original “Pois é. Tenho dito. Tudo aleivosia que abunda nesses cercados. Maisquenada. Foi assim mesmo, eu juro, Cumpadre Quemnheném não me deixa mentir e mesmo que deixasse, eu mentia. Lorotas! Porralouca no juízo dos povos além das Gerais! Menina Mágua Loura deu? Não deu.(...)” (Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”) Texto com pastiche “Compadre Quemnheném é que sabia, sabença geral e nunca conferida, por quem? Desculpe o arroto, mas tou de arofagia, que o doutor não cuidou no devido. Mágua Loura era a virge mais pulcra das Gerais. Como a Santa Mãe de Deus, Senhora dos Rosários, rogai por nós! (...)” (Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 11/09/1998) Tradução A tradução é a passagem de um texto de uma língua estrangeira para a língua nativa de um determinado país. É considerada uma intertextualidade por haver diferentes interpretações e pela possibilidade de uso de diferentes expressões na adequação à realidade da nova língua. Exemplos de tradução: Nós amamos com um amor que era mais do que amor. "We loved with a love that was more than love." (Edgar Allan Poe) Exemplos de intertextualidade em linguagem não verbal Linguagem não verbal é aquela que não utiliza a fala e nem a escrita. Ao invés disso, usa imagens e símbolos para comunicar algo. É o caso de pinturas, esculturas, desenhos, entre outras formas de expressão. Veja um exemplo de intertextualidade na linguagem não verbal: O quadro à esquerda chama-se Mona Lisa e foi pintado por Leonardo da Vinci em 1503. O quadro à direita é uma releitura da Mona Lisa, uma paródia que mostra uma versão atual da Mona Lisa tirando um autorretrato com o celular. Exemplos de intertextualidade na música Há muitos exemplos de intertextualidade em músicas também. José de Alencar foi um escritor brasileiro que criou, entre outras histórias, o romance “Iracema”. Chico Buarque, famoso cantor brasileiro, compôs a canção “Iracema voou”, na qual também há uma personagem chamada Iracema, referência àquela do livro de José de Alencar. Aqui, há intertextualidade entre um romance publicado em 1865 e uma música composta em 1998. Do mesmo modo, as músicas “Admirável gado novo”, de Zé Ramalho, e “Admirável chip novo”, de Pitty, foram inspiradas pelo livro “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley, o que fica bastante óbvio pelo título dessas obras, mas também pelo conteúdo delas, que tem a ver com a história do livro. Música “Monte Castelo”, do grupo Legião Urbana, que cita Camões (Sonetos) e a Bíblia (Coríntios, capítulo XIII). Trecho bíblico: 1. Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. 4. O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Camões: Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que se ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? Letra da canção: Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade O amor é bom, não quer o mal Não sente inveja ou se envaidece O amor é o fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria É um não querer mais que bem querer É solitário andar por entre a gente É um não contentar-se de contente É cuidar que se ganha em se perder É um estar-se preso por vontade É servir a quem vence, o vencedor É um ter com quem nos mata a lealdade Tão contrário a si é o mesmo amor Estou acordado e todos dormem Todos dormem, todos dormem Agora vejo em parte Mas então veremos face a face É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria
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