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ETANOL COMBUSTÍBVEL 
Breve histórico 
A cana‐de‐açúcar  (Saccharum officinarum)  foi  trazida da  Ilha da Madeira 
para  o  Brasil  pelos  portugueses  em  1532.  Pouco  tempo  depois,  com  a 
exploração  do  interior  do  país,  a  cana‐de‐açúcar  se  tornou  a  primeira 
plantação em larga escala do Brasil, dependendo do trabalho escravo para 
o  cultivo.  Até  o  final  do  século  XIX,  a  cana‐de‐açúcar  foi  o  principal 
produto da economia brasileira, sendo deslocada somente pela borracha 
e, em seguida, pelo café. 
No período colonial, havia uma estrutura de plantações tradicionalmente 
de médio para grande porte que contribuíram para popular o  interior do 
país.  As  condições  edafoclimáticas  em  São  Paulo,  Rio  de  Janeiro  e 
Pernambuco  favoreceram  o  espalhamento  das  plantações  de  cana‐de‐
açúcar  nas  regiões  sudeste  e  nordeste  do  Brasil.  Após  a  abolição  da 
escravatura, em 1883, o suprimento de mão‐de‐obra barata para cortar a 
cana  foi  inicialmente  mantido  pela  chegada  de  imigrantes  europeus. 
Conseqüentemente,  as  unidades  de  processamento  de  açúcar,  e  mais 
tarde  as  destilarias  de  álcool  anexas,  sempre  estiveram  intimamente 
ligadas  a  uma  oligarquia  tradicional  com  forte  influência  política  nas 
esferas governamentais. 
No final da década de 1920, o Instituto Nacional de Tecnologia ‐ INT, que 
ainda  se chamava Estação Experimental de Combustíveis e Minérios,  fez 
experiências com motores a álcool,  testados em um Ford de 4 cilindros. 
Em 20 de  fevereiro de 1931, o Governo Brasileiro estabeleceu o decreto 
No 19.717, que obrigou a mistura de 5% de álcool na gasolina  importada 
consumida no país. A criação do Instituto do Açúcar e do Álcool ‐ IAA, em 
1933, organizou as bases para o aumento da produção alcooleira nacional 
por meio de financiamentos de destilarias anexas às usinas de açúcar. Em 
23 de setembro de 1938, o decreto‐lei No 737, estendeu a mistura de 5% 
de  álcool  à  gasolina  produzida  no  país,  com  a  implantação  da  primeira 
refinaria nacional de petróleo. 
 
No período entre 1942 e 1946, com as dificuldades de abastecimento de 
petróleo  e  derivados  provocadas  pela  II  Guerra  Mundial,  a  mistura  de 
álcool carburante à gasolina chegou a alcançar 42%. Em 1953, durante a 
segunda  presidência  de  Getúlio  Vargas,  a  Petrobrás  foi  fundada  para 
promover a produção de combustíveis derivados do petróleo, e o álcool 
como  carburante  tornou‐se  menos  interessante,  tanto  para  o  governo 
como  para  o  empresariado  do  setor.  Nas  décadas  de  1950  e  1960, 
reduziu‐se sensivelmente o percentual da mistura, atingindo, no  início da 
década de 1970, 2,9% em todo o país e 7% na cidade de São Paulo. 
Na ocasião em que ocorreu a crise do petróleo, em 1973, que provocou 
sérias restrições no fornecimento de petróleo no mercado internacional, o 
Brasil  estava  importando  72%  do  petróleo  que  processava  para  a 
produção de  combustíveis,  sendo quase que  totalmente dependente de 
derivados do petróleo no setor de transporte. Os gastos com  importação 
de petróleo subiram de US$600 milhões naquele ano para US$2,6 bilhões 
em  1974.  Neste  período,  o  impacto  provocou  um  déficit  na  balança 
comercial de US$ 4,7 bilhões, resultado que  influiu  fortemente na dívida 
externa brasileira (da época e futura) e na escalada da inflação, que saltou 
de 15,5% em 1973 para 34,5% em 1974. 
Preocupado  em  preservar  as  principais  metas  do  2º  Plano  Nacional  de 
Desenvolvimento,  conter  a  inflação,  manter  o  crescimento  acelerado  e 
conservar  o  equilíbrio  do  balanço  de  pagamentos,  o  General  Ernesto 
Geisel  solicitou  ao  diretor  comercial  da  Petrobrás,  Shigeaki  Ueki,  que 
consultasse o setor privado sobre a questão.  Ueki, que se tornou Ministro 
das  Minas  e  Energia,  entrou  em  contato  com  vários  empresários, 
principalmente  Lamartine  Navarro  Jr.,  solicitando  que  estudasse  a 
utilização de fontes não convencionais de energia para fornecer subsídios 
ao novo governo. 
A Associação das Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Associgás) 
se transformou em um fórum de debates sobre a crise do petróleo, sob a 
coordenação de Lamartine Navarro Jr., que contara com a colaboração de 
especialistas  em  tecnologia de produção de  álcool,  de  acadêmicos  e de 
usineiros  de  São  Paulo.  A  conclusão  do  grupo  resultou  no  documento 
intitulado  “Fotossíntese  como  Fonte  de  Energia”,  entregue  ao  Conselho 
Nacional de Petróleo, em março de 1974, e que se tornaria a semente do 
Programa  Nacional  do  Álcool  (Proálcool).  O  estudo  combinava  as 
preferências  do  Instituto  do Açúcar  e  do Álcool  (IAA)  pela  produção  de 
álcool  direto  em  destilarias  autônomas,  e  da  Copersucar  pelo 
aproveitamento  da  capacidade  ociosa  das  destilarias  anexas  às  usinas 
açucareiras. 
O  álcool, que  sempre  fora  considerado  subproduto do  açúcar, passou  a 
desempenhar  papel  estratégico  na  economia  brasileira  e,  diante  do 
sucesso da iniciativa, deixou de ser encarado apenas como resposta a uma 
crise temporária, mas como solução permanente. 
Durante visita ao Centro Tecnológico da Aeronáutica, em  junho de 1975, 
em São José dos Campos, o então presidente Geisel demonstrou interesse 
pelos  trabalhos  desenvolvidos  pelo  Professor  Urbano  Ernesto  Stumpf 
sobre a adaptação dos motores para uso da mistura gasolina‐álcool e da 
conversão  desses motores  para  uso  exclusivo  com  álcool.   A  impressão 
que  o  presidente  teve  sobre  a  viabilidade  do  uso  do  álcool  como 
combustível  foi  decisiva  para  que  o  governo  federal  se  posicionasse, 
definitivamente, a favor do Proálcool. 
Na  época,  o  Brasil  já  tinha  um  setor  açucareiro  desenvolvido,  terras 
propícias à cultura, clima adequado, mão‐de‐obra disponível no campo e 
experiência  na  fabricação  de  álcool  industrial,  do  qual  já  era  grande 
produtor‐exportador.    Recém‐modernizado,  o  setor  açucareiro  também 
registrava  elevada  capacidade  ociosa,  que  poderia  ser  reduzida  com  a 
produção  de  álcool  combustível,  que  proporcionaria  flexibilidade  na 
produção de açúcar para exportação. 
Após  intensos estudos e debates, o Governo Federal  instituiu o Proálcool 
por  meio  do  Decreto  nº  76.593  de  14/11/1975.  A  implantação  do 
Proálcool  foi dividida em duas etapas distintas. A primeira etapa, que se 
iniciou em 1975, aproveitou a capacidade e estrutura existente das usinas 
açucareiras para produzir etanol hidratado. O etanol substituiu o tetra‐etil 
chumbo  como  antidetonante  na  gasolina.  A  proporção  de  etanol  na 
mistura etanol‐gasolina foi aumentada de 1,1%, em 1975, para 16,7%, em 
1979, sem a necessidade de alterações nos motores veiculares. 
Na segunda etapa, que se iniciou após 1979, o etanol hidratado começou 
a  ser  produzido  diretamente  para  uso  como  combustível  automotivo,  o 
que  requereu uma completa modificação dos motores. Esta modificação 
foi  efetuada  pelas  montadoras  de  veículos,  promovida  por  um  acordo 
entre  o  Governo  Federal  e  a  Associação  Nacional  dos  Fabricantes  de 
Veículos Automotivos (ANFAVEA). 
Produção Industrial de Bioetanol 
Com base em rotas biológicas, o bioetanol pode ser produzido utilizando‐
se  como  matéria‐prima  qualquer  biomassa  que  contenha  quantidades 
significativas  de  açúcares,  seja  na  forma  livre  ou  estruturada  em 
macromoléculas  de  polissacarídeos,  tais  como  o  amido  ou  a  celulose. 
Considerando  a  produção  mundial  atual  de  bioetanol,  há  uma 
predominância de produção em que se utilizam materiais amiláceos como 
matérias‐primas (53% do total), tais como o milho, o trigo e outros cereais 
e grãos. Entretanto, dado o histórico do Brasil em produção  intensiva de 
cana‐de‐açúcar, esta  constitui a única matéria‐prima empregada no País 
para a produção de etanol. Além do aspecto histórico, constituem fatorespreponderantes para a utilização da cana‐de‐açúcar como matéria‐prima 
para  produção  de  etanol,  a  alta  produtividade  por  hectare  plantado 
(Figura 1), os baixos custos de produção e uma maior redução na emissão 
de gases de efeito estufa, quando comparados aos mesmos  fatores para 
grãos e cereais. 
 
Figura 1. Produtividade média de bioetanol por área plantada de 
diferentes culturas. 
A  cana‐de‐açúcar  é  uma  planta  semiperene  com  ciclo  fotossintético  do 
tipo  C4,  pertencente  ao  gênero  Saccharum,  da  família  das  gramíneas  e 
oriundas de  regiões  tropicais da Ásia, particularmente da  Índia. A parte 
aérea  da  planta  é  composta  pelos  colmos,  nos  quais  se  concentra  a 
sacarose, e pelas pontas e folhas, que constituem a palha da cana, como 
mostrado  na  Figura  2.  Todos  esses  componentes  somados  totalizam 
aproximadamente 35 toneladas de matéria seca por hectare. 
 
Figura 2. Estrutura típica da biomassa da cana‐de‐açúcar. 
Um  dos  cultivos  comerciais  de maior  importância  em  todo  o mundo,  a 
cana‐de‐açúcar ocupa mais de 20 milhões de hectares (1 hectare = 10.000 
m2),  nos  quais  foram  produzidos,  aproximadamente,  1.300  milhões  de 
toneladas em 2006/2007, com destaque para o Brasil, que, com uma área 
plantada de cerca de 7 milhões de hectares, respondeu por cerca de 42% 
do  total  produzido.  Ressalta‐se  que  o  ano  açucareiro,  adotado 
internacionalmente,  começa  em  setembro  e  termina  em  agosto do  ano 
seguinte. 
O clima ideal para o cultivo da cana é aquele que apresenta duas estações 
distintas:  uma  quente  e  úmida,  para  proporcionar  a  germinação,  o 
perfilhamento  (formação  de  brotos)  e  o  desenvolvimento  vegetativo, 
seguida de outra fria e seca, para promover a maturação e o acúmulo de 
sacarose nos colmos. A cana‐de‐açúcar não apresenta boa produtividade 
em  climas  como  os  das  regiões  equatoriais  úmidas,  por  isso  faz  pouco 
sentido  imaginar  que  a  Amazônia  se  preste  a  cultivos  comerciais 
extensivos dessa planta. 
O ciclo completo da cana‐de‐açúcar é variável, dependendo do clima local, 
de  variedades  da  planta  e  de  práticas  culturais.  No  Brasil,  o  ciclo  é, 
geralmente,  de  seis  anos,  dentro  do  qual  ocorrem  cinco  cortes,  quatro 
tratos de  soqueiras e uma  reforma,  como  se explica a  seguir. De  forma 
geral, o primeiro corte é feito 12 ou 18 meses após o plantio (dependendo 
da  cana  utilizada),  quando  se  colhe  a  chamada  cana‐planta. Os  demais 
cortes, quando se colhe a cana‐soca resultante da rebrota, são feitos uma 
vez por ano, ao longo dos quatro anos consecutivos, com redução gradual 
da  produtividade,  até  que  se  torne  economicamente  mais  interessante 
reformar o canavial do que efetuar um novo corte. Substitui‐se, então, a 
cana  antiga  por  um  novo  plantio  e  inicia‐se  um  novo  ciclo  produtivo. 
Nessa  reforma  do  canavial,  a  área  cultivada  fica  alguns  meses  em 
descanso e pode receber outros cultivos de ciclo curto, como leguminosas. 
É  interessante  observar  que,  como  o  ciclo  produtivo  típico  da  cana 
apresenta cinco cortes ao  longo de seis anos, a produtividade média em 
base  anual  deve  levar  em  conta  também  o  período  de  reforma  do 
canavial. Além disso, como uma parte da cana produzida (cerca de 8%) é 
destinada  à  reforma  (replantio)  dos  canaviais,  a  produtividade  anual 
medida  em  toneladas  de  cana  efetivamente  processadas  por  hectare 
plantado  é  inferior  à  produtividade  total  avaliada  em  termos  de  cana 
colhida. 
Em média, a produtividade anual, bastante influenciada pela variabilidade 
climática e pela região produtora, está entre 50 t/ha e 100 t/ha (peso do 
colmo úmido),  ficando a média brasileira em  torno de 70  t/ha plantado, 
um  valor  comparável  às melhores  regiões produtoras em outros países. 
Embora  existam  registros de produtividade de  cana  alcançando  até 200 
t/ha, na Região Centro‐Sul do Brasil, onde  se  localiza a maior parte das 
usinas brasileiras, esses índices estão entre 78 t/ha e 80 t/ha, enquanto no 
Estado de São Paulo (o principal produtor) situam‐se na faixa de 80 t/ha a 
85 t/ha, ambos os casos considerando ciclo de cinco cortes. 
O período da colheita da cana varia de acordo com o regime de chuvas, de 
modo  a  tornar  possíveis  as  operações  de  corte  e  transporte  e  para 
permitir  alcançar  o  melhor  ponto  de  maturação  e  acumulação  de 
açúcares. Na Região Centro‐Sul do Brasil, a colheita é de abril a dezembro, 
enquanto, na Região Nordeste,  é  realizada de  agosto  a  abril. O  sistema 
tradicional  de  colheita,  ainda  utilizado  em  cerca  de  70%  das  áreas 
cultivadas  com  cana‐de‐açúcar  no  Brasil,  envolve  a  queima  prévia  do 
canavial e o corte manual da cana inteira. Esse procedimento, no entanto, 
vem sendo aos poucos substituído pela colheita mecanizada da cana crua 
picada  (sem queima), por conta das  restrições ambientais às práticas da 
queima. Com os  recentes acordos  firmados entre governo e produtores, 
espera‐se que até 2020  toda a cana  seja colhida mecanicamente,  sem a 
queima prévia do canavial. 
Após o corte, a cana é transportada o mais cedo possível para a usina, a 
fim  de  evitar  perdas  de  sacarose.  Exceto  por  poucas  empresas  que 
utilizam algum  transporte  fluvial, o sistema de  transporte é baseado em 
caminhões,  com  diversas  possibilidades  –  caminhão  simples,  duplo 
(Romeu‐Julieta), treminhão, rodotrem –, cuja capacidade de carga varia de 
15 a 60  toneladas. Vale mencionar que, nos últimos anos, a  logística da 
cana,  envolvendo  as  operações  integradas  de  corte,  carregamento  e 
transporte,  vem passando por uma  contínua evolução,  com a  finalidade 
de reduzir os custos e diminuir o nível de compactação do solo. 
A  cana  não  pode  ser  armazenada  por  mais  do  que  poucos  dias  e, 
independentemente do tipo de instalação, as usinas só operam durante o 
período  de  safra,  sendo  as  etapas  iniciais  do  processamento  para 
bioetanol  basicamente  as  mesmas  empregadas  para  a  produção  de 
açúcar.

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