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Literatura Brasileira Estilos de Época Introdução .............................................................. 3 Fase Colonial O Barroco .............................................................. 4 Neoclassicismo ..................................................... 7 Fase Imperial O Romantismo ..................................................... 14 O Realismo .......................................................... 22 Realismo/Naturalismo .......................................... 23 Parnasianismo ..................................................... 24 O Realismo/Naturalismo no Brasil ........................ 27 Fase Moderna O Simbolismo ...................................................... 34 CARLOS ANTÔNIO SIMÕES M2 A re pr od uç ão p or q ua lq ue r m ei o, in te ira o u em p ar te , v en da , ex po si çã o à ve nd a, a lu gu el , aq ui si çã o, o cu lta m en to , em pr és tim o, t ro ca o u m an ut en çã o em d ep ós ito s em au to riz aç ão d o de te nt or d os d ire ito s a ut or ai s é c rim e pr ev is to no C ód ig o P en al , A rti go 1 84 , p ar ág ra fo 1 e 2 , c om m ul ta e p en a de re cl us ão d e 01 a 0 4 an os . Anotações Tecnologia ITAPECURSOS 3 Literatura M2 ESTILOS DE ÉPOCA INTRODUÇÃO O conceito de estilo de época nos leva de imediato ao problema da periodização da literatura, cuja importância é fundamental. Os estilos de época são nomes que designam um sistema de normas e características que dominam a literatura e as artes num momento específico do processo histórico. É possível determinarlhes aproximadamente as características e compreender melhor a significação da obra de arte. Sempre que temos à mão um texto literário, podemos examinálo segundo: A o seu material lingüístico; B a revelação da realidade à luz de uma concepção de vida que nele se manifesta. No Brasil, desenvolveramse literariamente os seguintes principais estilos: BARROCO NEOCLASSICISMO (ARCADISMO) ROMANTISMO REALISMO/NATURALISMO/PARNASIANISMO SIMBOLISMO MODERNISMO. É necessário ressaltar que nem sempre grandes autores são didaticamente bons exemplos; muitas vezes, suas obras transcendem traços de um período literário, deixando transparecer marcas de outros períodos ou mesmo identidades inéditas e inovadoras. Vejamos, abaixo, como o crítico Alceu Amoroso Lima propõe a divisão dos estilos de época no Brasil: I FASE COLONIAL (1500 1830) CLASSICISMO/BARROCO/NEOCLASSICISMO • SÉCULO XVI RECIFE • SÉCULO XVII BAHIA • SÉCULO XVIII MINAS GERAIS • SÉCULO XIX RIO DE JANEIRO II FASE IMPERIAL (1830 1890) • ROMANTISMO (1830 1870) • REALISMO/PARNASIANISMO (1870 1890) III FASE MODERNA (1890 a ...) • SIMBOLISMO (1890 1900) • PRÉMODERNISMO (1900 1920) • MODERNISMO (1920 1945) • NEOMODERNISMO/PÓSMODERNISMO (1945 ...) Vamos adotar para o nosso breve estudo dos estilos de época a abordagem da causalidade histórico sociológica, acentuando a análise das circunstâncias exteriores ou históricas, que não determinam mas influenciam o aparecimento de fenômenos literários assim como concepções de mundo, de Deus, de Homem, de vida, de ciência e de tantos outros conceitos, mutáveis e perecíveis durante a trajetória dinâmica do ser humano. O estilo de época, porém, não pode ser entendido como um compartimento estanque. Os estilos mesclam se; num determinado estilo podem ser vistas características do estilo anterior ou mesmo outros que se consolidarão no estilo posterior. A determinação de marcas ou datas tem finalidade meramente didática. O estudo da literatura sob o prisma do estilo de época deverá levar em consideração: a visão do Homem implícita na obra; a posição do artista em face da obra de arte; o uso do material lingüístico; a situação do texto em relação à literatura. Tecnologia ITAPECURSOS 4 Literatura M2 FASE COLONIAL O BARROCO 1.1 O Período Barroco Situação Histórica no Brasil, do século XVI até o século XVIII. 1.2 Determinantes Históricos Concílio de Trento reunião de cúpula da Igreja Católica que arquitetou a “ContraReforma” tentativa de reconciliação com o fio de cristandade perdido no Renascimento. Reação às tendências renascentistas. “O homem se debate numa convergência entre o espírito secular e o espírito cristão”. SEGUNDO “WOLFLIN” (1864 1945) “A ‘ContraReforma’ opôs a concepção do Homem aberto voltado para o céu à idéia de homem fechado, voltado para a terra e limitado a ela”. O homem barroco é um saudoso da religiosidade medieval, que a Igreja logrou reinspirar nele pelos artifícios artísticos e pela avalanche dinâmica da contrareforma, redespertando os terrores do inferno e a ânsia da eternidade. Mas é, ao mesmo tempo, um seduzido pelas manifestações terrenas e pelos valores do mundo legado do renascimento do amor, do dinheiro, do luxo, do poder, da posição social e da aventura que o humanismo, as descobertas marítimas e as invenções puseram em relevo. Desse conflito, desse dualismo, é impregnada a arte barroca. DUALISMO/CONFLITO Enorme progresso do pensamento racional. Critérios de tolerância religiosa. Concepções irônicas e satíricas de mundo. Sede de ascensão social, poder e fausto. Superstição, medo da bruxaria. Fanatismo Crença em milagres Recusa à ostentação exterior e resignação reflexiva. 1.3 Características da Arte Barroca Culto do Contraste seja no plano estético (exagero de relevos, choques de coloridos), seja no plano das idéias (literatura) amor/sofrimento vida/morte juventude/velhice carne/espírito religiosidade/ erotismo. Recursos mais utilizados nesse aspecto Paradoxo/antítese. Impulso pessoal maior que normas ditadas por modelos. Daí a fraqueza temática do Barroco ou a sua indefinição temática, colocada em segundo plano para sobressair o recurso retórico que deseja evidenciar. Intensidade desejo de exprimir intensamente fantástico, dor amorosa traduzida em palavras de fogo, emoções fortes, o macabro e as alucinações. Recurso mais utilizado: uso abusivo das hipérboles. Tendência para a descrição metódica e minuciosa. CULTISMO/GONGORISMO consiste no jogo de palavras. Essa tendência se baseia em figuras de construção como o hipérbato, por exemplo, imitação de sintaxe latina. Na metáfora e nos neologismos, tentativa de aristocratizar a linguagem literária. O cultismo ou gongorismo é estético. CONCEPTISMO/CONCEITISMO linguagem de conceitos. Aqui a metáfora predomina no seu aspecto intelectual. Tendência para a minúcia, para a especulação meticulosa das idéias. “Ardem chamas n’água, e como vivem das chamas que apura são ditosas salamandras as que são nadantes turbas; Meu peito também, que chora de Anarda Ausências perjuras, o pranto em rio transforma, o suspiro em vento muda.” (MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA) Tecnologia ITAPECURSOS 5 Literatura M2 O Tempo e o Amor “O primeiro remédio é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atrevese o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os Tomemos este trecho do Sermão do Mandato do Pe. Antônio Vieira. Vieira foi o maior prosador do século XVII. Sua obra, cerca de 200 sermões, reflete o que foi sua vida; possui um estilo viril e enérgico. Sua oratória expõe, demonstra e prova, trilhando os caminhos do raciocínio filosófico, sempre caminhando para a conclusão, sua tese. É o maior exemplo do barroco conceptistaentre nós. Percebam que vários temas ou identidades típicas do Barroco estão aqui presentes, como: a consciência profunda da efemeridade das coisas mundanas diante do tempo, o conceptismo, a construção prosal virtuosa e o gosto pela metáforas. Leia o texto abaixo, de Gregório de Matos Guerra e tentemos uma breve análise. À Mesma D. Ângela Anjo no nome, Angélica na cara! Isso é ser flor, e Anjo juntamente! Ser Angélica flor e Anjo florente, Em quem, senão em vós, se uniformara: Quem vira uma tal flor, que não a cortara, Do verde pé, da rama florescente; E quem um Anjo vira tão luzente; Que por seu Deus o não idolatrara? Se pois como anjo sois dos meus altares, Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda, Livrara eu de diabólicos azares. Mas vejo, que por bela, e por galharda, Posto que os Anjos nunca dão pesares. Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda. (MATOS, GREGÓRIO DE. À MESMA D. ÂNGELA) Tema: Linguagem: Figuras de linguagem ou de estilo: Gênero e Espécie: instrumentos, com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afroixalhe o arco, com que já não atira; embotalhe as setas, com que já não fere; abrelhe os olhos, com que vê o que não via; e fazlhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às cousas, descobrelhe os defeitos, enfastialhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gastase o ferro com uso, quanto mais o amor? O mesmo... amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.” EXTRAÍDO DO SERMÃO DO MANDATO Tecnologia ITAPECURSOS 6 Literatura M2 O texto seguinte foi extraído do Sermão da Visitação de Nossa Senhora, do Pe. Vieira. “Esta foi a origem do pecado original, e esta é a causa original das doenças do Brasil tomar o alheio, cobiças, interesses, ganhos e conveniências particulares, por onde a justiça se não guarda e o Estado se perde. Perdese o Brasil, Senhor (digamolo em uma palavra), porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, vêm cá buscar nossos bens. Assim como dissemos que se perdeu o Mundo, porque Adão fez só a metade do que Deus lhe mandou, em sentido averso guardar sim, trabalhar não, assim podemos dizer, que se perde também o Brasil, porque alguns dos seus ministros não fazem mais a metade do que Elrei lhes manda.” Tema: Linguagem: Figuras de linguagem ou de estilo: Gênero e Espécie: Síntese BARROCO Homem em conflito/Século XVII ANTROPOCENTRISMO x TEOCENTRISMO Momento Histórico 1 Fundação da Companhia de Jesus 3 ContraReforma 2 Decisões do Concílio de Trento 4 Volta do poder da Santa Inquisição Características Principais Cultismo: Jogos de palavras, trocadilhos, abuso de imagens e metáforas, antíteses e paradoxos, hipérboles e hipérbatos. Conceptismo: processos racionais e filosóficos de demonstração do pensamento, preocupação em se comprovar a veracidade de uma tese. Aspectos Temáticos como: preocupação com a morte, feísmo (Locus Horrendus), culto do contraste, “Carpe Diem”, niilismo temático. Renascimento Séc. XVI Barroco Séc. XVII Homem guiado pela fé Teocentrismo Volta à Idade Média Conflito, contrasenso Espiritualismo Sinuosidade de pensamento, paixão e emoção Homem guiado pela ciência e pela razão Antropocentrismo Volta à antigüidade clássica Racionalismo Materialismo Equilíbrio Autores Gregório de Matos Guerra: Maior expressão da poesia barroca no Brasil. Sua obra foi organizada pela Academia Brasileira de Letras entre 1923/1933 e foi assim dividida: Sacra, Lírica, Satírica, Graciosa e Última. Em sua poesia sacra, o homem é visto como inserido em uma condição em que o pecado é inevitável; busca o perdão de Deus, infinitamente piedoso. Sua poesiasatírica apresentacríticasocial ferina, linguagem obscena e forte grau de irreverência e agressividade. A melhor produção, porém, é a poesia lírica, em que o poetabaianodesenvolve a maior parte dos temas e características de sua obra e do Barroco, como o Carpe Diem, o virtuosismo nas construções frasais e outros. Pe. Antônio Vieira Bento Teixeira Manuel Botelho de Oliveira Pe. Manuel Bernardes Tecnologia ITAPECURSOS 7 Literatura M2 Todos os itens relacionamse diretamente ao cultismo, EXCETO: Esta característica é uma forte tendência do conceptismo. A ornamentação do estilo, a utilização abusiva de metáforas e o acúmulo de alusões mitológicas no texto são tendências do cultismo. Os conceptistas, freqüentemente, faziam críticas incisivas ao estilo artificial e enigmático dos cultistas. Uma crítica conceptista ao estilo cultista: “Se gostas da afetação e pompa de palavras e do estilo que chamam culto, não me leias. Quando este estilo florescia, nasceram as primeiras verduras do meu; mas valeume tanto sempre a clareza, que só porque me entendiam comecei a ser ouvido. (...) Este desventurado estilo que hoje se usa, os que o querem honrar chamamlhe culto, os que o condenam chamamlhe escuro, mas ainda lhe fazem muita honra. O estilo culto não é escuro, é negro, e negro boçal e muito cerrado. É possível que somos portugueses, e havemos de ouvir um pregador em português, e não havemos de entender o que diz?!” (PADRE ANTÔNIO VIEIRA) NEOCLASSICISMO “A corren te c lassic izante inaugurada pelo Renascimento encontrou na Itália do Cinquecento um clima ideal; detida, porém, durante o século XVII, pelo Barroco, atingirá nas últimas décadas do mesmo século, na França, o seu ponto culminante, em um movimento que foi, de fato, na literatura, o único classicismo moderno realizado, para, penetrando o século XVIII, pontilhar de tendênc ias e escolas neoc lássicas (em lugar do Classicismo e Neoclassiscmo) as diversas literaturas universais a que vieram emprestar coloridos especiais às correntes racionalistas e ilustradas que então triunfaram, antecedendo e preparando a Revolução Francesa.” (AFRÂNIO COUTINHO) 2.1 Situação histórica Século XVIII Século das Luzes, movimento de racionalismo, de investigação científica, emprego da energia a vapor na indústria. Substituição no poder político. A burguesia assume o curso da história em lugar da aristocracia. Enciclopedistas franceses (Diderot, D’Alembert, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, etc.) divulgam novas idéias (1751 1765). O Enciclopedismo e Iluminismo ou filosofia da “ilustração” se confundem num movimento que foi intenso, sobretudo entre 1715 e 1789, do qual a enciclopédia foi a Bíblia. A burguesia foi a classe social que o aplicou na arte, na economia e na vida em geral, criando um tipo de sociedade dominada pela técnica, pelas máquinas, pela indústria. O Iluminismo teve sua recuperação política antes da revolução francesa (1789), e sua conseqüência natural foi o Despotismo Esclarecido de alguns monarcas e chefes de estado, políticofilosóficos, que acreditaram no poder de conciliar a estrutura do antigo regime (monarquia absoluta) com o espírito reformista do Enciclopedismo. Declaração dos Direitos do Homem (1789) inspirada no Enciclopedismo. 2.2 Características da Arte Neoclássica Reação ao mau gosto do Barroquismo. (Rococó) Culto da teoria Aristotélica da arte como imitação da natureza. Persistência das normas ditadas pela antigüidade Clássica. Retorno ao equilíbrio e à simplicidade dos modelos grecoromanos, diretamente ou através dos renascentistas. Presença marcante do bucolismo, da exaltação da vida campesina, com suas paisagens e seus pastores. Simplicidade, mas correção na linguagem. Defesa de um caráter doutrinário da literatura didático e social. No Brasil, o “grupo mineiro” estava envolvido com o movimento da Inconfidência Mineira. Preocupação com o Homem Natural. Tendência, na poesia, para pintar situações, mais que emoções. Condenação darima. Ideais burgueses. a) apelo marcante aos sentidos e à imaginação; b) ornamentação abusiva do estilo; c) jogo de idéias, raciocínios sinuosos; d) gosto pela reiteração de metáforas; e) acúmulo de alusões mitológicas. Resp.: letra c. Tecnologia ITAPECURSOS 8 Literatura M2 2.3 No Brasil A poesia do grupo mineiro está ainda marcada de características do Barroquismo, um rococó ilustrado, mas, de qualquer forma, é o grupo mais representativo do novo estilo no Brasil. Tomás Antônio Gonzaga (Critilo ou Dirceu) musa (Marília) Cláudio Manuel da Costa (Glaceste Saturnio) musa (Nise) Basílio da Gama (Termindo Sipílio) Silva Alvarenga (Alcindo Palmirendo) Frei José de Santa Rita Durão (não usou pseudônimo) Alvarenga Peixoto (não usou pseudônimo) As principais obras do neoclassicismo, no Brasil, foram: Tomás Antônio Gonzaga Cartas Chilenas (sátira social e política); Marília de Dirceu (poesia lírica). Cláudio Manuel da Costa Vila Rica (epopéia) e a obra poética lírica. Basílio da Gama Uraguai (epopéia) Os termos Neoclassicismo e Arcadismo Apesar de decadente, a literatura barroca ainda se infiltrará no século XVIII. Acompanhando, entretanto, o declínio da aristocracia, vaise impondo um novo gosto literário que, em lugar de exprimir o grandioso e majestoso, busca traduzir artisticamente a graça e a beleza simples. Há uma reação consciente contra o Barroquismo, expressa num amplo movimento de restauração da simplicidade e do equilíbrio clássicos, que toma a forma de um novo classicismo. Entendese, pois, por Neoclassicismo a tendência geral, surgida nas artes e na literatura do século XVIII, de imitação dos autores gregos, latinos e renascentistas considerados modelares, num esforço para recuperar o equilíbrio expressivo. O termo Arcadismo designa, por sua vez, a corrente neoclássica italiana que forte influência exerceu sobre a literatura portuguesa. (1) CÂNDIDO, ANTÔNIO. FORMAÇÃO DA L ITERATURA BRASILEIRA, 3. ED. SÃO PAULO, MARTINS, 1969, 1º VOL, P. 43. ARCÁDIA lendária região grega, dominada pelo deus Pan, habitada por pastores, cujo divertimento principal eram as competições poéticas, canções de amor marcadas, principalmente, pela simplicidade e espontaneidade. Já rompe, Nise, a matutina Aurora o negro manto com que a noite escura, Sufocando do Sol a face pura, Tinha escondido a chama brilhadora. Que alegre, que suave, que sonora. Aquela fontezinha aqui murmura! E nestes campos cheios de verdura Que avultado o prazer tanto melhora? Só minha alma em fatal melancolia, Por te não poder ver, Nise adorada, Não sabe ainda, que coisa é a alegria; E a suavidade do prazer trocada, Tanto mais aborrece a luz do dia, Quanto a sombra da noite mais lhe agrada. (CLÁUDIO MANUEL DA COSTA) Minha bela Marília, tudo passa; A sorte desse mundo é mal segura; Se vem depois dos males a ventura, Vem depois dos prazeres a desgraça. Estão os mesmos Deuses sujeitos ao poder do ímpio Fado: Apolo já fugiu do Céu brilhante, já foi pastor de gado. (TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA) Tecnologia ITAPECURSOS 9 Literatura M2 O Fingimento Poético Os poetas árcades procuravam rev iver praticamente o modelo de vida campestre e bucólico da Arcádia, cujos habitantes, simples e ingênuos pastores, levavam uma v ida marcada pela espontaneidade e simplicidade, em contato constante com a natureza, vivendo nela, dela e para ela. A natureza é vista no Arcadismo como refúgio da beleza e da pureza, da vida equilibrada e isenta de paixões perturbadoras. Acreditase fundamentalmente que o Homem, à medida que se afasta da natureza, tornase menos humano e mais afetado pelos males da sociedade civilizada. Nessa tentativa de se reviver o sonho árcade e seu ideal de expressão simples e equilibrada, os poetas do século XVIII chamavamse pastores e adotavam convenções pastorais e pseudônimos de pastores da Antigüidade Clássica. Fundaramse academias onde se buscava a pura expressão poética, livre da excessiva ornamentação barroca, através de uma linguagem simples e de inspiração pastoril. Fruto de um autêntico “império da razão”, buscavase a expressão e o entendimento das coisas terrenas e do Homem, liberta de emoções e deslizes para a fantasia, perda da racionalidade e do pragmatismo. Para conseguir esse ideal de racionalidade, o escritor deveria escolher situações genéricas que ultrapassassem a condição individual. Leia o texto abaixo e resolva as questões propostas em seguida: Lira LXII 1) Todas as afirmativas abaixo são pertinentes em relação ao soneto de Cláudio Manuel da Costa, EXCETO: a) Na primeira estrofe, o poeta personifica um elemento da natureza. b) O poema apresenta uma antítese básica e o desejo de felicidade do “eu lírico” se dirige para o campo. c) Ao se expor liricamente, o “eu lírico” se confessa passional e irracionalmente apegado às origens. d) A paisagem descrita no poema é bucólica e pictoricamente descrita à maneira clássica. e) O pensamento árcade se manifesta principalmente na contraposição entre vida natural e vida cortesã. 2) A antítese fundamental do texto cidade e campo pode ser explicada por todas as traduções abaixo, EXCETO: a) Riqueza x pobreza digna. b) Engano x verdade. c) Fantasia x razão. d) Ódio x amor. e) Fingimento x simplicidade. Torno a vervos, ó montes; o destino Aqui me torna a pôr nestes outeiros, Onde um tempo os gabões deixei grosseiros Pelo traje da Corte rico e fino. Aqui estou entre Almentro, entre Corino os meus fiéis, meus doces companheiros, Vendo correr os míseros vaqueiros Atrás de seu cansado desatino. Se o bem desta choupana pode tanto, Que chega a ter mais preço, e mais valia, Que da cidade o lisonjeiro encanto; Aqui descanse a louca fantasia; E o que até agora se tornava em pranto, Se converta em afetos de alegria. (CLÁUDIO MANUEL DA COSTA) outeiro: pequeno monte gabão: capote de mangas ou casacão com capuz Almendro e Corino: pastores desatino: loucura lisonjeiro: adulador, bajulador. Tecnologia ITAPECURSOS 1 0 Literatura M2 3) Entre os elementos estruturais do poema, marque aquele que NÃO vem identificado corretamente: a) Ambiente em que se manifesta a voz do “eu lírico” a cidade ou a corte b) “Eu lírico” voz que se manifesta no poema tratase de um vaqueiro c) Elementos pictóricos campos, outeiros, montes d) Elementos que traduzem contraste social gabões e trajes ricos e finos e) Expressão que traduz o desejo de felicidade do “eu lírico” “E o que até agora se tornava em pranto, se converta em afetos de alegria.” 4) Todas as palavras ou expressões listadas abaixo contrastam com o elemento urbano, EXCETO: a) outeiros. d) cansado desatino. b) gabões grosseiros. e) pranto. c) míseros companheiros. 5) As afirmativas abaixo podem ser comprovadas pela leitura do texto, EXCETO: a) O poema apresenta uma característica que também está presente no Parnasianismo: o retorno ao clássico. b) Ao desenvolver a contraposição entre cidade e campo, estruturando o texto em torno de uma antítese, o poeta estabelece um ponto de contato com a poesia barroca. c) A opção que o “eu lírico” fez pela cidade, que, aliás, ele revela como engano, foi emocional e utópica, atitude mais condizente com o Romantismo. d) A presença marcante do abstrato, do vago e do impreciso aproximam o poema dos ideais do SIMBOLISMO. e) A ausência de imagens transcendentes, a valorização do raciocínio e do equilíbrio estabelecem um ponto de contato entre o arcadismo e o realismo. 6) Leia atentamente as estrofes abaixo: “Que trecho havemos de esperar, Marília bela? Que vão passando os florescentes dias? As glórias que vêm tarde, já vêm frias, E pode, enfim, mudarse a nossa estrela. Ah! Não, minha Marília, Aproveitese o tempo,antes que faça O estrago de roubar o corpo as forças, E ao semblante a graça!” (TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA) “Goza, goza da flor da mocidade Que o tempo trata a toda ligeireza E imprime a toda flor, sua pisada, Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.” (GREGÓRIO DE MATOS) Em relação a esses textos, todas as afirmações estão corretas, EXCETO: a) A temática filosófica tratada nos dois poemas é apenas pretexto para um convite de ordem amorosa, o que se pode provar pela presença de um suposto interlocutor feminino. b) A preocupação do homem com a força inexorável do tempo é uma constante, embora os neoclássicos a tenham sentido de forma mais amena. c) Barroco e Neoclassicismo são movimentos literários que apresentam características em muitos pontos antagônicas. d) O escoamento do tempo é temática tratada com maior angústia no período barroco, haja vista a forte seqüência dos vocábulos “cinza”, “pó”, “nada”. Tecnologia ITAPECURSOS 1 1 Literatura M2 7) Todas as opções abaixo apresentam aspectos temáticos do Arcadismo, EXCETO: a) Expressão racional da natureza para manifestação da verdade universal. b) Aplicação da “mimeses” arístotélica: conceito de que a arte é expressão da natureza. c) O culto à razão, à natureza e à verdade reforçam o valor concedido ao sentimento e à emoção; individuais na poesia árcade. d) O modelo de “homem ideal”’ simples e humilde é um dos determinantes da convenção pastoral no Arcadismo. INSTRUÇÃO: A questão a seguir referese ao texto abaixo: “Quando, formosa Nise, dividido De teus olhos estou nessa distância, Pinta a saudade, à força de minha ânsia. Toda a memória do prazer perdido. Lamenta o pensamento amortecido A tua ingrata, pérfida inconstância; E quando observa, é só a vil jactância Do fato, que os troféus têm conseguido. Aonde a dita está? Aonde o gosto? Onde o acontecimento? Onde a alegria, Que fecundava esse teu lindo rosto? Tudo deixei, ó Nise, aquele dia, Em que deixando tudo, o meu desgosto Somente me seguiu por companhia.” (CLÁUDIO MANUEL DA COSTA) * jactância: orgulho, vaidade 8) (FUVEST) O soneto em questão apresenta o seguinte recurso poético: a) A personificação (da saudade, do pensamento, do desgosto) que praticamente ocupa o lugar das personagens e que se materializa por força dos verbos (“pinta”, “lamenta”, “observa”). b) O uso abusivo de abstratos (“a saudade pinta a memória do prazer sentido”, “o pensamento lamenta a tua inconstância) para enfatizar a idéia de que o sofrimento do poeta é moral e não emocional. c) A sistemática inversão da ordem sintática (dos termos e das orações), que sugere a insegurança e instabilidade emocional que Nise sentia diante de um apaixonado tão confuso. d) O uso sistemático de metáforas (“a saudade pinta a memória do prazer sentido”, etc.) que indica o caráter abstrato do sofrimento do poeta, delineando a amada como um ser que existiu apenas em sua memória. 9) “Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido; Porque quanto mais tenho delinqüido, Vos tenho a perdoar mais empenhado.” O trecho do poema de Gregório de Matos “A Jesus Cristo Nosso Senhor” evidencia que o Barroco: a) preocupase com o uso de vocábulos raros. b) procura sugestões de luz, cor e som para as suas composições. c) louva a mulher conforme a tradição lírica anterior. d) traduz a angústia do homem ante sua condição de mortal. Tecnologia ITAPECURSOS 1 2 Literatura M2 10) LEIA, com atenção, os textos abaixo. Texto I “Discreta e formosíssima Maria, Enquanto estamos vendo claramente Na vossa ardente vista o sol ardente, E na rosada face a aurora fria; Enquanto pois produz, enquanto cria Essa esfera gentil, minha excelente. No cabelo o metal mais reluzente E na boca a mais fina pedraria, Gozai, gozai da flor da formosura, Antes que o frio da madura idade Tronco deixe despido o que é verdura. Que passado o zenith da mocidade, Sem a noite encontrar da sepultura, É cada dia ocaso da beldade.” (GREGÓRIO DE MATOS) Texto II “Minha bela Marília, tudo passa; A sorte deste mundo é mal segura; Se vem depois dos males a ventura, Vem depois dos prazeres a desgraça. Estão os mesmos deuses Sujeitos ao poder do ímpio Fado: Apolo já fugiu do Céu brilhante, Já foi pastor de gado. Ah! Enquanto os Destinos impiedosos Não voltam contra nós a face irada, Façamos, sim façamos, doce amada, os nossos breves dias mais ditosos. Um coração que frouxo A grata posse de seu bem difere, A si, Marília, a si próprio rouba, E a si próprio fere. Ornemos nossas testas com as flores, E façamos do feno um brando leito; Prendamonos, Marília, em laço estreito (...)” (TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA) ímpio = impiedoso; ditosos = felizes; fado = destino O texto I é barroco e o texto II é árcade. a) IDENTIFIQUE o elemento temático comum aos dois poemas: b) DESTAQUE: Do texto I e do texto II um trecho de cada que exemplifiquem a preocupação com o fluir do tempo. I II c) REDIJA um pequeno texto em que apareçam: • o objetivo do “eulírico” ao se dirigir à mulher amada. • o principal argumento que “eles utilizam”. 11) “Gozai, gozai da flor da formosura, antes que o frio da madura idade tronco deixe despido o que é verdura.” CONSTRUA um período em que se traduza em linguagem denotativa a antítese presente na estrofe acima. Tecnologia ITAPECURSOS 1 3 Literatura M2 12) O texto II, embora sendo árcade, apresenta ainda na primeira estrofe, um elemento típico da poesia barroca. TRANSCREVAo. 13) A arte é uma mistura de tradição e renovação, características dos diversos estilos de época, inseridos no jogo da sociedade e da cultura. É freqüente que textos contemporâneos assumam traços e temas de estilos de época muito antigos em relação aos dias atuais. Após a leitura de cada texto abaixo, IDENTIFIQUEo estilo que ele retoma e o elemento que você identificou. a) “Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.” (Ferreira Gullar) b) “Eu queria ter na vida simplesmente, um lugar de mato verde, pra plantar e pra colher. Ter uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela para ver o sol nascer.” 14) “O contraste entre a vida urbana e a campestre é certamente tradicional, mas foi especialmente em relação a Roma que o contraste cristalizouse, no momento em que a cidade passou a ser vista como um organismo independente. A vida citadina fervilhante, de lisonja e suborno, de sedução organizada, de barulho e tráfego, de ruas perigosas por causa dos ladrões, com casas frágeis amontoadas, sempre ameaçadas de incêndio, é a cidade com algo autônomo, seguindo seu próprio caminho. Assim, refugiarse desse inferno no campo ou na costa já é uma visão diferenciada do simples contraste entre a vida rural e a vida urbana. Tratase, naturalmente, de visão de uma pessoa que vive de rendas: o campo fresco no qual o poeta se refugia não é o do agricultor, e sim o do morador desocupado.” O texto faz alusão a um certo artificialismo na atitude lírica do pastoralismo neoclássico, muito em voga nos dias de hoje. EXPLIQUE essa atitude artificial, tanto na época do neoclassicismo, como nos dias de hoje. Tecnologia ITAPECURSOS 1 4 Literatura M2 FASE IMPERIAL O ROMANTISMO 1.1 Introdução O Romantismo foi o movimento estético surgido na Europa nos fins do século XVIII que trouxe à arte o gosto e a alma da emergente burguesia industrial. Surgiu como uma oposição ao movimento classicista, de gosto aristocrático e estritamente preso a normas e modelos rígidos. O romântico não deseja mais compreender racionalmente o mundo, deseja sentilo: quer vivêlo com a emoção e com o coração. Em relação à nobreza, culta e refinada, os burgueses eram “povo”, de gosto duvidoso.Por isso, a literatura burguesa seria simples, expressando os sentimentos e os impulsos da alma. No caso específico da li teratura, não se mostravam os descompassos sociais. Essa literatura burguesa apelou para a fuga, o sonho e o individualismo. Os burgueses, ricos por excelência, não estavam dispostos a repartir riquezas; os poetas e escritores reconheciam a miséria do proletariado mas, antes de tudo, prevalecia a individualidade e a liberdade de criação do artista. Houve uma premissa entre os românticos: o indivíduo estava acima da sociedade. O burguês, paradoxalmente, sentiase parte do povo e, assim foi buscar nas tradições populares, a inspiração e os motivos de sua criação literária. O folclore, os heróis populares, os mitos e o ardor patriótico marcaram a literatura romântica. O romântico, geralmente, não procura ou não quer enxergar a sociedade em que vive, fugindo da realidade que o cerca e entregandose a viagens imaginárias ao passado, a terras distantes e exóticas. Assim, a natureza, como parte de uma “ordem natu ral”, tão difundida entre os árcades, é, para os românticos, uma extensão de seu próprio “eu”, inóspita ou tumultuada, sempre idealizada segundo um estado de espírito. Para finalizar esta introdução, podemos afirmar que o romântico se coloca no centro de um mundo que não lhe agrada, que agride sua individualidade e, por isso, ele foge numa viagem em que a imaginação e o sentimento não têm censura nem amarras. A essência românticoburguesa e sua individualidade egocêntrica. Observem o trecho do romanceSenhorade José de Alencar. Em seguida escreva no espaço que se segue a característica romântica mais evidente. “Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões. Tornouse a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Era rica e formosa. Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante. Quem não se recorda da Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da corte como brilhante meteoro, e apagouse de repente no meio do deslumbramento que produzira o seu fulgor?” (ALENCAR, JOSÉ DE. SENHORA.) 15) LEIA os textos abaixo. “Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado da vossa alta clemência me despido, porque quanto mais tenho delinqüido vos tenho a perdoar mais empenhado.” (GREGÓRIO DE MATOS) “Minha bela Marília, nos sentemos, à sombra desse cedro levantado, e um pouco meditemos na regular beleza, que em tudo nos ensina a sábia natureza.” (TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA) Em apenas um período, ESTABELEÇA a relação entre a razão e a emoção nos dois textos. Tecnologia ITAPECURSOS 1 5 Literatura M2 1.2 O Romantismo no Brasil O movimento romântico surge no Brasil num ambiente marcadamente nacionalista. A jovem nação recentemente independente de Portugal vivia o período típico de afirmação. A intelectualidade brasileira buscava libertarse culturalmente de Portugal e o Romantismo surge como expressão desse sentimento de nacionalidade e ardor patriótico. Na busca de cor local, a tríade pátrianaturezaíndio foi o grande motivo da literatura romântica brasi leira. A burguesia da época, marcadamente proprietários rurais, evitava qualquer crítica social, valia mais o aparente equilíbrio de uma sociedade idealizada nas páginas dos romances. O crescente público leitor, formado por estudantes ricos, comerciantes, funcionários públicos, profissionais liberais, mulheres casadas e moças casadoiras davam enorme popularidade ao romance. O sonho, a fantasia, os grandes casos de amor agra davam ao público, que buscava distração e nada mais. A pátria aparece no Romantismo Brasileiro como uma terra paradisíaca, de natureza exuberante, beijada pelo sol dos trópicos e pela noite povoada do brilho estrelar. O índio tornase o símbolo máximo de nossa brasilidade. E o grande herói mítico, nobre guerreiro habitante das matas virgens. E o silvícola, idealizado na poesia e prosa do Romantismo Brasileiro afastouse tanto da realidade que mais se assemelhava aos nobres cavaleiros medievais que habitavam as páginas dos romances românticos europeus. O paradoxo da criação romântica no Brasil situavase na tentativa de se fazer uma literatura nacional num país sem qualquer tradição cultural, de gosto europeizado. Mesmo sendo evitada, a cópia ou transplantação de modelos europeus foi inevitável. Observemos agora, um excerto de prefácio de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães, obra de 1836, considerada como marco inicial de Romantismo brasileiro. “ Hoje o Brasil é filho da civilização francesa, e como é filho dessa revolução formosa que abalou os tronos da Europa e repartiu com os homens a púrpura e o cetro dos reis” . (GONÇALVES DE MAGALHÃES) Houve, no Brasil, um desrespeito total às regras clássicas dos gêneros e o verso ganhou liberdade. Verificouse a preferência pelo drama burguês e pelo romance, uma tentativa de fazer uma língua nacional com vocabulário novo e uma temática marcadamente nacionalista e de cunho popular. O Romantismo foi introduzido no Brasil em 1836 por Domingos José Gonçalves de Magalhães através do livro de poemasSuspiros Poéticos e Saudades. Após a leitura do texto anterior, enumere as características do Romantismo brasileiro citadas: Tecnologia ITAPECURSOS 1 6 Literatura M2 1.3 A Poesia Romântica Brasileira Podemos dividir a poesia romântica brasileira em três gerações de acordo com tendências e variações nela verificadas durante o movimento no Brasil. Essas tendências podem ser distribuídas: Principais Obras • Canção do Exílio • I Juca Pirama • Canção do Tamoio • Lira dos Vinte Anos • Noturnas • Navio Negreiro • Vozes D’África Principais Poetas • Gonçalves Dias • Álvares de Azevedo • Fagundes Varela • Castro Alves Comentários Representa a fase de exaltação do índio brasileiro, imitando a iniciativa de poetas franceses. Poesia egocêntrica e sentimental, exprimindo um pessimismo doentio. Poesia revolucionária ligada às questões políticas e sociais do Brasil. Tendências Indianista UltraRomantismo (mal do século) Poesia Social Fases 1ª Fase 2ª Fase 3ª Fase Na 1ª geração, merece destaque a poesia de Gonçalves Dias a quem se deve a consolidação do Movimento Romântico no Brasil. O poeta do Maranhão trabalhou brilhantemente os temas iniciais do Romantismo, como o indianismo, a natureza pátria, a religiosidade, o sentimentalismo e o espírito de brasilidade. Gonçalves Dias é considerado o maior poeta do indianismo brasileiro. Formalmente, caracterizamse pela perfeita utilização dos vários recursos da métrica, da musicalidade e ritmo, como provam os versos seguintes de I Juca Pirama, em redondilha menor. “Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi: Sou filho das selvas, Nas selvas cresci; Guerreiros, descendo Da tribo tupi. Da tribo pujante, Que agora anda errante Por fado inconstante, Guerreiros, nasci: Sou bravo sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi”. A segunda geração teve como expoente Álvares de Azevedo, responsável pelos contornos definitivos do “Mal do Século” em nossa literatura, produzindo uma obra influenciada por Byron de quem herdou o sarcasmo, a ironia, o pessimismo e a autodestruição. Seus poemas falam de amor e morte, um amor sempre idealizado, irreal, povoado de donzelas ingênuas, virgens, misteriosos vultos femininos, personagens dos sonhos e das alucinações. Observemos abaixo o fragmento do poema Lembranças de Morrer. Lembranças de Morrer (fragmento) Quando em meu peito rebentarse a fibra Que o espírito enlaçaa dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Tecnologia ITAPECURSOS 1 7 Literatura M2 Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro – Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro. Só levo uma saudade – é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas... De ti, ó minha mãe, pobre coitada Que por minha tristeza te definhas! Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda É pela virgem que sonhei... que nunca Aos lábios me encostou a face linda! Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizarse o sonho amigo... Ó minha virgem dos errantes sonhos, Filha do céu, eu vou amar contigo! Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: – Foi poeta – sonhou – e amou na vida. A respeito do texto, responda: 1. Em “Lembranças de Morrer”, como se concretiza o sonho do poeta? 2. Aponte três temas específicos da 2ª geração romântica presentes no poema. Na terceira geração de poetas românticos, verificamse transformações importantes nos temas, principalmente o surgimento de uma maior preocupação dos poetas com os problemas de natureza social e política, principalmente a abolição da escravatura. O maior expoente dessa geração foi o poeta bahiano Antônio Frederico de Castro Alves. Enquanto os poetas das gerações anteriores tinham sua visão estreitada pelo egocentrismo e sentimentalismo exacerbado, Castro Alves, apesar de, como todo romântico, cultivar o egocentrismo, demonstrou visão mais larga, interessandose não apenas pelo “eu” mas por temas que enfocavam a realidade que o cercava, num processo de universalização, bem diferente do patriotismo ufanista de seus antecessores. A poesia líricoamorosa evolui da idealização para a concretização; aparece uma mulher de carne e osso e bastante sensual. Tecnologia ITAPECURSOS 1 8 Literatura M2 “Boanoite, Maria! Eu voume embora. A lua nas janelas bate em cheio. Boanoite, Maria! É tarde... é tarde... Não me apertes assim contra teu seio. Boanoite!... E tu dizes – Boanoite. Mas não digas assim por entre beijos... Mas não mo digas descobrindo o peito, – Mar de amor onde vagam meus desejos. Mulher do meu amor! Quando os meus beijos Treme tua alma, como a lira ao vento, Das teclas de teu seio que harmonias, Que escalas de suspiros, bebo atento!” Navio Negreiro (Transcrição na íntegra, da última parte do poema). VI E existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixaa transformarse nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que imprudente na gávea tripudia?!... Silêncio!... Musa! chora, chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra, E as promessas divinas da esperança... Tu, que da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança, Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo’ O trilho que Colombo abriu na vaga, Como um íris no pélago profundo!... ... Mas é infâmia de mais... Da etérea plaga Levantaivos, heróis do Novo Mundo... Andrada! arranca este pendão dos ares! Colombo! fecha a porta de teus mares (ALVES, CASTRO. OBRA COMPLETA, 2 ED. RIO DE JANEIRO, AGUILAR, 1966, P. 2501). 1.4 A Prosa Romântica No processo histórico que se seguiu à independência do Brasil, verificouse nas principais cidades brasileiras, principalmente, no Rio de Janeiro, o surgimento de um público leitor. A Corte já possuía uma burguesia urbana relativamente numerosa formada principalmente por aristocratas rurais, estudantes, funcionários públicos e profissionais liberais ávidos de entretenimento. O espírito nacionalista, tão presente naquele momento em conseqüência da independência política exigia a “cor local” para o enredo dos romances ou folhetins, que se tomaram popularíssimos entre esse público. Os romances procuravam atender às expectativas e exigências desse público e, por isso, trilharam os caminhos das amenidades da corte, das paixões rurais ou das proezas dos imponentes selvagens, apresentando personagens idealizados pela ideologia romântica, onde os leitores identificavam uma realidade que lhes convinha. É bom ressaltar que algumas obras da época fugiram relativamente a esse esquema como Memórias de um Sargento de Milícias de Manuel Antônio de Almeida ou Inocência do Visconde de Taunay. Tecnologia ITAPECURSOS 1 9 Literatura M2 Para efeito didático, poderíamos esquematizar assim a produção ficcional romântica no Brasil: Percebese, pelo quadro, que José de Alencar foi o mais fecundo ficcionista do Romantismo brasileiro. Político conservador, grande proprietário de terras, escravocrata e nacionalista intransigente consolidou a prosa romântica no Brasil. Alencar defende em sua ficção indianista o casamento do índio com o colonizador: uns ofereciam a natureza virgem e a pureza, outros a cultura, resultando daí a formação do povo brasileiro. 1.5 Estudo de Texto Iracema Capítulo II Obras e Autores O Guarani, Iracema, Ubirajara José de Alencar O Ermitão de Muquém Bernardo Guimarães Lucíola e Senhora José de Alencar A Moreninha Joaquim Manuel de Macedo O Gaúcho, O Tronco do Ipê José de Alencar O Garimpeiro Bernardo Guimarães A Guerra dos Mascates e as Minas de Prata José de Alencar O Sertanejo, A Escrava Isaura Bernardo Guimarães Inocência Visconde de Taunay Tipos Romances indianistas Romances urbanos Romances regionalistas Romances históricos Romances rurais Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhavalhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os únicos cabelos. Escondidos na folhagem, os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco; e concerta com o sabiá da mata, pousando no galho próximo, o canto agreste. A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras, remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios de crautá, as agulhas de jucara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão. Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturbase. Diante dela e todo a contemplála, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobremlhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangueborbulham na face do desconhecido. De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada; mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida. O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara. A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida; deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada (...) Tecnologia ITAPECURSOS 2 0 Literatura M2 Com base no texto, responda: 1. A descrição da heroína está de acordo com o perfil do herói romântico? Justifique. 2. Como se apresenta a natureza no trecho apresentado e qual a relação entre personagem e natureza? 3. Comente o relacionamento entre o elemento nativo e o branco colonizador. 1) Os trechos transcritos abaixo referemse ao Romantismo brasileiro. Indique a característica romântica ressaltada em cada um. a) “O fulcro da visão romântica do mundo é o sujeito. Diríamos hoje, em termos de informação, que é o emissor da mensagem”. (ALFREDO BOSI) b) “... serviu não apenas como passado mítico e lendário (à maneira da tradição folclórica dos germanos, celtas e escandinavos), mas como passado histórico, à maneira da Idade Média...” (ANTÔNIO CÂNDIDO) c) “Apesar de os românticos terem constituído um grupo relativamente pequeno, e apesar da pequena densidade da cultura intelectual do Brasil no século XIX, a eles coube dar uma definição do Brasil”. (DANTE M. LEITE) d) “Os escritores românticos não mais seriam obrigados a buscar inspiração na paisagem física, social e humana de Portugal. Bastava olharem ao derredor de si e a literatura que produzissem não era, necessariamente, inferior à dos portugueses”. (AFRÂNIO COUTINHO) Tecnologia ITAPECURSOS 2 1 Literatura M2 2) Leia o excerto de “Eutanásia” e assinale a afirmativa INCORRETA: “E quem to disse – que a morte é a noite escura e fria, o leito de terra úmida, a podridão e o lodo? Quem to disse – que a morte não era mais bela que as flores sem cheiro da infância, que os perfumes peregrinos e sem flores da adolescência? Quem to disse – que a vida não é uma mentira – que a morte não é uma mentira – que a morte não é o leito das trêmulas venturas? a) O poeta realiza nesse excerto uma inversão de flores e concebe a morte como valor otimista. b) O poeta realiza uma desconstrução da imagem macabra e gótica da morte e a configura como triunfo. c) Através do encadeamento de metáforas e interrogações sugere a dúvida sobre o conceito de morte. d) A eutanásia – abreviação da vida – adquire significado inovador: a morte não é o alívio, mas uma ação suplementar à própria vida. 3) Todos os excertos abaixo interpretam corretamente a mulher, EXCETO: a) “Pálida, à luz da lâmpada sombria. Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! A palidez, o leito de flores e o embalsama mento dispõem o corpo da mulher próximo ao estado de morte. b) “Em um castelo doirado Dorme encantada donzela; Nasceu – e vive dormindo – Dorme tudo junto dela. Adormeceua sonhando Um feiticeiro condão E dormiu no seio dela As rosas do coração.” A donzela aqui é retratada sob a condição parafrásica: tratase de uma referência aos contos de fada. c) “Como dormia! Que profundo sono!... Tinha na mão o ferro do engomado... Como roncava maviosa e pura!... Quase caí na rua desmaiado!” Embora retratada numa cena cotidiana, a mulher não perde o alto grau idealizante. d) “Ó minha amante, minha doce virgem, Eu não te profanei, e dormes pura: No sono do mistério, qual na vida, Podes sonhar apenas na ventura.” A mulher é idealizada em tal proporção, que o poeta teme tocála e assim profanála. 4) Leia atentamente o seguinte poema: “Pálida, à luz da lâmpada sombria Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar! na escuma fria Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d’alcorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! O seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando... Não te rias, de mim, meu anjo lindo! Por ti – as noites eu velei chorando, Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!” Assinale a alternativa INCORRETA sobre o soneto: a) O poema revela uma antítese freqüente: o sonho como espaço de possível realização amorosa, e o despertar como consciência da dor e da frustação. b) O poema, no todo dos seus versos, explora forte sensualidade em relação à figuração do feminino. c) A primeira estrofe apresenta a mulher como “pálida” e “embalsamada”, sob pouca luz, figurando a morte, já na terceira estrofe, ela nos é apresentada sob a luz do dia, corporificada e sedutora e plena de vida. d) No último terceto, a mulher, através do riso, desconstrói o olhar idealizante do amante, ao que ele mostrase frustrado e dorido. Tecnologia ITAPECURSOS 22 Literatura M2 REALISMO NATURALISMO PARNASIANISMO SITUAÇÃO HISTÓRICA Três grandes movimentos literários de prosa e poesia floresceram durante a segunda metade do século XIX, penetrando pelo século XX: o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo. Devese, entretanto, encarálos como movimentos exclusivos do século XIX. O REALISMO A segunda metade do século XIX, na Europa, é uma época de progressos vertiginosos em todos os setores. No campo científico, Darwin demonstra a evolução das espécies; Pasteur penetra no segredo dos microorganismos; Koch descobre o bacilo da tuberculose; Lamarck estabelece bases concretas para a biologia. No campo das ciências humanas, Comte cria o Positivismo, reduzindo o homem e a sociedade ao fato positivo, exterior, visível e negando, assim, a metafísica. Marx elabora a sua doutrina; Taine reformula a crítica literária; o socialismo se estrutura e ganha adeptos. Com o crescimento desordenado das cidades, grandes e profundas diferenças sociais se concretizam. O artista, agora, já não pode isolarse em sua subjetividade. Agora ele é um participante do mundo, quando pouco, um observador do mundo. Uma constelação de traços vai configurar um novo estilo de época no campo artísticoliterário. Esses traços ou princípios filosóficos podem ser assim resumidos: • predomina uma concepção materialista do mundo; • a realidade é interpretada como um todo orgânico. O universo, o homem e a natureza estão intimamente ligados, em igualdade de condições, aos mesmos princípios, leis e finalidades; • para compreender e explicar a realidade, o homem só se pode valer do conhecimento científico, através de fatos. É preciso conhecer a realidade para analisála com precisão; • não há transcendência: fatos psicológicos e sociais submetemse às leis do universo e são manifestações materiais; • a natureza do homem, bem como a dos demais seres, é determinada por circunstâncias exteriores; • a verdade, o bem e o belo já existem nas coisas, independentes de razões subjetivas. A literatura realista pretende mostrar essa nova visão de mundo. Daí, os escritores realistas assumirem a mesma postura dos cientistas. “O Romantismo era a apoteose do sentimento; o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem, é a arte que nos pinta a nossos próprios olhos para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o que houve de mau em nossa sociedade”. (EÇA DE QUEIROZ) Tecnologia ITAPECURSOS 23 Literatura M2 São estas as características gerais da literatura realista: • Preocupação com a realidade exata, não apenas verossímil; • Análise sistemática da realidade; • Rigorosa lógica entre as causasbiológicas e sociais que determinam o comportamento dos personagens; • Determinismo na atuação dos personagens. O herói realista tem um comportamento determinado por forças sociais ou exteriores. Capitu, a heroína de Dom Casmurro, teria sido levada ao adultério por forças de circunstâncias pressionadoras externas, como a simpatia e a presença de Escobar e a insegurança de Bentinho; • O drama de uma vontade individual contra as forças cegas do determinismo biológico, social e cósmico. O herói realista é uma vontade em choque com o mundo e acaba sempre vencido por ele. Afinal, como pretende a estética realista, o homem não tem sobre os outros seres quaisquer privilégios especiais; • O personagem realista é fruto da observação, é fruto concreto, vivo. Aluísio de Azevedo, por exemplo, para compor o personagem central de “O Mulato”, marco da nova estética no Brasil (1881), inspirase em Celso Magalhães e em Gonçalves Dias. • Predominância da narração na prosa realista, já que ela não pretende fornecer uma interpretação da vida; • Representando, de certa forma, uma rebeldia contra “o idealismo romântico relacionado com a classe alta”, o realismo logrou impor a pintura verdadeira da vida dos humildes e obscuros, os homens e mulheres comuns; No plano estético, a linguagem, entendida agora como fruto mais do trabalho que da inspiração, decorre de um longo processo de síntese, despojada de todas as coisas não essenciais. Os realistas manejam as palavras como um cirurgião maneja um bisturi, precisamente. REALISMO/NATURALISMO O Naturalismo é um prolongamento ou mesmo uma deformação do Realismo. Uma conseqüência das novas idéias científicas e filosóficas que invadiam a Europa na segunda metade do século XIX. Os escritores aplicam na literatura os postulados básicos do evolucionismo, da hereditariedade biológica e do positivismo. O romancista se compara ao médico. “O que os cirurgiões fazem com os cadáveres, limitome a fazer com os seres vivos”. (EMILE ZOLA) O Naturalismo é, pois, um Realismo acrescido de certos elementos que o distinguem deste outro. Fortalecido por uma teoria peculiar de cunho científico, uma visão materialista do homem, da sociedade e da vida, o Naturalismo põe ênfase na liberdade de expressão e aumenta o interesse na sociedade, sobretudo nas camadas mais baixas. Para tentarmos uma síntese, podemos afirmar que “o Realismo tende para a visão biológica do homem; o Naturalismo encaminhase para uma visão patológica”. Seriam características gerais do Naturalismo: • O personagem é um animal, preso a forças superiores e fatais; • O naturalismo observa o homem por método científico, como um mero caso a ser analisado; • O naturalismo em sua preocupação com a ciência e o processo científico não acha indigno da literatura tudo o que esteja na natureza. Assim, o naturalismo se conduz a um certo amoralismo, pela universalidade e fidelidade ao fato, não se importando com as opiniões sobre o fato, mas sim com o fato em si próprio; • as demais características coincidem com o Realismo. A título de exemplo, examinemos os primeiros parágrafos de “O Mulato”, de Aluísio de Azevedo. “Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que não se podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes; as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se Tecnologia ITAPECURSOS 24 Literatura M2 mexiam; as carroças de água passavam a todo instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa, pernas arregaçadas, invadiam semcerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos, não se encontrava viv’alma na rua, tudo era concentrado, aborrecido, só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho. A praça da Alegria apresentava um ar fúnebre. De um casebre, de porta e janela, ouviamse gemer os armadores enferrujados de uma rede e uma voz tísica e aflautada cantar em falsete a “gentil Carolina era bela”. Doutro lado da praça, uma preta velha, vergada por imenso tabuleiro de madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto por uma nuvem de moscas, apregoava em tom muito arrastado e melancólico: fígado, rins e coração! Era uma vendeira de fatos de boi. As crianças nuas, com as perninhas tortas de tanto cavalgar as ilhargas maternas, as cabeças avermelhadas pelo sol, a pele crestada, os ventrezinhos amarelentos e crescidos, corriam e guinchavam. Um ou outro branco, levado pela necessidade de sair, passava pela rua, suando, vermelho afogueado, debaixo de um enorme chapéudesol. Os cães, estendidos pelas calçadas, tinham uivos que pareciam gemidos humanos, movimentos irascíveis, mordiam o ar procurando mosquitos. O quitandeiro, cochilando sobre o balcão, cultivava sua preguiça morrinhenta, acariciando o seu imenso e descalço pé”. PARNASIANISMO As novas tendências, de tanto êxito na prosa, vão consubstanciarse numa atitude Iiterária típica na poesia: o Parnasianismo. Presos aos princípios do positivismo, do cientificismo, presos à objetividade dos realistas, os poetas tendem para: • uma poesia descritiva, pautada na pintura de fenômenos naturais, fatos da história (exs.: “Vaso Chinês” e “O Muro” de Alberto de Oliveira, “Satânia, a Tentação de Xenócrates” e “O Caçador de Esmeraldas” de Olavo Bilac); • uma preocupação acentuadíssima com a técnica, com a composição do poema; • versos impassíveis, perfeição formal, cuidado com a rima, com o ritmo, com a seleção vocabular, como esclarece enfaticamente Olavo Bilac, na sua famosa “Profissão de Fé”. Profissão de Fé (Fragmento) Invejo o ourives quando escrevo: imito o amor Com que ele, em ouro, o alto relevo faz de uma flor. Imitoo. E, pois nem de Carrara A pedra firo: O alvo cristal, a pedra rara o ônix prefiro. Tecnologia ITAPECURSOS 25 Literatura M2 Por isso, corre, por servirme, Sobre o papel a pena, como em prata firme Corre o cinzel. Corre, desenha, enfeita a imagem, A idéia veste: Cingelhe o corpo a ampla roupagem Azul celeste. Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e enfim, No verso de ouro engasta a rima, como um rubim. Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito do ourives, saia da oficina Sem um defeito. (...) Assim procedo. Minha pena Segue esta norma, Por te servir, Deusa serena, Serena forma! Celebrarei o teu ofício No altar: porém, Se inda é pequeno o sacrifício, Morra eu também! Caia eu também, sem esperança, Porém tranqüilo, Inda ao cair, vibrando a lança, Em prol do Estilo! • uma posição de volta aos motivos clássicos, assinalando ainda mais a posição antiromântica do movimento; • arte pela arte, a poesia pela poesia; • uma parcirmônia no uso de metáforas e imagens, como os exemplos mostram à saciedade. Tecnologia ITAPECURSOS 26 Literatura M2 Relacione os versos às características da poesia parnasiana. (A) Linguagem sofisticada (B) Poesia de tendência clássica (C) Gosto pela descrição de objetos de arte (D) Reflexão filosófica (E) Culto da forma Arte pela arte 1º ( ) “Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino, escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego. Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço; e a trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua, Rica mas sóbria, como um templo grego”. 2º ( ) “Estranho mimo aquele vaso! Vio Casualmente, uma vez, de um perfumado Cantador sobre o mármore luzidio, Entre um leque e o começo de um bordado.” 3º ( ) “Se se pudesse o espírito que chora, ver através da máscara da face. Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse!” 4º ( ) “Foramse os deuses, foramse em verdade; Mas das deusas algumaexiste, alguma Que tem teu ar, a tua majestade, Teu porte e aspecto, que és tu mesma, em suma. Ao verte, com esse andar de divinidade, Como cercada de invisível bruma, A gente à crença antiga se acostuma E do Olimpo se lembra com saudade.” 5º ( ) Porque o escrever tanta perícia, tanta requer, Que ofício tal .. nem há notícia De outro qualquer Assim procedo. Minha pena Segue esta norma Por te servir, Deusa serena, Serena Forma! Tecnologia ITAPECURSOS 27 Literatura M2 O REALISMO/NATURALISMO NO BRASIL O Realismo encontra no Brasil uma sociedade em processo de transformação acentuada. Um movimento Iiterário que tem como atitude básica a análise da realidade, que se marca, inclusive, por uma intenção reformadora, assume singular importância. Assim é que os personagens que se movem neste campo, ou quadro social, as situações em que se vêem envolvidos, as residências coletivas, os elementos regionais típicos, as relações homemmeio físico, o ambiente e a psicologia dos personagens, tudo isso tem preferência sobre a trama. Tornase difícil distinguir perfeitamente, entre nós, obras ou autores realistas e naturalistas. Se alguns romances de Machado de Assis; “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro”, poderiam, taIvez, enquadrarse entre as obras realistas, podemos dizer que Aluísio de Azevedo com “O Mulato”, “O Cortiço”, Inglês de Souza com “O Missionário”, Adolfo Caminha com “A Normalista” e “O Bom Crioulo” estão enquadrados no Naturalismo. O movimento realistanaturalista, no Brasil, evoluiu para duas direções, que, literariamente enriquecidas, alcançaram plenitude na época atual: • A Corrente Social, atraída pelos problemas sociais, pelos temas urbanos, contemporâneos, pelos materiais comuns da vida cotidiana. • A Corrente Regionalista, que põe em relevo a cor local, o papel da terra, que é a verdadeira personagem desta literatura. Surgiu, aqui, a noção de um determinismo entre a terra e a conduta humana. MACHADO DE ASSIS Como uma singularidade na literatura brasileira, Machado de Assis merece um comentário à parte. A obra de Machado de Assis pode ser dividida em duas fases distintas: a primeira (romântica) engloba as seguintes obras: “Ressurreição”, “A Mão e a Luva”, “Helena” e “laiá Garcia”. Os romances de sua primeira fase se caracterizam por uma mistura de romantismo agonizante e psicologismo incipiente. A segunda fase (realista) representa um salto qualitativo do autor. Compreendem esta fase as seguintes obras: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Quincas Borba”, “Dom Casmurro”, “Esaú e Jacó”, “Memorial de Aires”. Esquematicamente, poderíamos dizer que os romances da segunda fase se caracterizam por: • Quebra de atitude narrativa • Quebra de estrutura linear fragmentação intertextualidade • Análise psicológica profunda • Nova visão de mundo • Senso de humor (influência de Sterne e Swift) Como contista, Machado foi esteticamente rígido. Seus contos possuíam a ordem lógica de princípio, meio e fim. Um começo capaz de acender o interesse do leitor e um final que deveria suscitar na alma do leitor impressões de surpresa, solidariedade, compaixão, misericórdia e riso. Suas principais obras nesse gênero foram: “Contos Fluminenses”, “Histórias sem Data” e “Relíquias da Casa Velha”. Além de romancista e contista, Machado de Assis produziu também poesias: “Crisálidas”, “Falenas”, “Americanas” e “Ocidentais”. Na poesia, Machado de Assis evoluiu de um romantismo caduco para um parnasianismo duvidoso. Não que ele tenha sido mau poeta, mas faltavalhe uma certa dose de sentimentalidade que, afinal de contas, constitui a alma da poesia. Assim, um soneto adolescente imperfeito de Castro Alves nos seduz mais que uma refinada peça de Machado. Tecnologia ITAPECURSOS 28 Literatura M2 Leia o texto abaixo: Virgília Realismo 1 Visão científica controlada e associada à psicologia. 2 Investigação da alma humana, acentuando lhe o caráter perverso. 3 Obra de arte literária em conformidade com o estilo bem trabalhado do autor. 4 Ambiente mais focalizado: vida urbana entre pessoas da burguesia decadente. 5 O autor tem preferência pela observação. 6 Existe uma tendência: retratar a realidade in terior da personagem. 7 Perfil das características psicológicas em destaque. 8 Amplamente descritivo e detalhista para dar a impressão de realidade. 9 Romance de natureza psicológica. 10 Não há intenção reformista. Naturalismo 1 Visão científica exagerada, associada ao positivismo e ao determinismo. 2 O homem tomado em seu aspecto instintivo, libidinoso, animalesco. 3 Obra de arte em conformidade com os modelos científicos de análise. 4 Ambiente mais focalizado: favelas, cortiços a vida urbana das populações marginalizadas. 5 O autor tem preferência pela experimentação. 6 A tendência maior é retratar a realidade externa da personagem. 7 Perfil das características físicas em destaque. 8 Relato de experiências cuja realização é científica. 9 Romance de natureza patológica. 10 Intenção bastante reformista. se ainda fores viva, quando estas páginas vierem à luz tu que me lês, Virgília amada, não reparas na diferença entre a linguagem de hoje e a que primeiro empreguei quando te vi? Crê que era tão sincero então como agora; a morte não me tornou rabugento, nem injusto. Mas, dirás tu, como é que podes assim discernir a verdade daquele tempo, e exprimila depois de tantos anos? Ah! indiscreta ah! ignorantona! Mas é isso mesmo que nos faz senhores da terra, é esse poder de restaurar o passado, para tocar a instabilidade das nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos. Deixa lá dizer PascaI que o homem é um caniço pensante. Não: é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes. Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo para os fins secretos da criação. Era isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante, pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça e alguma devoção, ou talvez medo; creio que medo. Aí tem o leitor, em poucas linhas, o retrato físico e moral da pessoa que devia influir mais tarde na minha vida; era aquilo com dezesseis anos. Tu que me lês, (MACHADO DE ASSIS, VIRGÍLIA. IN: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, 8. ED. SÃO PAULO, ÁTICA 198L, P. 49.) Listemos abaixo algumas características da prosa machadiana presentes no texto. Tecnologia ITAPECURSOS 29 Literatura M2 ACORRENTE NATURALISTA Aluísio de Azevedo Aluísio de Azevedo foi o escritor brasileiro que melhor soube traduzir e arquitetar o Naturalismo entre nós. Conferiu vida a determinados agrupamentos humanos cujos protagonistas se vão social e moralmente degradando por força da opressão social e econômica ou ainda por força do cego determinismo das leis naturais. A maior crítica que sempre foi feita a Aluísio de Azevedo é a de que a “sua” sociedade nunca foi capaz de criar tipos humanos que se não fossem grandes pelo menos fugissem ao padrão animalizado e das inteligências precárias. Seus personagens não transcendem a tipos de uma época determinada, são típicos dela, não são eternos. Inaugura a tendência naturalista no BrasiI com a publicação de “OMulato”, em 1881, mas foi com “O Cortiço” que atingiu sua melhor produção literária. Tratase de uma tragédia determinada pela estrutura capitalística das relações de moradia e convivência. O cortiço não é uma forma espontânea de pobreza, mas uma forma de exploração, um projeto de lucro. Leia o texto abaixo. Graças à abundância de água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputálos. E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e barulhenta, com as suas cercas de vara, as suas hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a negrura das limosas tinas transbordantes e o reverbero das claras barracas de algodão cru, armadas sobre os lustrosos bancos de lavar. E os gotejantes giraus, cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal branco. E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea , ali mesmo, daquele lameiro e multiplicar se como larvas de esterco. (AZEVEDO, ALUÍSIO. O CORTIÇO. S. PAULO, MARTINS 1970) Responda: 1) Ao descrever o nascimento do cortiço o narrador individualiza personagens? Por quê? 2) Aliste as características essencialmente naturalistas do trecho acima. Tecnologia ITAPECURSOS 30 Literatura M2 Por que Machado de Assis? Inúmeras razões justificam o consenso de que Machado é o maior escritor do Brasil. A autora explica quais são as suas. LETÍCIA MALARD Outro dia um leitor comum, admirador de bestsellers me perguntou por que é consenso entre nós, professores e pesquisadores de Literatura, considerar Machado de Assis o escritor genial. Respondilhe que cada um tem as suas razões, não necessariamente coincidentes. No meu caso, contei lhe resumidamente as minhas, e sem entrar em questões teóricas sobre Literatura, pois quem perguntou não é especialista, mas apreciador de romances em geral. Achei que valia a pena escrever um artigo sobre isso. Machado acumulou em vida sucessivas vitórias contra os padrões sociais aceitáveis pela cultura dominante em sua época: carioca favelado, vendedor de doces que a mãe fazia, chegou a tipógrafo e alto funcionário do Ministério da Agricultura. Autodidata, é com certeza o maior escritor brasileiro e foi o idealizador da Academia Brasileira de Letras. Mulato e epilético, casado com uma bela portuguesa, sofreu discrimi nações. Deixou imensa obra: nove romances, mais de cem contos, muitas crônicas escritas para vários jornais, poemas, peças de teatro e crítica literária. Veja alguns motivos pelos quais, em minha opinião, Machado é considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos. Primeiro motivo: ele rompeu com os padrões tradicionais da narrativa no Brasil, quer fosse conto, quer romance. Com ele, este último gênero deixou de ser uma história contada com detalhes descritivos tanto de seres humanos quanto de paisagens, situações e ambientes, para ser uma história entrecortada de reflexões, comentários, referências a outros autores, obras e personagens adaptáveis a situações da história. E, o mais importante, sob a ótica da comuni cabilidade: o narrador conversa com o leitor. O capítulo 119 de Dom Casmurro, “Não faça isso, querida!”, que vem logo após aquele em que Bentinho narra uma cena em que a mulher de seu melhor amigo parece sentirse atraída por ele, resumese apenas nisto: A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina de ontem para a valsa de hoje, quer fechálo às pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não faça isso, querida: eu mudo de rumo. A proposta do escritor é a de que o leitor leia suas narrativas não só para tomar conhecimento do narrado, mas para refletir sobre ele. Disso resulta o tamanho curto dos capítulos, contrapondose ao dos romances do tempo, via de regra longos e detalhistas. Resultam ainda as constantes chamadas da atenção do leitor, a pressuposição do que ele está achando disso ou daquilo, o apelo à filosofia e a outros textos literários em perfeita integração com seu próprio texto. Segundo motivo: Machado tinha, consciente mente, um modo de escrever muito econômico, sintético, medido, frases curtas e descomplicadas do ponto de vista sintático. Veja como ele abre o capítulo 109 do Dom Casmurro: Ezequiel, quando começou o capítulo anterior, não era ainda gerado: quando acabou, era cristão e católico. O terceiro motivo é sua visão muito peculiar do mundo marcada pela ironia, pelo realismo em excesso e pelo pessimismo no tratamento de questões humanas que se presentificam no passado, no presente e no futuro. Alguns pensamentos seus, disseminados pelos livros, agenciam essa visão: Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens do que do terceiro andar. Marcela amoume durante quinze meses e onze contos de réis. “Carioca favelado e vendedor de doces, deixou obra imensa e é o maior” Tecnologia ITAPECURSOS 31 Literatura M2 Loteria é mulher, pode acabar cedendo um dia. O País real, esse é bom, revela os melhores instintos: mas o país oficial, esse é caricato e burlesco. A briga de galos é o Jockey Club dos pobres. O quarto motivo é a visão negativista e frustrante das relações amorosas, que são tomadas como o centro da vida: se o amor como eixo da narrativa é praxe no romance desde seu nascimento, o negativismo do amor não o é. Exemplifiquemos: Em Helena, a morte da heroína é decorrente do fato de ela se apaixonar por um rapaz que julgava seu irmão. Quando a verdade é descoberta, ou seja, não são parentes, já não há mais jeito de recuperar a saúde dela e ela morre. Em Dom Casmurro, o protagonista Bentinho se casa com a primeira e única namorada, depois de um relacionamento que começou na infância. Ela acaba traindoo com o melhor amigo dele e tem um filho que é a cara do amigo. Mãe e filho morrem no final. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, a personagem principal Virgília se torna amante de Brás depois de casada. Conheceramse quando solteiros, mas não se interessaram um pelo outro. Ambos acabam no romance como duas ruínas vivas. Em Quincas Borba, o milionário Rubião se apaixona por Sofia, mulher do melhor amigo, a qual não rejeita o ricaço enquanto ele emprestava dinheiro para o marido. Quando o dinheiro acaba e Rubião enlouquece por amor, a mulher afastase, indiferente a tudo isso. Ele morre mendigo e louco, na companhia de seu cão, Quincas Borba. Nesse romance, Machado retrata as relações amorosas interesseiras, paralelamente às ingênuas, na sociedade brasileira do século XIX, e como essas relações são vistas por pessoas do mesmo nível social. Em Esaú e Jacó, esses são gêmeos, porém diferentes em tudo, exceto numa coisa: amam a mesma mulher. O romance acaba com a trágica morte dela. O quinto motivo para se admirar a literatura machadiana está no ceticismo, na descrença da previsibilidade das ações humanas. Três de seus contos mais belos e famosos o ilustram. EmMissa do galo, o clima criado entre um jovem e uma mulher madura parece levar a um caso amoroso entre ambos. No entanto, o amigo interrompe o colóquio deles, chamandoos para a missa, e o caso não acontece. Em A Cartomante, esta prediz um belo futuro para um rapaz na companhia de uma mulher casada, afirmando
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