Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV OBJETIVOS 1. Analisar o LES considerando conceito, epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico, exames complementares, tratamento e profilaxia. 2. Discutir sobre as implicações da doença na qualidade de vida e produtividade da pessoa. REFERÊNCIAS • Expressões e sentidos do lúpus eritematoso sistêmico (LES) – (Adriana Dias Araújo e Martha Azucena Traverso-Yépez) 2007 • Consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o diagnóstico, manejo e tratamento da nefrite lúpica. REV BRAS REUMATOL. 2015. • Clínica médica USP (2ªed vol.5) • Harrison- Medicina Interna 16°Edição/Volume II CONCEITO O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica autoimune, multissistêmica, polimórfica de causa desconhecida. O LES compromete órgãos e tecidos nas mais diversas combinações e em graus variados de gravidade. Clinicamente, a doença apresenta períodos de exacerbação de atividade inflamatória, intercalados com remissão parcial ou completa dos sintomas. Em alguns pacientes, há a manutenção da atividade inflamatória crônica. EPIDEMIOLOGIA O LES é muito mais prevalente em mulheres na idade reprodutiva entre 20 e 30 anos de vida, o que demonstra um potencial efeito no estrógeno na fisiopatologia da doença (diminui a apoptose dos linfócitos B, que vão continuar a produzir auto anticorpos). Nessa faixa etária, há um predomínio do sexo feminino, na proporção de 10:1. Nas crianças, em que o efeito do estrógeno é mínimo, a relação entre os sexos feminino e masculino é de 3:1 e, nos idosos, de 8:1. O LES é uma doença universal encontrada em todas as demais etnias e em diferentes áreas geográficas, mas parece ser mais prevalente na raça negra. Aproximadamente 10 a 20% dos pacientes com LES apresentam história familiar de alguma doença autoimune ou mesmo de lúpus. No Brasil, estima-se uma incidência aproximada de 4,8 a 8,7 casos por 100.000 habitantes/ano. ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO A etiologia de LES é multifatorial, sendo composta por fatores genéticos, epigenéticos, hormonais, ambientais e imunológicos. Genético: A chance de desenvolvimento de LES é 17 vezes maior para parentes de primeiro grau de pessoas acometidas. Outro fator importante é a deficiência de algumas proteínas do sistema complemento, especialmente C1q e C4. T Hormonal: os estrógenos possuem papel estimulador de várias células imunes, como macrófagos, linfócitos T e B. O estrógeno diminui a apoptose de Linfócitos B, que produzem os auto anticorpos, estimula timócitos, macrófagos linf T, a liberação de citocinas e a expressão do HLA e de moléculas de adesão (VCAM e ICAM), por isso a idade fértil apresenta maior incidência. Ao contrário, andrógenos tendem a ser imunossupressores. A progesterona suprime a proliferação de células T e aumenta o número de LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO Problema 09 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV células CD8, enquanto a hiperprolactinemia está associada à ativação do LES. Infecções: podem intensificar respostas imunes indesejáveis. Ambientais: o tabagismo é segundo fator ambiental mais associado ao desenvolvimento do LES. Ele também reduz o efeito da hidroxicloroquina na terapêutica. A luz ultravioleta (UV) tem papel na ativação da doença, o que ocorrem em 70% dos pacientes com LES. A exposição solar determina a apoptose de queratinócitos com subsequente expressão de moléculas, como RNP, Ro, nucleossoma e fosfolipídeos nos corpúsculos apoptóticos. FISIOPATOLOGIA A queda de corpos apoptóticos (fragmentos de células que sofreram apoptose) na circulação passa a ser reconhecido por uma imunoglobulina IgM autorreativa nos linfócitos B. Desse modo, os linfócitos B passam a reconhecer esse antígeno, associa ele com o MHC de classe II e externaliza para ser reconhecido pelos linfócitos T auxiliares. O TCR (receptor de linfócitos T) reconhece esse antígeno e secreta algumas citocinas para ativar os linfócitos B e estimular a produção de plasmócitos. Esses plasmócitos começam a secretar anticorpos IgG, que passam a reconhecer os corpos apopitóticos e ligar-se a eles. Esses anticorpos IgG ligados aos copos apoptóticos vão se associado e formando imunocomplexos, ativando o sistema complemento e estimulando a liberação de citocinas pró inflamatórias. Obs: As moléculas de BLyS/BAFF mantém a sobrevida de linfócitos B, contribuindo para a produção de mais auto anticorpos. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Sintomas gerais como anorexia e perda de peso podem ser observadas como quadro inicial da doença e preceder o aparecimento de outras manifestações em meses. Diminuição do apetite, febre, poliadenopatias, mialgia e artralgia também podem fazer parte do quadro. Cerca de 42% dos pacientes podem ter febre como manifestação do lúpus ativo, principalmente observada em crianças e adolescentes Linfadenopatia generalizada ou localizada, com predomínio das cadeias cervical e axilar, hepato e/ou esplenomegalia podem estar presentes. PELE E ANEXOS As manifestações cutâneas ocorrem em 70% dos pacientes no início da doença e em até 80 a 90% durante sua evolução. Lúpus cutâneo agudo: é o mais conhecido no LES e sua forma localizada é descrita como rash malar ou rash em asa de borboleta, simétrica e fortemente associada à fotossensibilidade Essa lesão se apresenta como eritema na região malar e no dorso do nariz, dando o aspecto de “asa de borboleta”, transitório ou mais persistente. Geralmente poupa o sulco nasolabial e seu aparecimento acompanha os períodos de atividade da doença. MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV As lesões não são pruriginosas e primariamente ocorrem em áreas expostas ao sol, como face, tórax, ombros, face extensora dos braços e dorso das mãos, regredindo sem deixar atrofia A característica destas lesões é a sua evolução para hiperpigmentação após resolução da fase inflamatória inicial, que por vezes pode ser confundida com o cloasma. Lúpus cutâneo subagudo: presença de lesões eritematosas papuloescamosas (tipo psoriasiformes) ou anulares (tipo placas policíclicas), localizadas sobretudo em regiões de exposição solar (face, vespertílio e braços). Ambas as formas de lesão estão fortemente associadas à fotossensibilidade e à presença dos anticorpos anti-Ro/SSA. As lesões evoluem após o tratamento sem deixar cicatrizes profundas, mas produzem áreas de hipopigmentação que podem se tornar permanentes. Lúpus cutâneo crônico: engloba uma série de lesões, nas quais a discóide é a mais conhecida. Inicialmente, a lesão discóide clássica é caracterizada por placa eritematosa e hiperpigmentada que evolui com lentidão na sua periferia, deixando uma cicatriz central hipopigmentada com atrofia. Na maioria das vezes, esta lesão é única e preferencialmente encontrada na face, no couro cabeludo, no pavilhão auricular e no pescoço. As úlceras orais também fazem parte dos critérios diagnósticos; geralmente não são dolorosas e são encontradas em até 25% dos pacientes, sendo relacionadas à atividade inflamatória da doença. A vasculite cutânea é identificada em 20 a 70% dos casos, variando desde lesões do tipo urticária até grandes úlceras necróticas. O padrão de vasculite é determinado pelo nível e pela intensidade do dano inflamatório dos vasos comprometidos. MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV MUSCULOESQUELÉTICAS A presença de artralgia e/ou artrite pode ser identificada no início da doença em 75 a 85% dos casos e na maioria dos pacientes durante a evolução. Apesar de não existir um padrão articular, a maioriados casos cursa com quadros de poliartrite simétrica episódica, de caráter migratório ou aditivo, e quase sempre não deformante. Por vezes, a rigidez matinal é bastante proeminente e o diagnóstico de LES pode ser facilmente confundido com o da artrite reumatóide, visto que também compromete pequenas e grandes articulações, na maioria de vezes de forma simétrica. A presença de fator reumatóide em aproximadamente 25% no LES também contribui para esta dificuldade diagnóstica. Na evolução da doença, cerca de 10 a 15% dos casos apresentam uma artropatia crônica ou artropatia tipo Jaccoud, que se caracteriza por desvio ulnar seguido de subluxação, deformidades do tipo pescoço-de-cisne e subluxação das interfalangianas do polegar. Mesmo nesta fase tardia do LES, estas deformidades reversíveis podem ser confundidas com aquelas decorrentes da artrite reumatóide, cuja diferenciação está na possibilidade de redução e alinhamento ao exame clínico nos pacientes com LES. CARDIORRESPIRATÓRIAS O envolvimento cardiovascular pode se manifestar por pericardite sintomática em 20 a 30% durante o curso da doença. A pericardite pode ser a primeira manifestação do LES em 5% dos quadros, podendo aparecer isoladamente ou associada a serosite generalizada, particularmente associando-se à pleurite. A miocardite sintomática pode ser suspeitada na presença na presença de taquicardia persistente e sinais clínicos de insuficiência cardíaca aguda, geralmente coma alterações no mapeamento cardíaco e enzimas musculares. As alterações valvulares podem se manifestar como espessamento valvar, massas ou vegetações, regurgitação e, raramente, estenose. A endocardite de Libman-Sacks é encontrada em 43% dos pacientes com LES, e consiste na presença de vegetações verrucosas localizadas próximas das bordas valvares. Podem se desenvolver em qualquer válvula, havendo, no entanto, uma predileção pela mitral. Dentre as manifestações pulmonares, a pleurite é a mais frequente e ocorre em 30 a 60% dos pacientes, sendo que derrame pleural é observado em 16 a 40% durante o curso da doença. A hemorragia alveolar difusa é outra condição que determina dispneia de início súbito, associada à redução dos níveis de hemoglobina. A hipertensão pulmonar pode ocorrer em decorrência da própria em decorrência da própria doença ou secundária a valvopatia cardíaca, doença intersticial pulmonar ou embolia pulmonar. RENAIS E HEMATOLÓGICAS Manifesta-se clinicamente em 50 a 70% dos pacientes, mas praticamente 100% deles têm doença renal à microscopia eletrônica. Em geral, as manifestações renais surgem nos primeiros 2 a 5 anos da doença e, quando se apresentam como a manifestação inicial do LES, pioram o prognóstico desses pacientes. A presença de hematúria, leucocitúria e cilindros celulares, são os parâmetros mais importantes para a caracterização de glomerulonefrite em atividade Em relação às manifestações hematológicas, a leucopenia e linfopenia são encontradas com alta MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV frequência no LES. A plaquetopenia pode ser a primeira manifestação da doença. A anemia hemolítica Coombs positivo também pode ocorrer de forma isolada no início da doença, porém, o achado mais frequente é a anemia de doença crônica. GASTROINTESTINAIS Ocorrem em 25 a 40% dos pacientes, sendo que grande parte são queixas inespecíficas, como dor abdominal, náuseas e vômitos Icterícia também pode está presente e, em geral, é consequência de hepatite, pancreatite ou hemólise. NEUROPSIQUIÁTRICAS As manifestações neuropsiquiátricas podem preceder, ocorrer simultaneamente ou algum tempo após o início da doença durante os períodos de atividade ou quando o LES se encontra inativa. A psicose ocorre em até 10% dos casos e pode se manifestar nas suas diferentes formas, como esquizofrenia e distúrbios bipolares. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de LES baseia-se na combinação de manifestações clínicas e alterações laboratoriais, desde que outras doenças sejam excluídas. Em 2012, o grupo do Systemic Lupus Collaborating Clínics (SLICC) publicou a atual proposta de classificação de pacientes com LES. O critério SLLIC apresenta especificidade de 92% e sensibilidade de 94%. Para um indivíduo ser classificado com lúpus sistêmico é necessário que estejam presentes no mínimo, quatro critérios, incluindo pelo menos um clínico e um imunológico (do total de seis) Alternativamente, a doença é considerada quando a nefrite é confirmada por biópsia na presença de FAN positivo ou anticorpo anti-dsDNA positivo. Em geral, o VHS está aumentado na atividade de doença refletindo a fase aguda dos processos inflamatórios, porém pode persistir elevado mesmo após o controle da doença, não se correlacionando com sua atividade inflamatória. Por outro lado, a PCR é geralmente baixa no LES e aumenta nos processos infecciosos, auxiliando por vezes no diagnóstico diferencial destas duas condições A maioria dos pacientes (mais de 98%) tem o teste do fator antinuclear (FAN) positivo em títulos altos, em particular durante os períodos de atividade de doença. A positividade desse exame não é específica do LES e pode ocorrer em outras doenças autoimunies, além de doenças infecciosas e neoplásicas e até mesmo em indivíduos saudáveis. O anti-dsDNA nativo tem importância não só pela sua especificidade no LES, mas também devido ao fato de altos títulos representarem atividade de doença, principalmente renal. A presença do anticorpo anti-Sm indica especificidade para o LES, apesar de ser positivo em cerca de apenas 30% dos casos. O anti-Ro/SS-A também é encontrado no lúpus e na Síndrome de Sjogren, geralmente associado ao anti-LA/SS-B. É detectado em cerca de 80% dos pacientes com lúpus eritematoso cutâneo subagudo. O anti-Ro está relacionado com o lúpus neonatal e bloqueio congênito em crianças nascidas de mães com esse autoanticorpo, mesmo que estas não tenham nenhuma doença evidente. Os anticorpos antiproteína P ribossomal (anti-P) são marcadores específicos de LES, ocorrendo em 10 a 20% dos casos e, possivelmente, apresentando associação com manifestações neuropsiquiátricas da doença. Outra característica que auxilia no diagnóstico e acompanhamento dos pacientes é a avaliação do sistema complemento. O consumo do complemento (C3, C4 e complemento hemolítico total) é uma alteração importante. TRATAMENTO MEDIDAS GERAIS MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV Educação: informar, ao paciente e aos familiares, o que é a doença, sua evolução, riscos e os recursos disponíveis para diagnóstico e tratamento. Apoio psicológico: transmitir otimismo e motivação para o tratamento, além de estimular os projetos de vida. O paciente deve ser capaz de levar sua vida social, profissional e afetiva de forma normal. Deve-se orientar sobre a proteção contra a luz solar ou outras formas de irradiação ultravioleta pelos riscos de exacerbação não só das lesões cutâneas, mas também de quadros sistêmicos. O tabagismo pode dificultar a melhora dos quadros cutâneos devendo, portanto, ser desestimulado. A dieta deve ser balanceada e as restrições serão indicadas de acordo com as comorbidades; A atividade física regular visando o condicionamento deve ser estimulada TRATAMENTO MEDICAMENTOSO A terapêutica medicamentosa do paciente com LES é sempre individualizada, pois depende dos sistemas acometidos e da intensidade do processo inflamatório. Anti-inflamatórios não-hormonais: controle do quadro articular crônico, febre associada à doença. Obs: devem ser utilizados com cautela na doença, particularmente nos pacientes com envolvimento renal, pois podem agravar essa disfunção ou mesmodificultar o monitoramento dos quadros renais. Corticosteróides: são preferencialmente usados no início da doença, pois promovem um rápido controle das manifestações clínicas. A dose indicada varia de acordo com a gravidade da manifestação. Devido aos múltiplos efeitos colaterais, como catarata e osteoporose, o corticoide deve ser utilizado na dose efetiva para o controle da atividade da doença. Os antimaláricos (difosfato de cloroquina e hidroxicloroquina) geralmente são associados ao corticosteróide para diminuir o seu tempo de uso, e promover redução na sua dose diária. Esses antimaláricos são prescritos independentemente do órgão ou do sistema acometido, mas são considerados de primeira escolha nos quadros cutâneos e/ou articulares da doença. A talidomida, a dapsona, o methotrexate e a azatioprina podem ser considerados quando as lesões cutâneas não são responsivas aos antimaláricos. A talidomida promove resposta em até 75% dos casos, mas só deve ser utilizada quando não há risco de concepção (menopausa ou anticoncepção definitiva). A recidiva dos quadros cutâneos é frequente após a sua retirada, portanto uma redução lenta e gradativa até a menor dose se faz necessária. IMPACTO PSICOSSOCIAL O sentimento de inconformismo diante de um diagnóstico de uma doença que não tem cura e, cujo prognóstico depende de uma série de alterações no estilo de vida é presente em grande parte dos pacientes. Muitos pacientes afirmaram que deixaram de ter uma vida “normal”, pela necessidade de ter que depender de medicamentos para toda a vida, pela impossibilidade de se expor ao sol e das limitações na realização de esforço físico. A gestação nas pacientes com LES deve ser considerada de alto risco, necessitando acompanhamento multidisciplinar, até o puerpério, devido à possibilidade de exarcebação da doença. A contracepção em mulheres com LES é um desafio. Os contraceptivos orais são raramente prescritos, por causa da preocupação com potenciais efeitos negativos do estrógeno nas pacientes. A anticoncepção pode ser feita com progesterona e métodos de barreira ou com associação de ambos. Os progestágenos podem ser utilizados uma vez que não induzem piora da doença. MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV
Compartilhar