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Conceito da violência - uma reflexo nas relações familiares

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VI CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
Recife, de 05 a 08 de setembro de 2002
CO/75 CONCEITO DA VIOLÊNCIA: UMA REFLEXÃO NAS RELAÇÕES
FAMILIARES
Zélia Maria de Melo 1
RESUMO
A autora sublinha o conceito de violência como um sistema inter-
relacional, ou seja, interliga-se à vida do sujeito, prioriza tanto os aspectos
psicológicos, como também os aspectos sociais, e culturais que contribuem
para o aumento da violência diária. A ordem no lugar da desordem.
PALAVRAS-CHAVE Família, violência, vínculos familiares, ordem e
desordem.
INTRODUÇÃO
Pensar o conceito de violência como um sistema inter-relacional, que se
interliga e se mescla no cotidiano da vida privada e pública dos sujeitos que
constituem o núcleo do sistema familiar, tanto os aspectos psicológicos,
sociais, culturais, contribuem para o aumento da violência diária.
É neste contexto que o sujeito recebe e transmite a intolerância de um
sistema que processa postura transgressoras no imaginário privado e social.
Esse sistema transmite valores, que contribuem para as transformações, no
imaginário psíquico, social e cultural do sujeito. (ZALUAR, 2000)
Partindo do princípio de que a família necessita de um lugar onde os
vários membros se organizem e se interliguem no contexto afetivo e sócio-
cultural, o grupo precisa demarcar o espaço, a função e os papéis na vida
privada e pública do sujeito, respeitando a hierarquização da autoridade para
poder solidificar o afeto. Assim sendo, os lugares e os papéis na relação
interna da família serão bem definidos, pois, do contrário, existe a perda das
referências, as vivências se mesclam e as regras podem tornar-se confusas
e os papéis hierárquicos poderão assumir propostas invertidas; o papel da
figura geradora da autoridade perde autonomia, já que não consegue
estabelecer limites entre os vários elementos que compõem o grupo familiar.
Diante da impossibilidade de demarcar o espaço interno e externo do
sujeito dentre desse sistema, pode ocorrer também a ausência da ordem,
das normas e da autoridade. Consequentemente, os espaços são invadidos
e os limites se entrelaçam e se confundem, e as barreiras se tornam
inexistentes entre os membros da família. Dessa forma, é possível criar um
clima de tamanha desordem que, possivelmente, tais fenômenos poderão
gerar uma espécie de anomia dentro do sistema familiar, instaurando a
violência entre os vários elementos inter e intra familiares.
 
1 Profa. Titular do Departamento de Psicologia da Universidade Católica de Pernambuco.
Mestre em Antropologia pela UFPE. Doutorado em Psicologia – Deusto – Espanha
zelia@unicap.br
Leandro
Note
Famílias desestruturadas, seja o excesso de punições, ou a negligência é entendida como ausência de cuidado, de afeto e retira o indivíduo que está naquele meio de compartilhar das potencialidades que o social poderia oferecer. A sociedade na busca e manutenção da ordem acaba por reforçar preconceitos, pois não quer o perigoso, marginal convivendo em meio aos cidadãos de bem.
Cketherin
Insert Text
Autoridade - limites
Saliente-se também que os vínculos familiares possuem raízes biológicas,
pois interligam o sujeito à genética, com o processo de alimentação para a
sobrevivência física e com a retro-alimentação, uma vez que esse sujeito é
múltiplo e interage, assim, com todos os elementos que constituem o
sistema inter-relacional. Para a sua sobrevivência, o sujeito depende do
alimento materno na esfera biológica. A partir dessa organização biológica
os vínculos se entrelaçam no contexto psíquico e social do sujeito,
organizando e estabelecendo laços com todos os outros movimentos que
constituem a sua história particular e universal, em que ele influencia e é
influenciado.
A representação vincular tem como princípio atar e transmitir, nas
relações entre os seres vivos, o apego. Sua ausência poderá contribuir para
a relação “apego-desapego”, e, por ser considerado um movimento
processual ou contínuo, interfere na diversidade das escolhas dos seus
parceiros que constituem o nomeado “sistema familiar”. A ausência de laços
de afeto na relação familiar inscreve a desordem, a ausência da autonomia e
da preferência do ser individual no contexto do grupo social. (BOWLBY,
1990)
A família convive e sobrevive dentro do contexto das tradições. Essas
atendem ao sistema de poder, exercem o controle dos “ritos” na
cotidianidade da vida do sujeito, os registros das fábulas, das lendas e dos
costumes que são elementos organizadores das experiências e vivências do
ser humano. São traços minémicos, marcados pela entraças, vivências
únicas e universais, herdadas pelo desejo do presente e do antepassado
nas contradições das gerações. A herança cultural possibilita uma nova
inscrição, aponta para uma outra ordem que reescreve algo diferente do
legado social, que pode favorecer a uma ação criadora.
A ruptura das tradições pode propiciar uma quebra nas relações
vinculares, representar uma desordem nas relações familiares – os laços
poderão ser transformados em desenlaço, a ordem em desordem, o que
pode transformar-se em transgressão e essa ser um espaço aberto para a
inscrição da violência.
BALANDIER, 1999, escreve que a descrição do diferente é um
movimento. Logo, tudo o que flutua prevalece sobre as estruturas da
organização e das permanências. Um novo lugar marca uma dinâmica
menos linear, que aponta a lógica dos fenômenos menos ordenados. O
inverso e a ordem, ambos podem ser ou fazer parte do contexto da
desordem.
“Nada é simples, a ordem se esconde na desordem, o aleatório está
constantemente a refazer-se, o imprevisível deve ser compreensível.”
(BALANDIER, 1999:10)
Como dado norteador das assertivas e considerações supra, já que o
caminho trilhado pela ciências sociais / humanas é o do plausível, do
verossímil, prescindindo, assim, de juízos probatórios, toma-se como
referência um estudo realizado com adolescentes infratores na Diretoria da
Delegacia da Criança e Adolescente (D.P.C.A.) e do programa “S.O.S.
Criança”, ambos pertencentes à Secretaria da Justiça do Estado de
Pernambuco. De posse desses dados, busca-se analisar a relação de
violência entre mãe e filho(a), considerados vítimas e reprodutores da
violência em casa e na rua, e compreender a violência familiar pontuando as
estratégias de sobrevivência tanto em casa quanto na rua.
MATERIAL E MÉTODO
Os dados provenientes para realização desse estudo foram obtidos
através das referidas fontes:
1. Documentação
• Arquivo do DPCA (Diretoria da Delegacia da Criança e Adolescente);
S.O.S. Criança. Entrevistas com as mães e com os adolescentes que deram
entrada na DPCA e no S.O.S Criança no período de 1996 a Fevereiro de
1997.
Foram realizados dois tipos de procedimento técnico-metodológico para
tratar a documentação de acordo com a sua especificidade.
1. Dados quantitativos obtidos através dos dados sócio-demográficos das
mães e filhos de ambas as intituições.
2. Qualitativos através dos dados coletados nas histórias de vida da mãe
e dos filhos envolvidos na pesquisa.
Sujeitos: 20 adolescentes infratores com registro de violência na Diretoria
da Delegacia da Criança e Adolescente (DPCA) e mães que participavam do
programa S.O.S. Criança, vitimizadas. Os sujeitos envolvidos na
investigação tinham idade entre 11 e 17 anos de ambos os sexos; residentes
na área metropolitana do Recife; convivência ou não com a mãe; terem
registro de flagrante de violência na DPCA. Agressão e/ou danos físicos a
terceiros.
As mães — a maioria são domésticas ou exercem atividades informais
como vendas ambulantes (alimentos) com idades entre 38 e 58 anos,
residentes nas periferias da área metropolitana da cidade do Recife.
Nas falas das mães dos adolescentes do setor S.O.S., as mesmas fazem
referência que “gritam, brigam, ameaçam”, no entanto, as mesmas estão
mais presentes nas relações com os filhos dentro da casa. As mães da
instituição DPCA são mais passivas — menos movimento para tirarem o
filho da rua. São mais permissivas e durantea entrevista afirmaram que:
• “Nada posso fazer”.
• “Já fiz de tudo para ele não ser marginal”.
• “Peço para não estar na rua e ele não obedece”.
Essas mães usam menos violência física, mas a presença da omissão pode
ser considerada tão intensa como o espancar, é mais escondida, menos
percebida, no entanto desorganizadora e com a mesma força da agressão
somada ao fenômeno da presença da violência com a figura paterna
acentua as dificuldfades do adolescente permanecer na casa e buscar
alternativa do espaço da rua. ( MELO, 1999: 270)
No discurso das mães dos diferentes setores envolvidos na pesquisa
permeia a permissividade, a ausência da postura da autoridade diante dos
adolescentes. A única forma encontrada pela referidas mães para impor a
ordem é o uso da força física, e esse movimento único através da violência
física reforça a saída do adolescente da casa.
Nos depoimentos desses adolescentes eles afirmam que o ambiente de
violência contribui para a saida da casa, pois não suportam a convivência
dentro do espaço familiar com tais posturas violentas (espancamento e/ou
negligência) devido a soma com outros elementos representativos de perdas
e ou frustrações constantes, movido pelos estigmas atribuido por viver nas
margens da sociedade, no sentido geográfico e de poucas possibilidades de
convivência com a coletividade. Ausência de uma postura disciplinadora
também contribui para a permanência deles na rua. A mãe que não mantém
postura disciplinadora nas suas relações com o filho, pede , aceita tudo que
o adolescente faz, sem restrições e aquela que mantém relações de maus
tratos pode ser percebido pelo adolescente como desprezo e desafeto.
Nos depoimentos selecionados, as mães do programa " S.OS Crianças"
costumam espancar freqüentemente os filhos, utilizando instrumentos
como:
"Borracha de pneumático ,sola de sapato, cinto de couro.
 Corda e pau , galho de árvore etc.
Em diversas vezes, nos depoimentos, falam que ameaçam os filhos de
morte e uma das mães relata que chegou oa extremo de colocar o filho
preso na árvore de cabeça para baixo. Sendo freqüente nas falas das mães
que não suportam mais e mandam os filhos para a rua ." (MELO 1999:
3331)
A agudização do problema pode estar relacionada também com a falta do
elemento, representativo da lei, representativa da simbologia do elemento
organizador da ordem e do límite estruturante, organizador do afeto e da
autoridade.
A repetição da violência é bastante perceptível nos depoimentos das
mães, pois também viveram em ambientes violentos na família de origem.
As histórias de vida se repetem e se mesclam com as histórias de violência
dos filhos, uma geração marcada por vivências cruéis que são passadas
para a organização da nova família.
Nos fragmentos das falas, as mães relatam que deixaram suas casas na
adolescência movidas pela violência física e pelo abandono dos pais.
Constituíram suas famílias de maneira similar buscando na história passada
a referencia do presente.
A violência física marca ciclos de violência e demarcam as dificuldades de
romper com o processo, pois a violência passa a ser algo considerado como
natural na convivência diária
As mães do setor DPCA selecionando alguns depoimentos as mesmas
também usam de componentes de violência física com seus filhos como :
Bate com borracha de mangueira nos adolescentes , com ferro, pau, fio
de eletricidade.
Uma das mães no desespero chegou a tentativa de morte jogando água
quente, foi impedida pelos vizinhos de finalizar a tentativa. Tranca os filhos
no quarto e põe de joelho, no entanto não obedecem.
MELO, (1999: 288)
A representação da ausência da figura do pai contribui também para a
desorganização da família no que diz respeito às regras disciplinares nas
relações familiares. A ausência pode ser caracterizada por um pai omisso,
violento e alcoólico, pois tais elementos na dinâmica familiar pode contribuir
com a desoeganização, desarticular relações e contribuir de forma maléfica
na ordem familiar. (MELO:1999:323)
Ambas as regras são violentas tanto a negligência, como ausência de
vínculos familiares e posturas de castigos físicos (espancamento) ou a
própria ameaça são representativas da violação e integridade física do
sujeito. Tal fato pode contribui para uma imagem estigmatizada, passa a
conviver e sobreviver à margem do fracasso, não pode participar dos logros
construídos pela sociedade, pois, possivelmente, estão excluídos do
processo de desenvolvimento da potencialidade do humano.
A representação da violência nas relações inter e intrapessoal é
devastadora, pois impede o ser humano de criar e ordenar a sua
potencialidade, a auto estima é comprometida, como também as trocas do
dar e receber afeto. Os custos sociais e econômicos também apresentam
registros negativos na produção da região. A violência doméstica e a social
estão interligadas, possivelmente crianças que são submetidas a maus
tratos, tem maior possibilidade de estender a violência da casa para a rua.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram observadas as regras de autoridade materna com adolescentes
infratores, e apontados componentes de omissões, negligência e posturas
permissivas, obedecendo a todas as demandas do filho, mesmo aquelas
consideradas inegociáveis, como permitir que o filho não participe da escola,
por simples desejo dele e "afirmando que faz tudo o que ele quer: " Como
também posturas violentas consideradas agressivas, verbais e físicas
(espancamentos).
É no espaço da casa onde se estruturam os conceitos de disciplinas,
organiza- se a intimidade e onde se estabelece as relações de afeto entre
os vários elementos que constituem a família, ademais, as relações internas
e externas no conceito mais amplo da convivência com a comunidade.
A convivência do dia a dia com a representação da violência no mais
amplo contexto, os espaços atribuídos a casa e à rua, são mesclados, pois a
pouca definição na interface do público e do privado gera a desordem neste
núcleo familiar. A casa passa a ser revestida da violência da rua e essa
“desordem” assume o equívoco do modelo da violência social, a reprodução
da violência da casa para a rua favorecendo, assim, aos desvios das
normas e padrões sociais, reforça os estigmas das famílias que fabrica e
gera a desordem da família e da violência da sociedade. Os componentes
da casa contribuem para a desorganização psicológica do sujeito e,
contribuem com a violência da rua, causa a ameaça e desintregração com o
convívio com a coletividade.
É, em nome da ordem e da segurança dos adolescentes, que a sociedade
os estigmatizam, e ajudam no reforço da marginalização, contribuindo com
os conceitos do nocivo e prejudicial ao convívio social. Como faz referencia
BALANDIER (1999:11) "A desordem não se isola, e a consciência do
desordenado exaspera. As figuras de desordem são tratadas como figuras
reveladores" .
BIBLIOGRAFIA
BALANDIER, Georges. A desordem. Elogio do movimento. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1997.
BOWLBY, John. Apego. A natureza dos vínculos. São Paulo: Martins
Fontes, 1990.
BRAZELTON, T. Berry. O desenvolvimento do apego. Uma família em
formação. São Paulo: Artes médicas, 1988.
GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada, Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral. A violência perversa no
cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
MELO, Zélia Maria. Bandidos e mocinhos. Dissertação de Mestrado em
Antropologia, Universidade Federal de Pernambuco, 1991
MELO, Zélia Maria. Violencia y Familia: Supervivencia en la casa y en la
calle, Tese de Doutorado em Psicologia na Universidad de Deusto, Bilbao,
Espanha, 1999.
MELO, Zélia Maria. Estigmas: espaço para exclusão social. Revista
SYMPOSIUM - Psicologia, Unicap. Vol n/ 4 pag , dezembro, 2000.
MORRISON, Andrew R & BIEHL María Loreto. A família ameaçada.
Violência doméstica nas Américas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 2000.
ZALLUAR, Alba ."Para não dizer que não falei de samba. Os enigmas da
violência noBrasil", p245- 318. In NOVAES, Fernando, (org) História da
vida privada no Brasil. Contraste da intimidade contemporânea. São Paulo:
Companhia das letras, 2000.

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