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III REALIZAÇÃOAPOIO IGUALDADE RACIAL – CONSTRUÇÕES ESTRUTURAIS E SOCIAIS MARIA ZELMA DE ARAÚJO MADEIRA DAIANE DAINE DE OLIVEIRA GOMES 6 III REALIZAÇÃOAPOIO Ilustração de Francisco Matheus Braga da Silva com intervenção de Carlus Campos GRATUITA Esta publicação não pode ser comercializada Ilustração de Rafaela Microni Santos com intervenção de Carlus Campos P967 Proteção Social: Igualdade Racial: Construções Estruturais e Sociais / vários autores; organizado por Ana Lourdes Maia Leitão; vários ilustradores. - Fortaleza : Fundação Demócrito Rocha, 2021. 192 p.: il.; 26cm x 30cm. – (Proteção Social: Igualdade Racial: Construções Estruturais e Sociais; 12v.) Inclui bibliografi a e apêndice/anexo. ISBN: 978-65-86094-76-3 (Coleção) ISBN: 978-65-86094-82- 4 (Fascículo 6) 1. Direitos Humanos. 2. Políticas Públicas. 3. Assistência Social. 4. Drogas. 5. Igualdade Racial. 6. Segurança Alimentar e Nutricional. 7. Proteção à Vida. 8. Direito das Mulheres. 9. População LGBTQIA+. 10. Pessoas com defi ciência. I. Leitão, Ana Lourdes Maia. II. Título. III. Série. 2021-1549 CDD 341.4 CDU 341.4 Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br Este curso é parte integrante do Curso de Capacitação sob o tema PROTEÇÃO SOCIAL na modalidade de Educação a Distância (EaD), em decorrência do Contrato celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS , sob o nº 143/20. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índice para catálogo sistemático: Direitos Humanos 341.4 Direitos Humanos 341.4 Copyright©2021 Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidência Luciana Dummar Direção Administrativo-Financeira André Avelino de Azevedo Gerência Geral Marcos Tardin Gerência Editorial e de Projetos Raymundo Netto Análise de Projetos Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis SECRETARIA DE PROTEÇÃO SOCIAL, JUSTIÇA, CIDADANIA, MULHERES E DIREITOS HUMANOS (SPS) Secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS Socorro França Coordenação Técnica PROARES III SPS Maria de Fátima Lourenço Magalhães Gerência Técnica do PROARES III Anete Morel Gonzaga Gerência de Fortalecimento Institucional do PROARES III Selma Maria Salvino Lôbo UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerência Pedagógica Viviane Pereira Coordenação de Cursos Marisa Ferreira Design Educacional Joel Lima Front-End Isabela Marques CURSO PROTEÇÃO SOCIAL: PROGRAMA INTEGRADO DE EDUCOMUNICAÇÃO Concepção e Coordenação Geral Cliff Villar Coordenação de Conteúdo Ana Lourdes Leitão Revisão Daniela Nogueira Projeto Gráfico, Edição de Design e Coordenação de Marketing Andrea Araujo Design Mariana Araujo, Miqueias Mesquita e Kamilla Damasceno Arte-terapia Joana Barroso Ilustrações Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar, Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, com intervenção de Carlus Campos Análise de Marketing Digital Fábio Junior Braga SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL E NO CEARÁ 3 PONTO DE PARTIDA: ENTENDENDO MELHOR ALGUNS CONCEITOS 4 UM PASSADO HISTÓRICO DE EXCLUSÃO E UM PRESENTE DE DESIGUALDADES SOCIAIS E ECONÔMICAS PERSISTENTES 5 COMO SUPERAR O RACISMO E PROMOVER A IGUALDADE RACIAL NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO SOCIAL 6 AMPLIAÇÃO DO EXERCÍCIO DE CIDADANIA: RESISTÊNCIAS PLURAIS REFERÊNCIAS 84 85 86 90 92 94 95 1 84 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste INTRODUÇÃO Pode-se afi rmar que, na realidade brasileira, as políticas de proteção social voltadas ao enfrentamento das desi-gualdades raciais e do racismo foram mínimas e por mui-to tempo inexistentes. O debate sobre a questão racial na sociedade brasileira é fundamental para avançarmos em democracia e igualdade de oportunidades, posto que há mais de 90 anos esse tema é si- lenciado. Falar sobre raça é quase um tabu no Brasil: as desi- gualdades sociorraciais são naturalizadas. O preconceito, a dis- criminação racial e o racismo são apontados como inexistentes ou, quando acontecem, são vistos como brandos e esporádicos. O racismo à brasileira aparenta ser um racismo silencioso e/ ou disfarçado, é escondido em discursos de uma suposta garan- tia da universalidade e da igualdade na lei, empurrando para o terreno do privado e do individual toda discriminação racial que tanto oprime, subjuga e exclui determinados grupos étni- cos. Mas na prática ele massacra e nega direitos cotidianamente a determinados grupos étnicos e raciais. Diante dessa exclusão que segmentos populacionais como povos originários, negros/as, quilombolas, povos de terreiro e ciganos vivenciam, a oportunidade de abordar a questão racial e a proteção social no Brasil é de grande valor no sentido de contribuir com a superação do racismo em diferentes esferas macro e microssocietárias. Precisa-se avançar, por meio de medidas concretas, no aces- so à justiça racial, no reconhecimento de nossa diversidade e história e assegurar a participação destas populações e grupos no desenvolvimento em importantes setores como mercado de trabalho, rendimentos, educação, saúde, seguridade social, participação política e na tomada de decisões a eles relaciona- dos, além da justa distribuição dos benefícios delas resultantes. É com olhos voltados a essa diversidade que apresentamos o fascículo “Igualdade Racial: a questão racial brasileira e a prote- ção social” e convidamos você, leitor(a), para navegar nesta lei- tura buscando compreender a questão racial brasileira, desna- turalizar práticas racistas e construir ações comprometidas com a superação das desigualdades étnico-raciais em seu cotidiano. ode-se afi rmar que, na realidade brasileira, as políticas de proteção social voltadas ao enfrentamento das desi- gualdades raciais e do racismo foram mínimas e por mui- O debate sobre a questão racial na sociedade brasileira é fundamental para avançarmos em democracia e igualdade de oportunidades, posto que há mais de 90 anos esse tema é si- lenciado. Falar sobre raça é quase um tabu no Brasil: as desi- gualdades sociorraciais são naturalizadas. O preconceito, a dis- criminação racial e o racismo são apontados como inexistentes ou, quando acontecem, são vistos como brandos e esporádicos. O racismo à brasileira aparenta ser um racismo silencioso e/ ou disfarçado, é escondido em discursos de uma suposta garan- tia da universalidade e da igualdade na lei, empurrando para o terreno do privado e do individual toda discriminação racial que tanto oprime, subjuga e exclui determinados grupos étni- cos. Mas na prática ele massacra e nega direitos cotidianamente Diante dessa exclusão que segmentos populacionais como povos originários, negros/as, quilombolas, povos de terreiro e ciganos vivenciam, a oportunidade de abordar a questão racial e a proteçãosocial no Brasil é de grande valor no sentido de contribuir com a superação do racismo em diferentes esferas Precisa-se avançar, por meio de medidas concretas, no aces- so à justiça racial, no reconhecimento de nossa diversidade e história e assegurar a participação destas populações e grupos no desenvolvimento em importantes setores como mercado de trabalho, rendimentos, educação, saúde, seguridade social, participação política e na tomada de decisões a eles relaciona- dos, além da justa distribuição dos benefícios delas resultantes. É com olhos voltados a essa diversidade que apresentamos o fascículo “Igualdade Racial: a questão racial brasileira e a prote- ção social” e convidamos você, leitor(a), para navegar nesta lei- tura buscando compreender a questão racial brasileira, desna- turalizar práticas racistas e construir ações comprometidas com a superação das desigualdades étnico-raciais em seu cotidiano. Ilustração de Guilherme Araújo Carvalho com intervenção de Carlus Campos 2 Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 85 DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL E NO CEARÁ Palmares. Dentro dessa rica diversidade estão ainda povos de terreiro, grupos liga- dos às comunidades religiosas de matriz africana e afro-brasileira, e os povos ciga- nos, populações em grande parte nômade e que tem em comum a origem indiana e uma língua. (Ipece/2020) Embora o país comporte a diversidade étnico-racial, alguns grupos étnicos, tais como povos originários, população negra, e povos e comunidades tradicionais não vivem e sobrevivem da mesma forma que outros, porque somos um país campeão em desigualdades, marcado pela pobre- za, miséria, difi culdade de acesso a bens e serviços públicos, racismo, sexismo, nega- ção de direitos e injustiças sociais. Essas desigualdades persistentes só podem ser entendidas se compreender- mos nosso passado histórico, as raízes da escravidão moderna, a abolição da escravatura que foi incompleta, os dis- cursos sobre a miscigenação que exaltou uma falsa harmonia entre as raças e não revelou os tensionamentos e confl itos, e a difi culdade nos anos mais recentes de desconstruir mitos e de construir saberes para melhor entender a questão racial no Brasil e combater o racismo. Por isso, o percurso a ser trilhado nas próximas páginas foi construído com o compromisso de contribuir com o debate e a luta antirracista que nos antecede. Estamos vivenciando a Década Interna- cional dos Afrodescendentes (2015 a 2024) promovida pela Assembleia Geral da ONU. Seu objetivo é pautar mundialmente e im- pulsionar governos e sociedade civil a pro- mover e agir em defesa dos direitos huma- nos dos afrodescendentes. A Década Afro, como é conhecida, apresenta o tema e dire- cionamento ao “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento” dos afrodescendentes. Cientes de que ainda se apresentam de- safi os a serem enfrentados na formulação, execução, monitoramento e investimento nas políticas de proteção social e de promoção da igualdade racial, o conhecimento sobre a questão racial e as estratégias para proporcio- nar estabilidade e seguranças sociais é basilar para superarmos o abismo social e as vulne- rabilidades que existem em nosso país, valo- rizando a diversidade de nosso povo e promo- vendo a justiça social e o desenvolvimento. O Brasil é um país pluriétnico e é o segundo país em população ne-gra, só perde para a Nigéria em número de afrodescendentes. De acordo com dados da Pesquisa Nacio- nal por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2019, 42,7% dos brasileiros se declararam brancos, 46,8% pardos, 9,4% pretos e 1,1% amarelos ou indígenas. Assim, naquele ano, 56,2% da população brasileira se afi r- mou negra, sendo a maioria do país. O estado do Ceará possui essa mesma diversidade em seu povo, além da popula- ção negra (pretos e pardos), que totalizou 72,02% em 2019, temos aqui desde muito antes de todos os outros os povos originá- rios – indígenas que atualmente são uma população de aproximadamente 44 mil, aldeados em 18 municípios diferentes e divididos em 15 etnias. Aqui também es- tão presentes diferentes povos e comuni- dades tradicionais, dentre eles as Comuni- dades Remanescentes de Quilombos, que são aproximadamente 87 comunidades mapeadas pela Comissão Estadual dos Quilombolas Rurais do Ceará (Cequirce) e 49 certifi cadas pela Fundação Cultural DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL E NO CEARÁ O De acordo com dados da Pesquisa Nacio- nal por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2019, 42,7% dos brasileiros se declararam brancos, 46,8% pardos, 9,4% pretos e 1,1% amarelos ou indígenas. Assim, naquele ano, 56,2% da população brasileira se afi r- mou negra, sendo a maioria do país. O estado do Ceará possui essa mesma diversidade em seu povo, além da popula- ção negra (pretos e pardos), que totalizou 72,02% em 2019, temos aqui desde muito antes de todos os outros os povos originá- rios – indígenas que atualmente são uma população de aproximadamente 44 mil, aldeados em 18 municípios diferentes e divididos em 15 etnias. Aqui também es- tão presentes diferentes povos e comuni- dades tradicionais, dentre eles as Comuni- dades Remanescentes de Quilombos, que são aproximadamente 87 comunidades mapeadas pela Comissão Estadual dos Quilombolas Rurais do Ceará (Cequirce) e 49 certifi cadas pela Fundação Cultural 3 PONTO DE PARTIDA: ENTENDENDO MELHOR ALGUNS CONCEITOS V ocê já deve ter escutado falar em algum momento, na televisão, nas redes sociais no seu trabalho, na sua esco-la, faculdade ou mesmo em sua casa, sobre termos que se ligam à questão racial, tais como racismo estrutural, raça, etnia, preconceito e discriminação. Essas palavras às vezes parecem sinônimos ou são usadas desconectadas de seu significado e, por esse motivo, é tão im- portante conhecê-las. Nesse ponto, iniciaremos desvendando alguns dos principais termos que permitem entender as rela- ções étnico-raciais e as desigualdades no Brasil. Para isso nos guiaremos por algumas perguntas fundamentais. Vamos lá! 3.1 NÃO EXISTE SOMENTE UMA ÚNICA RAÇA, A RAÇA HUMANA? Veja, o termo raça sempre foi utilizado para classificar e hie- rarquizar, inicialmente plantas e animais. É somente a partir do século XVI que o termo passou a ser utilizado para diferenciar seres humanos em categorias. Essas definições assumiram uma função central dentro das relações humanas, durante o proces- so de expansão econômica mercantilista e de conquista de no- vos territórios, a classificação de supostas raças diferentes en- tre os seres humanos, definindo como raça superior os brancos, serviu para justificar a subordinação e a exploração das raças consideradas inferiores, os não brancos. (MUNANGA, 2004) Nessa classificação, os não brancos foram definidos como sujeitos de comportamentos imorais, violentos e pouco inteli- gentes, devendo ser domesticados e civilizados. Logo, essa classificação de seres humanos a partir de critérios fenotípicos (cor da pele, textura do cabelo, ângulo facial) e cultu- rais foi utilizada para fortalecer o colonialismo europeu e justifi- car a exploração, a destruição e a morte de povos na África, Ásia, Oceania e nas Américas, de onde também faz parte o Brasil. Contudo, essa utilização do termo raça para diferenciar bio- logicamente os seres humanos não se manteve. Já no século XX, estudos da antropologia e da biologia derrubaram as teorias do racismo científico que apontavam tais diferenças biológicas ou culturais de inferiorização de povos ou de grupos humanos em detrimento de outros. Esses estudos comprovaram que a única raça existente é a humana. Porém o racismo não deixou de exis- tir, os discursos, ideias e desigualdades edificados por essa hie- rarquização permaneceram, exigindo posicionamentos, denún- cias e lutas sociais para sua desconstrução. (MUNANGA, 2004) 3.2 O QUE É ETNIA E POR QUE O TERMO RAÇA AINDA É UTILIZADO? Como você pode ver, o conceito “clássico” de raça utilizado para diferenciare hierarquizar seres humanos não se aplica mais. Entretanto, fica a pergunta: por que continuamos a usá-lo nas produções acadêmicas, nas políticas públicas e lutas sociais? Embora biologicamente insustentável, socialmente as pesso- as continuam a agir em relação a outras pessoas tendo por base a ideia de que um grupo de seres humanos (brancos) é superior a ou- tro (não brancos). Do mesmo modo, as esferas jurídicas, políticas e financeiras continuam a operar de muitos modos que geram a per- manência das desigualdades construídas a partir do racismo. São exemplos os números de assassinatos de jovens negros, a violência doméstica contra mulheres negras, os índices de pobreza e extre- 86 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste ma pobreza majoritariamente preenchidos pela população negra, a destruição de ter- ras indígenas, os ataques e assassinatos de lideranças indígenas e quilombolas. Por esse motivo, raça é algo que exis- te socialmente, um conceito existente no imaginário social. Por isso, ainda é utiliza- do para entendermos as relações sociais. Apesar de o conceito de raça estar muitas vezes ligado ao de etnia, os ter- mos não são sinônimos. Enquanto o con- ceito de raça é utilizado para tratar de problemas ligados ao valor socialmente atribuído a certas características fenotí- picas dos seres humanos, o conceito de etnia se refere ao âmbito cultural; “um grupo étnico é uma comunidade huma- na defi nida por afi nidades linguísticas, culturais e semelhanças genéticas. Essas comunidades geralmente reclamam para si uma estrutura social, política e um ter- ritório.” (SANTOS, et all, 2010, p. 124) Os distintos grupos étnicos são ca- racterizados por suas formas de ser, de existir, de sentir, de acreditar (visão de mundo) e de produzir a sobrevivência. A etnia traduz um povo, constitui a diver- sidade humana. Um único povo pode ter diferentes etnias – por exemplo, os povos indígenas no Brasil. 3.3 MAS, AFINAL, O QUE É RACISMO? O racismo é uma forma de relação so- cial, que se estrutura política, econômica e juridicamente. É uma organização da so- ciedade que produz desigualdades, viola- ções e violências entre raças e etnias. Não se trata apenas de um problema interpes- soal, ético ou uma questão psicológica. Ele perpassa todas as esferas das relações humanas e defi ne lugares sociais, assim como defi ne distribuição de riquezas e privilégios em nossa sociedade. Sílvio de Almeida (2018) apresenta três concepções de racismo que são utilizadas para compreender nossas relações sociais: • Racismo Estrutural: análise que considera o racismo como decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se consti- tuem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares a partir de um conjunto de ideias que afi rma a superioridade de determinados grupos étnicos, nacionais, linguísticos, religiosos, sobre outros. • Racismo Institucional: análise que recai sobre os espaços institucionais, que considera o resultado do mau funcionamento das instituições, que assumem uma dinâmica de funcionamento que confere, ainda que indiretamente, des- vantagens e privilégios a partir da raça/etnia dos sujeitos. O racismo dentro das instituições pode ocorrer pela exclusão e discriminação de determinados gru- pos étnicos/raciais ou do despreparo e omissão das instituições e organizações em prover um serviço profi ssional adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Trata-se da forma estratégica como o racismo garante a apropriação dos resultados positivos da produção de riquezas pelos segmentos raciais privilegiados na sociedade, ao mesmo tempo em que ajuda a manter a fragmentação da distribuição destes resultados no seu interior. • Racismo Individual: Trata do racismo em sua manifestação interpessoal, muitas vezes interpretado como uma espécie de “patologia” social; um fe- nômeno ético ou psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a grupos isolados; ou ainda, uma “irracionalidade” do sujeito. Um risco nesta análise é se limitar as relações interpessoais e cair na armadilha da patolo- gização, julgar como doença, desconsiderando a funcionalidade do racismo para a manutenção das desigualdades sociais. A providência diante dessas práticas observadas se limita ao campo jurídico (sanção penal ou civil). Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 87 Ilustração de Maria Clara Negreiros Lobo com intervenção de Carlus Campos O fato de o racismo ser estrutural não exime aquele que pratica o racismo de ser responsabilizado por seus atos. É de- ver de cada um observar o que reprodu- zimos em nosso cotidiano e entender as consequências de nossos atos. Do mesmo modo, o fato de ser estru- tural não defi ne que é algo insuperável e que precisamos nos conformar com essa realidade desigual e opressiva. Basta ob- servar os avanços que alcançamos nas últimas décadas a partir das lutas dos movimentos sociais. Assim, é possível perceber como a luta antirracista é ne- cessária e como abre possibilidades para outra forma de viver coletivamente. 3.4 O QUE SÃO O PRECONCEITO RACIAL E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL? A palavra preconceito expressa que se trata de algo preconcebido, um concei- to prévio formulado sem conhecer algo ou alguém, uma ideia que se tem antes mesmo de conhecer algo de fato. Quan- do esse conceito prévio é estabelecido a partir das características raciais ou étni- cas de pessoas ou grupos, ele é defi nido como preconceito racial. A discriminação, por sua vez, é a ação de discriminar baseado no preconceito racial, é a materialização do racismo es- trutural. No Brasil prevalece a manifes- tação do preconceito a partir da identifi - cação das características fenotípicas das pessoas (cor da pele, textura do cabelo, formato de nariz e boca etc.). Oracy No- gueira (2007, p. 292) diferencia os tipos de preconceito racial: Quando o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fi sionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as conseqüências do preconceito, diz-se que é de origem. No Brasil, então, opera o preconceito de marca, conforme conceitua o autor. Quanto mais presentes as “marcas” ou “traços negroides”, há mais possibilida- des de sofrer discriminação e exclusão dentro da sociedade. 88 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste do preconceito, diz-se que é de origem. No Brasil, então, opera o preconceito de marca, conforme conceitua o autor. Quanto mais presentes as “marcas” ou “traços negroides”, há mais possibilida- des de sofrer discriminação e exclusão dentro da sociedade. Universidade Aberta do Nordeste Ilustração de Rafaela Microni Santos com intervenção de Carlus Campos Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 89 3.5 QUEM É NEGRO(A) NO BRASIL? Como vimos, a compreensão de quem são negros e negras do país se interliga ao fenótipo negroide apresentado pelos su- jeitos e a identifi cação desses traços com a origem ancestral africana. São essas características que defi nem os sujeitos que serão alvos da discriminação racial, mas que também remetem a preservação e ligação com a ancestralidade africana, seus saberes, cultura e contribuições para edifi car esse país. Pela ampla mestiçagem que ocorreu no Brasil e as diversidades regionais em um país de extensão continental, o limiar entre brancos e negros se torna bem tênue em alguns casos. Conforme Nogueira (2007, p. 294), “a concepção de branco e não-branco varia, no Brasil, em função do grau de mes- tiçagem, de indivíduo para indivíduo, de classe para classe, de região para região”. Num país que estabeleceu um projeto de desenvolvimento baseado no desejo de branqueamento de sua população e quefragilizou profundamente o conheci- mento sobre as contribuições da cultura e saber africano em sua formação, tornou- -se uma tarefa não tão fácil identifi car-se e afi rmar-se negro(a). As pesquisas censitárias demonstra- ram, ao longo das décadas, a difi culdade do brasileiro em se autodeclarar negro(a). Isso se deve em muitos casos a uma ten- tativa de “fugir” ou desviar da exclusão social e discriminação consequente do racismo estrutural e em busca de maior aceitação social. Se fi zermos uma retrospectiva aos sis- temas de classifi cação racial praticados no Brasil para fi ns de conhecimento sobre a população, podemos observar algumas mudanças ao longo dos anos, tanto nas nomenclaturas quanto nos índices de au- toafi rmação que vem crescendo para os que se afi rmam negros (pretos e pardos), resultado fruto das lutas sociais e ações de fortalecimento identitário pautadas pelos movimentos negros. O primeiro recenseamento no Brasil ocorreu em 1872: [...] de abrangência nacional do período im- perial e escravista - enfrentou o problema da classifi cação da cor e utilizou o termo raça, sendo defi nidos os seguintes registros: bran- ca, preta, parda e cabocla (Decreto n. 4.856, de 1871). A classifi cação de raça/cor preta foi AMPLIANDO OS CONHECIMENTOS Cartilha da Campanha Ceará Sem Racismo organizada pelo Governo do Estado do Ceará - https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/02/ CARTILHA-CAMPANHA-CEAR%C3%81-SEM-RACISMO-compactado.pdf Cartilha de Combate ao Racismo Institucional organizada por Abong - https://abong.org.br/wp-content/uploads/2020/11/Cartilha-Racismo- Institucional.pdf Guia de combate ao racismo institucional Portal Geldés - https://www. geledes.org.br/racismo-institucional-uma-abordagem-teorica-e-guia-de- enfrentamento-do-racismo-institucional/ Cartilha Racismo é crime organizada pelo Governo Federal - https://www. justica.gov.br/news/mjc-ira-elaborar-plano-nacional-de-politicas-para-povos- de-matriz-africana/cartilha-racismo-e-crime-digital.pdf/view Portal da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015 a 2024) organizada pela ONU - https://decada-afro-onu.org/ utilizada para designar pessoas africanas, negras e crioulas. A denominação "parda" caracterizava o cruzamento da raça africana com outras raças. Já a designação cabocla deveria ser compreendida como raça indíge- na ou, ainda, como a mistura entre brancos e indígenas. (GOUVEA; XAVIER, 2012, p. 105) Atualmente o recenseamento ofi cial do Instituto Brasileiro de Geografi a e Es- tatística (IBGE) utiliza a classifi cação: branca, preta, parda, amarela e indígena. Para análises de dados em relação a de- sigualdades, acesso a serviços e políticas públicas são considerados(as) negros(as) os que se autoafi rmam pretos e pardos. 4 UM PASSADO HISTÓRICO DE EXCLUSÃO E UM PRESENTE DE DESIGUALDADES SOCIAIS E ECONÔMICAS PERSISTENTES A o olharmos para as vulnerabilidades e inseguranças so-ciais vivenciadas pelos povos e grupos populacionais discriminados por seu pertencimento étnico e racial no Brasil, fi cam evidentes relações complexas que se ini- ciam desde o período de colonização do país. Aos indígenas, a partir da chegada dos portugueses ao Bra- sil, em 1500, teve início processo intenso e violento de desapro- priação de suas terras, assim como destruição e desrespeito a seu modo de organização social e cultura pelos colonizadores além da morte de muitos destes que já viviam aqui bem antes. Mesmo com a independência do Brasil, os povos indígenas con- tinuaram marginalizados, desrespeitados e desprotegidos pelo Estado brasileiro. Grande número das necessidades e problemas que os indí- genas brasileiros apresentam nos dias atuais são frutos de um processo histórico tensionado por relações contraditórias e con- fl ituosas com o Estado que em diversos momentos atuou na di- reção de forçar a assimilação cultural branca e o aproveitamento da mão de obra indígena para o desenvolvimento do país bem como, por outro lado, impulsionado por reivindicações indíge- nas e determinação de leis e tratados nacionais e internacionais, atuou na proteção a cultura originária, oferecendo-lhes meios para a sua sobrevivência, iniciando ações de proteção social. Por sua vez, aos negros(as) vindos(as) do continente africano, forçadamente trazidos para serem escravizados, e seus descen- dentes, com o processo de abolição não foi destinado tipo algum de política de reparação pelo passado criminoso da escravidão, sendo considerada uma abolição inacabada, inconclusa. Veja bem, o país seguiu com a lógica da precariedade estru- tural da liberdade, com restrições aos direitos políticos dos li- bertos, sem política de alfabetização e instrução dessa massa de trabalhadores de modo a possibilitar sua inserção ao merca- do de trabalho que surgia com a urbanização e industrialização. Diante da situação de vulnerabilidade dos ex-cativos, des- tacou-se de um lado ações de cunho assistencialista, de viés caritativo para a parcela de negros e negras indigentes. Ações que mais reafi rmaram a subordinação e inferioridade do que ampliaram o exercício de cidadania. Por outro lado, sobressaíram ações de caráter repressivo por parte da polícia, que sustentou ações de criminalização das condutas dos recém-libertos, representando o primeiro passo para o encarceramento em massa da população negra. Como é possível notar, nenhuma das ações destinadas a esse grupo étnico racial garantiu a proteção social ou abriu possibilidade para incremento da escolarização e de inserção qualifi cada no mercado de trabalho. Ao contrário, deixou a marca destes como classe perigosa, tidas como pessoas voltadas à marginalização e sem ética ou moral para o trabalho. Como legado, o modelo de desenvolvimento adotado no Bra- sil não se baseia na redistribuição de riqueza e renda, mas num sistema de dependência que tem deixado como consequência à população negra a precariedade no trabalho, informalidade, po- breza e miséria. Portanto, os grupos discriminados em termos raciais não usufruíram dos avanços das políticas públicas. 90 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste reção de forçar a assimilação cultural branca e o aproveitamento da mão de obra indígena para o desenvolvimento do país bem Ilustração de Francisco Matheus Braga da Silva com intervenção de Carlus Campos Esse quadro de exclusão permaneceu por um longo período, pois o Estado de- morou muito a reconhecer o racismo e as desigualdades raciais como objeto de in- tervenção governamental. Essa situação de silenciamento da questão racial encontrou sustentação no mito da democracia racial, ao negar o preconceito racial e a discriminação, sob o argumento de que aqui perdurou a har- monia entre as raças formadoras da na- ção, que conviviam sem confl itos raciais. Com a ampliação das mobilizações dos movimentos sociais negros na dé- cada de 1980, período da redemocrati- zação, tivemos grandes conquistas: em 1988 foi criada a Fundação Cultural Pal- mares (FCP), primeira instituição voltada para promoção e preservação dos valo- res culturais, históricos, sociais e econô- micos decorrentes da infl uência negra na formação da sociedade brasileira. Outro avanço, expresso dentro do tex- to da Constituição de 1988, foi a defi nição do racismo que passa a ser considerado como crime inafi ançável e imprescritível, representando um passo importante para as políticas de promoção da igualdade ra- cial das quais trataremos neste fascículo. Em cenário de pobreza extrema, ob- serva-se majoritária presença da popu- lação negra, que vivencia violação de di- reitos, violências e racismo como marcas históricas. Nesse sentido, a ação positiva do Estado pela via das políticas de pro- teção social é fundamental para superar tal realidade. Vale nos debruçarmos um pouco sobre os índices atuais dessa rea- lidade social no Ceará e no Brasil. Quanto à escolaridade média e nível de instrução, as desigualdades de opor-tunidades dos alunos(as) negros(as) na educação básica e superior resultam em uma escolaridade média da população que se declara preta e parda inferior à alcançada por aqueles que se declaram brancos. “No Ceará, a população de pre- tos e pardos de 25 anos ou mais de ida- de alcançou uma escolaridade média de 7,7 anos de estudos, 1,6 ano menor que atingida pelos brancos. Os negros mais bem escolarizados são os residentes no Distrito Federal, lá eles possuem, em mé- dia, 10,8 anos de estudos e os brancos 12,5 anos. E os menos escolarizados são os residentes no estado de Alagoas, com 7 anos de estudos.” (Ipece, 2020, p. 07) De acordo com documento elabo- rado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, “o quadro de desigualdade estrutural gerado pela discriminação racial torna-se ainda mais evidente quando analisados os dados da educação das pessoas afrodescendentes no Brasil. Segundo informação do Insti- tuto Brasileiro de Geografi a e Estatística, enquanto 3,9% da população branca com 15 anos ou mais é considerada analfabe- to, esse percentual aumenta para 9,1% quando entre as pessoas afrodescenden- tes”. A informação ainda apresenta dados de que, em 2018, 44,2% dos jovens negros do sexo masculino com idade entre 19 e 24 anos não concluíram o ensino médio. Analisando este indicador para o es- tado do Ceará, chama atenção a desi- gualdade latente. Em 2019, 14,7% dos cearenses negros de 15 anos ou mais de idade eram analfabetos, percentual que cai para 10,4% entre os cearenses bran- cos. Quando analisamos o grupo etário de 60 anos ou mais, a taxa de analfabe- tismo entre os brancos chega a 24,7% en- quanto entre as pessoas pretas ou pardas (negras) chegou a 40%. (Ipece, 2020) Os dados sobre condições de trabalho também são fundamentais para obser- varmos as demandas por proteção social e justiça social no país onde 41,6% dos trabalhadores estão em ocupações in- formais, enquanto no Nordeste mais da metade estão nesta situação (56,9%). No Ceará tem-se 56,8% dos trabalhadores na informalidade e, entre os grupos popula- cionais de brancos e pretos ou pardos, os percentuais de trabalhadores na informa- lidade são de 49% para brancos e 59,8% (para pretos e pardos). (Ipece, 2020) Todos os aspectos anteriores demons- tram a subordinação da população negra a condições de pobreza e pobreza extrema no país. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2021, p. 08), “a taxa de pobreza das pessoas afrodescendentes, de maneira histórica, é ao menos duas vezes mais alta que a do resto da população, al- cançando a marca de 22%”. Ao mesmo tem- po, a taxa de desocupação também aparece mais alta entre as pessoas negras, dentre os motivos, pode ser entendido pelo menor nível de escolaridade desse grupo popula- cional. Não é diferente quando analisado o índice de desemprego de pessoas com ensi- no superior completo – a taxa de desocupa- ção entre brancos é de 5,5% comparada aos 7,1% das pessoas negras. A Comissão destaca ainda os números alarmantes com elevados números de ho- micídios de pessoas negras no Brasil, que, segundo informação divulgada pelo Esta- do, “aumentou a uma taxa de 23,1% entre 2006 e 2016. Sendo que 73,1% dos 618 mil homicídios registrados no país entre 2007 e 2017, foram cometidos contra homens negros”. Além disso, destaca-se que 67% das vítimas de violência policial no âmbito nacional se identifi caram como negros do sexo masculino, com idades que variam entre 20 e 40 anos (CIDH, 2021, p. 10). Diante dessa realidade consequente do racismo estrutural, o combate às desigual- dades sociais e raciais no Ceará e no Brasil tem sido objeto de políticas públicas, das quais trataremos nas linhas seguintes. Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 91 5 COMO SUPERAR O RACISMO E PROMOVER A IGUALDADE RACIAL NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO SOCIAL Política pública pode ser entendida como uma estraté-gia de ação formulada, planejada, executada e avaliada a partir de uma racionalidade coletiva em que tanto o Estado como a sociedade desempenham papéis ativos. Ela envolve diferentes atores (governamentais e não governa- mentais) por meio de demandas, suportes ou apoios e mediante o controle democrático. Tem como função concretizar direitos de cidadania e primar pela justiça social. As políticas podem ser de cunho universal e no âmbito específico, estas últimas: “... Podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e priva- das de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência fí- sica e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamen- tais como a educação e o emprego”. (Joaquim Barbosa – Ministro do Su- premo Tribunal Federal / STF) Para efeitos dessa discussão da igualdade racial, têm-se políticas de promoção da igualdade racial, classificadas da seguinte forma: a) Políticas repressivas têm por objetivo enfrentar e comba- ter os atos discriminatórios a partir da legislação criminal; b) Políticas de ações valorativas têm por desígnio combater os estereótipos negativos que foram construídos historicamen- te, são ações que valorizam a pluralidade étnica e o caráter des- sas ações é permanente e não focalizado; c) Políticas de ações afirmativas têm por finalidade enfrentar as discriminações e desigualdades indiretas, as que são veladas, que não aparecem explicitamente, de tal modo que enfrentam os resultados das discriminações. No Brasil as políticas de promoção da igualdade racial são recentes. O país acreditava que inexistiam o racismo e os confli- tos raciais na sociedade. Foi somente no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) que o Estado brasileiro reconhe- ce a existência da desigualdade étnico-racial e cria o Grupo de Trabalho Interministerial pela Valorização da População Negra. Este Grupo de Trabalho foi criado após a realização da Mar- cha contra o Racismo, pela Igualdade e pela Vida, em 20 de no- vembro de 1995 na capital federal, em memória do tricentenário da morte do líder do Quilombo dos Palmares – Zumbi, organiza- da por inúmeras entidades do movimento negro, a Central Úni- ca dos Trabalhadores e o Movimento Sem Terra. Fatos e conteúdos históricos no fim do século XX vão de- mandar aparatos constitucionais como marcos legais para a instituição de políticas públicas e de ações afirmativas de ini- ciativas estatais visando à promoção da igualdade racial, como as comemorações que marcaram o Centenário da Abolição, em 1988; a tipificação do racismo como crime inafiançável na Constituição Federal de 1988, regulamentada pela Lei Caó (Lei nº 7.716/1989); a Marcha Zumbi de Palmares em 1995 que ten- sionou o governo brasileiro, pela primeira vez, a reconhecer ofi- cialmente o racismo no país. No início do século XXI, houve a celebração de 500 anos do Brasil; e em momento histórico a III Conferência Mundial con- tra o Racismo, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, ocorrida em setembro de 2001, na África do Sul, gerou signifi- cativo posicionamento das nações para o desenvolvimento das ações sistêmicas internacionais de combate ao racismo, do qual o povo brasileiro participou e passou a tentar mobilizar-se 92 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste socialmente para a implementação das propostas então deliberadas de ações afi rmativas para os negros e as negras e seus descendentes, além da Declaração e do Plano de Ação de Durban. Ao abordar as políticas de Proteção Social, têm importância os subsídios teóricos e técnicos para apoiar as equipes de profi ssionais que executam essa política nos diversos equipamentos sociais aos povos indígenas, às comunidades remanescentes de quilombo, nas comunidades da periferia de maiorianegra, e em outras comunidades dos povos tradicionais. Dentre eles, vale destacar: a) Capacitar as/os profi ssionais que fazem o preenchimento de todos os for- mulários e prontuários dos serviços pú- blicos estaduais e nos sistemas de infor- mação estadual, de acordo com o IBGE. b) Capacitação dos agentes públicos, com ênfase na instituição policial no âmbito da abordagem policial e o racismo institucional; c) Qualifi car e capacitar a rede de atendimento às mulheres em situação de violência com prioridade nos hospi- tais e delegacias, dando ênfase as temá- ticas para o enfrentamento do racismo institucional - Implantação do Centro de Referência no atendimento às mulheres em situação de violência dentro da Casa da Mulher Brasileira com o atendimento específi co para as mulheres e o pertenci- mento racial (negras, quilombolas, indí- genas, ciganas, de terreiro); d) Adotar, fortalecer e aplicar políticas, programas e projetos voltados à ação de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia intolerâncias relacionadas; e) Instituir o quesito raça/cor, identidade de gênero e de orientação sexual em todos os formulários e prontuários dos serviços públicos estaduais e nos sistemas de infor- mação estadual, de acordo com Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE); Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 93 LEGISLAÇÕES VOLTADAS À PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Art. 5º, XLII – a prática do racismo constitui crime inafi ançável e imprescritível, sujeito à reclusão nos termos da lei. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Art. 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Art. 232 – Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. Lei 7.716, de 5 de Janeiro de 1989. Lei Caó – Defi ne os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Decreto 4.887, de 20 de Novembro de 2003 – Regulamenta o procedimento para identifi cação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Lei 10.639, de 09 de Janeiro de 2003 – Altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (LDB), incluindo no currículo educacional a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira”. Decreto 5.051, de 19 de Abril de 2004 – Promulga a Convenção 169 da Organização Interacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais. Decreto 6.040 de 07 de Fevereiro de 200 – Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Lei 12.288, de 20 de Julho de 2010 – Institui o Estatuto da Igualdade Racial. Lei 12.711, de 29 de Agosto de 2012. Lei das cotas – Dispõe sobre o ingresso nas universidades Federais e nas instituições federais do ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Lei 12.990, de 9 de junho de 2014 – Reserva aos negros 20% das vagas para concursos públicos para cargos efetivos e empregos públicos da administração pública federal, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedade de economia mista controlada pela União. Lei 16.197, de 17 de Janeiro de 2017 – Dispõe sobre a instituição do sistema de cotas nas Instituições de Ensino Superior do Estado do Ceará. 6 AMPLIAÇÃO DO EXERCÍCIO DE CIDADANIA: RESISTÊNCIAS PLURAIS São nos territórios negros e periféricos que a desigualda-de racial e social, a falta de segurança pública, e falta de serviços públicos deitam suas mais perversas raízes. Po-rém são nesses territórios que surgem expressões de re- sistências culturais e políticas, sobretudo por parte da juventude, que consegue construir experiências de sociabilidade e lutas des- colonizadoras, em face de um poder cada vez mais vil e agressivo contra as comunidades e populações negras (NOGUEIRA, 2017). Resistir implica conectarmos com nossas raízes históricas para construção de nossa identidade, evidentemente sem cair na armadilha do subjetivismo, que não considera a estrutural social, econômica, social e política na qual estamos situados. Para tan- to, cabe estabelecer um diálogo com nossa memória ancestral valorizando as tradições, os saberes africanos e afro-brasileiros (acionar histórias, tradições, heranças e pertencimentos). Resisti- mos desde que aqui chegamos nos navios negreiros. As relações raciais no Brasil não podem mais ser tratadas como um problema de somente de negro/as. São um problema de todos e todas. É necessário visibilizar a nossa potência negra, demonstrar o grau de possibilidade de buscar alternativas para a sua sobrevivência e construir o mundo sob outra perspectiva. Não apenas pautar a negritude, mas também ressignifi car o branco para ele mesmo e para os negros(as). Desconstruir ima- ginários sociais a respeito de negros e negras que despertam tanto medo (biológico, sexual, forte e agressivo). Urge a tarefa de reinventar esse país. E essa reinvenção passa neces- sariamente pela construção do projeto de identidade nacional e pela construção da brasilidade. Para isso, é necessário considerar a história, a memória e as contribuições dos grupos étnicos raciais que sofrem a discriminação e o racismo, a partir da percepção de que ajudaram na edifi cação dessa nação. Então, nada mais digno de que possam contar com respeito, reconhecimento étnico, justiça racial e respeito aos mo- delos de desenvolvimento que apresentam. (SOUZA, 2009) Por isso, a construção de um modelo de proteção social que leve em considerações as especifi cidades dos diferentes grupos étnicos que compõem esse país é fundamental para melhor qua- lifi car a intervenção social e obtermos resultados consistentes. Observe como as formas de resistir de negros e negras é plural. • Resistimos ao constituir as famílias negras. • Resistimos pela via da religião – católica com as irmandades religiosas, pastorais, as comunidades de terreiro de matriz africana e afro-brasileiras. • Resistimos ao fazer parte dos movimentos sociais negros. • Resistimos pela cultura e arte – trabalhando com a pauta identitária (subjetividade) e condições estruturais – objetivas de ocupar os lugares nesse país de desvantagens históricas. • Resistimos por meio de processos educacionais – aquilombamento dos estudantes negros organizados em coletivos e núcleos de estudos que acumulam solidariedade e acolhimento. • Resistimos por meio da imprensa negra. • Resistimos por meio da representatividade negra na política. • Resistimos por meio de datas históricas como o dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra, demarcando nossa negritude e afi rmando que ainda temos muitos desafi os para alcançar a verdadeira igualdade racial. • Resistimos quando realizamos a Marcha das Mulheres Negras contra o racismo, a violência e pelo Bem Viver, no ano de 2015 em Brasília, dando visibilidade à luta, à resistência, às denúncias, às angústias e às vozes das 50 milhões de mulheres negras brasileiras. 94 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste edifi cação dessa nação. Então, nada mais digno de que possam contar Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 95 ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018. Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Situação dos Direitos Humanos no Brasil. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 9. 12 fevereiro 2021. Disponível em http://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/Brasil2021-pt. pdf Acesso em 05 de março de 2021. GOMES, Daiane de Oliveira; BRANDAO, Wanessa Nhayara Maria Pereira; MADEIRA, Maria Zelma de Araújo. Justiçaracial e direitos humanos dos povos e comunidades tradicionais. Rev. katálysis, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 317-326, ago. 2020. GOUVEA, Maria Cristina; XAVIER, Ana Paula. Retratos do Brasil: raça e instrução nos censos populacionais do século XIX. Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 122, pág. 99-120, março de 2013. Disponível em <http://www.scielo. Referências br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302013000100006&lng=en& nrm=iso>. Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE). Fortaleza – Ceará: Ipece, 2020. Disponível em https://www.ipece.ce.gov.br/wp- content/uploads/sites/45/2020/12/ipece_informe_187_22_dez2020.pdf. Acesso em: 07 de março de 2021. MADEIRA, Maria Zelma de Araújo. Política de Igualdade Racial na realidade cearense. Revista em pauta: Questão étnico-racial e antirracismo. Nº 45, v18, 1º semestre de 2020. MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Palestra proferida, 1-17, 2004. 731, 2004. Disponível em: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/ Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e- etnia.pdf. NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo soc., São Paulo, v. 19, n. 1, p. 287-308, June 2007. SANTOS, Diego Junior da Silva et al. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar. Dental Press J. Orthod., Maringá, v. 15, n. 3, p. 121-124, June 2010. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S2176-94512010000300015&lng=en&nrm=iso>. access on 05 Mar. 2021. https://doi.org/10.1590/S2176-94512010000300015. Souza, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação GOUVEA, Maria Cristina; XAVIER, Ana Paula. Retratos do Brasil: raça e instrução nos censos populacionais do século XIX. Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 122, pág. 99-120, março de 2013. Disponível em <http://www.scielo. racismo, identidade e etnia. Disponível em: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/ Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e- etnia.pdf. NOGUEIRA, Oracy. 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É professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e do Mestrado em Serviço Social, Trabalho e Questão social (MASS) da Uece. É coordenadora do Laboratório de Afrobrasilidade, Gênero e Família (Nuafro) da Uece. Foi coordenadora estadual de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial do Ceará (Ceppir), de 2015 a 2020, vinculado à Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos. É assessora de Acolhimento aos Movimentos Sociais no Gabinete do Governador do Ceará. Tem experiência nas áreas de Sociologia e Serviço Social, atuando principalmente nos seguintes temas: família, gênero, relações étnico-raciais, políticas sociais, gestão de políticas públicas, política de igualdade racial, política de assistência social, cultura e religião de matriz africana. Daiane Daine de Oliveira Gomes É assistente social graduada pela Universidade Estadual do Ceará – Uece (2012). Tem Mestrado em Serviço Social, Trabalho e Questão Social pela Uece (2016), trabalhou como assistente social no Centro de Referência de Assistência Social Lagamar em Fortaleza, Ceará (2013), na Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial do estado do Ceará (2015- 2019) e no Instituto Federal da Paraíba (2019-2020). Integra o Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidades, Gênero e Família (Nuafro). Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase em: Relações Étnico-raciais, Relações de gênero e Políticas Sociais. Atualmente trabalha como assistente social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ilustrações Desenhos originais das crianças Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar, Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, que participaram da Ofi cina de Ilustração com Joana Brasileiro Barroso, com intervenção artística de Carlus Campos. 77 GRATUITA Esta publicação não pode ser comercializada III REALIZAÇÃOAPOIO POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL Regina Ângela Sales Praciano Ilustração de Maurício Rafael Cipriano Gomes com intervenção de Carlus Campos Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br Copyright©2021 Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidência Luciana Dummar Direção Administrativo-Financeira André Avelino de Azevedo Gerência Geral Marcos Tardin Gerência Editorial e de Projetos Raymundo Netto Análise de Projetos Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis SECRETARIA DE PROTEÇÃO SOCIAL, JUSTIÇA, CIDADANIA, MULHERES E DIREITOS HUMANOS (SPS) Secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS Socorro França Coordenação Técnica PROARES III SPS Maria de Fátima Lourenço Magalhães Gerência Técnica do PROARES III Anete Morel Gonzaga Gerência de Fortalecimento Institucional do PROARES III Selma Maria Salvino Lôbo UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerência Pedagógica Viviane Pereira Coordenação de Cursos Marisa Ferreira Design Educacional Joel Lima Front-End Isabela Marques CURSO PROTEÇÃO SOCIAL: PROGRAMA INTEGRADO DE EDUCOMUNICAÇÃO Concepção e Coordenação Geral Cliff Villar Coordenação de Conteúdo Ana Lourdes Leitão Revisão Daniela Nogueira Projeto Gráfico, Edição de Design e Coordenação de Marketing Andrea Araujo Design Mariana Araujo, Miqueias Mesquita e Kamilla Damasceno Arte-terapia Joana Barroso Ilustrações Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar,Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, com intervenção de Carlus Campos Análise de Marketing Digital Fábio Júnior Braga Este curso é parte integrante do Curso de Capacitação sob o tema PROTEÇÃO SOCIAL na modalidade de Educação a Distância (EaD), em decorrência do Contrato celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS , sob o nº 143/20. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 P967 Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação / vários autores; organizado por Ana Lourdes Maia Leitão; vários ilustradores. - Fortaleza : Fundação Demócrito Rocha, 2021. 192 p. : il.; 26cm x 30cm. – (Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação ; 12v.) Inclui bibliografia e apêndice/anexo. ISBN: 978-65-86094-76-3 (Coleção) ISBN: 978-65-86094-74-9 (Fascículo 7) 1. Direitos Humanos. 2. Políticas Públicas. 3. Assistência Social. 4. Drogas. 5. Igualdade Racial. 6. Segurança Alimentar e Nutricional. 7. Proteção à Vida. 8. Direito das Mulheres. 9. População LGBTQIA+. 10. Pessoas com deficiência. I. Leitão, Ana Lourdes Maia. II. Título. III. Série. 2021-1549 CDD 341.4 CDU 341.4 Índice para catálogo sistemático: Direitos Humanos 341.4 Direitos Humanos 341.4 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 A SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO: TRAJETÓRIA E CONCEITOS 3 OS MARCOS E INSTRUMENTOS LEGAIS DO SISTEMA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL – SISAN E DA POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL REFERÊNCIAS 100 101 105 111 SUMÁRIO ilustração de Mateus Saldanha Félix com intervenção de Carlus Campos 100 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste A temática de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) assume extre-ma relevância e abrangência para efetivação de políticas públicas de proteção social, contribuindo para a redução das desigualdades sociais e exclu- sões que estão presentes, fazendo parte da realidade no mundo, no Brasil e mais espe- cificamente no Ceará, representando, gran- de desafio no combate à pobreza. Podemos destacar, para enfrentamento por meio da Política de Segurança Alimen- tar e Nutricional, que uma de suas priorida- des é a Insegurança Alimentar e Nutricional, em que a fome voltou a crescer em grande parte dos municípios brasileiros. É um mo- mento de grave estagnação econômica, com grandes retrocessos dos Sistema de Saúde, Proteção Social, com destaque para o desmonte do Sistema de Segurança Ali- mentar e Nutricional (Sisan) e de vários pro- gramas de SAN. Como a fome e a pobreza são interligadas, isso interfere ainda mais na INTRODUÇÃO necessidade de implementarmos políticas de enfrentamento a grave situação de vul- nerabilidade. Mais do que nunca, a Política de SAN deve ser debatida e implementada. Tendo por base a responsabilidade em impulsionar a Política de Segurança Alimentar e Nutricional no Estado do Ce- ará, o governo, por meio de um conjunto de secretarias, a exemplo da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), vem empenhando-se no sentido de efetivá-la. Este fascículo representa mais uma iniciativa para difusão da Política de Se- gurança Alimentar e Nutricional abordan- do seus conceitos, trajetória, sua contex- tualização histórica e sua fundamentação legal para construção do Sistema de Se- gurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Pretende também fornecer orientações para implementação dessa política no âmbito dos municípios, pois é nesse es- paço em que tudo acontece. 1 Ilustração de Lucas Mesquita Mororó com intervenção de Carlus Campos necessidade de implementarmos políticas de enfrentamento a grave situação de vul- nerabilidade. Mais do que nunca, a Política de SAN deve ser debatida e implementada. Tendo por base a responsabilidade em impulsionar a Política de Segurança Alimentar e Nutricional no Estado do Ce- ará, o governo, por meio de um conjunto de secretarias, a exemplo da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), vem empenhando-se no sentido de efetivá-la. Este fascículo representa mais uma iniciativa para difusão da Política de Se- gurança Alimentar e Nutricional abordan- do seus conceitos, trajetória, sua contex- tualização histórica e sua fundamentação Ilustração de 2 Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 101 SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO: TRAJETÓRIA E CONCEITOS A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) vem, ao longo dos anos, ganhando espaço nas discussões no âmbito nacional e inter- nacional, configurando-se como desafio às agendas governamentais. Em uma relação direta com a história da humanidade, o conceito de SAN ao longo do tempo trans- forma-se à medida que se modificam as re- lações de poder e a organização social. Em sua trajetória histórica, o termo Segurança Alimentar apareceu na Eu- ropa, durante a I Guerra Mundial (1914- 1918), em associação com o conceito de segurança nacional, relacionada com a capacidade de cada país em produzir sua própria alimentação, de forma a não se tornar vulnerável frente a embargos ou boicotes políticos. (ABRANDAH, 2010) Após a II Guerra Mundial (de 1939 a 1945), a segurança alimentar foi hege- monicamente tratada como uma ques- tão relacionada a insuficiente disponi- bilidade de alimentos, em que foram instituídas iniciativas de promoção de assistência alimentar, a partir de ex- cedentes da produção de países ricos, relacionando a causa da insegurança alimentar à produção insuficiente de alimentos nos países pobres. Neste con- texto, foi lançada a “Revolução Verde”, objetivando aumentar a produtividade de determinados alimentos, utilizando 2.1 TRAJETÓRIA DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (SAN) novas variedades genéticas e utilização de insumos químicos, a partir dos quais, mais tarde, foram identificadas terríveis consequências ambientais, econômicas e sociais. (ABRANDAH, 2010) Na década de 1970, a crise mundial de produção de alimentos levou a Con- ferência Mundial de Alimentação (1974) a identificar que a garantia da seguran- ça alimentar passaria por uma política estratégica de armazenamento e oferta de alimentos, associando à proposta de aumento da produção de alimentos. A es- tratégia aumentou a produção, mas não implicou a garantia do acesso ao alimen- to. (ABRANDAH, 2010) Ilustração de Maria Clara Negreiros Lobo com intervenção de Carlus CamposSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO: TRAJETÓRIA E CONCEITOS HUMANO À ALIMENTAÇÃO: TRAJETÓRIA E CONCEITOS HUMANO À ALIMENTAÇÃO: A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) vem, ao longo dos anos, ganhando espaço nas discussões no âmbito nacional e inter- nacional, configurando-se como desafio às agendas governamentais. Em uma relação direta com a história da humanidade, o 2.1 TRAJETÓRIA DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL (SAN) 102 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Na década de 1980, reconhece-se uma das principais causas da insegurança ali- mentar da população – a falta de acesso aos recursos necessários para aquisição de alimentos. Assim, o conceito de Segurança Alimentar avançou, passando a incorporar outras dimensões fundamentais, que são a oferta estável e adequada de alimentos e a garantia de acesso e qualidade. No fim da década de 1980 e início da década de 1990, o conceito de Segurança Alimentar incorporou a noção de acesso a alimentos seguros (semcontaminação química ou biológica), de qualidade, produzidos de forma sustentável, equilibrada, culturalmente aceitáveis e com acesso à informação, agregando o aspecto nutricional e sanitário ao conceito, passan- do a ser denominado Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). (ABRANDAH, 2010) Em 1986, na I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição teve- se o enten- dimento de Segurança alimentar como sendo “a garantia, a todos, de condições de acesso a alimentos básicos de qualida- de, em quantidade suficiente, de modo permanente, sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas, com base em práticas alimentares, que possibili- tem a saudável reprodução do organismo humano, contribuindo, assim, para uma existência digna”, entendimento que foi consolidado na I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada em 1994. (ABRANDAH, 2010) Em 1986, na I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição teve- se o enten- dimento de Segurança alimentar como sendo “a garantia, a todos, de condições de acesso a alimentos básicos de qualida- de, em quantidade suficiente, de modo permanente, sem comprometer o acesso Em março de 2004, em Olinda-PE, foi realizada a II Conferência Nacional de SAN, sendo adotado o seguinte conceito de SAN em nosso país: “A Segurança Ali- mentar e Nutricional consiste na realiza- ção do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como bases práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a di- versidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente susten- táveis”. (ABRANDAH, 2010) Em 2006, o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional foi embasado legalmente na Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, a Lei Orgânica de Se- gurança Alimentar e Nutricional (Losan), Ilustração de Lucas Mesquita Mororó e Lucas Sobreira de Araújo com intervenção de Carlus Campos Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 103 que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), garante a alimentação adequada como direito fun- damental ao ser humano e definiu a SAN no artigo 30 com o mesmo conceito cons- truído na II Conferência Nacional de 2004. A Segurança Alimentar e Nutricional, de acordo com o artigo 3º da Losan, é a garantia do acesso regular e permanen- te a alimentos de qualidade, em quan- tidade suficiente, com base em práticas alimentares saudáveis, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentá- veis, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais. A Losan representa uma concepção abrangente e intersetorial de Segurança Ali- mentar e Nutricional e fundamenta-se em dois princípios que a orienta, que são o Direi- to Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e a Soberania Alimentar (SA). Compreender a Segurança Alimentar e Nutricional como um direito humano fundamental represen- ta um grande passo para rompermos com a Insegurança Alimentar (Insan), ou seja, com a fome, a desnutrição e tantos outros males que recaem sobre o país. O Direito Humano à Alimentação Ade- quada (DHAA) é um direito humano ine- rente a todas as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer di- retamente, quer por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudá- veis, em quantidade e qualidade, adequa- das e suficientes, correspondentes às tra- dições culturais do seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e co- letiva. (Comentário Geral n°12 sobre o ar- tigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – PIDESC) A Soberania Alimentar (SA) é o di- reito que cada país tem de definir suas próprias políticas e estratégias sustentá- veis de produção, distribuição e consu- mo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda a população, respeitando as múltiplas características culturais dos povos. A Insegurança Alimentar e Nutricio- nal (Insan) engloba desde a percepção de preocupação e angústia ante a incer- teza de dispor regulamente de comida até a vivência de fome por não ter o que comer em todo um dia. De acordo com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), existem três níveis de Insan: Leve – quando existe alguma preocupação com o acesso aos alimentos no futuro e nos quais há comprometimento da qualidade dos alimentos mediante estratégias que visam manter uma quantidade mínima disponí- vel; Moderada – quando em um dado perí- odo convivem com a restrição quantitativa de alimento; e Grave – quando adultos e crianças também passam pela privação de alimentos, podendo chegar à sua expres- são mais grave, a fome. Outra conquista institucional impor- tante veio com a Emenda Constitucional (EC) nº 64, de fevereiro de 2010, que alte- rou o Artigo 6º da CF/1988. A matéria que rege essa EC foi aprovada e legitimada so- cialmente como resolução das Conferên- cias de SAN. Com esse novo instrumento normativo, introduziu-se a alimentação no rol dos direitos fundamentais da po- pulação brasileira, com vistas a assegurar o Direito Humano à Alimentação Ade- quada (DHAA). Ressalta-se a importância dessa conquista, pois, a partir da EC, o Estado brasileiro assume suas obrigações em relação ao DHAA, que são respeitá-lo, protegê-lo, promovê-lo e provê-lo. damental ao ser humano e definiu a SAN no artigo 30 com o mesmo conceito cons- truído na II Conferência Nacional de 2004. A Segurança Alimentar e Nutricional, de acordo com o artigo 3º da Losan, é a garantia do acesso regular e permanen- I lustração de Carlus Campos 104 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste 2.2 ALGUNS DESTAQUES HISTÓRICOS DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO CEARÁ A construção da história da Segurança Alimentar no Estado do Ceará tem como marco histórico mais significativo o mo- vimento articulado, nacionalmente, em 1993, “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”, também conhecido como “Campanha do Betinho”. Naquele momento, uma série de entidades da socie- dade civil cearense abraçou também essa causa. Não só expressando sua indignação com o quadro de fome e miséria no Estado, mas organizando o movimento no Ceará. O Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea – Ceará) foi implementado por meio do decreto nº 27.008, de 15 de abril de 2003, no Governo Lúcio Alcântara, sendo instalado em agos- to do mesmo ano. Seu caráter consultivo e de aconselhamento impôs a necessidade de constante diálogo e articulação entre sociedade civil e governo na perspectiva de construir uma nova institucionalidade para assegurar programas e ações de Se- gurança Alimentar e Nutricional. Foi um dos primeiros conselhos que compreenderam a importância da socieda- de civil além de ser maioria na sua compo- sição. Destaca-se também ser a presidência sempre assumida por representação da so- ciedade civil, porque compreende-se que o exercício do controle social necessita de um olhar externo ao governo. Vale ressaltar que o Estado do Ceará já realizou seis Con- ferências Estaduais de Segurança Alimen- tar e nutricional, convocadas pelo Consea. Como política pública garantidora de oferta e do acesso de alimentos para a po- pulação, o Governo do Ceará, em parceria com o Governo Federal, construiu uma agenda na área da Segurança Alimentar e Nutricional, adotando premissas básicas relacionados ao conceito de SAN, instituin- do os marcos legais estaduais de SAN, (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutri- cional, Lei n° 15.002/ 2011 Losan – Ceará) e suas regulamentações. O Estado passou a realizar uma série de ações e programas de SAN, sendo a maioria em articulação com o Governo Federal para o enfrentamento da fome e da pobreza como a execução do Programa Bolsa Família (PBF), o Fortaleci- mento do Programa Nacional deAlimenta- ção Escolar (PNAE), o apoio à agricultura familiar e as medidas de convivência com a seca, como o Programa de Cisternas, os Restaurantes Populares, a criação da Lei de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), o assessoramento aos mu- nicípios visando à difusão da Política e à adesão ao Sisan, dentre outros. Ressalta-se que as ações de SAN de- veriam ser coordenadas pela Câmara In- tersetorial de Segurança Alimentar e Nu- tricional (Caisan – Ceará) regulamentada pelo Decreto n° 30.843/2012, que até hoje é presidida pela Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos do Estado do Ceará. A Câmara deveria ser a instância responsá- vel pela gestão do Sisan no Estado, tendo como atribuições a execução de ações e programas, e o papel de fortalecer o de- bate em torno do tema, assim cumprin- do o compromisso assumido de atender as urgências relacionadas ao combate à fome e à miséria. 104 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste 2.2 ALGUNS DESTAQUES HISTÓRICOS DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO CEARÁ A construção da história da Alimentar no Estado do Ceará marco histórico mais significativo o mo- vimento articulado, nacionalmente, em 1993, “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”, também conhecido como “Campanha do Betinho”. Naquele momento, uma série de entidades da socie- dade civil cearense abraçou também essa causa. Não só expressando sua indignação com o quadro de fome e miséria no Estado, mas organizando o movimento no Ceará. O Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea – Ceará) foi implementado por meio do decreto nº 27.008, de 15 de abril de 2003, no Governo Lúcio Alcântara, sendo instalado em agos- to do mesmo ano. Seu caráter consultivo e de aconselhamento impôs a necessidade de constante diálogo e articulação entre sociedade civil e governo na perspectiva de construir uma nova institucionalidade para assegurar programas e ações de Se- gurança Alimentar e Nutricional. Foi um dos primeiros conselhos que compreenderam a importância da socieda- de civil além de ser maioria na sua compo- sição. Destaca-se também ser a presidência sempre assumida por representação da so- ciedade civil, porque compreende-se que o exercício do controle social necessita de um olhar externo ao governo. Vale ressaltar que o Estado do Ceará já realizou seis Con- ferências Estaduais de Segurança Alimen- tar e nutricional, convocadas pelo Consea. Como política pública garantidora de oferta e do acesso de alimentos para a po- pulação, o Governo do Ceará, em parceria Ilustração de Davi Bogea Caldas com intervenção de Carlus Campos 3 Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 105 OS MARCOS E INSTRUMENTOS LEGAIS DO SISTEMA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL – SISAN E DA POLÍTICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL A Lei nº 11.346/2006, a Lei Orgânica de Se- gurança Alimentar e Nutricional – Losan, foi aprovada em setembro de 2006 e traz em seu texto uma importante conquista, afir- mando em seus princípios o Direito Huma- no à Alimentação Adequada e a Soberania Alimentar, definindo também a criação do Sistema de Segurança Alimentar e Nutri- cional – Sisan. Em 2010, foi regulamentado pelo Decreto 7.272/10, o qual dispõe sobre a sua gestão mecanismos de financiamen- to, monitoramento e avaliação. A exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único da Assistência Social (Suas), o Sisan prevê a conjugação de órgãos governamentais dos três níveis de governo e as organizações da socieda- de civil, que atuarão conjuntamente na formulação e implementação de políti- cas, planos e ações de promoção da SAN da população, definindo direitos e deve- res do poder público, da família, das em- presas e da sociedade. O papel essencial do Sisan é integrar e articular esforços entre os vários se- tores e esferas de governo e sociedade civil para implementação da segurança alimentar e nutricional. 3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO SISAN 3 Ilustração de Davi Bogea Caldas com intervenção de Carlus Campos 106 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste 3.2. PRINCÍPIOS, DIRETRIZES E INSTÂNCIAS DO SISAN PRINCÍPIOS DO SISAN I – Universalidade e equidade no acesso à alimentação adequada, sem qualquer espécie de discriminação; II – Preservação da autonomia e respeito à dignidade das pessoas; III – Participação social na formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e controle das políticas e dos planos de Segurança Alimentar e Nutricional em todas as esferas de governo; IV – Transparência dos programas, das ações e dos recursos públicos e privados e dos critérios para sua concessão. DIRETRIZES DO SISAN I – Promoção da intersetorialidade das políticas, programas e ações governamentais e não-governamentais; II – Descentralização das ações e articulação, em regime de colaboração, entre as esferas de governo; III – Monitoramento da situação alimentar e nutricional, visando subsidiar o ciclo de gestão das políticas para a área nas diferentes esferas de governo; IV – Conjugação de medidas diretas e imediatas de garantia de acesso à alimentação adequada, com ações que ampliem a capacidade de subsistência autônoma da população; V – Articulação entre orçamento e gestão; VI – Estímulo ao desenvolvimento de pesquisas e capacitação de recursos humanos. Fonte: Elaborada pela autora a partir da LOSAN Nº 11.346/2006 Art. 8º e 9º. 3.3 AS PRINCIPAIS INSTÂNCIAS DO SISAN CONFERÊNCIA A Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional constitui-se em um dos instrumentos operacionais de mobilização social e discussão sobre a responsabilidade do poder público e da sociedade no que se refere à política de SAN. A conferência deve ocorrer nas três esferas (União, Estado e Município). CONSELHO É um órgão de assessoramento imediato ao Poder Executivo, exercendo também o controle social. Deve ser composto por dois terços de representantes da sociedade civil e um terço de representantes governamentais. A presidência é sempre exercida por representante da sociedade civil, indicado(a) entre os seus membros. Deve ser também instituído nas 3 esferas. CAISAN Tem por fi nalidade promover a articulação e a integração dos órgãos e entidades da administração pública afetos à área de SAN. Representa uma instância bastante inovadora, pois integra vários órgãos para formulação da Política de SAN; e ainda o Plano de SAN, sinalizando metas, monitoramento e avaliação de sua execução. Também deve ser instituída nas 3 esferas. Fonte: Elaborada pela autora a partir da Losan nº 11.346/2006 Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 107 De acordo com a Resolução nº 09/2011 Caisan Nacional, foram definidos os requi- sitos e procedimentos para o processo de adesão ao Sisan. A parceria da Caisan e do Consea no seguinte processo é fundamen- tal para a consolidação do Sisan. Portanto, cabe às Caisans estaduais mobilizar, identificar e orientar aos mu- nicípios interessados quanto aos requi- sitos mínimos do processo de adesão. Além disso, devem acompanhar e apoiar a fase de elaboração dos normativos mu- nicipais, analisar a documentação, enviar para a análise do Consea estadual, validar o cumprimento dos requisitos para a ade- são do município e enviar a listagem dos municípios aptos para a adesão ao Sisan, para referendo da Caisan Nacional. Por sua vez, o Consea estadual dá o aval na adesão dos municípios, espe- cialmente no que se refere à existência e funcionamento do Consea Municipal e dentro das condições exigidas para a ade- são. Além disso, o Consea estadual pode apoiar no processo de mobilização e identificação dos municípios que tenham interesse em aderir ao Sisan. Vale ressaltar que todos os estados bra- sileiros já efetivaram suas adesões ao Si- san e encontram-se em processo de orga- nização para adesão de seus municípios. Pré-condições para adesão municipal – Os municípios devem
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