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Teoria Da Literatura Revisitada

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TEORIA DA 
LITERATURA I 
''REVISITADA'' 
Magaly Trindade Gonçalves 
Zina C. Bellodi 
Prefácio 
Ben dito Nunes 
A principal tese implícita a este ensaio é a pluralidade da 
Teoria da Literatura. Estamos diante do conceito de uma 
disciplina desdobrável no correr do tempo, como o índice já 
nos mostra; não há senão várias Teorias da Literatura. Além 
disso, essas teorias estão conectadas com uma certa prática e 
não existem sem ela. E, mais ainda, como veremos a seguir, 
a chamada Teoria da Literatura tem natureza semelhante a 
um paradoxo lógico. 
Antes conhecimento interpretativo que ciência, antes 
interpretação que explicação, antes compreensão de um 
objeto, que o constitui ao ser historicamente pensado, a 
Teoria da Literatura dimensiona conceptualmente a exis-
tência do literário. Mas essa existência só toma corpo por 
meio da prática de leitura. Literatura rima com leitura. E 
por mais que varie a natureza da matéria do ato de ler, seja 
visual ou tátil, como a silente decifração Braille e a capta-
ção horizontal articuladora das palavras no espaço linear 
ela página, seja ainda o luminoso e vertical desfile das li-
nhas numa tela de computador, é esse mesmo ato que con-
fe re existência ao literário. 
Livro e tela não rimam, exceto no que tange à vida 
mporal de ambos, compartida pela própria Literatura. A 
9 
1 •I l t 1 I. I ·r·:tlu r·a, não é separável do tempo, como 
1111 11111 11 1 1 d • :1 111 • n c c Teoria da Literatura "revisitada ", 
•I t\ I 'I 1 ti ' I 'r· i 11 la I onçalves e Zina C. Bellodi, escrito, 
j 111 11 lc 1 in ·!inação de uma época recamada por tantas 
I 1111 ,I, 11 0 passado e no presente, e que passará para os ou-
Ir 1. l:l lll que a puderem ler, o ensinamento básico da 
h i. · lü r· i i da de do literário. 
onseqüentemente, a Teoria da Literatura é inseparável 
I · sua H istória, do mesmo modo que uma tal História une, 
d maneira indestrinçável, as obras e suas críticas, num pro-
ce so de acolhida ou recepção por parte dos leitores, o qual, 
por sua vez, remonta a um mais amplo confronto entre tra-
dição oral- de canto ou narrativa, com os seus ritmos de 
elocução e participação coletiva- e a pauta privada da escri-
ta, individualmente executada por autores e interpretada 
por leitores. E aí teremos uma dialética extensiva que une e 
separa autor, obra e leitor em distintos níveis, individual e 
social, no balanço conflitivo e conciliador de uma só Histó-
ria, possibilitando momentos de criação e crítica, de cons-
trução e desconstrução teóricas do que foi criado. 
É uma tal dialética que permite "revisitações" conceptu-
ais da Teoria da Literatura como a presente, e que nelas pos-
sibilita o surto de uma lógica semelhante à do paradoxo, 
qual seja, o fato de que o teorizador da Literatura é, ao mes-
mo tempo, o seu executor prático, aquele que só pode pen-
sá-la conceptualmente, enquanto também a produz como 
escrita singular enquadrável num gênero literário. É o para-
doxo do enquadramento do teórico pelo prático, do genéri-
co pelo individual singularizado, único. 
Belém, julho de 2004 
10 
Introdução 
A arte, objeto de indagações desde os pri~eiros gran-
des pensadores gregos, tem intrigado a h~mamdade cons-
tantemente. Discute-se sua natureza, multas vezes em con-: 
fronto com a da ciência e da Filosofia. A razão parece estar 
no fato de que a arte, de alguma forma, suscita a ques~ão 
do conhecimento, como acontece com as outras duas, am-
da que cada uma siga uma rota que lhe é específica. 
Não é de espantar que Luigi Pareyson, p~r exempl~, 
assente sua teoria básica nas três funções espeCificas da LI-
" (( . . '" ''f " 1 o teratura- um" conhecer , um expnmu e um azer · 
ponto de convergência entre a arte, a Literatura inclusive, e 
outras formas do pensamento humano começa provavel-
mente na questão do conhecimento. Aristóteles,. no ~apítu­
l IV da Poética, relaciona a Literatura com a mzmests, mas, 
I go em seguida, estabelece esta :rzim_esis como ~~ process.o 
I conhecimento. Ele afirma pnmeuo que a at1v1dade ml-
rnética corresponde a uma tendência instintiva do homem e 
qu , exatamente por isso, é uma atividade prazerosa: 
( ... )é o que acontece na experiência: nós contem-
plamos com prazer as imagens mais :x~tas daquelas 
mesmas coisas que olhamos com repugnanoa, por exem-
1. 1 uigi Pareyson em 1966 fala da obra como: ~m "exprimi~', um "conhecer" 
n 11111 " f c z r" em sua obra Os problemas da estettca, traduçao. de M arra H el e~ 
1111 N ry arcez, São Paulo, Martins Fontes, 1984. [O orrgmal: I Problem1 
dt • II'<·~ L •ti ~~ Mi lano, 1966] 
11 
I pio, [as representações de] animais ferozes e [de] cadá-
veres. Causa é que o aprender não só muito apraz aos 
filósofos, mas também, igualmente, aos demais ho-
mens, se bem que menos participem dele. Efetivamen-
te, ta l é o motivo por que se deleitam perante as ima-
gens: olhando-as, aprendem e discorrem sobre o que 
seja cada uma delas, [e dirão], por exemplo, "este é tal " . 
Porque, se suceder que alguém não tenha visto o origi -
nal, nenhum prazer lhe advirá da imagem, como imita-
da, mas tão-somente da execução, da cor ou qualquer 
outra causa da mesma espécie2• 
Observa-se que, desde o pensamento grego, pensa-se 
na arte, de alguma forma, em relação com o conhecimen-
to. Em seu texto- "Ciência, Filosofia e Arte", Pedro Lyra 
parte da ciência como aquela que"( ... ) se pretende a forma 
de conhecimento por excelência ( ... )"3, passa pela Filosofia 
que"( ... ) não se pretende o saber, mas apenas uma paixão 
pelo saber ( ... )"
4 
a sede do saber por si mesma, sem a preo-
cupação em comprovar uma teoria, caminhando para a 
arte que"( ... ) não se propõe como um conhecimento, mas 
apenas como um fazer (tecne == técnica, em grego), uma 
prática, uma atividade criativa que apenas implica um co-
nhecimento sobre o objeto desse fazer" 5• 
2. Aristóteles- Poética, tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndi-
ce de Eudoro de Souza, Porto Alegre, Globo, 1966, Capítulo IV, p. 71. Gri fo 
nosso. Esta tradução também foi publicada pela Imprensa Nacional- Casa da 
Moeda, Série Universi tária, Clássicos de Filosofia, e em 2003 estava em sua 
7ª edição. 
Indicamos, também, as seguintes traduções: Arte retórica e arte poética, 
Introdução e notas de Jean Voilquin e Jean Capelle, tradução de Antônio Pin-
to de Carvalho, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1964 e A poética clássi-
ca : Aristóteles, Horácio, Longino, Introdução por Roberto de O liveira Bran-
dão, tradução de Jaime Bruna, São Paulo, Cultrix/EDUSP, 1981. 
3. Pedro Lyra - "Ciência, Filosofia e Arte" in Sonia Sa lomão Khéde (coord.)-
Os contrapontos da Literatura - Arte, Ciência e Filosofi a, Petrópolis, Vozes, 
1984, p.11. 
4. Pedro Lyra- O.C., p. 13. 
5. Pedro Lyra - O.C., p. 15. 
12 
À primeira vista, essa colocação está apenas a deslocar a 
11'1 da Filosofia e, mais ainda, da ciência, em termos de 
onhecimento, o que pode sugerir um juízo de valor. Ocor-
1· •, entretanto, que, exatamente por ser o terceiro termo 
n ·s a cadeia de conhecimento, pelo menos em aparência, a 
lt'CC tem a seu alcance potencialidades que lhe permitem 
1tingir fatos que fogem ao âmbito dos outros termos. 
O tipo de relação que se estabelece entre o artista e a 
·xperiência é, assim, particular, pois "( ... ) o seu trabalho 
·specífico não é de investigar lacunas do saber ne~ o de 
I ·monstrar verdades objetivas, mas de explorar cnadora-
m ·nte todas as potencialidades expressivas do seu objeto 
. .. )"
6
• Pode-se ainda entender a especificidade da ativida-
1 • artística, levando-se em conta a faculdade humana que 
lhe é mais significativa: "É que, enquanto o cientista traba-
1 h::t basicamente com a experimentação e o filósofo com a 
·speculação, o artista usa basicamente a imaginação: o seu 
/ ' 1 • ( )"7 , azer e um cnar . . . . 
Tudo isto já suscita problemas que são específicos da 
I :j losofia da Arte, na medida em que coloca um dos fatores 
h:\ icos que determinam a produção do artista, no seu as-
p ·cto de forma de conhecimento,o que traz à baila uma 
· ~ rie de questões: 
Qual a relação entre Arte e Realidade? Pode-se fa-
lar num co nhecimento específico, alcançado só por in-
termédio da Arte, em oposição ao conhecimento obje-
t ivo da ciência e da filosofi a? Qual o nexo existente 
ent:e a atividade artística e os diferentes valores, prin-
cipalmente os morais e os religiosos? .o .e que maneir.a 
essa at ividade se relaciona com a atrvrd ade produti-
va, sob o aspecto da técni ca? Quais são, fi~al~ente, 
as co nexões da Arte com a sociedade, a hrsto rr a e a 
lt . l 't•dro Lyra - O.C., p. 15. 
1. l '( •dro Lyra- O.C. , p. 15-1 6. 
13 
cultura? Eis os mais relevantes problemas da Filosofia 
da Arte (. .. )8 . 
A arte não se resume ao seu aspecto cognitivo, já que 
seu efeito mais notável relaciona-se à produção de um pra-
zer. Esta junção do aspecto cognitivo com o prazeroso é o 
que transforma a arte numa atividade também lúdica, e é 
por meio do prazer lúdico que se define a especificidade do 
conhecimento na arte. Tudo isto ocorre porque, na arte, 
tudo se funde numa forma específica de lidar com o pro-
blema humano. É este aspecto que unifica idéia e prazer na 
obra, reunidos num processo de humanização de toda nossa 
experiência. É curioso que um dos grandes ensaios do Pro-
fessor Antonio Candido esteja voltado exatamente para o 
problema do papel humanizador da arte
9
• Como diz Pedro 
Lyra"( ... ) a obra de arte se origina de um problema huma-
no e se destina à humanização do universo"
10
• 
Se acompanharmos o processo de evolução do ho-
mem, partindo dos vestígios pré-históricos até nossos dias, 
perceberemos um caminhar contínuo, um constante pro-
cesso de mutação, desde formas primitivas de pintura 
até os requintes do Pós-Modernismo. 
É extremamente instigante a questão da manifestação 
estética nos primórdios da humanidade. Uma das coisas 
que vêm à mente em relação a isso são as primeiras formas 
visíveis (documentadas) do que consideramos atividade 
artística, já na Pré-história. A primeira idéia que normal-
mente se apresenta é das pinturas primitivas de animais em 
cavernas do Sul da Europa. Imagina-se que as figuras ali 
U. 13 nedito Nunes -Introdução à Filosofia da Arte, São Paulo, Ática, 1989, p. 16. 
li . ccl ., Ed itora Buriti, em colaboração com a USP, s/d] 
•1 . f. An tonio Candido - "Direitos humanos e Literatura " in Direitos h uma-
til 11 , .. ,' , o Pil ulo, Brasil iense, 1989, p. 108-126. 
IO, I',H iro l yt'<l - . . , p. 18. 
14 
1 ·pr duzidas estejam relacionadas às práticas ligadas à ma-
l' ia. egundo se supõe, nossos ancestrais pré-históricos pin-
l:lv:un essas figuras acreditando que, dessa forma, adqui-
ri·un uma espécie de poder sobre as representações. Pin-
tando animais poderiam assumir, sobre eles, poder e, con-
,· ' lÜentemente, caçá-los com sucesso. 
O fato de os primitivos provavelmente pintarem para 
11 :1prisionar" alguma coisa (captar alguma coisa), portanto, 
to m sentido estritamente utilitário, não nos impede de 
imaginar a possibilidade de o gesto estar também respon-
d •ndo a uma necessidade artística, de criação. Também 
p >d mos supor que o homem primitivo contasse histórias, 
woduzisse narrativa oral, o que ocorre hoje, ainda, com 
grupos culturalmente primitivos, embora isto seja cada vez 
mais raro. O índio brasileiro, por exemplo, pode não es-
J' ·ver, mas conta histórias. Estes dois casos, de pintura e 
I · Literatura oral, podem ter tido relação com práticas re-
ligi as ou mágicas. Os relatos orais incluíam uma cosmo-
go nia que se tentava transmitir de geração para geração. 
As pinturas "capturavam" animais. Eis, contudo, a grande 
pt tão que se nos apresenta: seria essa motivação utilitá-
f'Í, único fator que levava a tais criações? Ou existiria ne-
lns a resposta a necessidades outras da natureza huma-
11 :1 em que delas o homem tivesse clara consciência? Po-
1 ·mos perfeitamente imaginar que o impulso artístico já 
· i tisse então. 
Em determinado período histórico (por volta do sécu-
lo VI a.C.) os gregos intensificaram seu questionamento 
t l:t natureza, do mundo e do homem. Foi quando os pri-
ll l ·i r s filósofos (físicos) tentaram explicar o real a partir 
t lt· suas possíveis origens. Começaram, assim, os primeiros 
p, t :1 11 I estudos científicos, certamente estimulados pela 
llri os idade instintiva do homem pelos processos que pre-
15 
sidem a natureza. São as primeiras tentativas, afinal, de vi-
sualizar e explicitar todos os fenômenos que nos cercam. 
Com os sofistas, no século V a.C., apesar das críticas 
que marcaram seu trabalho, surgem as primeiras conside-
rações que, pelo seu caráter reflexivo, indicam a Filosofia. 
Com Sócrates (470-399 a.C.) começam a ser intensa-
mente estabelecidas as questões morais, políticas e sociais. 
E é Sócrates quem, em função de todas as outras preocupa-
ções, voltado para todos os assuntos humanos, coloca sis-
tematicamente a questão da arte. É o que o leva, também, 
a questionar o valor da Literatura, principalmente na sua 
relação com o mundo visível, o mundo das idéias e os valo-
res morais. 
Platão (428 ou 427-348 ou 347 a.C.), n'A República, 
coloca em cena a discussão, presidida por Sócrates, sobre 
questões básicas, principalmente a relação entre a arte e o 
real. Nessa obra, a arte é "condenada" porque seu papel é re-
produzir o real, e este é, já de si, uma cópia (imperfeita) do 
mundo das idéias. A questão platônica, entretanto, não é 
tão simples como pode parecer, e o importante é que, na 
própria condenação da arte está o reconhecimento de sua 
relação com o real, mesmo que este seja em si considerado 
distante das verdades essenciais, como exprime bem o mito 
da caverna. A condenação platônica é evidente no caso das 
artes plásticas, mas estende-se à "poesia", quando esta se 
compraz em repetir elementos da experiência real, quando 
se torna, em seus termos, cópia da cópia, pois o real nada 
mais é que imitação imperfeita do mundo das idéias. 
Assim, a curiosidade pelo real (ciência) e a questão de 
representá-la (arte) manifestam-se muito próximas, sendo 
esta segunda colocada sob interdição moral na obra de Pla-
tão. Aristóteles (384-322 a.C.), com a Poética, restaura os 
direitos da arte e seu papel na experiência do real, ao mes-
16 
mo tempo em que, em outras obras, procura penetrar os 
mistérios da natureza, dentro das possibilidades que a épo-
a lhe proporcionava. Seu trabalho, portanto, foi científi-
·o, mas também voltado para os problemas de estética. 
É assim que o Professor Benedito Nunes 11 coloca a 
ques tão do surgimento da ciência e da arte, uma preocupa-
da com a natureza do real, a outra instigada a representá-lo 
, ob as mais diversas formas, mas numa atividade que é es-
l'l' ncialmente de criação, e não mera reprodução, pelo me-
li s para Aristóteles. O questionamento da natureza da 
:Ir-te parece, assim, algo posterior às primeiras colocações 
i ·ntíficas e, ao longo dos séculos, ele não terá, pelo menos 
tté o Romantismo, um desenvolvimento homogêneo. 
O que caracteriza a idéia que Aristóteles tem da arte, da 
l .iteratura, e que o distingue da posição socrático-platônica, 
nã é uma simples questão de aceitar ou condenar a mani-
( •s tação estética. É fundamental observarmos que Platão 
· loca suas idéias sobre a arte em função de toda sua Filoso-
lh e, principalmente, como conseqüência de sua específica 
I · ria metafísica. Se o mundo real é, já de si, cópia imperfei-
t:l das verdades essenciais, a arte, ao .imitá-lo, está dupla-
mente afastada do reino das idéias e duplamente desvirtua-
< la. O que distingue Aristóteles é que sua Poética é uma obra 
v< ltada especificamente para as condições da criação literá-
1 ia, independentemente de considerações metafísicas: 
Esse admirável pensador moderno que é Aristóteles 
(pelo menos enquanto crítico literário ou como teoriza-
dor da Literatura) foi, tanto quanto sabemos, o ún ico 
dos Antigos a ter encarado a criação estética na sua pró-
pria realização, no seu próprio "corpo", o que nem é 
decertopara estranhar no fi lósofo para o qual "A coisa 
concreta individual não é sombra, aparência, mas uma 
11 . 13 n d ito Nunes- O.C., nota 8. 
17 
realidade primária". [S .H. Butcher, Aristotle 's Th eory 
of Poetry and fine Art, 4th. ed., 1951, 162.] E por isso 
mesmo Platão, o platonismo e o neoplatonismo rese r-
varam-se o exclusivo da reflexão sobre o Belo em si, e 
pelos séculos afora assim havia de ser. Note-se até que a 
noção mais discutida e discutível da Poética , a de mime-
sis, é de responsabilidade platônica, [Idem, p. 160] e 
talvez seja lícito pensar que isso, só por si, explique as 
dificuldades duma aplicação do termo que não parece 
de harmonia com a idéia básica da Poética, a qual, em-
bora designada como mimesis, se exprime em passa-
gens deste teor: "pelas precedentes considerações se 
manifesta que não é ofício do poeta narrar o que rea l-
mente acontece; é, sim, o de representar o que pod eria 
acontecer, quer dizer: o que é possível, ve rossímil e ne-
cessariamente. Com efeito, não diferem o historiador e 
o poeta, por escreverem em verso ou prosa ( ... ) - dife-
rem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e 
outro as que poderiam suceder. Por isso, a poesia é 
mais filosófica e mais elevada do que a História, pois re-
fere aquela principalmente universal , e esta o particu-
lar" [Poética, trad. Eudoro de Sousa, Lisboa, Guimarães, 
p. 82-3]1 2• 
Claro está que a mimesis, tal qual a coloca Aristóteles, 
nada tem a ver com a idéia de simplesmente cópia imitativa, 
como séculos depois foi interpretado. Trata-se de uma idéia 
onde está implícito o trabalho de criação de algo novo. 
A obra de Aristóteles foi um ponto fundamental na 
discussão da Literatura, com relances de outras artes, isto 
porque na sua Poética estão, pelo menos em germe, as 
questões básicas que envolvem a Teoria Literária. Se pen-
sarmos na famosa tríade de emissor-mensagem-recep-
tor, observamos que Aristóteles concentrou-se na segun-
·------
12. Adolfo Casais Monteiro- Estrutura e autenticidade como problemas da te-
oria e da crítica literárias, São Pau lo, 1968 (Edição polico piada), p. 12-3. Em 
1984 foi publicado em Portuga l, Estrutura e autenticidade na teoria e na críti-
ca literária pela Imprensa Nacional -Casa da Moeda, Estudos Gerais, Série 
Universitária, p. 18-9. 
18 
la, mbora sua discussão se encaminhe para o terceiro, 
:ll ravés da conceituação do papel catártico da obra. A idéia 
do emissor também aparece na Poética. 
As questões relativas à natureza do literário, a partir de 
1\ ristóteles, reaparecem ao longo dos tempos, intensifican-
lo-se particularmente nos séculos XIX e XX. E ao longo 
I >s tempos a ênfase nas teorias literárias foi-se colocando 
' 111 um ou outro ponto da tríade, enfatizando o papel do 
r·iador, a natureza do texto ou o efeito no leitor-especta-
dor. A outra tríade que permeia os estudos literários é 
1 lll la detectada por Luigi Pareyson13 quando vislumbra 
11:1 Literatura um "conhecer", um "fazer", um "exprimir". 
que este texto pretende é focalizar, ainda que breve-
''' ·nte, alguns momentos nessa discussão sobre a natureza 
lo literário, visualizando também, de maneira bastante su-
irHa, o que acontecia, em uma ou outra época, no campo 
l,t riação literária. 
P de-se questionar a validade de um livro de Teoria da 
l ,i l •ratura que comece na Grécia Antiga para vir até nossos 
li IS. A verdade é que novos livros teóricos são constan-
1 •m ·nte lançados e, no entanto, os estudiosos freqüente-
til ·rue se sentem instigados a criar mais um. Porque se é 
·n lade que os mais diversos aspectos da criação literária já 
ln1 :11n contemplados em obras diversas, também é verdade 
111 • s u essencial "mistério" permanece ainda hoje. E é o 
I, I 1 I c a Literatura (como a arte em geral) continuar ainda 
1 111 110 um campo aberto a novas perspectivas que justifi-
'1'' · o nümero de obras como esta nossa. Não por imagi-
II111110S que encontramos uma resposta nova e definitiva 
I I I 11lgl 1 >;~r ys n - O .C. , nota 1. 
19 
para a ques tão, mas apenas no impulso de, pelo menos, 
tentar uma explicitação daquilo que nos sugere a atividade 
literária. 
Percorreremos assim, neste texto, um caminho longo e 
certamente bastante trilhado, sem a pretensão de atingir a 
resposta última a um grande questionamento, mas apenas 
pelo estímulo que nos vem do amor à obra literária e do 
convívio, já longo, que com ela vamos mantendo, e pela 
crença, ainda, na possibilidade de passar aos leitores (prin-
cipalmente os possíveis alunos) o apreço e o interesse que 
proporciona o contato com o objeto literário. 
O estudo da Literatura não é uma atividade direciona-
da para um único objetivo. Isto porque o fenômeno literá-
rio envolve uma série de questões que vão desde sua visão 
teórica, sua filosofia, passando pelo terreno dos procedi-
mentos críticos, dos quais a História conheceu inúme-
ras modalidades, caminhando para o fundo histórico das 
obras e para as condições que cercam a criação (desde so-
ciais até psicológicas). Isto é apenas uma amostra não inte-
gral das pesquisas que o estudo literário impõe. 
20 
I 
Conceito e divisão da Teoria da Literatura 
A formulação de uma Teoria, em qualquer campo do 
saber, inclui necessariamente duas atividades: uma empíri-
·a e uma especificamente teórica. A Teoria da Literatura 
pressupõe um estudo de obras particulares e, do levanta-
m ·mo de dados resultante, uma formulação de caráter 
L • rico, basicamente para estabelecer aquilo que constitui 
11 ·specificidade do fenômeno literário. O caminho as-
' i m sugerido corresponde, na verdade, àquilo que fez, por 
t' •mplo, Aristóteles, cujas reflexões (na Poética) resulta-
i" m do conhecimento de obras particulares, disponíveis 
•m sua época. Esta colocação, no caso de Aristóteles, des-
lll •nte qualquer sentido puramente normativo (autoritá-
ri ) da Teoria. Além disso, ela traz à baila uma discussão 
1 b bl d " . 1" d " . 1 , · u ar so re o pro ema o umversa e o partiCu ar 
nos es tudos literários. Será legítima uma atividade genera-
li:t.n nte (uma teoria) num campo onde cada exemplo indi-
idual é inegavelmente único, irredutível? Uma obra lite-
1, l'ia ligna do nome é certamente única, individual, e esta 
,1 11 111a afirmação básica na Teoria da Literatura. R. Wellek 
· 1\. Warren, reafirmando este fato inconteste, acrescen-
lllll que tudo que existe em nossa experiência, de alguma 
lc11111a, é único. Como exemplo mostra como nenhum 
"111n ntc de lixo" é repetição dentro de uma série. Uma obra 
21 
estará mais claramente marcada pela unicidade. Em con-
trapartida, as unidades vocabulares na obra literária são, 
essencialmente, "gerais". É assim que aparecem os dois as-
" 1" (( . 1 "1 4 pectos, o gera e o parucu ar . 
Esta última assertiva está ligada a uma longa discussão, 
a partir de Platão e Aristóteles (lembremos, deste, a afirma-
ção de que a poesia é mais filosófica do que a História, por-
que mais universal). Do Romantismo até nossos dias, acen-
tua-se, contudo, o fato de a obra ser essencialmente "parti-
cular", uma realidade, por assim dizer, concreta. Será isto 
um desmentido ao caráter geral das obras? Aqui, como em 
tantas outras situações, trata-se de uma distinção não in-
gênua que possa conciliar fatos aparentemente antagô-
nicos. A obra é individual. Admite-se que seja até única 
(mas tudo, como se vê na citação acima, num certo sen-
tido, é único). Isto não exclui, entretanto, que ela seja 
também geral: marcada pela individualidade, ela apresen-
ta, ao mesmo tempo, traços que são comuns a outras 
obras, exatamente o que nos permite defini-la como Lite-
ratura. Como esta é uma manifestação humana, de caráter 
cultural, e que se realiza ao longo da História, as conclu-
sões teóricas podem, em parte ao menos, valer-se de um es-
tudo diacrônico. Se o corpus utilizado por Aristóteles reco-
bre um período de poucos séculos, lembremo-nos que era 
disto que ele dispunha. 
Há divergências entre os estudiosos da Literatura. Para 
alguns, a especificidadedo literário deve ser apreendida a 
partir da obra, desvinculada de qualquer contexto históri-
·------
14. Renê Wel lek e Austin Warren - "Literatura e estudo da Literatura" in Teo-
ria da Literatura, tradução de José Palia e Carmo, Lisboa, Europa-América, 
1962, p. 22. [0 original Theoryo fliterature, Nova York, Harcourt, 1949] . [Re-
centemente surgiu a tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo, Martins Fon-
tes, 2003] 
22 
o, com verdadeiro estatuto ontológico, enquanto outros 
propõem um estudo histórico como essencial. 
Os Estudos Literários, na verdade, incluem tanto os 
trabalhos de Crítica quanto os estudos de História e os de 
Teoria. Os trabalhos sobre Literatura tenderão mais a um 
desses aspectos. Aristóteles, por exemplo, é primordial-
mente um teórico, Sainte-Beuve (1804-1869) produziu 
basicamente estudos críticos, enquanto Arnold Hauser 
foi, mais do que tudo, historiador da Literatura15 • Teoria, 
Crítica e História dificilmente poderiam ser imaginadas 
como esferas radicalmente fechadas. A Poética de Aristóte-
les, uma teoria por excelência, contém juízos críticos de-
clarados. A posição crítica de Sainte-Beuve implica uma 
posição teórica. O "social" que A. Hauser coloca no título 
de sua obra ( The Social History o f Art) envolve também 
uma posição teórica. A Teoria da Literatura tem, nas suas 
raízes, ainda que implícitas, a Crítica e a História; a Crítica 
Literária se exerce a partir de um arcabouço teórico e de 
uma visão histórica; a História da Literatura não pode 
prescindir dos estudos teóricos e críticos. 
Toda formulação teórica deve ser resultado da análise 
de obras individuais e da maneira como elas se modificam 
ao longo do tempo. Tornando-se como exemplo a Poética 
de Aristóteles, parece evidente que as considerações teóri-
cas, através das quais o filósofo tenta explicitar a nature-
za específica da Literatura (mimesis poética), são o resulta-
do de uma profunda reflexão crítica em torno de grandes 
obras. Isto significa que ele procedeu a uma verificação em-
pírica, analisando textos literários, para deduzir um concei-
15. Leia-se por exemplo, de Arnold Hauser- Th e social History of Art, Lon-
clon, Routledge and Kegan Paul, 1951 . [Há tradução para o espanhol de A. 
Tovar y F.P. Varas-Reys, História social de la Literatura y e/ Arte, 2 vol., Ma-
drid, Cuadarrama, 1964] 
23 
I to de Literatura fundamentado. Já não lhe são estranhas, 
além disso, as preocupações com o aspecto histórico, pois 
faz referência a procedimentos característicos de autores 
mais antigos. 
Se existe já na Antigüidade a interpenetração dos cam-
pos teórico, crítico e histórico, mais clara é ela nos estudos 
feitos a partir do século XIX. 
A ausência de senso crítico é maléfica para qualquer 
historiador, e isto ocorre claramente em algumas Histórias 
da Literatura. Em "Literatura, Crítica e História", Casais 
Monteiro (1908-1972)
16 
chama a atenção para o perigo 
que corre um historiador da Literatura carente de senso 
crítico e de uma formação filosófica geral, o qual acaba por 
reduzir seu trabalho a uma simples coleção de fatos mais 
ou menos ordenados, incapaz de traduzir uma atividade 
reflexiva que possa mostrar um sentido na sucessão de au-
tores e movimentos. 
O trabalho do crítico, por sua vez, pressupõe um arca-
bouço de conceitos teóricos. Se críticos há que se sentem alar-
mados diante de seu trabalho, isto se deve, em parte, ao fato 
de existirem hoje tantas teorias estéticas que eles se sentem in-
seguros no estabelecimento de parâmetros valorativos. Num 
outro artigo, "Legitimidade teórica" 17, Casais Monteiro che-
ga a exprimir a idéia de que, se tantas estéticas existem, talvez 
isto se deva ao fato de que não existe nenhuma. 
A preocupação do homem em conceituar a Literatura 
é muito anterior ao estabelecimento dos Estudos Literá-
16. Cf. Adolfo Casais Monte iro - "Lite ratura, Crítica e Histó ria" in Cade rn os 
de Teoria e Críti ca Literária, n. 12, número especial, Artigos de Adolfo Casais 
Monteiro publicados no Suplemento Lite rário de O Estado de S. Paulo, UNESP/ 
Ara raqua ra, 1983, p. 79/80. 
1 7. Adolfo Casa is Monteiro - "Legitimidade teó rica" in O.C., p. 6 75 . 
24 
rios de maneira sistematizada, pois as primeiras poéticas 
apresentavam critérios para a apreciação das obras existen-
tes e, em certa medida, um corpo de idéias subjacentes à 
riação literária. 
As poéticas clássicas, além disso, consideravam, via de 
regra, as obras literárias indiferentes às fronteiras lingüísti-
as e políticas. As teorias românticas foram as que primeiro 
se preocuparam com as Literaturas nacionais, de maneira 
intensa. Elas eram ainda, normativas, na medida em que 
qualificavam como grande a obra que correspondia ao seu 
ideário, isto é, aquela que se manifestava ou como expres-
ão da alma de um povo, ou como expressão de experiên-
ias altamente subjetivas. Claro está que isto não define as 
teorias românticas em sua totalidade, mas apenas uma de 
suas linhas privilegiadas
18
• 
O século XIX presenciou, ainda, concepções positivis-
tas da Literatura, pelas quais a obra era entendida de um 
ponto de vista determinista. Isso significa que a Literatura 
era encarada como produto de forças históricas, sendo, as-
sim, um fenômeno estudado do ponto de vista genético, 
isto é, a partir de sua origem. Nessas concepções a atenção 
maior era dada não exatamente ao produto literário per se, 
mas àqueles índices nele contidos que permitissem levar 
aos elementos causais porventura existentes em sua ori-
gem. Isto não significou necessariamente um desprezo pela 
obra em si, mas antes um conceito específico da Literatura, 
segundo o qual ela parecia perfeitamente explicável pelo 
ontexto histórico, entendendo-se este como algo que in-
luía também as experiências de vida do autor. Esta con-
epção teórica implicava, obviamente, uma visão da obra 
como "documento". 
18. Estes e o utros aspectos serão aqui apresentados oportunamente. 
25 
O que complica grandemente os estudos da Teoria da 
Literatura é o fato de a Literatura utilizar como seu mate-
rial um instrumento que não lhe é específico: a palavra. É 
claro que, em certo sentido, o uso das cores e do desenho 
também não é específico da pintura. O que ocorre é que o 
material da Literatura, seu meio de expressão, é extrema-
mente desgastado por usos não artísticos. O que se pode 
dizer é que a linguagem da obra literária tem um caráter 
diferente da utilizada em outras atividades. Trata-se do 
fato de que a palavra, na Literatura, não se reduz ao aspec-
to puramente sígnico, já que é tomada por um valor que 
tem enquanto "coisa"
19
• Assim, na Literatura, a linguagem 
é, por um lado, matéria carregada do peso cultural de um 
grupo lingüístico, mas é também o material tornado novo 
pelo autor, através de um uso específico. 
Uma concepção de Literatura, reflexão teórica, envol-
ve, de uma forma ou outra, o exercício crítico, a partir de 
determinados procedimentos. A visão que um estudioso 
da Literatura dela tem estará de acordo com sua maneira 
específica de analisar obras individuais, a qual, por sua vez, 
está ligada a determinadas concepções da natureza do li-
terário. Faces da mesma realidade, em relação de mútua (e 
natural) dependência, Teoria e crítica representam, na me-
lhor das hipóteses, momentos diferentes dentro de um pro-
cesso integral, incluído num só campo do saber. É assim 
que os estudos literários compreendem um aspecto essen-
cialmente teórico e um aspecto crítico; Teoria e Crítica são 
partes dos Estudos Literários. 
Estes incluem, ainda, a História da Literatura, e tam-
bém esta será vista de acordo com uma concepção teórica, 
------
19. Cf. , e ntre outros, jea n-Pau l Sa rtre - Qu 'est-ce que la Littérature ?, N.R.F., 
a ll irna rd, 1948. [Há tradução para o portugu ês, Situações 11, d e Rui Má ri o 
.onça lves, Lisboa, Europa-Arné ria, 19681 
26 
•rn onsonância com uma visão crítica. Os estudos de His-
t<'> ria da Literatura podem ser desenvolvidos em várias li-
nhas.Podem, por exemplo, realizar-se como História das 
I ,i teraturas nacionais, como História de períodos e de mo-
virnentos, ou como História dos gêneros. Uma vez que, 
11 0 estudos literários, Teoria, Crítica e História tendem 
n rmalmente a uma interligação estrita, torna-se difícil 
l rabalhar com a História da literatura como um campo in-
d ·pendente, que obedeceria apenas a postulados de natu-
r za diacrônica. A verdade é que a natureza do literário, 
objeto específico desta História, tira-lhe qualquer preten-
são a autonomia, o que, de certa forma, também ocorre 
m outras Histórias. No caso da Literatura, entretanto, o 
problema é mais sério. Se pretendêssemos uma História da 
Literatura desvinculada da Teoria e da Crítica, podería-
mos, por exemplo, estabelecer uma ordem que explicasse 
uma obra determinada como derivação de outra anterior; 
o mesmo processo poderia ser usado para explicar movi-
mentos. De uma colocação assim rígida ficaria excluída 
qualquer consideração teórica ou crítica. Na prática, con-
tudo, essa tentativa de lidar com o fato literário como se ele 
fosse totalmente verificável, e desprovido de qualquer peso 
valorativo, não se pode concretizar a não ser com graves sa-
rifícios científicos. Pois não há fatos literários totalmente 
neutros
20
, já que a simples atribuição de um determinado 
espaço a uma obra em relação a outras denota, mais que 
em outros campos, uma visão crítica e uma posição teóri-
a: o viés ideológico, tão sensível numa História política, é 
substituído, aqui, por uma posição pessoal do estudo, por 
mais teoricamente fundamentada que ela seja. Há, ainda, 
o fato de que esta posição pessoal pode atuar de maneira 
inconsciente, o que também ocorre nas outras Histórias; 
20. Cf. Re né W e lle k e Austin Warren - O .C., p. 49, nota 14. 
27 
contudo é, no caso da Literatura, não só procedimento 
inevitável, mas eventualmente desejável. Diríamos que o 
viés teórico-crítico fica legitimado, deixando de ser pro-
priamente viés para surgir como o embasamento necessá-
rio a conferir ordem e princípio no encaminhamento ao 
material de estudo. 
A interligação Teoria, Critica e História aparece, as-
sim, como fato benéfico, se pensarmos na visão teóri-
co-critica como ordenadora da História. Há, às vezes, a 
suspeita até de que a História da Literatura, enquanto His-
tória, seria impossível e mesmo descartável, já que as famo-
sas leis de causa e efeito, presentes na História política, se-
riam, na Literatura, contrariadas, principalmente se o es-
tudioso encara a obra ontologicamente. Mesmo numa vi-
são da obra não radicalmente ontológica, o determinismo, 
a idéia de relativa irreversibilidade, tudo que constitui a 
História política é negado na História da Literatura. Em 
vista disto, poder-se-ia colocar em dúvida sua validade, 
mas, por outro lado, ao estudo de fatos, sejam quais forem, 
desenrolados ao longo do tempo, impõe a nossa mente 
uma necessidade de ordem cronológica, além de ordem 
e~. outros níve_is. A Literatura transcende limitações espa-
ciais e temporais, mas seu estudo impõe considerações des-
se tipo, ainda que num primeiro momento. Desta forma, 
o viés teórico-critico é o fator não de deturpação ideológi-
ca, na História da Literatura, mas o que tem condições de 
preservar o respeito à natureza do literário. 
Assim como a História da Literatura pode ser desen-
volvida em várias linhas, a Teoria, dentro dos Estudos Li-
terários, pode realizar-se em diferentes modalidades: Teo-
ria dos princípios, critérios da criação, Teoria das correntes 
teóricas surgidas no decorrer da História, Teoria da crítica, 
Teoria como abstração. A Crítica também pode assumir, 
28 
1111, Es tudos Literários, vanos aspectos: Crítica teonca, 
;, fti a que analisa a atividade de um ponto de vista histó-
11 o, rítica da Crítica. Cada uma das linhas incluídas nos 
• !li los literários não é capaz, por si só, de levar a um co-
li h · imento satisfatório da Literatura. Na verdade elas vi-
V ·m de um continuo intercâmbio, e é este intercâmbio 
111 · pode conceder aos Estudos Literários bases sólidas e 
1 I'SJ ectivas amplas. 
importante nos Estudos Literários e nos estudos so-
l r • Estética do século XX é, no geral, pelo menos nos tra-
I :dhos mais conscientes, uma preocupação em estabelecer 
t ·s1 ecificidade da arte e da Literatura. Casais Monteiro 
110 artigo "A Literatura e a História"21 comenta o que diz a 
·ss respeito Gaetan Picon em seu livro O escritor e sua 
wmbri2• Picon aponta o fato de que as obras de arte per-
manecem próximas de nós, enquanto ~cam distantes os 
riadores e o mundo em que surgiram. E claro que a obra 
I • arte tem uma relação com sua época, mas essa relação 
1 de constituir nela o elemento de obscuridade. Isto não 
·ignifica negar a História nem afirmar que uma forma ar-
! fstica nada tem a ver com o mundo em que surge. O que 
.1 ntece é que a obra de arte, de certa forma, denuncia o 
mundo do qual se origina, atingindo-nos, contudo, de 
uma forma direta, específica, porque sua linguagem é mais 
luradoura que a das outras formas de cultura. A visão his-
t6 rica de Gaetan Picon, segundo Casais Monteiro, afirma 
a ·specificidade da arte sem que isto signifique uma reação 
·ontra a História. Isto implica uma visão não mecanicista 
l:1 H istória, uma visão que não concebe o homem como 
:l l./\dolfo Casais Monteiro- "A Literatura e a História" in Cadernos de Teo-
''•' ' Crítica Literária, O.C., p. 603-6, nota 16. 
22. aetan Picon -O escritor e sua sombra, tradução de Antonio Lázaro de 
/\ lrn ida Prado, São Paulo, Nacionai/EDUSP, 1970. 
29 
I simples elemento da História. É uma visão que afirma o 
valor humano subjacente a qualquer obra artística, o que 
acaba por significar um enriquecimento da História. 
Os Estudos Literários, assim como os Estudos da Arte 
em geral, ~sbarram, necessariamente, em outros campos 
do conhecimento. O próprio caráter cultural da atividade 
literária impele seu estudioso a refletir, por exemplo, sobre 
a História, sobre a Filosofia, e sobre outros campos dosa-
ber. Recorrer a outros campos do saber não significa, ne-
cessariamente, para o estudioso da Literatura, negar a es-
pecificidade desta. A preocupação histórica não leva obri-
gatoriamente o estudioso da Literatura a circunscrever sua 
investigação de uma obra do passado à "intenção do au-
tor" . O significado de uma obra literária não corresponde 
à intenção do criador, pois ela tem vida própria, e seu sen-
tido pode ser acrescido à medida que é avaliada por leitores 
de diferentes épocas. Para nós, que vivemos o século XXI, 
restringir a obra às intenções que presidiram à criação exi-
giria de nós uma leitura como se fôssemos contemporâ-
neos do autor. Evidentemente, não podemos ter uma no-
ção exata do significado que teria Hamlet, por exemplo, 
para o público da época shakespeareana. Se pudéssemos, 
entretanto, fazer coincidir nossa leitura de Hamlet com a 
do P.úblico elizabethano, isto resultaria em relativo empo-
brecimento. Estaríamos deixando de lado os vários signifi-
cados que as gerações posteriores a Shakespeare encontra-
ram na obra. Estaríamos, ainda, impossibilitando uma in-
terpretação que, sendo nova, não seja equivocada. 
Tudo isto não significa negar o contexto histórico da 
obra, aquele em que ela aparece e aquele que ela reflete. 
Trata-se, antes, de ver a obra literária numa perspectiva 
histórica sem, entretanto, reduzi-la ao seu contexto histó-
rico. É ver a obra literária em sua temporalidade inevitável 
e, ao mesmo tempo, em sua perenidade específica. 
30 
li 
' . 
Conceito de Literatura 
-------~ 
Qualquer discussão sobre a função da Literatura está 
·videntemente mesclada com o problema do conceito de 
I .iteratura. A preocupação em explicitar o que seja Litera-
tura é quase tão antiga quanto a cultura ocidental,~ apare-
., em todas as épocas sob as formas mais variadas. E curio-
.~ , por exemplo, que grandes sistemas filosóficos tendam 
li ÍStematicamente a voltar seu interesse para o "mistério da 
Literatura".É curioso também que, muitas vezes, o con-
ito de Literatura seja discutido em termos de julgamen-
t , a tal ponto que freqüentemente ela aparece como ex-
1 ressão humana condenada ou absolvida. 
To da discussão em torno da natureza do literário co-
meça na Grécia, e isto se justifica na medida em que foi lá 
que surgiram as primeiras obras-primas que permanece-
rnm, em termos do mundo ocidental. O que primeiro nos 
·hama atenção é que, entre essas primeiras obras, estão 
ai u mas das maiores que o homem conheceu, e isto vem 
·onfirmar o fato de que na Literatura não existe o progres-
.·o tal qual se conhece na ciência e na tecnologia, como 
t:tm bém não há obsolescência. Na verdade, os gregos pro-
luz iram duas das maiores epopéias, e, no teatro, só foram 
talvez igualados na era elisabetana por Shakespeare. Pode-
damos dizer que a Literatura Ocidental nasce já grandiosa 
31 
e experimenta, ao longo dos séculos, períodos de grandeza 
e de mediocridade. 
Se bem atentarmos para a Literatura grega, veremos 
que suas grandes produções, como não poderia deixar de 
ser, atingem um mundo que nos pareceria hoje limitado. 
São, entretanto, de uma riqueza tal que, desde a Antigüi-
dade até nossos dias, são permanentemente revistas e cada 
século pôde ler nelas obras sempre novas. Até mesmo a 
ciência voltou-se para a Literatura helênica num momento 
de esmiuçar o que se considerou o complexo básico da hu-
manidade. Mas não é só um nome-Édipo-que Sófocles 
fornece ao conhecimento humano, nem é apenas o mode-
lo de uma questão psicológica. Sófocles produz uma obra 
de estrutura modelar, isto é, de composição com caráter 
estético, abordando uma situação humana insólita e que, 
no entanto, toca a todos nós. O que surpreende é o apare-
cimento de uma obra tal nos primórdios da Literatura co-
nhecida, dentro de um teatro que só seria talvez igualado 
no Renascimento inglês. Nas obras gregas o homem se vê 
em profundidade, e nelas ele pode encontrar, em germe, 
alguns fatos que só a ciência do século XX viria a teorizar. 
A verdade é que as obras gregas trazem em seu bojo valores 
e mensagens que só o tempo iria continuamente revelar 
(sem os esgotar), elementos que iriam esclarecer (iluminar) 
a realidade de épocas posteriores, haja vista sua atualidade 
na época de hoje. 
Este pequeno exemplo acima, que é apenas uma eclo-
são dentro da fenomenal dramaturgia grega, seria motivo 
de discussão para todas as épocas e, mais ainda, juntamen-
te com as outras produções, forneceu ao primeiro grande 
teórico - Aristóteles - a matéria básica para a primeira 
grande reflexão sobre o literário. 
Com Aristóteles ocorre algo curioso e que lembra um 
pouco o mistério pelo qual a Literatura parece nascer pron-
32 
11, isto é, já se manifesta, desde os primórdios, em ohras j,a-
lllais superadas. Aristóteles, encaFado com toda isenção, é 
, urp reendente,. porque nel'e encontFamos aúnudes e posi-
. > que surgiriam em épocas posteriores, e continuariam 
, urgindo', sempre com ar de novidades absolutas .. 
D ifícit seria negar que a posição teórica cJie Aristóteles. é 
lu ndamentalmente imanentista, privílegrando a v~são· in-
1 d nseca da obra, com pouca atenção aos fàtos: extrínsecos .. 
1•. assim, por exemplo,, que sua discussão giTaem torno da 
·onstrução (estrutura) da ohra, com pouca refeuênc:i:a ao> 
riador. O que fascina Aristóteles é a maneira como a obra. 
parte da realidade, não para repetí-la (imitá-la:), mas para 
r 'I resentá-la (ou reconstruí-ta). Insistiu-se durante sécu-
los na teoria da imitação, mas se preferirmos enten:cier a 
mimesis como representação, ftca bem clara a attral'idade 
' I( texto da Poética:. 
É verdade <l!inda que Aristóteles: dedica grande atenção 
.t un fato· que se refere, em princípio,. não à mensag~m, 
111. a seu receptor. Trata-se da tão decantada catarse. Lnde-
P ·ndentemente da especificidade do termo, com sua ênfa-
. no processo de purgação, temos de admitir que wdat 
grande obra produz efeitos no leitor, podendo everrtual-
ltl ·nte traduzir-se num processo de liberação emccional 
que importa, entretanto·, é a teoria: do· efeito:, tal qual f~,i 
1 ·tomada no século XX pela Esté'tica da Recepção. Po.rs,. 
1:1nto esta como a catarse aristotélica partem do estudo do 
1 • to e a ele se atêm em todas as suas considerações. Pod'e-
111 1s dizer que a Estética da: Recepção conseguiu ir além cl'e 
A ri tó teles nesse mergulho-textual para busca do efeito. 
C urioso· é que j.á houvera, entre os gregos, :1lguém com 
inv jávd cabedal f1losófrco e,. como· sabemos,. a:manlie da 
I ,i r · ratma:. Mas: este nãu escreveu nenhuma: poêüca, já que 
•m sua: v~são· a Literatma deveria seJ: b-anrda· do mt.mdo,. 
3i3~ 
porque ela representa (imita) uma realidade que, para ele, 
é, já de si, uma cópia imperfeita de um mundo ideal. A 
condenação platônica nasce exatamente dessa visão da Li-
teratura como "cópia da cópia", portanto algo duplamente 
afastado da verdadeira realidade, isto é, a do mundo ideal. 
A civilização latina foi o próximo grande momento 
na História da cultura. Roma, diferentemente dos gre-
gos, afirmou-se prioritariamente enquanto poder militar, 
transformando boa parte da Europa, sem contar parte da 
África e Ásia, em grande império. A conquista romana, en-
tretanto, não se limitava a uma questão meramente políti-
ca, pois sua atitude geral era levar para Roma não só rique-
zas materiais, mas também valores culturais. Foi o que 
ocorreu, particularmente, na conquista da Grécia. Todo o 
manancial helênico, que de outra forma poderia ficar per-
dido, foi literalmente transportado para Roma, inclusive 
através de mestres gregos levados para o centro do Império 
Romano, em cujas famílias abastadas seu ensino come-
çou a transformar um povo, em certo sentido ainda rude, 
numa grande civilização. Se bem atentarmos para a Histó-
ria dos latinos observaremos que as suas grandes constru-
ções culturais são, em grande parte, inspiradas pelos gre-
gos, quando não se reduzem a simples imitações. 
Não significa isto negar qualquer originalidade às pro-
duções latinas. Na verdade, houve campos em que os lati-
nos foram não só originais, mas verdadeiros pioneiros da 
humanidade. Cita-se geralmente o Direito Romano como 
exemplo disso e, sem dúvida, este representou um ponto 
máximo de realização, mas, em outros campos, também 
Roma passou à frente de outros povos. Conseguiram reali-
zações tecnológicas que ainda surpreendem- citemos so-
mente os aquedutos e as pontes, em que tanto brilharam. 
Podemos dizer que Roma produziu uma épica de exce-
lente qualidade- a Eneida é certamente uma grande obra, 
34 
.ti nda que alguns de seus traços estruturais advenham de 
llomero. A tragédia latina, claramente escrita para ser lida, 
não é um grande sucesso de palco. Mais felizes foram, sem 
I üvida, na comédia, onde produziram exemplares dignos 
de cotejo com os gregos. Na lírica também os latinos nada 
d ·ixaram a desejar- bastariam as odes de Horácio para 
justificar a afirmativa. Mesmo quando não fo~am total-
mente originais, os latinos demonstraram capaetdade para 
julgar e preservar, mesmo que em cópia, valores culturais. 
Horácio foi também um homem preocupado com a 
·onceituação da Literatura, do que resultou uma poética-
f:jJístola aos Pisõe/3• A teoria hora~iana, diferentem;r:te da 
:tristotélica, é declarada e excessivamente pragmauca, o 
que se justifica, até certo ponto, se lembrarmos que se diri-
gia a jovens num caráter de instrução. A Poética de Aristó-
1 ·lcs provavelmente foi escrita, entre outras coisas, com fi-
nalidade de ensino a seus discípulos. Esta, no entanto, su-
P ·ra limites estritamente pedagógicos, na medida em que 
pa.rte dos traços construtivos de cada obra para entender o 
qu e a faz grande. Claro está que, provavelmente, em al-
P,ll ns momentos, a Poética aristotélica também resvala no 
pragmático, mas de forma menos sensível. 
As considerações de Horácio não se igualam às de Aris-
1 {neles na questão da profundidade. Constituem, entre-
tanto, umexemplar teórico respeitável. 
Longino, a seu tempo, discorre sobre a arte literária 
1'1 1 n dando suas considerações basicamente na Teoria do su-
-----
' :1. 1 lorácio- A poética cláss ica: Aristóteles, Horácio, Longino, de Jaime Bru-
111 1, ." .io IJaulo, Cultrix, 1981. . , . . 
l11clil ',1m os ainda as traduções : Dante Tringali -A Arte poét1 ca de Horaoo (bl -
IIIIHi'l t•), São Paulo, Musa, 1993 e Horácio- Arte poétic_a, .introdução_, trad_u-
1 , 1 ~ 1 <' ·omentário de R.M. Rosado Fernand es, Textos Class1cos, Coleçao Bil1 n-
)\1 to, I i ·b a, Clássica . 
35 
blime. E, ao longo dos tempos, outros g-randes teóricos de 
Literatura foram surgindo. 
O impulso para a reflexão teórica sobre a Literatura 
pode ser entendido como uma profunda necessidade hu-
mana de explicitar algo que se apresenta carregado de valo-
res . .A busca em torno das questões teóricas que envolvem a 
Literatura corresponde a uma necessidade básica do ser 
humano, como impulso para explicitar a natureza daquilo 
que o toca profundamente, porque algo que diz respeito :à 
·sua própria natureza. 
Fica claro, quando se estuda a Literatura e as posições 
teóricas ao lon,go dos séculos, que se trata de uma atividade 
necessária, com inegáveis funções na experiência humana. 
A Literatura, .sem dúvida, desde seus primórdios, é uma 
.resposta a impulsos extremamente humanos .e ·que só nela 
podem ser satisfeitos. Talvez a melhor maneira de expri-
mir esta realidade esteja na .colocação de Luigi Pareyson, 
quando vê na Literatura, entre outras ·coisas, uma forma de 
conhecimento, diferente do ·que ocorre com a ciência e 
com a Filosofia, mas tão imprescindível quanto elas no 
percurso da nossa espécie. Claro está que i:sto não esgota o 
problema da função da Literatura. Esta existe por força de 
variadas questões, até mesmo para responder a uma neces-
s'idade íntima do homem, como se constata na colocação 
extremamente feliz de A-dolfo Casais Monteiro:: "( .... )Há, 
em certos homens, uma inevitável, uma ineludível .vontade 
.obscura de criar; porque ninguém é artista só por querer 
" 1 ., . J , 24 :se- o: ·e preCiso ter ae o ser . 
24. AdolfoCasais .Monteiro- "A arte é, não serve" .in Depés 'fincados na 'terra., 
Lisboa, 'Inquérito, 1940, :P· 27 .. 
36 
I I I 
( conceito de Literatura na Antigüidade 
Platão 
Na República25 Platão ·discorre sobre os princípios ,ge-
1,1 is de uma socied.ade boa e as medidas que podem levar a 
, · ideal. Di:scuiindlo ta•l a:ssunto, Platão é incidentalmen-
11 I ·vado a fazer uma ·con:certuação ·e um )u1zo da poesia 
(qu<.: se pode entender, .em termos modernos, ·como signi-
lu ando Litera'tUíf2. .em geral}. 
N o Livro II ·da República S.ócrates fala :sobre a manei-
111 orno deve ser .educado o bom cl.dadã:o, insistindo em 
q11 ·as histórias contadas aos educandos devem ser_ sempre 
1 diflcantes, jamais sugerindo idéias enôneas. Parundo do 
1 
1 i ncípio de que as ·coisas existentes aqui são cópias imper-
1 1·i tas das ·que ·existem no mu.ncil,e> das idéias, Sócrates esta-
I rkce que Edame>s mão ,com as :coisas reais.' m~s com se~~ 
im tlacros defeituosos. Acrma ,que o carp1nteuo constrcn 
1 já de si, im;i;taçã:o (da idéia ,de cama. Se u~ pi~t~r coloca 
1 m quadro a p'in:tura .de t1tn o'bjetode ·está t;~photamente 
l.t't,t: ndo cópia de uma cópia. Assim, ·a :poesia, 'Sendo, ·em 
- ----
IJiatão - A repú'b'lica. !lr.itrodução e notas de :R:obert.Baccou, tradmçãG> de J " ' ' . ,.. d 'L' 1 dli n ~b urg, 2. ·ecl. , <Clássicos ..Ga:mier, :São !P.aéU:Io,, O.if.usã0 <Europe1a · o . 1v.m, 
11) / (2 vdls.), 'ui v.ros ilil, !U:I,, K 
TI 
parte, uma imitação de seres e ações de nosso mundo visí-
vel, é também imitação de imitação. A atividade imitativa 
da poesia nasce do lado irracional da natureza humana, 
tendo assim origem espúrea, na visão do Filósofo. 
Sócrates vai mais além em sua acusação quando diz que 
é nos tormentos e na lamentação, na dor e no irracio-
nal que a poesia encontra seu objeto preferido de imita-
ção, pois um temperamento sábio e calmo, sendo mais ou 
menos homogêneo, não se presta muito à imitação e, se 
imitado, não comove o público de um teatro, por exem-
plo. Para Sócrates isto acontece porque as pessoas, em ge-
ral, estão muito longe do ideal de sabedoria e calma e, por-
tanto, preferem ver no palco pessoas apaixonadas, vítimas 
de impulsos irracionais. 
Em conseqüência de tudo isso, o poeta tenderá a ex-
plorar o temperamento apaixonado e explosivo, o qual, 
além de se prestar melhor à imitação, é também o que mais 
pode comover o público. 
Para Sócrates, o poeta geralmente introduz na alma do 
homem um elemento maléfico, porque estimula o irracio-
nalismo e o desprezo pela verdade. A acusação de Sócrates 
apresenta três aspectos. O primeiro refere-se ao caráter in-
trinsecamente "desprezível" da poesia enquanto imitação 
em segunda mão. Em segundo lugar, a imitação poética 
torna-se desprezível na medida em que tende a selecionar 
como seu assunto tudo aquilo que contraria os princípios 
de calma e sabedoria (as personagens teatrais são apaixona-
das). Em terceiro lugar vem o problema do efeito da imita-
ção poética. Esta ou é totalmente inútil ou, o que ocorreria 
na maioria dos casos, tem um efeito maléfico. 
Sócrates chega até a admitir a excelência de Homero 
(séc. VI a.C.?), mas conclui que os hinos aos deuses e o elo-
gio aos homens famosos são os únicos materiais a serem 
38 
11 11 los pela poesia no Estado Ideal. Para ele, um verdadei-
111 ll'ti ta, que realmente soubesse o que estava imitando, 
.I v ·ria ter seu interesse voltado para coisas reais, e não se 
1 1 t'O ·uparia em deixar obras belas, mas antes em levar uma 
1l.1 tão digna que pudesse merecer encômios entre os pós-
' os, legando, assim, exemplos edificantes. 
I â. em Platão aparece aquela tão conhecida preocupa-
~~ n mos possíveis efeitos da Literatura, numa discussão 
qtt • :1 aba por enredar a expressão literária com a moral. A 
I ·ussão tornou-se secular, partindo sempre da afirmação 
'11 1 la negação da autonomia do literário. 
Em resumo, a objeção platônica à poesia parte de um 
· to epistemológico, a partir de uma teoria específi.-
1 lo conhecimento. Se as únicas realidades verdadeiras 
n as idéias, das quais os seres individuais são imitações, 
1 .me, sendo imitação deles, está duplamente distante da 
1'1' ladeira realidade. Não teria ocorrido a Platão que a arte, 
1 mia que partindo de objetos reais, pudesse ser uma for-
111:1 de acesso ao objeto ideal. A outra objeção platônica re-
I •r· ·- e ao fato de a imitação poética não se preocupar, 
mpre e especificamente, em melhorar os homens, forne-
1'11 lo-lhes uma via de conhecimento e exemplos edifican-
1 •s, que pudessem levar ao aprimoramento moral. O artis-
1 t ignora a natureza e a utilização das coisas. Por outro 
l1 lo, a imitação artística usa o lado "inferior" das faculda-
dt·s humanas, e quando ela se dirige ao público é essa parte 
1111' Tior que ela procura estimular. Basicamente a poesia é 
pr'< luto de um conhecimento falho, emprega as faculda-
' ks inferiores da alma humana e estimula exatamente o 
q11 · há de "desprezível" no espírito do público. 
É claro que Platão, às vezes, não se manifesta tão taxati-
V;Im nte contra a poesia, mas seu juízo tende a ser essenci-
,tl m ' nte negativo. Admite, às vezes, que o poeta pode ser 
39 
inspirado por um dom divino flont6~ mas aimda assim de 
Eerá apemas uma opinião e' nã'o um conl!:reómemcto absolüto' 
da verdade. Platão advoga a lil'ecessid'<Id'e· de 0b-servar a' Flr.ll-· 
tureza para se chegar à; verdade, nw.m serrtiidb estrita:menne' 
ciemifico,. sem admitir que a Liteliatma tambérn: é·, entme 
outras coisas, uma forma de· conhecimento·. 
Platão. aparentemente não estava l·evando em conta. a 
possibilidade de a representação d'e um atu monstruoso,, 
. por exemplo, levar a um c;:ouneci:mento de sua natureza, 
além de ter um potencial' benéfico ou até terapêutico. Em 
primeiro lugar, este efeito tornow.-s.e um lagar comum de'-
po~s de Freud (1'856-1939}e Já Úc;:ara claro· .n.o próprio, 
Anstóteles .. Ocorre que. a. atividade que constrói um todo, 
com sentido, de compensação d'o; mal 0u simples vitória 
do bem, transmite não a: mensa:g~m do irracional' caóticu,, 
mas da ordem restabelecida. no p1'anm moraJ'. Lembremos. 
que Bruno Betellh<úm (1~);(03-19'90'} defend'e as versões: 
o rigim:ais. dos. CO'n:tos de f:l:das,, p:o rqucc. nelas existe o túunfOi 
à~ ordem .e da Justiça como' memsag~m fl:rml, ainda que efes; 
seJam fu.as.rcame.Flte vio1'entos ... 
Em · · ..1: Ji · · · ·: ·· "·· • ~ ' , . · . seguiU<UOJ ugar, se Imag~:ro:armos que. a unuaça:<:>· ~ 
da arte não é a mccra: c6;p,ia! dh real! (c(;n;JIO: ficaria imp11r<cito: 
A " ,. l' )' .JI em rrstote ·es ;, ]>'Ouemos su:w·or q\lll'e: da o tra:'LJ!Spôe 0 u 
transcende, crixnda uma outra; entidade que~ em não sen,-
d
, _, J . 
:o o. reat,. pou'e~, exatamente por isso;. a:umini-fo, d'e u:ma: 
forma que seria: im]p.0ssfvd JP<IlEaJ a si:mp;Ees: (:6:pia. É assim! 
que o.bservamos: o· ser htllman0,,, a todo I:nornento•,. em snaJs, 
mais· diversas manifestações, mas; dítiiáirnente cllFegamo8. <li 
ter dele uma imagem· não lí);Eo,fÉul:d;r e. fo.rte COJ11l'IO' at que no& 
tra>nsmiEe a obra de: artre .. 
·-------
26d !.eia:-se lon, por exemplo) em. trad'ução, d'e Carl0s Alberto• Nur.1es;, íbR' irm 
Oia.logos fLfl,. Universidade Fed'eraf db Pará, l9'8'!D~ p. 2:2'T-2'3:9'. 
40 
ssa forma, .aornpreendem0s 'hoje que a grande ·obra 
ll ' lll mpre, .ao fim .e ao caho, uma nota positiva, talvez se 
dt I nnos de hdo posições niiTistas Tadicais. Compreen-
tlt m s também ·que aohrade arte pode ser a grande forma 
rlt :t sso a uma série de verdades disfarçadas no mundo 
11 .ti , talvez porque não as consigamos ver corretamente, o 
'I'' · podemos fazer na arte. 
Aristóteles 
A Poética27 de Aristóteles traz uma nova visão da Litera-
llll"a (poesia) e acaba por responder às objeções platônicas. 
1 istóteles examina detidamente a natureza e os traços dis-
!Ínlivos da Literatura imaginativa, acabando por provar 
q11 · ela é verdadeira, séria e útil, em contraposição a Pla-
1.10, que a considerava, via de regra, falsa, trivial e maléfica. 
Aris tóteles também parte da idéia de imitação, mas amplia 
,. s conceito de uma forma diferente da platônica. Partia-
t io das obras artísticas em geral, ele define a natureza da 
110 ·s ia como sendo uma imitação específica de fatos e pes-
oas através da palavra, diferente, por exemplo, da pintura, 
'I'' · imita através de traços e cores. O que é importante na 
c I is ussão aristotélica é a preocupação descritiva e não nor-
lllativa, na medida em que se volta para uma definição do 
111 ' a Literatura é e não aquilo que ela deveria ser. Tal dis-
ussão, entretanto, exprime, implicitamente, uma idéia de 
11rtlor da Literatura através de sua função. 
Ao especificar a imitação artística, Aristóteles deixa en-
11 ·v r que não se trata de cópia ou, no caso da imitação 
poética, de transcrição fiel de acontecimentos. O relato 
c las coisas tal qual ocorreram, diz o Filósofo, compete ao 
llist riador e não ao poeta: 
7. Aristó te les - Poética, O.C, nota 2. 
41 
(. .. ) não é ofício de poeta narrar o que aconteceu· 
é: sim, o de representar o que poderia acontecer, que~ 
d1ze_r: o que é possível segundo verossimi lhança e a ne-
cessidade. Com efeito, não diferem o historiador e o 
poeta, po_r escreverem verso ou prosa (. .. ) diferem, sim, 
em que d1z um as coisa~ que sucederam, e outro as que 
poderram suceder. Por 1sso a poesia é algo de mais filo-
só~ic~ e mais sério do que a História, pois refere aquela 
prrncrpalmente o universal, e esta o particu lar2a. 
Esta possibilidade de lidar com o que poderia ter ocorri-
do é, de certa forma, uma visão profética do aspecto virtual 
da arte, da virtualidade como traço essencial da Literatura, 
por exemplo_ Fala-se hoje muito em realidade virtual, mas 
a expressão é, às vezes, malbaratada por rotular meras irre-
levâncias ou simples absurdos. 
Tudo isto é o que confere à poesia (Literatura) uma 
universalidade específica, maior que a do tratado de Histó-
ria, cabendo assim a ela um caráter filosófico. Ao atribuir à 
obra literária um caráter essencialmente filosófico, sem en-
tr~t~nto confundi-la com Filosofia, Aristóteles parece ad-
mitir que ela, como peça artística, é também, à sua manei-
ra, uma forma de conhecimento, e um conhecimento que 
n~o se re~uz ao meramente factual, mas que alcança o âm-
buo da Filosofia. Se a Literatura é, assim, uma expressão 
co~ caráter filosófico, deduz-se que está respondida a pri-
meua objeção platônica. Isto fica bem claro quando Aris-
tóteles diz que a poesia se preocupa com o universal, não 
se restringindo ao meramente particular, embora tenda a 
partir deste. 
~ discus_são de Aristóteles estende-se aos modos pelos 
qua1s se realiza a imitação poética, distinguindo assim imi-
tação direta, através de atores (teatro), da imitação indireta, 
pela mediação narrativa (epopéia). 
------
28. Aristóte les- Poética, tradução de Eudoro de Sousa, O.C. , p. 78, nota 2. 
42 
uanto ao objeto da imitação, Aristóteles distingue en-
11 • os gêneros que imitam homens mais elevados do que o 
1 orn um, tragédia e epopéia, atribuindo à comédia a tarefa 
ri · i mirar homens de estatura menos elevada que o comum. 
que parece, entretanto, é que a distinção feita por 
r·i tó teles não se confunde com conceitos morais, embora 
11rna personagem trágica possa ser mais elevada em termos 
1) ·i ais e éticos. Desvencilha o conceito de imitação poéti-
.1 le confusos princípios morais, restaurando a dignidade 
tl.t Literatura e sua relativa autonomia. 
A resposta de Aristóteles às objeções platônicas não se 
r ·s tringe a isso. Para a tragédia, pelo menos, há uma consi-
rl ·ração sobre possíveis efeitos. E a ela Aristóteles atribui a 
r.tpacidade de produzir um efeito poderoso e benéfico no 
1 H'r blico: a catarse. Assim, contemplando os percalços de fi-
gtrras apaixonadas, levadas ao paroxismo da dor e da vio-
1 ' ' ia, o público não é incitado ao irracionalismo das pai-
, ·s desenfreadas. Pelo contrário, ele é posto a salvo dope-
tig das paixões, porque seus impulsos violentos são pur-
l't· ' los na contemplação do espetáculo. A tragédia, assim, 
1 ·tn seu efeito liberador no público. A contemplação de ce-
ll :tS violentamente apaixonadas, portanto, pode não esti-
llltrhr comportamentos irracionais mas, pelo contrário, 
l11n ionar como um antídoto aos impulsos violentos que, 
1 orno bem entrevia Aristóteles, existem na natureza huma-
ll :l , mesmo quando encobertos. 
orno primeiro estudo sério da arte literária sua Poéti-
"t/ 1\ Ll citou, ao longo dos tempos, uma longa e famosa celeu-
lll :t. Esta surgiu por uma série de contingências. Em pri-
111 ·i ro lugar vêm as dificuldades de compreensão a partir 
d · liferentes traduções, às vezes decalcadas em diferentes 
llt :t nuscritos. A Poética, tal qual a lemos hoje, é uma obra 
11 · )mpleta à qual faltam partes fundamentais. A própria 
43 
concepção do dr:lm:l, desafortunadamente, como bem ex-
plorou U mberto Eco (em O nome da Rosa} chegou até nós. 
apenas em parte - já q,ue· se perdeu o texto' referente à co--
'd' 29 o o me ta . cunoso, entretanto·, é que as grandes discussões· 
e as grandes críticas surgem a propósito daquilo que Aris-
tóteles teorizou e que temos à mão. Discorre-se até' hoj;e 
sobre a teoria da trag~dia, às vezes até com crítica ao Fi}á:-
sofo, enquanto as. reflexões sobre a comédia são relativa-
3D I o 'fi mente parcas . sto s1gm 1ca que o ponto de p:lrtida de: 
qualquer discussão teórica acaba sendo o texto aristotélico·,. 
na verdade sua definíção de trag~día: 
É pois a tragédia imitação· d'e tuna ação de caráter 
elevado, completa· e de certa. exter<1são,_ em lir:1guagem 
ornamentada e mm as vár ias espécies de ornamer1tos 
distribuídas pelas diversas partes [do drama], [imitação 
que se efetua1> não por narratíva, mas. med iante atores, e 
que, suscitando o "ter~or e a piedade1', tem por efe ito-a 
purificação dessas emoçõesn.O fato de ser uma imitação feita por atores indica que 
um dos fatores constitutivos da tragédia é o espetáculo cê-
nico, _mas o filósofo deixa bem claro que este~ embora seja 
e~oe1onante, é de certa forma dispens-ável, porque a tragé-
dla pode provocar seus _efeitos próprios mesmo sem repre-
sentação e sem atores. E por isso que se pode ler o texto de 
uma peça de teatro. 
29. s_ahemos_q~e a Poética incluía um estudo sobre a comédia, porque a· isto-
o propno Anstoteles. faz referência Ma Arte Retórica: "( ... ) mas sobre o que 
pro~oca o nso damos as definições úteis na Arte poética". A edição aqui uti li--
zad-a traz uma nota de rodapé, enfatizando esta perda. Tra~a-se de Aristóte-
les, Arte retórica,.Artepoética, tr.adução·deAntonio Pinto de Carvalho, p. 77, 
nota 2'. 
3?' É interessante lembrar, entretanto, que no que nos resta da Poética, Aris-
to~e l es faz referências, às vezes, bastante claras, à comédia, à narrativa épica 
e aPoes1aem ge;aL Ele o f~z, muitas vezes, no sentido de confrontar cada gê-
nelo com a traged1a e, ass1m, esclarecer melhor sua natureza. 
31. Aristóteles- Poética, tradução ele Eudoro de Sousa, O. C., p. 74, nota 2. 
44 
Um dos elementos que Aristóteles coloca constante:-
111 cnte como fundamental na obra literária é a unidade,. 
·ntendida esta como um princípio integrador que confere 
,
1 
la um caráter orgânico. A preocupação de Aristóteles. 
rom a unidade reflete. sempre a idéia de que a obra deve ser 
11
m rodo integrado, o que vale dizer uma estrutur~. Fal_an-
do, por exemplo, das obras homéricas, de enfau~a a m:-
p rtância da unidade, concluindo que uma nar~au:a poe" 
1 i a deve ser um todo completo, e nela todos os me1dentes 
levem estar de tal forma conectados que qualquer modift-
·ação ou retirada de um deles destrua o tod~. A in~istência 
· m que o Filósofo coloca o problema de mtegndade da 
obra, através de uma unidade interna rigidamente obser-
vada, implica sua visão como estrutura, isto é, como um 
1 
do estritamente relacional. Pode-se lembrar que essa 
i léia seria depois desenvolvida por várias correntes teóri-
d L
o 32 
·a a 1teratura . 
A relação da obra com a realidade, como se pode de-
preender, não é de mera cópia. Sendo efa de caráter uni-
versal e filosófico, deduz-se que ela implica um processo 
!c transcendência da realidade. Com Aristóteles coloca-se 
·l::tramente o papel do poeta em termos não de mero copia-
lo r, mas de criador de uma entidade autônoma, que é a 
obra, uma entidade que tem unidade e qualidade formal 
próprias e que gera o seu próprio mundo. A arte aparec~, 
as im, como uma forma específica de exploração da reah-
lade e, portanto, em última análise, com~ uma form~ ~e 
·onhecimento de eficácia, já que propore1ona uma v1sao 
da condição humana que não poderia ser expressa por ou-
---- --
12. e deixarmos de lado preconceitos modernosos, que costumam ~ti~ar 
1\ri -; tóteles no ro l dos obsoletos, podemos pe rceb er que sua obstmada 1de1~ 
1 
L
1 
unidade e da organicidade das partes, como fundamenta is para a ob.ra, e 
11111
,
1 
preocupação estruturali sta muito anterior ao mov1me nto qu e levou 
I"•SC' nome. 
45 
l' l'? , 111 nif ·sca ... s elo saber. Isto tudo acontece porque a 
1 .. 1 L •ra u ra, ao contrário ela História, que relata o ocorrido, 
v. I ca- · · 'para o que poderia ter ocorrido", propiciando as-
Sim uma exploração específica e profunda ela realidade, já 
~ue transcende o seu aspecto factual e, no plano elas virtua-
hdacles, amplia os limites ela experiência humana. Mas se 
ao poeta não cabe descrever o fato real ela História, ca-
be-lhe, entretanto, a obrigação ela verossimilhança. Isto é 
expresso na fórmula aristotélica segundo a qual é preferível 
o Impossível crível ao possível que não convence. 
O con_ceito ele catarse, por outro lado, restaura a digni-
dade da Literatura. A tragédia, como obra literária, produz 
a s_atisfação "benéfica" que propicia a contemplação ela 
umd.acle estrutural. Ela produz, assim, conhecimento (a 
poesia tem um caráter filosófico), satisfação estética (pela 
contemplação da unidade estrutural), e, ainda, um efeito 
salutar no corpo e na mente do espectador (pela catarse). 
Alguns outros conceitos considerados modernos já 
aparecem embrionariamente na obra de Aristóteles. Um 
caso curioso ocorre quando ele fala do papel do poeta na 
ep"op~ia. Ele elogia Homero porque este tem plena cons-
Ciencta de seu próprio papel na narrativa épica, mantendo 
a necessária impessoalidade. Para Aristóteles, o poeta, na 
:~opéia, deve diz_er o mínimo possível em seu próprio nome, 
p que, ao falar dtretamente, ele quebra o processo da "imi-
tação". Pode-se perfeitamente transferir tais palavras para 
um e:tudo do papel do narrador no romance, por exem-
plo. E preciso ter-se em mente, contudo, que as considera-
ções de Aristóteles estão limitadas pelo corpus literário de 
que dispunha. 
46 
A retórica de Aristóteles 
A propósito de outros trabalhos de Aristóteles, de apli-
cação extremamente atual, lembremos A Arte Retórici
3
, trans-
ferindo-se a idéia de persuasão puramente judiciária para a 
inescapável persuasão que qualquer obra deve ter, sob o ris-
co de não ser lida. Os estudos de retórica foram, por exem-
plo, magnificamente utilizados na pesquisa do romance, 
entre outros, por Wayne C. Booth, The Rhetoric ofFiction
34
• 
Poderíamos dizer que o tratado de Retórica de Aristó-
teles deveria sempre ser lido também como complementa-
ção de sua Poética. Na verdade, desde a Antigüidade, auto-
res houve que se dedicaram a compreender a arte literária 
servindo-se, sempre que necessário, dos elementos estuda-
dos na Retórica. Não é mera casualidade o fato de Wayne 
C. Booth, teórico ainda hoje extremamente atual da fic-
ção, ter escolhido a Retórica para o título de sua obra, além 
de utilizá-la, mesmo sem o declarar, em inúmeras discus-
sões sobre a natureza essencial da narrativa. Na obra de 
Booth o elemento retórico permeia a narrativa, ainda que 
autor utilize os mais diversos esquemas para dele fugir. A 
voz retórica aparece, por exemplo, e logo de saída, pela 
presença de um narrador, que, às vezes, tentando disfarçar 
sua voz, acaba por denunciar sua presença e até a presença 
descarada do autor. Também não é meramente casual que, 
ntre suas inúmeras "novidades", Roland Barthes tenha 
d b R 
, . A . 35 
1 roduzi o um texto so re a etonca nnga . 
------
33. Ari stóteles -Arte retórica in Arte retórica e Arte poética, Tradução de 
t\1 tonio Pinto de Carvalho , nota 2. 
:14. Wayne C. Booth- The rh etoric o f fiction, The University o f C~ i cago Pr s .' 
1 ')(i 1. [Há tradução para o português de Maria Teresa H. GuerreirO, A r tón-
( \ 1 da ficção, Lisboa, Arcád ia, 19801 
:l5. Roland Barthes- "A retórica antiga" in Jean Cohen et ali i, P squi a d r '-
tôrica, coleção Novas Perspectivas em Comunicação/1 O, P tróp li s, V z s, 
11 75, p. 147s. 
47 
A preocupação com a Retórica aparecera na Antigüi-
dade, já com Platão, quando, após a atuação de Tísias ,e 
C~r~, dase i~punhacomo obje:o ~e estudo: P!~tão, no 
Gorgzas e Fedr:o , ressalta as excelenctas da Dtaleuca, en-
quanto condena o estudo e o exercício da Retórica, consi-
derada esta como instrumento perigoso a ser utilizado pe-
los oportunistas, na conquista do sucesso fácil, e como re-
curso .a ser utilizado pelos desonestos para contrariar a jus-
tiça. A discussão sobre a Retórica continuaria, na Antigüi-
dade, por Aristóteles, Cícero e Quintiliano. 
Aristóteles, como já vimos, na sua Arte Retórica (século 
IV a.C.) concretiza um estudo abrangente do assunto, des-
de sua conceituação até os elementos que entram em jogo 
no seu exercício. Para ele, a Retórica é uma arte que tem 
uma certa analogia com a Dialética. O exercício da Retóri-
ca é algo que as pessoas fazem mais ou menos instintiva-
mente, pelo hábito, sendo um fator primordial na comu-
nicação humana. A Retórica de Aristóteles é uma sistemati-
zação de alguns princípios, resultantes de uma investiga-
ção teórica das causas que levamo exercício da Retórica a 
ter êxito nas relações entre os homens. Trata-se de uma 
arte no sentido de que se parte da observação de seu fun-
cionamento para uma formulação dos princípios que po-
dem levá-la ao sucesso. 
A Retórica, para Aristóteles, é útil porque sua finalida-
de é conduzir à verdade e à justiça. É necessária porque dá 
ao homem meios de levar determinadas pessoas a toma-
rem decisões corretas. É assim que o homem pode levar os 
juízes, num processo, a proferirem uma sentença verdadei-
ramente justa, num campo em que não entram as provas 
36. Platão - Córgias ou A oratória, tradução de Jaime Bruna, São Paulo, Difu-
são Européia do Livro, 1970 ; Fedro , in Platão- Diálogos 1- Rio de Janeiro, 
Ed ições de O uro, 1971. 
48 
la ciência. A Retórica é necessâ:áa nas situações que .com-
I ortam duas soluções contrárias, :exercendo-se, por~an;o, 
no campo da opinião, não .se podendo .esquecer a ·extsten-
·ia de uma opinião contrária à do orador. 
A Retórica é, assim, algo essenCialmente bom e útíl, e 
Aristóteles parece estar respondendo a Platão .quando ar-
rumenta que ela não pode se~ culpada do ,m.au us~ que 
dela se venha a fazer. Ele admlte que a Retonca pode ser 
usada injustamente e causar danos, mas. isto também .acon-
tece com todos os bens, à exceção da virtude. 
Sua natureza essencial é a capacidade de discernir, de 
um contexto geral, aquilo que possa persuadi/
7
• A p.ers~­
asão resulta da adução de provas, que podem ser de dms 
tipos: aquelas que não dependem da arte do or:d~r e q~e 
são pré-existentes ao discurso, e aquelas que .sao forneci-
das pela arte do orador, por seus. próprios mews, ~elo seu 
discurso . As primeiras (a que hoJe chamamos extnnsec;;;} 
são os testemunhos, as confissões "obtidas pela tonu:a . ' 
as convenções escritas e outras. Mesmo existindo mde-
pendentemente da arte do orador, estas provas devem s~r 
usadas de forma inteligente, a fim de que produzam o efet-
to desejado. 
Estas constituem, na verdade, o âmago dos procedi-
mentos retóricos, uma vez que dependem da arte do ora-
dor e da maneira como ele manipula seu público. ~ode 
fazê-lo a partir de sua própria credibilidade (provas éucas), 
u despertando no público reações favoráveis (provas pa-
téticas), ou simplesmente procurando trazer provas por 
~. ~ : s: e: s =-Arte retórica in Arte retórica e Arte poética , tradução de 
Antoni o Pinto de Carvalho, O . C. , p. 22, nota 2. , . 
:w. Nos te rmos de Aristóteles, 0 que corresponde às práticas inte rrogatonas 
cl ;:~ é poca. 
49 
determinados procedimentos no discurso, a começar pelo 
uso da capacidade persuasiva que a própria linguagem lhe 
fornece, quando bem trabalhada. Estas últimas colocam a 
Retórica muito próxima à Dialética. 
A Dialética utiliza o silogismo (dedução) e a indução. 
A Retórica utiliza também o processo dedutivo, mas atra-
vés de um silogismo específico, o silogismo retórico ou en-
timema; utiliza ainda a dedução através do exemplo. O en-
timema é construído através de premissas que são confor-
mes com a opinião, a partir do senso comum. Ele parte de 
fatos sobre os quais cabe deliberação, pois premissas total-
mente evidentes como que carecem de demonstração. Se 
uma das premissas do entimema for algo já conhecido ela 
pode ser omitida, daí o entimema aparecer, às vezes, como 
silogismo incompleto. 
A preocupação com a Retórica continuou na Antigüida-
de e, na verdade percorreu o Neoclassicismo, chegando a in-
teressar um ícone da modernidade como Roland Barthes39• 
Em Roma, Cícero (séc. I a.C.) foi quem estabeleceu 
uma das grandes sistematizações da Retórica, o que se 
compreende se se pensar que toda a sua vida política foi di-
tada por sua atividade oratória. Seus textos fundamentais 
sobre a Retórica são: Orator, Brutus e De Oratore. A siste-
matização mais completa está no De Oratore, concebido 
quando Cícero, com 25 anos de sucesso, ocupava o primei-
ro lugar entre os oradores. O livro é em forma de diálogo 
------
39. Entre nós há, por exe mplo, alguns estudiosos que vo lta m seu interesse à 
Re tórica . Destaca mos: Dante Tringali, Introdução à retórica, a retórica como 
crítica literária, São Pa ulo, Duas Cidades, 1988; Massa ud Mo isés, Literatura: 
Mundo e forma, São Pa ulo, Cu ltrix, Edusp, 1982; Roberto O. Brandão, Tradi-
ção sempre nova, São Pau lo, Ática, 19 76. 
50 
·ture alguns oradores que se reúnem durante três dias na 
·asa de campo de Crassus em Tusculum. A forma do diá-
logo segue o modelo platônico, e o cenário dos encontros 
I ·m bra o ambiente poético de Fedro. O De Oratore é uma 
r 'ação às escolas de Retórica da época, onde só se ensinava 
um conjunto de regras, na tentativa de "fabricar" oradores 
através de receitas. Cícero considera que o orador não deve 
s T apenas um indivíduo de posse de um arsenal puramen-
1 • técnico. O orador deve ter um conhecimento geral sóli-
1 da natureza humana, da Filosofia, do direito. Isto não 
.~ i gnifica que o orador deva ser um perito em cada assunto, 
mas antes alguém que tenha noções básicas sobre questões 
I' néricas e condições para compreender um assunto novo, 
s ·m ser nele especialista. Observe-se que, do ponto de vista 
p dagógico, Cícero está manifestando uma preocupação 
que é comum entre educadores de hoje, para os quais um 
preparo geral sólido do aluno, em sua educação básica, é 
l"undamental para que ele exerça corretamente qualquer 
1 rofissão que venha a escolher. 
O orador, para Cícero, embora aborde casos particula-
1 ·s, deve ser capaz de chegar a princípios gerais, a preceitos 
I · ordem universal, e até mesmo ao terreno filosófico. 
Nos diálogos do De Oratore, que segundo Cícero che-
J•,a ram até ele através de informações (já que são anteriores 
,1 ·lc), Crassus e seus amigos discutem o estatuto do orador 
1 o mo homem que participa da formação dos estados e do 
di r ~ito. Isto significa que o orador deve ter um conheci-
lll ·tu o razoável de diferentes assuntos, tendo ainda uma 
1 .q acidade de elocução que lhe permita falar melhor de um 
11. su nro que seu especialista. Como bons latinos que eram, 
011 amigos, no diálogo, estabelecem a prioridade do conhe-
1 imcnto do Direito na formação do orador. 
51 
Quintitíano·, com Instituições arat6rias (século I) 
40
, pro-
duz também um tratado de Retórica .. Suas discussões par-· 
tem, no geral, de Aristóteles e Cícero. Sua preocupação 
maior é com a compos-ição do discurso, e nele temos uma 
discussão mais minuciosa dos recursos que podem embe-
lezá-lo. Fala de qualidades gerais como a. facilidade, a sim-
plicidade e a elegância. Pa:ra ele, entretanto, a eloqüênci'a 
não depende apenas dessas qualidades gerais. O orador, 
para ser eloqüente, precisa falar com ornamento. Resulta:. 
daí uma discussão do "ornatus". Este deve sugerir um esti-
lo viril, forte e natural. Quintiliano fala da importância. 
que tem a escolha das palavras. Admite que os romanos 
criaram palavras. novas por composição e derivação. Na es-
colha das pafavras a preocupação, entretanto, não deve ser 
apenas. semântica, pois o. som (como diríamos hoj.e,. um 
elemento do sig,nificante) é fundamentaL A escolha voca-
bular deve também obedecer ao critério· da eufonia. 
No estudo da eloqüência Quintilian0 detém-se no es-
tudo da metáfora,. da sinédoque, da metonímia, da alego-
ria, da ironia, do hipérbato, da hipérbole .. Tudo isto, para 
Quintiliano, são tropas que não se confundem com figu-
ras. Divide as figuras em: fíguras de pensamento e fi-
guras de palavras. Entre as primeiras estão a interroga-
ção, a exclamação, él' prosopopéia. Entre as figuras de pala-
vras Quintiliano· menciona a reduplicação, a sinonímia,. 
elipse, assfndeto e outros. 
Poderia parecer estranho um estudo da Retórica num 
trabalho sobre Teoria da Literatura. Não nos esqueçamos, 
entretanto, que há um discurso literário que não é neutro, e 
cuja carga persuasiva torna-se indiscutível depois de teorias 
40. Quintil iano - Instituições oratórias, tradução em linguagem portuguesa 
por jerônimo Soares Barbosa, 2· v. , São

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