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Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas: alguns avanços 
e obstáculos desde a Constituição de 1988 
Robério Nunes dos Anjos Filho 
1 Introdução 
As idéias de estado-nação e direito escrito e formal, dentre muitas outras, são na verdade 
estranhas aos índios. Assim, a positivação constitucional de um núcleo de direitos com vistas a 
proteger as comunidades indígenas é em si mesma paradoxal, já que a vitória do modelo da 
Constituição, fruto do movimento constitucionalista ocidental, comprova e simboliza que esses 
povos e suas culturas foram subjugados pelos colonizadores. 
A História da América e da formação do Brasil é, de fato, pródiga em episódios de violação do 
que hoje conhecemos como direitos humanos. A questão indígena e a escravidão são as mais 
evidentes provas a esse respeito. Não há, entretanto, como reescrever a História da qual a 
realidade hodierna do Brasil é o resultado. Os atos criminosos e vergonhosos praticados no 
passado não podem ser desfeitos. Essa circunstância, porém, não significa que devamos 
empurrá-los para debaixo do tapete e esquecê-los, adotando o cômodo raciocínio para nossas 
consciências de que não há nada a ser feito. Pelo contrário. Hannah Arendt já alertou que os 
direitos humanos não são um dado, e sim um construído. Logo, as suas violações não devem ser 
esquecidas, mas sim estudadas e reveladas, inclusive à luz do direito à verdade e à memória, 
para que ao menos sirvam de alerta e de substrato para a formatação e a consolidação de uma 
sociedade verdadeiramente livre, justa e solidária. 
Nessa ótica, embora a Constituição seja a prova viva da dominação e espoliação daqueles que 
aqui se encontravam antes da chegada dos europeus, ela pode ser, ao mesmo tempo, um 
poderoso instrumento para a construção de um futuro mais promissor em termos de direitos 
humanos. 
Partindo dessas premissas, fez bem o constituinte de 1988 em ter se ocupado da questão 
indígena. E, passados vinte anos desde a promulgação da Constituição cidadã, é possível fazer 
um breve balanço sobre o tema, ao menos no que diz respeito a alguns de seus aspectos. 
Como se sabe, um dos maiores equívocos que podem ser verificados na temática indígena é 
justamente a generalização, é imaginar que essas comunidades formam um todo único e 
homogêneo. Esse erro é amplificado pelo fato de que boa parte dos membros que compõem a 
sociedade dominante se coloca, por diversas razões, em uma posição de desprezo, preconceito 
ou desinteresse em relação a minorias étnicas e culturais. Aliás, o interesse, quando há, muitas 
vezes é justamente por um padrão estereotipado, falso. É triste observar que a reação de muitos, 
quando por qualquer motivo o confronto com a realidade desfaz o mito dessa visão estereotipada 
dos índios, é de frustração por não encontrá-los amoldados a um certo padrão de natureza quase 
zoológica que faz parte do imaginário, levando até mesmo à adoção pelos desavisados de um 
discurso de negação da condição de indígena desses grupos. Essa frustração e esse discurso 
são em geral conseqüências do pouco conhecimento em relação à História do Brasil e à imensa 
e plural riqueza dos diversos grupos indígenas brasileiros. 
Cada comunidade indígena tem uma realidade diferente, abrangendo
uma miríade de possibilidades sociológicas, culturais, jurídicas, antropológicas e políticas. 
Exatamente por isso, em relação a cada uma delas esses vinte anos de Constituição podem ter 
produzido avanços e obstáculos específicos. É possível, assim, o estudo particularizado dos 
efeitos da nova ordem constitucional em cada um dos grupos indígenas do Brasil. Esse seria um 
esforço hercúleo, o qual demandaria inclusive um trabalho interdisciplinar, e que escapa, 
portanto, aos objetivos da presente obra coletiva. 
Por essas razões, embora não desconheçamos a especificidade dos povos indígenas brasileiros, 
a análise por nós empreendida terá que se guiar por reflexões gerais, e portanto correrá os riscos 
   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 2 
 
 
inerentes a esse tipo de abordagem, aos quais pretendemos estar atentos. 
Também importante frisar que, ainda diante das características da presente obra, teremos que 
eleger alguns tópicos que, na nossa visão, merecem destaque, sem que isso, entretanto, 
signifique que vários outros temas também não merecessem abordagem. 
Escolhemos, para este trabalho, alguns temas que nos pareceram mais centrais na questão 
indígena brasileira, que são: situação demográfica, evolução normativa e terras indígenas. Diante 
da amplidão deste último, fizemos um corte para enfocar quatro pontos: a demarcação; o domínio 
da união sobre terras de antigos aldeamentos indígenas; os direitos de posse permanente e 
usufruto exclusivo; e os possíveis impactos do Plano de Aceleração do Crescimento nas terras 
indígenas. 
Antes, porém, cabe tecer alguns comentários ao tratamento jurídico conferido aos índios antes e 
depois da atual Constituição. 
2 Breve panorama do tratamento jurídico conferido aos índios no Brasil até 1988: o 
paradigma da integração 
Em geral a legislação portuguesa do período colonial, do ponto de vista formal, era benéfica aos 
índios submetidos à catequese e dura em relação aos que se comportassem como inimigos. 
Adotava uma linha integracionista, que partia da premissa de que se tratava de selvagens, seres 
em estágio inferior que deveriam ser domesticados e transformados em cristãos. Tratava-se, 
assim, da antiga e já superada concepção de que há estágios evolutivos de cultura. 
O Brasil imperial manteve a política integracionista e pouco se preocupou, do ponto de vista 
legislativo, com os indígenas. A Constituição de 1824 a eles não se referiu. A primeira 
constituição republicana, de 1891, manteve o silêncio quanto aos índios, embora tivesse havido 
na constituinte uma proposta de origem positivista no sentido da criação de uma confederação 
indígena ao lado da federação formada pelos Estados. Trouxe, entretanto, no seu artigo 64, um 
dispositivo que viria repercutir gravemente nas discussões atinentes às terras indígenas, 
referente às terras devolutas, que foram quase todas repassadas ao domínio dos Estados.1 
O Decreto nº 8.072, de 20 de julho de 1910, dando cumprimento a orientação legislativa que 
datava de 1906, criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores 
Nacionais (SPI), o qual veio a ser dirigido pelo militar Cândido Mariano da Silva Rondon, 
importante humanista e defensor das populações indígenas que mais tarde seria conhecido como 
Marechal Rondon. A partir de 1914 o SPI passou a tratar unicamente das questões indígenas 
deixando as demais atribuições, referentes à localização de trabalhadores nacionais, para outros 
órgãos. 
O Código Civil de 1916 disciplinou os silvícolas como relativamente incapazes e os submeteu a 
um regime de tutela que deveria cessar à medida que fossem se adaptando à civilização do país, 
na linha integracionista. O Decreto nº 5.484, de 27 de junho de 1928, em que pese alguns 
defeitos, emancipou os índios da tutela orfanológica, criando um regime tutelar de natureza 
pública, situação mais adequada às suas necessidades.2 
A primeira constituição a abordar a temática indígena no Brasil foi a de 1934, que estipulou a 
competência privativa da União para legislar sobre incorporação dos silvícolas à comunhão 
nacional (art. 5º, XIX, "m") e garantiu no seu artigo 129 o respeito à posse das terras dos 
silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, negando-lhes, entretanto, a 
possibilidade de aliená-las. 
Somente essa última disposição foi repetida na Carta Constitucional de 1937 (art. 154), que não 
tratou da competência legislativa em matéria indígena. 
A Constituição de 1946 em nada inovou, apenas repetindo (arts. 5º, XV, "r", e 216) as disposições 
dos dois últimos diplomas constitucionais. 
Já a Constituição de 1967 trouxe novidades. Colocou as terras ocupadas pelos silvícolas 
expressamente dentreos bens da União (art. 4º, IV), manteve a competência da União para 
legislar sobre incorporação dos índios à comunhão nacional (art. 8º, XVII, "o"), e, além de 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref1
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref1
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref2
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref2
   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 3 
 
 
novamente assegurar a posse permanente das terras que habitavam, reconheceu-lhes o direito 
ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades existentes naquelas glebas 
(art. 186). 
A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro 1969, não só manteve as disposições do texto 
constitucional anterior (4º, IV, 8º, XVII, "o") como aprimorou o tratamento jurídico das terras 
indígenas. Isso porque o artigo 198 e seus parágrafos 1º e 2º estipularam que as terras habitadas 
pelos silvícolas seriam inalienáveis nos termos determinados por lei federal, cabendo-lhes mais 
uma vez a sua posse permanente e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de 
todas as utilidades nelas existentes, ficando declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos 
jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação dessas 
terras, negando-se ainda aos ocupantes o direito a qualquer ação ou indenização contra a União 
e a Fundação Nacional do Índio. 
3 Os direitos indígenas na Constituição de 1988: a mudança de paradigma 
Á época da discussão da formação de uma Assembléia Nacional Constituinte para consolidar de 
vez o movimento de abertura diplomática após a ditadura militar no Brasil, os índios brasileiros 
pleitearam a obtenção de cadeiras especiais naquele órgão constituinte. Tendo sido a proposta 
rejeitada na Comissão Afonso Arinos, cujo presidente entendeu que as comunidades indígenas 
seriam representadas pela FUNAI, como órgão tutor, tentaram a via eleitoral apresentando sete 
candidatos no pleito de 1996. Porém, nenhum deles foi eleito. 
Isso tudo não impediu que os índios tivessem participação ativa na Assembléia Nacional 
Constituinte que originou a atual Constituição, não só diretamente mas também em articulação 
com setores progressistas da sociedade.3 
A luta não foi em vão. 
Como se pode facilmente notar a partir da sua simples leitura, a Constituição de 1988 foi a que 
mais se ocupou do tema relativo aos índios e seus direitos: manteve as terras tradicionalmente 
ocupadas pelos índios no domínio da União (art. 20, XI) e a competência privativa desta para 
legislar sobre populações indígenas (art. 22, XIV); estabeleceu a competência exclusiva do 
Congresso Nacional para autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de 
recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais (art. 49, XVI); determinou a 
competência da Justiça Federal para processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas (art. 
109, XI); conferiu ao Ministério Público a função institucional de defender judicialmente os direitos 
e interesses das populações indígenas (art. 129, V); afirmou que a pesquisa e a lavra de recursos 
minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica dependem de condições 
específicas legalmente previstas quando essas atividades se desenvolverem terras indígenas 
(art. 176, §1º); assegurou às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e 
processos próprios de aprendizagem, inclusive no ensino fundamental regular (art. 210, §2º); 
determinou que o Estado protegerá as manifestações das culturas indígenas (art. 215, §1º); 
consagrou a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas (art. 231, 
caput); reconheceu aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam 
(art. 231, caput); afirmou o dever da União de proteger e fazer respeitar os índios, seus bens e 
terras (art. 231, caput); definiu as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (art. 231, §1º) e 
disciplinou cuidadosamente o seu regime jurídico (art. 231, §§2º, 3º, 4º, 5º 6º e 7º), além de ter 
estipulado a competência da União para demarcá-las (art. 231, caput) no prazo máximo de cinco 
anos a partir da promulgação da Constituição (art. 231, caput, e 67 do ADCT); outorgou 
legitimidade às comunidades e organizações indígenas para ingressarem em juízo em defesa de 
seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo (art. 232). 
Este conjunto de normas forma o que se pode chamar de direito constitucional indigenista 
brasileiro atual,4 5 cujos princípios seriam:6 a) princípio do reconhecimento e proteção do Estado à 
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios originários e existentes no 
território nacional; b) princípio do reconhecimento dos direitos originários dos indígenas sobre as 
terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo 
para os índios; e c) princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal.7 Esses princípios 
são facilmente identificáveis à luz da análise do texto constitucional. Em relação ao último deles, 
vale desde logo afirmar que é inegável que os índios usufruem todos os princípios e direitos 
constitucionais comuns aos demais brasileiros. Assim, por exemplo, os seus direitos estão 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref3
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref3
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http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref6
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   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 4 
 
 
também protegidos pelo artigo 5º da Constituição, bem como se lhes aplicam as conseqüências 
da adoção do princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, incide também em matéria 
indígena o que a doutrina chama de princípio da proteção da identidade,8 ou de direito à 
alteridade, ou seja, de ser diferente.9 A nosso ver, há mais um princípio na Constituição, que é o 
da máxima proteção aos índios, do qual deriva o in dubio pro indígena bem como a conclusão de 
que as normas protetivas que o texto constitucional consagra representam um standard mínimo 
que pode ser ampliado pela legislação ordinária. 
Esse quadro normativo-constitucional, dentre outras conseqüências jurídicas, implica na evidente 
não recepção não só do modelo integracionista, mas também do sistema tutelar e de 
incapacidade até então vigente no plano infraconstitucional, que tinha raízes na tutela 
orfanológica e cessava com a integração do índio ou da comunidade indígena à comunhão 
nacional.10 Os grupos indígenas devem ser protegidos pelo Estado brasileiro enquanto minorias 
culturais, independentemente da maneira como interagem com a sociedade envolvente. 
A Constituição de 1988, especialmente pelo disposto no capítulo VIII do seu Título da Ordem 
Social, rompeu com uma velha tradição do direito brasileiro, que adotava um tratamento de cunho 
integracionista11 para os indígenas. Até então, a visão predominante, profundamente 
etnocêntrica, era a de que os índios se encontravam em um estágio inferior de desenvolvimento e 
deveriam ser integrados à comunhão nacional. Assim, quando muito, direitos lhes eram 
reconhecidos partindo-se da premissa de que era necessário preservar esses grupos durante o 
período no qual, paulatinamente, abandonariam os hábitos selvagens e tornar-se-iam civilizados. 
A idéia, portanto, era a de que a sua cultura, primitiva, deveria serabandonada, com o 
conseqüente desaparecimento desses grupos que seriam absorvidos pela sociedade não-índia. 
O impacto dessa guinada constitucional nas relações jurídicas envolvendo os índios no Brasil é 
enorme. A Constituição, adotando uma postura de respeito à diversidade cultural brasileira, 
assegura o direito de os índios serem e permanecerem diferentes, afastando a possibilidade de 
qualquer forma de discriminação, como decorrência direta da liberdade e da igualdade. É o 
princípio da proteção da identidade, já mencionado retro. Está constitucionalmente vedado 
qualquer entendimento jurídico que implique em afirmar direta ou indiretamente a superioridade 
cultural da sociedade envolvente em relação aos grupos indígenas. Isso significa que o modo de 
ser e de viver dos índios deve ser respeitado e protegido, e não destruído, sendo-lhes garantido o 
pleno exercício dos seus direitos culturais. É dever do Estado não só proteger as manifestações 
culturais indígenas como também apoiar e incentivar a valorização e a difusão das mesmas, 
consoante determina o artigo 215 e seus parágrafos da Constituição de 1988, a qual, de resto, 
ainda que implicitamente no artigo 216, incluiu a cultura indígena no patrimônio cultural brasileiro. 
Tais determinações conferem uma maior visibilidade a essas populações. 
O texto brasileiro atual se alinha ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos, que 
nas últimas décadas buscou assegurar a igualdade material a partir de uma visão de justiça que 
exige não só a redistribuição econômica, mas também o reconhecimento das identidades.12 
Importante deixar claro, assim, que o direito constitucional indigenista brasileiro encerra normas 
que possuem natureza de direitos fundamentais. Como se sabe, o catálogo constitucional de 
direitos fundamentais é aberto, não se limitando às disposições constantes do Título II, conforme 
deixa claro o §2º do artigo 5º.13 O que importa para se atestar a fundamentalidade de um direito é 
a sua imprescindibilidade à realização da dignidade humana. E a dignidade das pessoas que 
compõem os povos indígenas depende diretamente da satisfação dos direitos que a Constituição 
lhes confere. 
Ao reconhecer a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas a 
Constituição garante a cultura dos índios, já que esta, como o somatório das experiências e dos 
conhecimentos das pessoas que integram uma determinada sociedade, inclui todos aqueles 
aspectos. Dessa forma, há uma nítida correlação entre organização social, costumes, línguas, 
crenças e tradições indígenas,o que indica que esses conceitos não são isolados ou herméticos, 
ao contrário, são interdependentes. 
À luz da determinação constitucional sob comento, toda a atuação do poder público - não só da 
União, mas também dos Estados e Municípios - em relação aos índios deve ser regida tendo 
como premissa básica o respeito à sua cultura. Assim, por exemplo, a prestação de serviços 
públicos como a educação14 e a saúde15 devem ocorrer sob o influxo dessa proteção 
constitucional.16 É realmente um enorme desafio para o Estado brasileiro, ainda pouco afeito à 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref8
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref9
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref10
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref11
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref12
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref13
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref14
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   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 5 
 
 
garantia dos direitos fundamentais da população em geral, perceber a importância da dimensão 
cultural no trato com os povos indígenas. 
A organização social indígena diz respeito à estrutura daquelas sociedades, às suas instituições, 
aos seus grupos internos e às formas de relacionamento entre seus membros. Isso envolve uma 
multiplicidade de questões de diversas naturezas: morais, éticas, familiares, econômicas, 
religiosas, políticas, dentre outras. 
Os costumes referem-se a padrões ou maneiras de agir, a comportamentos reproduzidos em 
uma determinada sociedade. Importa salientar que o costume indígena inclui o complexo de 
normas não escritas e de procedimentos que objetivam o controle social, a solução dos conflitos 
de interesses e as relações existentes entre seus membros, ou seja, o direito indígena. Pode-se 
afirmar, portanto, que o direito constitucional indigenista brasileiro reconhece o direito indígena 
brasileiro. Não existe, evidentemente, um único direito indígena no Brasil, já que cada um dos 
grupos indígenas tem o seu próprio costume, e, assim, possui um complexo de regras e 
procedimentos internos específico. 
Os lingüistas calculam, no campo das estimativas, que à época da chegada dos portugueses 
existiam cerca de mil e trezentas línguas diferentes no território que viria a ser o Brasil, o que 
reforça a imensa diversidade cultural entre os diversos grupos que aqui habitavam. Hoje existem 
aproximadamente apenas 180 línguas indígenas no Brasil, as quais, de maneira geral, são 
classificadas em famílias derivadas de três grandes troncos: Tupi, Macro-Jê e Aruak. A língua é 
um fator-chave não só em relação à identidade de um grupo como também para fins da sua 
eventual caracterização como minoria. Além da menção ao reconhecimento das línguas 
indígenas no caput do artigo 231, a Constituição também foi expressa no sentido de garantir aos 
povos indígenas a utilização de suas línguas maternas no ensino fundamental regular (artigo 210, 
§2º). A melhor doutrina brasileira afirma que o integral direito à própria língua inclui o direito de 
permanecer monolíngue e o direito de receber da sociedade dominante informações na língua 
indígena.17 
As crenças indígenas são o conjunto de convicções que formam uma representação do mundo 
naquela coletividade. Dizem respeito, assim, não só a questões religiosas mas também 
filosóficas. Interessante apontar que o reconhecimento das crenças indígenas implica em aceitar 
que as crenças da sociedade não-índia não são superiores, ou seja, que o padrão majoritário de 
compreensão do mundo não necessariamente é o melhor ou contém a verdade. A Constituição 
realça, assim, uma posição de relativismo cultural em contraposição ao anterior etnocentrismo. 
Já as tradições indígenas são os valores, práticas e conhecimentos transmitidos de uma geração 
indígena a outra. Envolvem a memória ancestral do povo indígena. A transmissão normalmente 
ocorre por processos orais, e pode ter por objeto, dentre outros, lendas, fatos históricos, hábitos, 
narrativas, conceitos. 
4 Situação demográfica 
Um fato inegavelmente positivo e que merece ser enfatizado desde logo é o aumento da 
população indígena. 
São conhecidas as dificuldades em obter dados demográficos precisos, ainda mais em se 
tratando de populações indígenas. Dentre as dificuldades específicas, está a de determinar quem 
é índio. 
A denominação índios18 tem origem em um equívoco que remonta à chegada de Cristóvão 
Colombo. O navegador, quando aportou nas Bahamas em 12 de outubro de 1492, na atual ilha 
de Watlings, pensava ter alcançado a Índia por uma rota do Atlântico, e por isso os nativos 
encontrados foram chamados de índios.19 Mesmo após os europeus perceberem o equívoco, 
muito tempo depois, a palavra índios foi mantida para designar todos os habitantes originários 
daquelas terras.20 Dessa maneira, em linhas gerais a palavra índios refere-se a todos os grupos 
de ascendência pré-colombiana,independentemente da miríade de diferenças existentes entre 
eles, de natureza cultural, social, econômica e política, dentre outras. 
Sobre a caracterização de um grupo étnico como indígena, os critérios atualmente utilizados 
dizem respeito à auto-identificação (idéia que a comunidade referida tem sobre si própria) e à 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref17
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref17
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref18
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref19
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref20
   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 6 
 
 
hetero-identificação (consciência que o grupo possui de ser diferente dos demais).21 
Consideram-se índios, em termos legais no Brasil, todos os indivíduos de origem e ascendência 
pré-colombiana que se identificam e são identificados como pertencentes a um grupo étnico cujas 
características culturais os distinguem da sociedade nacional (artigo 3º, I, Lei nº 6.001/73 - 
Estatuto do Índio).22 Essa definição sofre críticas doutrinárias,23 porém traz em si dois elementos 
importantes, que são os mesmos verificados na caracterização de comunidade indígena acima 
referida: a auto-identificação, aqui consistente na circunstância de alguém se entender 
pertencente a um grupo indígena, e a hetero-identificação, que agora diz respeito ao fato desse 
alguém ser reconhecido pelos demais como índio. 
Logo, será índio aquele que assim se entende (auto-identificação) e que assim é reconhecido 
pela comunidade indígena com a qual convive (hetero-identificação). 
A eventual interação com os não-índios, a adoção de comportamentos típicos destes ou o fato de 
morarem nas cidades não descaracteriza a natureza indígena de uma comunidade nem 
tampouco dos índios que a compõem, sendo apenas um reflexo da fricção interétnica a que 
esses grupos estão submetidos.24 Sobre o tema, vale rememorar as palavras de José Afonso da 
Silva,25 segundo o qual "Os índios, como qualquer comunidade étnica, não param no tempo. A 
evolução pode ser mais rápida ou mais lenta, mas sempre haverá mudanças e, assim, a cultura 
indígena, como qualquer outra, é constantemente reproduzida, não igual a si mesma. Nenhuma 
cultura é isolada. Está sempre em contacto com outras formas culturais. A reprodução cultural 
não destrói a identidade cultural da comunidade, identidade que se mantém em resposta a outros 
grupos com os quais dita comunidade interage. Eventuais transformações decorrentes do viver e 
do conviver das comunidades não descaracterizam a identidade cultural. Tampouco a 
descaracteriza a adoção de instrumentos novos ou de novos utensílios, porque são mudanças 
dentro da mesma identidade étnica". 
Como já visto acima, no Brasil é adotado um duplo critério, da auto-identificação e da hetero-
identificação. Em termos de dados oficiais, entretanto, no que concerne aos censos realizados 
pelo IBGE, considera-se apenas a auto-identificação, já que não foi incorporado àqueles 
trabalhos qualquer mecanismo para aferir se as comunidades aceitam ou não os autodeclarantes 
como indígenas. Uma dificuldade em relação à obtenção de dados oficiais exatos é a 
circunstância de que a auto-identificação pode ser influenciada por fatores capazes de provocar 
insinceridade por parte do declarante, até mesmo por motivos que se contrapõem: de um lado, 
pode ocorrer o receio de um índio ser discriminado pela sociedade majoritária ao assim se 
declarar; por outro, um não-índio pode preferir ser considerado integrante daquela minoria com a 
intenção de ser beneficiado por eventuais ações afirmativas. 
Em que pese tais observações, os dados disponíveis indicam claramente que as populações 
indígenas estão em crescimento. A FUNAI26 estima que hoje existem aproximadamente no Brasil 
cerca de 460 mil índios, pertencentes a 225 sociedades indígenas, que representa algo em torno 
de 0,25% da população brasileira. Estes dados referem-se apenas aos índios que vivem nas 
aldeias. Além destes, estima-se que existam entre 100 e 190 mil fora das terras indígenas, 
inclusive nos centros urbanos. Como se não bastasse, o órgão contabiliza 63 grupos de índios 
que não foram ainda contatados, e menciona que há outros grupos que pleiteiam serem 
reconhecidos como indígenas. Esses dados são semelhantes àqueles disponibilizados pelo 
Instituto Socioambiental, uma das mais importantes ONGs do Brasil voltadas à defesa de 
interesses indígenas.27 
O crescimento do número de índios brasileiros é facilmente observado nos dados oficiais do 
IBGE.28 O primeiro censo a colocar a opção "indígena" dentre as possibilidades de "cor" - o que é 
questionável - foi o de 1991. Comparado com o de 2000, o aumento é evidente: no primeiro, 
294.000 pessoas se declararam indígenas, o que corresponde a 0,2% da população total da 
época; no segundo esse número pulou para 734.000, equivalente a 0,4% do total dos brasileiros. 
Houve inequivocamente um crescimento real da população indígena, embora nem toda a 
diferença observada deva ser atribuída a esse fator, tendo contribuído também, por exemplo, um 
aumento significativo da autodeclaração em áreas urbanas.29 
Esse aumento real está vinculado a alguns dos fatores positivos adiante estudados, e, 
importantíssimo anotar, torna ainda mais premente a solução dos problemas indígenas ainda 
pendentes. Não se pode deixar de lembrar, aqui, a lição de Darcy Ribeiro, o qual previu que 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref21
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref21
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref22
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http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref26
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref27
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http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref28
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref29
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   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 7 
 
 
depois de um decréscimo a população indígena iria sofrer um incremento, porém, ao mesmo 
tempo, alertou para a necessidade da adoção de mecanismos que possibilitem a persistência da 
identificação étnica, sob pena da sua transformação em índios genéricos, normalmente 
incorporados mas camadas mais miseráveis da população, no que chamou de processo de 
transfiguração étnica. 
Nesse ponto, caso não tomemos o devido cuidado e adotemos as medidas necessárias, toda 
essa população crescente terá seus direitos constitucionais violados, já que a lei maior lhes 
assegura os direitos culturais. 
5 Evolução normativa 
No que diz respeito à evolução normativa do direito indigenista no Brasil, é preciso pontuar desde 
logo que a principal reivindicação das comunidades indígenas nessa área desde a promulgação 
da Constituição não foi atendida. Trata-se do Estatuto das Sociedades Indígenas, que atualizaria 
a legislação ordinária, revogando o Estatuto do Índio, cujos dispositivos, em sua maior parte, não 
se coadunam com a nova Constituição, e só através de uma leitura que adote a técnica da 
interpretação conforme permanecem no direito positivo. 
Não sepode deixar de reconhecer, entretanto, que houve alguns avanços no âmbito do 
reconhecimento formal de direitos indigenistas nos últimos vinte anos, tanto no que concerne aos 
foros internacionais dos quais o Brasil participa como no que diz respeito ao direito positivo 
interno. 
Merece destaque, inicialmente, o fato de que o Brasil finalmente positivou no âmbito interno a 
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, 
adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989. No Brasil, o tema foi objeto do Decreto 
Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, aprovado depois de quase dez anos de análise pelo 
Congresso Nacional, tendo em vista que a sua tramitação começou em 1993. O processo 
culminou com a edição, por parte do presidente da república, do Decreto nº 5.051, de 19 de abril 
de 2004. O Brasil foi um dos últimos países na América a ratificar essa convenção. Esse é o 
instrumento mais abrangente em termos de matéria indígena em todo o Sistema Internacional de 
Direitos Humanos, e, uma vez que foi introduzido no ordenamento positivo interno, trata-se de 
norma cogente, obrigatória em todo o país. Por causa disso, a aprovação da Convenção 169 é 
um fato mitigador da omissão em relação ao Estatuto das Sociedades Indígenas. É possível, 
ainda, que o documento seja ainda mais fortalecido caso se consolide a tendência que vem 
sendo anunciada no Supremo Tribunal Federal sobre a posição dos tratados internacionais no 
sistema normativo interno.30 
Outro tema internacional merecedor de nota é a Declaração sobre Direitos dos Povos Indígenas 
aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em setembro de 2007, que 
teve o voto favorável do Brasil. Embora tecnicamente não seja um tratado internacional, 
funcionando como uma espécie de recomendação da ONU aos seus integrantes, não se pode 
dizer que esse fato não produz efeitos jurídicos. Ao examinar a questão da força jurídica da 
Declaração Universal dos Direitos do Homem, que possui natureza análoga à da Declaração 
Sobre Direitos dos Povos Indígenas, Fábio Konder Comparato deixou consignado, dentre outros 
motivos, que embora se trate tecnicamente de uma recomendação, há excesso de formalismo no 
entendimento de que não há força vinculante porque "Reconhece-se hoje, em toda parte, que a 
vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados 
internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, 
exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não". A leitura da Declaração Sobre 
Direitos dos Povos Indígenas revela que são plasmadas ali exatamente as exigências mínimas 
de respeito à dignidade desses povos. Dessa maneira, pode ser invocada também como fonte 
pelo operador do direito. De qualquer forma, muitas das suas disposições encontram 
correspondência na Convenção 169 da OIT, que é direito positivo no Brasil. 
No plano da legislação ordinária, parece óbvio que em vinte anos exista um número grande de 
alterações legislativas que direta ou indiretamente afetam as comunidades indígenas. Alguns 
diplomas são gerais, outros cuidam especificamente de temática indígena. Dentre estes últimos, 
destacamos os seguintes (salvo os atinentes à saúde e à educação, que serão abordados 
adiante): Portaria nº 542, de 21.12.1993 - Aprova o Regimento Interno da Fundação Nacional do 
Índio (FUNAI); Decreto nº 1.141, de 19.05.1994 - Dispõe sobre as ações de proteção ambiental e 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref30
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   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 8 
 
 
apoio às atividades produtivas para as comunidades indígenas; Instrução normativa FUNAI nº 01, 
de 29.11.1995 - Aprova as normas que disciplinam o ingresso em Terras Indígenas com 
finalidade de desenvolver Pesquisa Científica; Resolução MS/CNS nº 304, de 09.08.2000 - 
Aprova as normas para pesquisas envolvendo seres humanos. Área de Povos Indígenas; Medida 
Provisória nº 2.186-16, de 23.08.2001 - Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a 
proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado; Portaria MJ nº 1.098, de 23.09.2002 
- Aprova o Regimento Interno do Conselho Indigenista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); 
Decreto nº 4.412, de 07.10.2002 - Dispõe sobre a atuação das Forças Armadas e da Polícia 
Federal nas terras indígenas; Decreto nº 4.645, de 25.03.2003 - Aprova o Estatuto da Fundação 
Nacional do Índio (FUNAI); Portaria MD/EME nº 020, de 02.04.2003 - Aprova a Diretriz para o 
relacionamento do Exército Brasileiro com as comunidades indígenas; Resolução CGEN nº 5, de 
26.06.2003 - Estabelece diretrizes para a obtenção de anuência prévia para o acesso a 
conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, para fins de pesquisa científica sem 
potencial ou perspectiva de uso comercial; Portaria MD/SPEAI/DPE nº 983, de 17.10.2003 - 
Aprova a Diretriz para o relacionamento das Forças Armadas com as comunidades indígenas; 
Resolução CGEN nº 09, de 18.12.2003 - Estabelece diretrizes para a obtenção de anuência 
prévia junto a comunidades indígenas e locais, a fim de acessar componente do patrimônio 
genético para fins de pesquisa científica, sem potencial ou perspectiva de uso comercial; 
Resolução CGEN nº 11, de 25.04.2004 - Estabelece diretrizes para a elaboração e análise dos 
Contratos de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de Benefícios que envolvam 
acesso a componente do patrimônio genético ou a conhecimento tradicional associado providos 
por comunidades indígenas ou locais; Portaria MD/CA nº 537/GC3, de 07.05.2004 - Aprova a 
Diretriz para o relacionamento do Comando da Aeronáutica com as comunidades indígenas; 
Decreto nº 5.459, de 07.06.2005 - Dispõe sobre as sanções aplicáveis às condutas e atividades 
lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. 
No que concerne à legislação da saúde, a Lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999, acrescentou 
dispositivos à Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que "dispõe sobre as condições para a 
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços 
correspondentes e dá outras providências", instituindo o Subsistema de Atenção à Saúde 
Indígena nos seus artigos 19-A a 19-H, o que foi positivo. Além disso, são dignos de nota os 
seguintes documentos: Resolução MS/CNS nº 293, de 08.07.1999 - Aprova a reestruturação da 
Comissão Intersetorial de Saúde do Índio (CISI); Decreto nº 3.156, de 27.08.1999 - Dispõe sobre 
as condições para a prestação de assistência à saúde dos povos indígenas, no âmbito do 
Sistema Único de Saúde; Portaria MS nº 1.163, de 14.09.1999 - Dispõe sobre as 
responsabilidades na prestação de assistência à saúde dos povos indígenas; Portaria FUNASA 
nº 852, de 30.09.1999 - Cria os Distritos Sanitários Especiais Indígenas; Portaria FUNASA nº 
479, de 13.08.2001 - Diretrizes para a elaboração de projetos de estabelecimentos de saúde e de 
saneamento, em áreas indígenas; Portaria MS nº 254, de 31.01.2002 - Aprova a Política Nacional 
de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas; Portaria MS nº 2.405, de 27.12.2002 - Cria o 
Programa de Promoção da Alimentação Saudável em Comunidades Indígenas (PPACI); Portaria 
MS nº 70, de 20.01.2004 - Aprova as Diretrizes da Gestão da Política Nacional de Atenção à 
Saúde Indígena. 
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 210, §2º, assegurou às comunidades indígenas a 
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Dessa maneira, as 
necessárias modificações nas políticas públicas educacionais fizeram com que a educação 
indígena tenha sido objeto de diversos atos normativos desde a promulgação da atual 
Constituição. Vale rememorar os seguintes: Decreto nº 26, de 04.02.1991 - Dispõe sobre a 
educação indígena no Brasil; PortariaInterministerial MJ e MEC nº 559, de 16.04.1991 - Dispõe 
sobe a Educação Escolar para as Populações Indígenas; Lei nº 9.394, de 20.12.1996 - Lei de 
diretrizes e bases da educação nacional (LDB);31 Resolução CNE/CEB nº 003, de 10.11.1999 - 
Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas; Resolução FNDE nº 045, de 
31.10.2003 - Estabelece critérios para o repasse de recursos financeiros, à conta do PNAE, para 
o atendimento dos alunos em escolas de educação indígena; Resolução CNE nº 001, de 
17.06.2004 - Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana; Lei nº 10.172, de 
09.01.2001 - Plano Nacional de Educação; Lei nº 11.465, de 10 de março de 2008 - Altera a Lei 
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, 
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da 
rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Cada 
um destes documentos pode conter aspectos positivos ou negativos, e portanto deve ser 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref31
   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 9 
 
 
examinado individualmente. 
No que diz respeito aos textos normativos gerais, um particularmente deve ser ressaltado, pela 
sua importância, que foi o advento da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o 
Novo Código Civil Brasileiro. Além de ter substituído a antiga e inadequada denominação de 
silvícolas, o parágrafo único do artigo 4º determinou que a capacidade dos índios será regulada 
por legislação especial, acabando finalmente com a concepção do antigo Código de 1916, o qual, 
em uma visão integracionista, colocava os índios como relativamente incapazes e portanto os 
submetia a um regime tutelar determinado por lei específica e que cessaria à medida que fossem 
se adaptando à civilização do país (artigo 6º, III e parágrafo único). Essa concepção, aliada à 
redação da Lei nº 6.001/73, levava, conforme denunciado pela sempre precisa lição de Carlos 
Frederico Marés de Souza Filho, à possibilidade de uma absurda interpretação, no sentido de 
que "os índios em algum tempo não necessitarão mais sequer serem chamados de índio, porque 
estarão integrados à sociedade nacional, então as garantias a seus direitos estarão equiparadas 
às garantias de todos os outros cidadãos, e suas terras deixarão de ser suas, para serem 
devolvidas ao domínio público como terras da União".32 Havia, assim, uma "vinculação 
tendenciosa" da tutela indígena com os direitos territoriais.33 
Finalmente, para encerrar esse item, insta anotar que a maior parte dos projetos em tramitação 
no Congresso Nacional são francamente contrários aos interesses indígenas. Muitas propostas 
vinculam a demarcação de terras indígenas à edição de lei específica federal, o que, na prática, 
inviabilizaria o texto Constitucional que assegura diretamente a essas comunidades as terras que 
tradicionalmente ocupam. Outras dizem respeito à abertura das terras indígenas para a 
exploração econômica ou mineral por parte de terceiros, de maneira indiscriminada, o que 
também será devastador caso aprovado. 
6 Terras indígenas 
"A disputa das terras indígenas e de suas riquezas é o núcleo da questão indígena hoje no 
Brasil". Essas palavras, escritas em 1987 por Manuela Carneiro da Cunha,34 portanto um ano 
antes da promulgação da Constituição cidadã, são na verdade atemporais, pois retratam a 
História desde a chegada dos europeus até a presente data. 
Como já dito acima, o respeito aos povos indígenas brasileiros e a sua preservação enquanto 
minorias culturais não é possível sem proteção às terras indígenas. Trata-se de um direito 
fundamental que se inclui entre o mínimo existencial necessário à preservação cultural e à 
identidade coletiva dos povos indígenas. Por isso, o texto constitucional reconheceu aos índios os 
direitos originários às terras tradicionalmente ocupadas, consagrando o indigenato, e as protegeu 
de maneira bastante incisiva. 
Seria talvez excessivamente injusto afirmar que nestes vinte anos não houve avanço. De fato, há 
aspectos positivos a comemorar, como veremos. Entretanto, os interesses econômicos e políticos 
contrários à causa indígena, normalmente ligados à expansão das fronteiras do agronegócio, não 
se intimidaram, e continuam querendo fazer prevalecer na questão agrária uma visão clássica do 
direito de propriedade, que remonta ao Código de Napoleão de 1804, segundo a qual a 
propriedade é direito individual, absoluto, exclusivo e perpétuo. Por vários mecanismos, inclusive 
judiciais, os direitos dos índios às suas terras vêm encontrando sérias dificuldades, relegando a 
plano inferior os direitos coletivos e a função social da propriedade, ambos afirmados pela 
Constituição de 1988. 
6.1 O processo administrativo de demarcação de terras indígenas 
Como se sabe, a natureza de terra tradicionalmente ocupada por índios independe de 
demarcação, que tem natureza declaratória, e não constitutiva. A demarcação, entretanto, é 
importante para a regularização dessas terras e para a tranqüilidade das comunidades indígenas. 
Havia um marco legal voltado à conclusão desses trabalhos desde 1973, pois o artigo 65 da Lei 
nº 6.001/73 (Estatuto do Índio) já determinava que "O Poder Executivo fará, no prazo de cinco 
anos, a demarcação das terras indígenas, ainda não demarcadas". Logo, a rigor a mora estatal 
vem desde dezembro de 1978. Tomando porém como base o novo texto constitucional, os 
trabalhos de demarcação das terras indígenas deveriam ter sido concluídos no máximo em cinco 
anos a partir da sua promulgação (artigo 67 do ADCT). Não se trata, obviamente, de um prazo 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref32
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref33
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref33
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref34
   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 10 
 
 
peremptório findo o qual estariam vedadas novas demarcações.35 O seu descumprimento, ao 
revés, pode ensejar a adoção de medidas judiciais para compelir a União a concluir a sua tarefa e 
eventualmente indenizar os prejuízos dos povos indígenas cujas glebas não foram demarcadas.36 
Considerando que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação judicial 
(artigo 5º, inciso XXXV, CF/88), também entendemos possível o ajuizamento de ação declaratória 
para conferir a determinada área natureza de terra tradicionalmente ocupada por índios, o que 
suprime a necessidade da demarcação administrativa. 
Após a Lei nº 6.001/73, e ainda sob a égide do antigo sistema constitucional, regeram a 
demarcação o Decreto nº 76.999, de 08.01.1976, o Decreto nº 88.118 de 23.02.1983, e o Decreto 
nº 94.945 de 23.09.1987. Após a promulgação da atual Lei Maior, tivemos o Decreto nº 22, de 
04.02.1991, e finalmente o atual Decreto nº 1.775, de 08.01.1996, ou seja, exatos vinte anos 
após o primeiro citado acima. Um dia depois, foi editada a Portaria MJ nº 14, de 09.01.1996, que 
regula a elaboração do relatório circunstanciado de identificação e delimitação de Terras 
Indígenas. 
À época, o Decreto nº 1.775/1996 teve séria resistência de todos os setores pró-indígenas, tendo 
em vista que a título de assegurar o contraditório no processo administrativo de demarcação 
trouxe uma série de modificações que poderiam emperrar o andamento dos trabalhos, 
dificultando-os ainda mais. Felizmente, na prática, as demarcações conseguiram seguir adiante, 
embora sem a velocidade e sem a plenitude dos resultados desejados. 
De uma forma geral, o balançodas demarcações é positivo no período pós-1988. 
Segundo dados da FUNAI repassados à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério 
Público Federal,37 em março de 2008 havia 615 terras indígenas, das quais: 399 regularizadas, 
45 declaradas, 112 em estudo, 18 encaminhadas RI, 23 homologadas e 18 delimitadas.38 Das 
399 terras indígenas tidas como regularizadas, em 385 constava a data do decreto presidencial 
de homologação. Por outro lado, foram mencionadas 23 terras indígenas com decreto 
presidencial de homologação cuja regularização plena ainda dependia de registro imobiliário ou 
de registro na SPU. Dessa maneira, constava do documento a data de 408 portarias 
presidenciais de homologação de terras indígenas. Contagem por nós realizada revelou que 53 
delas foram assinadas antes de 05 de outubro de 1988 e 355 após a promulgação da nova 
Constituição. Verifica-se, assim, que nos quinze anos decorridos entre o início da vigência da Lei 
nº 6.001/73 e a promulgação da atual Constituição tivemos 53 portarias, o que dá uma média de 
3,53 por ano. Durante os vinte anos de vigência da Constituição cidadã, de outro lado, foram 
editadas 355 portarias, ou seja, 17,75 a cada ano. 
O aumento expressivo das demarcações, embora seja um dado importante, não significa que os 
problemas fundiários estejam resolvidos. Ao contrário, há ainda muitos problemas a resolver 
nesse campo. 
Além disso, paira no ar uma ameaça extremamente grave em relação às terras tradicionalmente 
ocupadas pelos índios em processo de demarcação, que, pela sua importância geral para a 
causa indígena, deve ser referida. Trata-se do exame, pelo Supremo Tribunal Federal, da área 
indígena Raposa Serra do Sol, situada no Estado de Roraima.39 Dentre outros riscos sérios 
anunciados pela imprensa, há o temor que o Supremo Tribunal Federal ceda a pressões das 
elites econômica e política do Estado e retire da área demarcada núcleos ilegalmente ocupados 
por não índios, o que vem sendo chamado de demarcação descontínua, ou que excepciona ilhas. 
Trata-se, com a devida vênia, de tese que a nosso ver não encontra qualquer amparo na 
Constituição e que terminará, caso aceita, por legitimar as violências e invasões históricas das 
terras indígenas por posseiros. 
É tão grande a lista de argumentos levantados pelo governo do Estado de Roraima e pela 
oligarquia econômica local, assim como por parte da mídia e até mesmo pelo Exército brasileiro, 
que seria preciso um outro artigo para analisá-los todos. Mas é cabível ao menos registrar 
rápidas observações, mais diretamente relacionadas ao nosso tema central, que é a análise dos 
vinte anos de experiência da Constituição de 1988. Para tanto, cabe historiar brevemente os 
fatos. 
A questão da regularização fundiária da área Raposa Serra do Sol remonta a 1917, ano em que o 
Governo do Amazonas editou a Lei Estadual nº 941, que destinava as áreas de terras 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref35
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref36
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref37
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref38
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref39
   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 11 
 
 
compreendidas entre os rios Surumu e Cotingo à ocupação e usufruto dos índios Macuxi e 
Jaricuna. De lá para cá uma série de medidas foram adotadas ou postergadas. Vários grupos de 
trabalho foram formados para atuar na regularização da área. Em 1993 um parecer conclusivo foi 
publicado no Diário Oficial da União no dia 21 de maio, e propôs ao Ministério da Justiça que 
fosse reconhecida como área tradicional uma gleba de extensão contínua de 1,67 milhão de 
hectares. Após o Decreto nº 1.775/1996 assinado pelo então presidente da República, Fernando 
Henrique Cardoso, alterando o procedimento demarcatório para incluir o princípio do 
contraditório, foram apresentadas 46 contestações administrativas em face da Terra Indígena 
Raposa Serra do Sol, algumas por ocupantes não-índios e outras pelo próprio governo de 
Roraima. 
Ainda em 1996, através do Despacho nº 80/96, o Ministro da Justiça à época, Nelson Jobim, 
rejeitou as contestações, porém propôs a redução da área em aproximadamente 300 mil 
hectares, com o objetivo de excluir vilarejos, estradas e algumas fazendas que tinham títulos 
expedidos pelo Incra, o que resultava na divisão da terra indígena em cinco partes. Esse 
despacho foi revogado dois anos depois, pelo então ministro da Justiça, Renan Calheiros, 
através do Despacho nº 050/98. O mesmo Ministro assinou a Portaria nº 820/98, a qual declarou 
a Terra Indígena Raposa Serra do Sol como sendo de posse permanente dos índios que ali 
tinham a ocupação tradicional. Em 1999 o Governo de Roraima impetrou o mandado de 
segurança nº 6.210/99 no Superior Tribunal de Justiça, pleiteando a anulação da Portaria nº 
820/98. O STJ deferiu parcialmente a liminar, mas, ao julgar o mérito em 2002, denegou a ordem 
extinguindo o feito sem julgamento
de mérito por ausência de prova de direito líquido e certo. 
O STF, em sede de reclamação, entendeu que ações ajuizadas na Justiça Comum contra a 
mesma Portaria nº 820/98 deveriam ser a ele remetidas, pois usurpavam a sua competência 
originária uma vez evidenciada a existência de grave litígio federativo (alínea "f" do inciso I do art. 
102 da Lei Maior). Outras ações foram propostas originariamente no Supremo Tribunal Federal. 
Essas ações, entretanto, perderam o objeto, tendo em vista que o Ministério da Justiça, agora por 
intermédio do Ministro Márcio Thomaz Bastos, editou nova Portaria, de número 534/2005, 
publicada em 15 de maio de 2005, que ratificou, porém com ressalvas, a declaração de posse 
permanente dos grupos indígenas Ingarikó, Makuxi, Taurepang e Wapixana sobre a Terra 
Raposa Serra do Sol, em uma área continua com 1.743.089ha (um milhão, setecentos e quarenta 
e três mil, oitenta e nove hectares). As ressalvas dizem respeito à possibilidade: a) do Parque 
Nacional do Monte Roraima ser submetido, através de um decreto presidencial, a regime jurídico 
de dupla afetação, na condição de bem público de propriedade da União destinado por um lado à 
preservação ambiental e, por outro, à efetivação dos direitos indígenas previstos na Constituição; 
b) da atuação, na faixa de fronteira, das Forças Armadas, na missão de defesa do território e da 
soberania nacionais, e da Polícia Federal, com o escopo de garantir a segurança, a ordem 
jurídica e proteção dos direitos indígenas. A portaria preservou, ainda, a prerrogativa presidencial 
de ordenar, se necessário, a instalação de outros pelotões do Exército na área. Foram mantidos 
os equipamentos e instalações públicas federais e estaduais, bem como as linhas de transmissão 
de energia elétrica e os leitos de rodovias. Também foi ressalvado o núcleo urbano do município 
de Uiramutã, que possui cerca de 4.700 habitantes. Ainda nos termos da mencionada Portaria, 
após a homologação serão proibidos o ingresso, o trânsito e a permanência de pessoas ou 
grupos de não-índios na terra indígena, salvo o que diz respeito à presença e ação de 
autoridades federais ou de particulares que obtenham autorização especial. O prazo máximo 
para a retirada de colonos foi estabelecido em um ano, contado a partir da homologação. No que 
concerne aos 565 habitantes de três pequenos vilarejos situados dentro da terra indígena, quais 
sejam, Socó, Mutum e Surumu, foi determinada a sua transferência para outra área, através de 
ação conjunta da FUNAI e do INCRA. Foi também prevista a transferência dos 16 arrozeiros 
existentes no prazo de um ano, que era tempo suficiente para a colheita da safra. O INCRA ficou 
encarregado de reassentar pequenos agricultores em outras áreas, em projeto próprio. As 
benfeitorias de boa-féseriam indenizadas pela União. Foi anunciado ainda um conjunto de 
medidas, dentre as quais a destinação de 150 mil hectares de glebas da União para serem 
implantados pólos de desenvolvimento agropecuário e a regulamentação de 10 mil propriedades 
familiares naquele Estado de Roraima, objetivando o acesso a créditos públicos. 
No mesmo dia 15 de maio de 2005 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto 
presidencial que homologou a Portaria de demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra 
do Sol. 
   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 12 
 
 
Foram ajuizadas ações populares, possessórias e civis públicas no primeiro grau da Justiça 
Federal em Roraima contra a nova Portaria e o novo decreto presidencial e outra vez o STF 
determinou que fossem as mesmas a ele remetidas.40 Também foram propostas medidas no 
próprio Supremo Tribunal Federal.41 De uma maneira geral, as decisões vinham mantendo os 
atos impugnados, e o processo de desintrusão teve andamento. Vários não-índios foram 
indenizados em relação às benfeitorias de boa-fé e reassentados. Porém, quase três anos após a 
edição da Portaria nº 534/2005 e do decreto presidencial correspondente, portanto praticamente 
dois anos depois de findo o prazo de um ano originalmente previsto, houve forte resistência dos 
rizicultores, que se recusaram a deixar as terras indígenas. Cerca de meia dúzia de arrozeiros 
desafiaram o Estado Brasileiro obstando violentamente o trabalho da Polícia Federal.42 Os 
rizicultores, dentre outros atos, destruíram pontes, interditaram estradas, queimaram malocas e 
ameaçaram lideranças indígenas. Para tanto, utilizaram forte armamento, incluindo bombas, e 
contrataram pistoleiros, fatos esses amplamente divulgados pela imprensa em todo o país. A 
população foi incitada contra o estado de direito. O clima na área ficou muito tenso, mas a Polícia 
Federal vinha cumprindo sua missão de maneira exemplar, mesmo não tendo conseguido o 
apoio de setores do Exército.43 
O Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Cautelar nº 2.009, ajuizada pelo Estado de 
Roraima, suspendeu em 09 de abril de 2008 o processo de desintrusão que vinha sendo 
executado pela Polícia Federal. Essa decisão, ainda que não tenha sido essa a sua intenção, 
terminou por conferir ares de legitimidade aos atos violentos de resistência dos fazendeiros. 
Sentindo-se fortes, os rizicultores continuaram a praticar atos de violência e nove índios foram 
feridos a bala na fazenda "Depósito", na qual a Polícia Federal, cumprindo mandado judicial de 
busca e apreensão, encontrou explosivos, artefatos para a construção de bombas, escudos e 
bombas caseiras,44 realizando a prisão de 12 pessoas, dentre elas o líder dos arrozeiros, que 
também é prefeito da cidade de Pacaraima, e seu filho. 
As principais teses contrárias aos índios podem ser resumidas nos seguintes tópicos: a) a 
demarcação contínua atrapalha os interesses e o desenvolvimento econômico do Estado de 
Roraima e do Brasil; b) as terras indígenas em faixa de fronteira são uma ameaça à soberania 
nacional, pois impedem a ação do Exército e podem resultar na vontade dos índios de, apoiados 
por ONGs internacionais, se separarem do Brasil e fundarem um novo Estado. 
Tais argumentos, a nosso ver, são inconstitucionais. Além disso, não se coadunam com o 
adequado conhecimento técnico da questão indígena e da História do Brasil, e podem até mesmo 
revelar traços preconceituosos. 
Quanto à primeira tese, a História prova que desde a chegada dos portugueses o crescimento 
econômico foi o motivo principal do extermínio indígena na América. Porém, há pelo menos trinta 
anos é corrente no mundo que o processo de desenvolvimento e tampouco o direito ao 
desenvolvimento não se identificam com o crescimento econômico. A noção de direito ao 
desenvolvimento é normalmente atribuída ao jurista senegalês Etiene Keba M'Baye, que teria 
sido o primeiro a utilizar a expressão e a buscar definir e caracterizar esse direito, na conferência 
inaugural do Curso de Direitos Humanos do Instituto Internacional de Direitos do Homem de 
Estrasburgo em 1972. Trata-se de um direito humano de terceira dimensão, que integra os 
direitos e liberdades públicas.45 Em seu trabalho intitulado Le Droit du Developpement comme un 
Droit de l'Homme, M'Baye, seguindo os passos de Karel Vasak, incluiu o direito ao 
desenvolvimento entre os direitos de solidariedade, ao lado do direito à paz, ao meio ambiente, à 
comunicação e à propriedade do patrimônio comum da humanidade.46 Hoje, alguns autores o 
entendem como um direito-síntese que tem como finalidade última promover o conjunto dos 
direitos humanos no âmbito internacional e nacional. Transborda, portanto, da noção de mero 
crescimento econômico, para abranger também, por exemplo, aspectos culturais, sociais e 
ambientais. O desenvolvimento, ademais, na visão dos diversos relatórios globais, regionais e 
nacionais produzidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,47 é um 
processo de expansão das liberdades reais das pessoas, para o qual o crescimento econômico é 
um instrumento, não uma finalidade. Países com renda per capita elevada podem ter baixo nível 
de desenvolvimento humano, por exemplo. Trata-se, assim, do paradigma do desenvolvimento 
humano, que substitui o do mero desenvolvimento econômico. Essa concepção retrata o 
pensamento de Amartya Sen, ganhador do prêmio Nobel de economia de 1998, para quem a 
liberdade é o maior objetivo e o principal instrumento do desenvolvimento, não se confundindo 
este com a mera geração de renda.48 Dessa maneira, mostra-se bastante ultrapassado nos dias 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref40
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref41
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   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 13 
 
 
atuais tentar conceituar o desenvolvimento considerando apenas o ponto de vista econômico. 
Tudo isso está de acordo com inúmeros documentos internacionais, dentre os quais a 
Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 
1986, cujo artigo 1º afirma que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em 
virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do 
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual 
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. 
Assim, não é possível imaginar que desenvolvimento seria sacrificar os direitos coletivos culturais 
de cerca de cem comunidades indígenas que ocupam desde sempre a área em questão como 
seu habitat, praticando suas línguas e costumes, e que além disso representam metade da 
população rural do Estado, em nome de supostos direitos patrimoniais individuais de seis 
fazendeiros que adquiriram as glebas já na década de 90, plenamente cientes de que se tratava 
de terra indígena, na qual plantaram arroz com a violação de várias disposições ambientais, 
razão pela qual chegou a haver atuação por parte do IBAMA. 
Ainda que se apegue a um viés puramente econômico, é preciso lembrar que a Constituiçãoafirma categoricamente que a ordem econômica não pode ser desenvolvida a qualquer custo. Ao 
contrário, segundo o artigo 170 da Lei Maior da nossa república, a ordem econômica deve 
respeitar a finalidade de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça 
social, observadas a soberania nacional e a função social da propriedade. Logo, os atos dos 
rizicultores não se justificam nem mesmo à luz da ordem econômica, e demonstram que a 
demarcação contínua é a única solução constitucional para o caso. 
No que diz respeito ao segundo argumento, qual seja o de que as terras indígenas em faixa de 
fronteira são uma ameaça à soberania nacional, pois impedem a ação do Exército e podem 
resultar na vontade dos índios de, apoiados por ONGs internacionais, se separarem do Brasil e 
fundarem um novo Estado, o mesmo é também insustentável. 
A oposição sistemática em relação ao trabalho de ONGs nacionais e internacionais revela um 
injustificável preconceito, embora exista uma explicação. Obviamente não é impossível encontrar 
exemplos de ONGs cuja atuação não seja exatamente pautada pelos seus objetivos explícitos, 
ou até mesmo que sejam mais preocupadas com os interesses particulares dos seus integrantes. 
Qualquer entidade fictícia formada por seres humanos, seja ela estatal, do mercado ou do 
terceiro setor, pode ser objeto de deturpações. O próprio Estado, por exemplo, pode ser alvo de 
práticas patrimonialistas,49 como o nepotismo, a corrupção e o empreguismo. Por isso, as ONGs 
não estão a salvo de críticas. 
Porém, a generalização da oposição à atuação das mesmas é uma posição equivocada, e pode 
revelar uma tentativa de desarme de manifestações de globalização contra-hegemônica. Como o 
estudo revela, Boaventura de Sousa Santos aponta para quatro tipos de globalização:50 a) o 
localismo globalizado, "processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com 
sucesso",51 como o fast food ou a adoção mundial de leis de propriedade intelectual dos estados 
Unidos; b) o globalismo localizado, que "consiste no impacto específico de práticas e imperativos 
transnacionais nas condições locais, as quais são, por essa via, desestruturadas e reestruturadas 
de modo a responder a esses imperativos transnacionais",52 a exemplo do uso de mão-de-obra 
local sem garantias de padrão mínimo de trabalho (labor standards); c) o cosmopolitismo, que "é 
a solidariedade transnacional entre grupos explorados, oprimidos ou excluídos pela globalização 
hegemônica",53 que pode dizer respeito a populações hiperlocalizadas (como os índios da 
cordilheira dos Andes) ou hipertransnacionalizadas (a exemplo dos imigrantes ilegais na Europa, 
ou dos refugiados); e d) o patrimônio comum da humanidade, que recai sobre "temas que só 
fazem sentido em relação ao globo na sua totalidade", e por isso são "recursos que, pela sua 
natureza, deveriam ser geridos por fideicomissos da comunidade internacional em nome das 
gerações presentes e futuras",54 como a camada de ozônio, a Antártida, o fundo do mar. Os dois 
primeiros servem à globalização hegemônica, sendo que os países centrais são especializados 
em localismos globalizados, ao passo em que os periféricos podem apenas escolher entre 
alternativas de globalismos localizados. Os dois últimos tipos, ao contrário, se opõem à 
globalização hegemônica, sendo manifestações da chamada globalização contra-hegemônica, e 
por isso têm sofrido poderosas resistências.55 
Ora, o cosmopolitismo é exercido por organizações de luta contra a destruição ambiental, a 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref49
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   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 14 
 
 
exclusão e a discriminação social produzidos pela globalização hegemônica, organizações essas 
que recorrem a articulações transnacionais e dentre as quais se incluem as de proteção aos 
povos indígenas e aos direitos humanos em geral.56 
Dessa maneira, o discurso generalizante contra a atuação das ONGs por parte daqueles que se 
beneficiam da globalização hegemônica, por ser normalmente bem articulado e bem construído, 
realizado de forma a aparentar inteligência, encontra facilmente eco nos menos preparados. 
No caso das comunidades indígenas, o discurso se inflama ao utilizar temas facilmente 
associáveis a teorias conspiratórias, que, por sua vez, são também rapidamente propagáveis em 
meio à população desavisada. Daí as supostas "ameaças à integridade nacional", dentre as quais 
se destaca a tese de que os índios, com o apoio das ONGs, podem proclamar a independência 
do seu território como parte de um plano para internacionalizar a Amazônia. 
Há alguns paradoxos interessantes nesses fenômenos, cabendo citar somente dois. O primeiro é 
o fato de que o terceiro setor, do qual fazem parte as ONGs, é, ao mesmo tempo e pelas 
mesmas pessoas, por um lado combatido na questão indígena como ameaça à soberania, e, por 
outro, enaltecido como solução no processo de redução do bem-estar social. O segundo é o fato 
de que organizações nacionais e internacionais cosmopolitas defendem a cultura indígena local 
enquanto a população da área, que poderia ser beneficiada por esta preservação, serve como 
massa de manobra daqueles que sempre a excluíram e cujos interesses são na verdade voltados 
ao agro-negócio internacional. 
O argumento da ameaça à soberania nacional não se sustenta também por outros motivos. 
Não se pode esquecer que as terras indígenas são bens de propriedade da União, indisponíveis 
e inalienáveis, nos termos constitucionais, e portanto contribuem e reforçam a manutenção da 
soberania nacional. Nesse ponto, relembre-se de que o conceito de estado-nação e a noção 
correlata de fronteiras estatais são totalmente estranhos à cultura indígena, cujas comunidades 
não se organizam nesses parâmetros e não têm e nunca tiveram a pretensão de fazê-lo. Não é à 
toa, por exemplo, que a já mencionada Convenção 169 da Organização Internacional do 
Trabalho,57 sobre povos indígenas e tribais, utilizou sem medo a expressão povos, fazendo 
constar, no item 3 do seu artigo 1º, que "A utilização do termo `povos' na presente Convenção 
não será interpretada como tendo implicação no que se refere a direitos que no direito 
internacional lhes possam ser conferidos".58 Assim, os conceitos em tela, na verdade, só fazem 
sentido no contexto dos não-índios. Tanto que o líder dos fazendeiros, esse sim, na qualidade de 
prefeito de Pacaraima, propôs em 2006 a realização de um plebiscito local para decidir pela 
incorporação daquela cidade à Venezuela!59 O recurso à emancipação política é uma idéia, 
assim, dos não-índios, e não dos indígenas. Não há, de fato, registro conhecido na História do 
Brasil de movimento separatista indígena.60 
A soberania nacional, teoricamente, portanto, pode estar mais ameaçada com a manutenção dos 
rizicultores naquela área e com a exclusão dela das terras indígenas. De maneira geral, não se 
recomenda a existência grandes propriedades particulares em terras de fronteiras, especialmente 
se forem pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. Em audiência pública na Comissão de 
Agricultura, Reforma Agrária e Meio Ambiente do Senado, o presidente do INCRA, Rolf Hackbart, 
afirmou que ao menos 3,1 milhões de hectares de terras na Amazônia Legal estão nas mãos de 
estrangeiros.61 Quandose trata de terras indígenas, o domínio é da União, e portanto as terras 
saem do mercado disponível para a exploração comercial agrícola e eventuais ameaças à 
soberania são completamente afastadas. 
Ademais, não há qualquer óbice à presença das forças armadas em terras indígenas na faixa de 
fronteira, o que, aliás, embora despiciendo, está expressamente ressalvado na própria Portaria nº 
534/2005, que inclusive menciona a possibilidade do Presidente da República, comandante maior 
das forças armadas, aumentar a presença militar na área. Diga-se de passagem que boa parte 
dos recrutas que ali servem são indígenas. 
Frise-se, ainda, que a Terra Indígena Raposa Serra do Sol é apenas uma das áreas indígenas 
situadas em faixa de fronteira, e inclusive não é a maior. Como se não bastasse, como a 
presença indígena ali é histórica, nunca houve problema com o Exército que envolvesse 
questões relacionadas à dificuldade de defesa soberania. Saliente-se, inclusive, que um dos 
maiores defensores dos índios no Brasil foi membro do Exército Brasileiro, o Marechal Rondon. 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref56
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref56
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref57
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   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 15 
 
 
Por outro lado, a presença indígena tem sido fundamental para a preservação ambiental na 
fronteira amazônica.62 
Finalmente, o recorrente discurso de que "é muita terra para pouco índio" é sabidamente falso. 
Não só porque a relação dos índios com a terra é baseada em conceitos diversos daqueles que 
os não-índios têm sobre a propriedade rural, mas também considerando que no caso da Raposa 
Serra do Sol os indígenas representam metade da população do campo, muito mais numerosos 
que os seis arrozeiros, que querem a propriedade por motivos que não o assentamento na terra, 
já que sequer moram nela. Além disso, é uma impropriedade histórica fenomenal atribuir às 
terras indígenas problemas relacionados à questão fundiária no Brasil, como se os índios fossem 
responsáveis pelo modelo latifundiário. Este modelo, ao contrário, motivou vários massacres 
contra populações indígenas, que nunca tiveram com a terra relações baseadas na idéia de 
direito de propriedade, mas sim de habitat. 
Por tudo isso, é preocupante a hipótese alardeada pela mídia no sentido de que o Supremo 
Tribunal Federal irá rever a demarcação contínua, fazendo valer os interesses dos seis 
arrozeiros, ainda mais se afirmar que a recente Declaração sobre Direitos dos Povos Indígenas 
aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em setembro de 2007, que, 
como vimos, foi apoiada pelo Brasil, não é direito positivo e sim mera intenção política, já que não 
se trata de tratado, convenção ou pacto internacional.63 
6.2 Domínio da União sobre terras originárias de antigos aldeamentos indígenas 
Como se sabe, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são do domínio da União. Abre-
se, assim, a dúvida sobre a destinação dessas terras no caso de abandono das mesmas pelos 
índios, hipótese altamente improvável, ou na lamentável situação de extinção ou extermínio da 
comunidade indígena, essa sim mais freqüente. 
O Decreto-Lei nº 9.760/1946 previu, logo em seu artigo 1º, alínea "h", que se incluem entre os 
bens imóveis da União os terrenos dos extintos aldeamentos de índios que não tenham passado, 
legalmente, para o domínio dos Estados, Municípios ou particulares. Por sua vez, a Lei nº 
6.001/73 dispôs, no seu artigo 21, que as terras espontânea e definitivamente abandonadas por 
comunidade indígena ou grupo tribal reverterão, por proposta do órgão federal de assistência ao 
índio e mediante ato declaratório do Poder Executivo, à posse e ao domínio pleno da União. A 
solução é óbvia, diante do comando constitucional que afirma serem bens do domínio da União 
(artigo 20, XI). 
Em inúmeras ações de usucapião relativas a terrenos ou glebas localizadas nos municípios de 
Guarulhos-SP e Santos André-SP, a União afirmou ter interesse no feito, entendendo ser 
proprietária da área usucapienda justamente pela mesma se constituir em aldeamento indígena 
extinto, nos termos do já mencionado artigo 1º, alínea "h", do Decreto-Lei nº 9.760/1946, e do art. 
20, incisos I e XI, da Constituição. Como bem lembra Roberto Lemos dos Santos Filho,64 a 
jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 3ª 
Região era no sentido de que o Decreto-Lei nº 9.760, editado em época na qual vigia a 
Constituição de 1937, não teria sido recepcionado pela Constituição de 1946 no que diz respeito 
ao seu artigo 1º, alínea "h", fazendo desaparecer qualquer eventual interesse da União Federal 
no que toca às ações de usucapião. Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal passou a 
receber ações que discutiam especificamente essa matéria, ou seja, demandas de usucapião 
envolvendo terras nos municípios de Guarulhos e Santo André e a aplicação do art. 1º, alínea "h", 
do Decreto nº 9.760/1946. Sendo assim, o Pretório Excelso resolveu editar, em 2003,65 a Súmula 
nº 650, que diz: "Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de 
aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto". Na verdade, a 
intenção foi apenas a de reafirmar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal 
Regional Federal da 3ª Região. 
Porém, a Súmula peca inegavelmente quanto à sua redação, imprecisa e generalizante, o que 
foge ao contexto dos seus precedentes, razão pela qual foi bastante negativa aos interesses 
indígenas uma vez que os mais desavisados poderão aplicá-la indevidamente. 
Dessa maneira, visando à correção dos rumos em direção aos mandamentos constitucionais, a 
Súmula deve ser aplicada apenas em situações exatamente análogas às causas que a 
originaram, não servindo de lastro jurídico para justificar a violação do artigo 231 da Constituição, 
http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56008#ref62
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   Breve balanço dos direitos das comunidades indígenas 16 
 
 
especialmente no que concerne ao instituto do indigenato, ou da Convenção 169 da OIT.66 Logo, 
a Súmula não se aplica a casos de desocupação de terras indígenas por razões de violência ou 
de apossamento de terras indígenas estimuladas pelo Estado com vistas à expansão de 
fronteiras agrícolas.67 
Além disso, as ações que deram ensejo à Súmula diziam respeito a aldeamentos extintos antes 
da Constituição de 1891. Nesse ponto, o STF já decidiu, em uma das ações que antecederam a 
edição da Súmula em questão, que a primeira constituição republicana não transferiu aos 
Estados todas as áreas destinadas a aldeamentos indígenas, as quais não poderiam ser 
consideradas terras devolutas ou próprios nacionais não indispensáveis ao serviço da União, 
sendo transferidas apenas as terras de aldeamentos extintos antes

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