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GORENDER (1985)

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Jacob Gorender
A Sociedade Portuguesa e a Expansão Ultramarina
1.Colonizadores e colonizações
Ocorre a partir do século XV, um processo de significação histórico-mundial que desdobra-se na expansão comercial ultramarina, na criação de um mercado mundial, no colonialismo, na acumulação originária de capital e na universalização da história da humanidade.
Portugal e Espanha fomentaram esse processo nos séculos XV e XVI. No século XVII, foram suplantados por Holanda, Inglaterra e França. Os países que mais tarde se moldaram ao colonialismo foram os que apresentaram maior avanço no desenvolvimento capitalista. Na Ásia, esses países exploraram os modos de produção existentes, já na América, a colonização foi condicionada às possibilidades geográficas e das populações nativas.
2. Um esclarecimento Conceitual
O Feudalismo pode ser definido conceitualmente como organização jurídico-política ou atribuindo-lhe conteúdo econômico específico. Em linhas gerais, a categoria Feudalismo pode ser caracterizada pelas seguintes determinações: Propriedade da terra, que desdobra-se em direito eminente do senhor dominal e direito usufrutuário do camponês. A renda da terra, que absorve o subproduto de seu usuário. A economia agrícola familial e o ofício artesanal independentes. A posse comunal de pastagens e bosques. A imposição dos encargos senhoriais efetivada mediante coação extra-econômica.
Há no Feudalismo, incontestável predomínio da economia natural, pois o regime feudal comportou relações mercantis, ainda que em grau limitado. O comércio não basta para desintegrar o modo de produção feudal se as forças produtivas não engendram sua intensificação acima de determinado grau.
3. O feudalismo em Portugal
No estado Português não se constituíram feudos, todavia é patente a existência de uma época feudal ou “forma portuguesa de feudalismo”, caracterizada pela servidão da gleba, sua transição a modalidades menos coercitivas e pela disposição das forças de classes. O feudalismo português antecipou-se a toda Europa no fortalecimento do poder monárquico, na unificação nacional e na extinção da servidão.
No século XIII foi dissolvida a adscrição à terra. O servo tornou-se o “malado”, mas ainda submetido ao “complexum feudale”. Quase toda produção procedia de pequenas explorações. As 3 manifestações típicas da renda feudal (renda-produto, renda-dinheiro, renda-trabalho) apresentavam-se simultâneas e associadas.
Os três setores da classe senhorial dominante gravavam a produção com uma lista extensa de imposições, às quais eram acrescentados dois tributos eclesiásticos e pagamentos pelas alienações de posses e pelos chamados direitos banais. O camponês vilão, independente na gestão de sua economia e pessoalmente livre, continuava submetido pela coação extra-econômica a entregar o sobreproduto do seu trabalho. Em estimativas, a renda feudal corresponderia a 27% do PNB e a renda da terra a 2/3 da primeira.
Algumas particularidades históricas portuguesas foram: A posição relativamente fraca da nobreza em relação à Coroa e ao Clero, que ficavam com a maior parte da renda. O débil desenvolvimento do artesanato e inexistência de formas precoces da industrialização capitalista. A antecipação da formação de uma camada de burguesia rural ( cavaleiros-vilãos). Desenvolvimento da burguesia mercantil, sobretudo nas cidades portuárias.
Teses que tratam o feudalismo como “regressão” ou “involução” derivam da mitificação do mercado como motor do desenvolvimento econômico e da progressão qualitativa da vida social, entretanto o feudalismo europeu representou considerável ascensão do nível de vida, da produção e das próprias trocas mercantis com relação à Antigüidade Clássica.
4. Significação econômico-social da expansão ultramarina
Por que Portugal foi o pioneiro da expansão ultramarina: A localização foi condição altamente vantajosa para a expansão ultramarina. Mas o momento no qual ela ocorreu só pode ser explicado pela análise dos fatores sociais. Enquanto os demais países europeus enfrentavam guerras internas e externas, Portugal já dispunha de fronteiras definitivamente estabelecidas, estava isento de graves questões nacionais internas e contava com um poder estatal em processo de vigorosa centralização. A revolução nacional de 1383-1385 não alterou a estrutura sócio-econômica, mas a velha nobreza foi alijada e substituída por elementos enobrecidos da burguesia e a burguesia rural e mercantil beneficiou-se de uma aliança com a coroa. Apesar de seus objetivos econômicos diversos, nobresa e burguesia mercantil coincidiam no mesmo interesse expansionista. A experiência marítima colaborou introduzindo inovações tecnológicas.
Por que, apesar desse pioneirismo, a sociedade portuguesa se atrasou enormemente no desenvolvimento capitalista com relação a outros países europeus:
O monopólio dos produtos asiáticos e do tráfico de escravos africanos enriqueceu a burguesia mercantil, mas o controle de todo o empreendimento permaneceu em mãos da Coroa. Em conseqüência, afluiu ao tesouro régio enorme receita, a qual se redistribuía pela nobreza e reforçava seu parasitismo. A esta contradição reagiu a classe dominante com o enrijecimento da ordem institucional feudal e para tanto se valeu do instrumento político da Inquisição. Dessa maneira, bloqueou-se uma das vias possíveis do desenvolvimento capitalista, que consistiria na introdução dos capitais acumulados pela burguesia mercantil no processo interno de produção.
A idéia segundo a qual o sistema colonial constituiu “a principal alavanca na gestação do capitalismo moderno” é uma idéia simplista. Isso ocorre apenas naqueles países cuja estrutura sócio-econômica já vinha sendo antes trabalhada por fatores revolucionários internos conducentes ao modo de produção capitalista.
Durante séculos, Portugal praticou um mercantilismo de tipo inferior, que se contentava com a exploração colonial e não evoluía no sentido do protecionismo da indústria nacional, atuando como especialista no comércio de intermediação internacional. A estrutura da sociedade portuguesa dos séculos XVI-XVIII se cristalizou rigidamente segundo as linhas preexistentes da ordem feudal.
5. Primórdios da conexão de Portugal com a escravidão moderna
Na sociedade feudal, o trabalho escravo não passou de reincidência acidental, de uma relação de produção extinta. Na História Moderna, os portugueses tornaram-se pioneiros de um novo tipo de tráfico, com uma tríplice destinação: A coroa e os traficantes obtiveram grandes lucros com o tráfico. Os portugueses adquiriram experiência na organização plantacionista e, posteriormente, reproduziram-na em maior escala no Brasil. Os escravos foram introduzidos no próprio território metropolitano. A revivescência do trabalho escravo em Portugal decorreu de duas causas. Uma causa estrutural, que demonstra como contraprova, a rigidez que ainda conservava a ordem feudal. E uma causa conjuntural, que derivou da absorção de recursos humanos pela expansão ultramarina.

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