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Movimentos Sociais Regressivos, Juventudes e Fronteiras

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20º Congresso Brasileiro de Sociologia 
12 a 17 de julho de 2021 
UFPA – Belém, PA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GT13 - Sociologia da Juventude 
 
Movimentos Sociais Regressivos, Juventudes e Fronteiras. 
 
Gilberto Geribola Moreno 
UEM – Universidade Estadual de Maringá 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Introdução. 
 
Entre os anos de 2018 e 2019 realizei uma pesquisa exploratória com 
jovens estudantes do ensino superior na região oeste do estado do Paraná, Brasil, 
visando traçar um quadro parcial e provisório sobre suas percepções políticas. A 
pesquisa se originou de minha imersão como professor em uma instituição pública 
de ensino superior. Este ambiente se apresentou à observação como um universo 
no qual muitos jovens se intitulam “de direita” ou manifestam algum grau de 
identificação com o pensamento conservador e as pautas políticas defendidas por 
diferentes movimentos de cunho regressistas quanto aos direitos civis e sociais. 
O campo de observação constituiu-se prioritariamente de jovens 
moradores de Foz do Iguaçu, uma cidade de médio porte localizada na região de 
fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Cabe pontuar que alguns jovens moram 
nas cidades vizinhas, no Brasil e nos países que compõem essa fronteira, de modo 
que, para efeito de campo empírico de pesquisa, seguiu-se Pozzo (2014), ao 
afirmar que a fronteira deve ser observada como um espaço articulado e não como 
a soma de distintos território e culturas. Com esse sentido, lançou um olhar para 
grupos juvenis de Ciudad del Este, Paraguai, que manifestam semelhanças com os 
grupos brasileiros quanto à identificação política. 
O texto a seguir apresenta alguns apontamentos baseados em 
entrevistas semidirigidas, na realização de debates em grupos focais e na 
observação dos espaços de sociabilidade desses jovens. O material analisado 
constitui um conjunto de elementos caracterizado como um exercício de artesanato 
intelectual (WRIGHT MILLS, 1975) cujo objetivo foi demarcar um campo empírico 
de pesquisa a ser trabalhado em profundidade nos anos de 2019 e 20201. 
No ano de 2018 foram realizadas as eleições que levaram ao comando 
do executivo federal o candidato de extrema direita cujas manifestações públicas 
sempre evocaram a defesa da ditadura militar instaurada com o golpe de 1964, 
bem como de seus agentes repressores e torturadores. Durante vinte e oito anos 
como deputado federal suas propostas políticas sempre foram contrárias aos 
 
1 No ano de 2019 obtive parecer favorável para a realização da pesquisa em foco na Universidade 
Federal de São Paulo por meio da seleção para o pós-doutoramento. Porém, por conta dos cortes 
orçamentários realizados pelo governo federal a pesquisa não pode contar com suporte financeiro 
e, desse modo, não pôde ser concretizada nos moldes que fora apresentada no projeto de pesquisa. 
 
direitos civis e sociais de amplos seguimentos da população brasileira 
manifestando, em inúmeras ocasiões, preconceitos e ódio em relação a negros, 
índios, mulheres, gays, etc. 
Para selecionar os jovens interlocutores dessa pesquisa e que viriam a 
ser entrevistados e/ou acompanhados o primeiro passo foi adotar como filtro seu 
apoio ou manifestação de voto neste candidato. Em seguida aplicou-se uma breve 
entrevista a qual tentava-se auferir a identificação desses jovens com as posições 
políticas defendidas publicamente por segmentos da extrema direita, tais como a 
crítica ou o combate às políticas sociais e de ação afirmativa (bolsa família, cotas 
raciais); o rechaço à defesa dos grupos minoritários tais como índios, quilombolas, 
LGBTTQIA+ etc. Por fim, caminhou-se para a identificação e observação dos 
espaços de sociabilidade e encontros com finalidades políticas. Visando 
compreender a percepção desses jovens sobre o universo da política de extrema 
direita evitou-se partir de uma preconcepção ditada pelos referenciais do 
investigador. Desse modo adotou-se como critério para definir a identificação 
política desses espaços de sociabilidade política a percepção atribuída pelos 
frequentadores aos seus encontros e atividades. 
 
Quem são os jovens conservadores? 
 
A emergência de agrupamentos juvenis autodefinidos como “de direita” 
é algo relativamente surpreendente, embora não seja uma novidade histórica. 
Esses grupos apresentam diferentes matizes discursivas que abarcam desde certa 
discordância, no caso brasileiro, com os governos encabeçados pelo Partido dos 
Trabalhadores, a promoção de agenda neoliberal contrária à intervenção do 
Estado na intermediação de conflitos e diminuição as desigualdades sociais, a 
defesa explícita da ditadura militar que vigorou no pais desde o golpe de Estado de 
1964 até 1985, bem como a defesa e muitas vezes a celebração da ação de seus 
agentes e, também, o apoio à proposta de soluções autoritárias para resolver os 
problemas do país. 
Os jovens que acompanhei durante os anos de 2018 e 2019 viveram na 
esfera do poder executivo federal, desde a transição da infância para a 
adolescência e juventude, sob os governos de perfil de centro-esquerda 
 
encabeçados pelo Partido dos Trabalhadores. Ao ouvi-los percebe-se a aderência 
que o discurso anti petista tem em sua percepção do universo da política. Não tendo 
vivido outra experiência social no âmbito do governo federal veem o partido que 
governou por treze anos o país como principal responsável por suas dificuldades e 
inquietações quanto ao presente e o futuro. 
A pesquisa sobre juventudes de certo modo foi pega de surpresa com a 
emergência desses movimentos pelo fato de ao longo dos últimos anos ter dado 
pouca atenção aos agrupamentos políticos juvenis com perfil conservador ou 
regressista. Fato que se deve, de um lado, provavelmente à pouca amplitude que 
tinham esses movimentos até há pouco tempo e, de outro, pelas preocupações de 
uma parcela importante dos pesquisadores que mantiveram o foco sobre as 
juventudes e sua interface com o mundo da política atentando-se prioritariamente 
ao âmbito dos movimentos estudantis, à participação institucional via partidos 
políticos, às relações intergeracionais na esfera pública e à conquista de direitos de 
cidadania. Muitos estudos sobre juventude e política inscrevem-se no esforço de 
compreender os âmbitos do “comportamento político, cultua política, socialização e 
valores políticos, tendo os jovens como grupo a ser perscrutado quanto aos seus 
interesses, atitudes e formas de ação” (SPOSITO (coord.) 2009)2. 
Depois de um período em que governos de orientação de centro 
esquerda dominaram o cenário político na América Latina assistimos ao 
recrudescimento de movimentos conservadores e, até mesmo, de viés regressista 
com forte apoio social. Esses movimentos têm colocado em xeque o conjunto de 
conquistas político-sociais obtidas por amplos segmentos da população durante os 
governos progressistas. 
 Estes novos grupos e movimentos conservadores vêm promovendo 
manifestações públicas e ações pautadas pelo pensamento conservador e, em 
alguns casos, defendendo pautas regressivas quanto aos direitos de cidadania 
construídos, no caso brasileiro, a partir da constituição 1988. Parte dos grupos 
dedica-se exclusivamente a conquistar mudanças nas políticas educacionais e se 
volta para os jovens do ensino médio e superior. Questionam, em suas ações ou 
 
2 As relações dos jovens no e com mundo do trabalho e a inserção dos jovens nas diferentes 
dimensões do campo da educação formal e não formal compõem outros focos de importantes 
pesquisas sobre as juventudes. 
 
plataformas as discussões acerca das relações de gênero, relações étnico-raciais, 
direitos trabalhistas, cotas para estudantes negros e indígenas etc. De modo geral 
esses grupos têm grande presença nas redes sociais, mas, também, organizamações presenciais, fóruns de discussão, encontros de jovens conservadores e 
participam da vida partidária trabalhando como cabos eleitorais para candidatos 
conservadores ou se candidatando para cargos no legislativo em diferentes níveis 
de legislaturas. 
Esses grupos conservadores vêm se organizando desde o início dos 
anos 2000 em Thinks Thanks (FERREIRA, 2018) como o Instituto Millenium, por 
exemplo, de inspiração neoliberal. Porém, foi especialmente a partir de 2013, por 
ocasião das jornadas de junho nas grandes cidades e sobretudo na cidade de São 
Paulo, que esses grupos e movimentos ganharam notoriedade. A articulação entre 
Thinks Thanks e movimentos como o Movimento Brasil Livre - MBL, Escola Se 
Partido, Revoltados Online entre outros introduziu uma nova agenda política 
voltada especialmente para a conquista de espaço político, inserção entre os jovens 
e base política nos espaços dominados por parcelas progressistas das juventudes. 
No estado do Paraná, mais especificamente na região da tríplice 
fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai onde desenvolvo a pesquisa sobre 
jovens e movimentos conservadores, grupos intitulados “Direita Paraná”; “Direita 
Foz”; “UNILA Livre” entre outros vem promovendo ações nas escolas e 
universidades com vistas a conquistar simpatizantes às pautas conservadoras e 
regressivas quanto aos direitos civis e sociais. Entre essas ações consta a prática 
da intimidação de professores, como por exemplo, a promovida por membros do 
MBL local na Escola Estadual Paulo Freire, recentemente. Nesta ação um grupo 
de jovens interveio no cotidiano da escola protestando contra “a doutrinação dos 
alunos” promovida pelos professores. Aparentemente os grupos de perfil 
conservador ou regressista priorizam os espaços educacionais. No entanto, ações 
políticas no espaço público têm sido observadas na região focando especialmente 
as pautas referentes às questões de gênero, tema com forte apelo mobilizador 
nesse segmento. 
A expressividade que esses movimentos conservadores juvenis vêm 
ganhando desde 2013 tem colocado novos desafios epistemológicos para a 
pesquisa sobre juventudes nos levando a pensar junto com Mannheim (1993) que 
 
a juventude não é conservadora e nem progressista, mas que pode apontar, por 
meio de suas manifestações, as tendências da sociedade em determinados 
períodos históricos. 
Esse trabalho pretende contribuir para os esforços de desvelamento das 
lógicas que orientam a ação coletiva desse segmento das juventudes tendo como 
hipótese que, embora esses grupos e/ou movimentos sejam em alguma medida 
uma novidade, eles conseguiram prosperar porque encontraram determinados 
elementos dispersos pelo território que conformam uma cultura política propensa 
ao conservadorismo e ao autoritarismo. Esses elementos podem ser da esfera dos 
acontecimentos históricos reanimados pela memória social. A história brasileira e 
os elementos de sua formação como nação são fatores que contribuem para a 
valorização das hierarquias e do autoritarismo (SCHWARCZ, 2019). Vale lembrar 
que o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. Por outro lado, a 
própria organização político-social da região de fronteira até recentemente território 
de expansão agrícola e dos modos capitalistas de produção apresenta fortes 
componentes autoritários. Sobretudo em relação às populações originárias 
expulsas de suas terras no período da ditadura militar. 
Diferentes analistas (RUNCIMAN, 2018; LEVITSKY & ZIBLATT, 2018; 
MOUNK, 2018; VÁRIOS AUTORES, 2019) têm apontado o risco que os novos 
movimentos conservadores ou regressistas representam para as liberdades 
democráticas. Esses autores apontam o apelo antidemocrático desses movimentos 
que tentam contaminar a democracia por dentro sem o uso explícito de estratégias 
explicitas de ruptura institucional. Diferentes das tradicionais quarteladas que 
instauraram regimes autoritários nos países da América Latina no século passado, 
os atuais movimentos regressistas não prescindem de eleições livres para 
conquistar posições e implantar seu ideário político. Essa característica os mantém, 
aparentemente, distantes das quarteladas, mas os aproxima de movimentos e 
partidos políticos do século passado cujo ideal político é a dominação social por 
meio do apoio de parcelas dos segmentos populares e da vitória nas urnas. Desse 
modo os grupos juvenis regressistas desenvolvem uma intensa agenda de 
intervenção no espaço público amplificando o alcance de suas propostas políticas. 
 
 
DIPEM
Realce
 
Ouvindo jovens conservadores. A demonização da diferença. 
 
Este trabalho não tem por objetivo fazer uma incursão na história local 
desvelando aspectos do passado que poderiam informar o presente. No entanto, 
por meio das declarações dos jovens com os quais interagi é possível auferir certos 
elementos que fazem referência à história da região que se articulam à pauta 
promovida pelos diferentes segmentos juvenis que propugnam o ideário 
conservador/regressista3. Embora haja distinções entre os diferentes grupos que 
se orientam pelo pensamento conservador e/ou regressista, uma característica lhes 
é comum. Certa demonização de todo pensamento ou ação coletiva que questione 
as desigualdades sociais; que vise debater questões referentes à diferença social; 
os direitos das minorias e, por consequência, qualquer ação que coloque em 
questão ou que se proponha a alterar as hierarquias sociais. 
Ao traçar comentários sobre a presença de índios na região um de meus 
interlocutores se manifestou afirmando que “meus pais batalharam muito aqui. Não 
ganharam nada de graça. É por isso que minha mãe, minha avó, ficam indignadas 
com esse negócio de dar terra pra índio, quilombola, essas coisas” (Andreia, 22 
anos)4. Certa ode aos desbravadores da terra, àqueles que “chegaram aqui quando 
só tinha mato e fizeram tudo” permeia o discurso desses jovens quando o assunto 
é demarcação de terras, por exemplo. 
No mesmo sentido as disputas em torno de indenizações por parte dos 
grupos prejudicados pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, como os 
guaranis são minimizadas em prol do discurso propagado pela própria empresa de 
geração de energia. “Cara, o pessoal fica falando da Itaipu. Que ela expulsou índio 
e tal, mas se não fosse ela aqui não tinha desenvolvido” (Andreia, 22 anos). A 
discussão sobre indenizações devidas às pessoas atingidas pela construção da 
usina ou a demarcação de terras indígenas é subsumida pela ideologia do 
desenvolvimento. Outro aspecto que se sobrepõe é a defesa das conquistas 
individuais frente aos problemas sociais. “Tudo que meu pai conquistou pra gente 
 
3 Adoto o termo regressista por compreender que esses grupos juvenis adotam uma posição política 
calcada num ideário não apenas conservador, mas especialmente reativo e contrário às conquistas 
de direitos sociais e civis por parte dos segmentos subalternizados da sociedade. 
4 Os nomes dos interlocutores foram trocados para garantir-lhes o anonimato. Optei por discriminar 
suas idades com o intuito de confirmar a inserção no grupo etário jovens, embora reconheça que 
esse descritor não seja suficiente para auferir o pertencimento às juventudes. 
 
foi graças à Itaipu. Por isso eu acho que não tem nada a ver ficar metendo o pau 
na usina” (Mauricio, 25 anos). 
A proeminência dos brancos sobre os demais grupos também é afirmada 
por esses jovens que dizem “trabalhar, trabalhar pra valer quem trabalha somos 
nos. É a gente que planta, que constrói e tal. Esse pessoal só sabe falar de direitos”. 
Desse modo naturalizam-se as desigualdades sociais como componentes 
intrínsecos do comportamento empreendedor de uns e da inabilidade para o 
trabalho de outros. Até mesmo a presença de terras indígenas demarcadas é vista 
como empecilho. “Minha avó sempre fala que a únicacoisa boa de morar onde tem 
reserva é que no dia do índio é feriado. Além disso não serve pra nada” (Marcelo, 
23 anos). 
Outro traço marcante desses jovens é a defesa da família. Indagados 
sobre o que é a família suas respostas afirmam como padrão familiar a família 
nuclear. Família é homem e mulher, assim como Deus fez” (Carolina, 24 anos). 
Aliás, essa frase foi proferida mais de uma vez por diferentes interlocutores, 
apontando um viés religioso na concepção da família. O celibato é outro 
componente presente na narrativa de parte desses jovens que afirmam ser “um 
dever do bom cristão resistir à tentação e casar virgem, evitando o pecado e a 
perdição” (Adilson, 18 anos). 
Para esses jovens o espaço de maior convívio e sociabilidade entre os 
pares são as igrejas de diferentes denominações: católica, pentecostal e 
neopentecostal. Além do espaço religioso a maioria dos jovens do grupo estudado 
tem nas reuniões doméstica outro espaço de sociabilidade. “A gente gosta de se 
reunir em casa. Comprar umas cervejas, ficar ouvindo música e trocando ideias” 
(Erikson, 20 anos). Desse modo parece que o convívio entre os diferentes é 
bastante limitado entre esses jovens que ora estão nas redes sociais, ora no grupo 
de amigos da igreja ou em casa. 
As pautas políticas e a conquista de direitos por parte dos grupos 
LGBTTQIA+ está em contraponto à defesa da família nuclear. O combate a 
“gayzificação” ou à “ditadura gay” é uma preocupação constante. “O senhor acha 
normal um cara andar de mãos dadas com outro cara na rua? ”, me pergunta um 
dos jovens. A contraposição entre família e gays cria um par dicotômico que aponta 
o universo LGBTTQIA+ como o inimigo da família. “Eu quero ter minha família. Ter 
 
filhos. Aí eu posso estar na rua ou em outro lugar e minha filha ou filho ver dois 
homens se beijando. Isso não tá certo” (Marcos, 23 anos). Indagado por mim por 
que isso não está certo ele responde: Porque não é assim que Deus quer! 
Outro jovem pondera a questão afirmando que “eu não vejo problema 
em o cara ser gay. Eu tenho amigo gay. Eu só acho que não precisa ficar se 
catando na rua ou em qualquer lugar. Nem a gente faz isso. Por que eles têm que 
fazer? ”. De certo modo, os depoimentos apontam certo pânico moral propiciado 
por uma perspectiva desviante do comportamento do universo LGBTTQIA+. “Se o 
cara é gay, mas fica de boa não tem problema. Agora se ele quiser ficar defendendo 
a ideologia gay aí não dá” (Gabriel, 19 anos). 
O racismo, embora seja um fenômeno estrutural na sociedade brasileira, 
é negado por esses jovens. Apresentando-se nos moldes assinalados por Florestan 
Fernandes (1975) como um “preconceito reativo”. Ou seja, os jovens manifestam 
certo preconceito de ter preconceito que, no entanto, não os livra de serem 
preconceituosos. “Veja bem, eu sou negro, certo? Mas eu nunca senti preconceito. 
Tudo depende de como você saber se colocar” (Tiago, 24 anos). Perguntado como 
que é isso de “saber se colocar” o rapaz diz que “é não ficar posando de vítima. De 
coitado. Eu faço por onde. Não tem essa de racismo comigo”. 
Um detalhe chama a atenção nesses jovens: o fascínio pelas insígnias 
militares. Mesmo sem fazer parte das forças armadas alguns ostentam símbolos 
do exército compondo seu estilo, tais como camisetas pretas com o símbolo do 
exército ou roupas camufladas. Em seus perfis sociais há aqueles que tem como 
página de rosto fotos com roupas militares e dizeres de apoio à ditadura militar 
instaurada com o golpe de 1964. 
A uso de armas de fogo e a defesa da flexibilização da aquisição e posse 
de armamentos é um tema caro ao conservadorismo/regressismo brasileiros e 
central no discurso do candidato vencedor das últimas eleições. No entanto, a 
posse de armas não é uma unanimidade entre os jovens presentes em meu 
ambiente de pesquisa. Rapazes e moças divergem quanto à posse e a pertinência 
do porte como elemento de defesa. Segundo alguns jovens emulando o discurso 
da flexibilização da posse de armamentos “quem não tem arma é o cidadão comum. 
Os bandidos têm acesso fácil às armas e, então, eles sabem que não vão encontrar 
dificuldade. Se eles soubessem ou tivessem receio de que quem eles vão assaltar 
 
pode estar armado eles não iam se arriscar”. Nesse quesito as mulheres são mais 
prudentes e ponderam o efeito surpresa, “a dificuldade de reagir se um bandido 
vem te assaltar”. “Eu não vejo como uma arma vai me proteger. Pelo contrário ela 
pode até ser mais perigosa. Tipo numa discussão boba a pessoa usar a arma pra 
se garantir e acabar fazendo uma besteira ” (Amanda, 23 anos). 
A percepção da insegurança entra no rol de sentimentos que aponta um 
mundo de lugares trocados. “Hoje bandido tem mais direitos que a gente de bem” 
(Lucas, 27 anos). Ciosos e defensores de um mundo hierarquizado que veem como 
diluído esses jovens compreendem a sociedade e a política por meio do 
estabelecimento de uma série de pares binários. Desse modo a “gente de bem” se 
opõem aos bandidos, vagabundos e no âmbito estritamente da política ao “pessoal 
da esquerda”. 
A defesa da ordem é recorrentemente acionada como elemento que 
estaria “faltando hoje em dia”. Noções como respeito e “se dar ao respeito” são 
recorrentemente acionadas. “Hoje ninguém respeita nada. Nem pai, nem mãe, 
nada”, diz uma jovem seguida por uma amiga que afirma: “Nem as mulheres se 
dão ao respeito. Eu fico observando essas meninas que ficam bebendo, farreando. 
Depois acontece alguma coisa elas vão reclamar. Vão reclamar com quem se não 
se dão ao respeito”? (Estela, 22 anos). 
Ordem e respeito compõem um universo simbólico que justifica a 
necessidade de controle e se necessário a atuação, mesmo que truculenta, da 
polícia em face de qualquer evento que corresponda à quebra das normas. Essas 
noções também servem para alimentar um imaginário que vê nas forças armadas 
a instituição que melhor representa a lisura, a correção quanto aos costumes e a 
possibilidade de “dar um jeito no país”. Como diz um rapaz: “Eu sou a favor de uma 
intervenção militar. Pra pôr ordem na bagunça. O país tá muito zoado” (Marcos, 23 
anos). 
Da perspectiva deste grupo de interlocutores um elemento que contribui 
para o estado geral de desordem ou de descaracterização do país é um conjunto 
de manifestações abarcado pela noção de “politicamente correto”. Essa noção 
comporta todo tipo de ação ou manifestação que inibi certas atitudes que fazem 
parte da norma. A discussão em torno desse elemento coloca certa percepção de 
cerceamento da liberdade de expressão e o ressentimento por não “poder falar o 
 
que se pensa” ou ser jocoso em relação a negros, gays, índios, enfim com pessoas 
e grupos que não se coadunam com o perfil valorizado e reconhecido como 
hegemônico. “Não pode mais falar nada que o pessoal já cai de pau. Não tem nada 
a ver isso. Eu tenho amigo gay e não posso fazer uma brincadeira com ele que 
sempre tem alguém pra olhar meio torto” (Henrique, 23 anos). “A mesma coisa se 
tu faz uma brincadeira com alguém que é escurinho”, diz Aline, (22 anos). 
A noção de brincadeira é sempre acionada nos casos em que se discute 
a convivência entre os diferentes. “Então não pode mais brincar? ” Essa noção 
dispõe sobre certos comportamentos no quais impera a permissividade no trato 
com o outro. A brincadeira é sempre proferida de modo jocoso salientando alguma 
característica, em muitos casos socialmente estigmatizante, daquele sobre o qual 
se faz o comentário. Mesmo que o comentário seja ofensivo, que seu conteúdo 
seja racista, homofóbico, misógino etc, na brincadeira a ofensa se transmuta aos 
olhos daqueles que a defendem por ser algo que não corresponde àquilo que “a 
gente pensa. É só brincadeira”. A ideia envolvida na noção de brincadeira é que 
se pode dizer qualquer coisa porque ela promove certo deslocamento do lugar 
ocupado pelos interlocutores de modo que se pode falar o que se pensade modo 
irresponsável sem sofrer represálias. Esse deslocamento aponta para definições 
no âmbito do próximo e do distante estabelecendo ou restabelecendo as 
hierarquias sociais (DA MATTA, 1997). 
Aquela frase que poderia ser ofensiva para alguém distante torna-se algo 
representativo da capacidade de contornar as hierarquias sociais, as aproximações 
e distanciamentos que por meio do acionamento de expressões jocosas faz 
transmutar o próximo em distante e vise versa. “É claro que eu não vou brincar com 
alguém que eu não conheço, mas qual o problema de fazer uma brincadeira com 
um amigo se ele é preto ou gay, por exemplo? ” (Anderson, 25 anos). Análoga ao 
“jeitinho” (BARBOSA, 1992) a brincadeira se apresenta como um elemento da 
cultura brasileira que em face do desconforto com a diferença é acionado como 
mecanismo que visa minimizar as tensões sociais oriundas das dificuldades em 
conviver com a diferença social. 
O antônimo da brincadeira é o que esses jovens denominam como 
“politicamente correto”, noção que para esses jovens traz uma série de limitações 
ao comportamento. “Agora tudo é “politicamente correto. Não pode falar mais nada 
 
que já caem de pau. Esse negócio enche o saco” (Marisa, 26 anos). Tido com o 
antípoda da “brincadeira” o “politicamente correto” é sempre lembrado como “coisa 
da esquerda”. Toda manifestação que tenha por orientação o respeito à diferença, 
a defesa de direitos e a interseção de manifestações ofensivas a grupos vulneráveis 
é classificada como politicamente correto. Enquadra-se nesse grupo a defesa dos 
direitos humanos. 
O grupo de jovens que eu abordei nessa pesquisa estabelecem poucas 
relações cotidianas com os grupos de direita no sentido de terem vínculos 
orgânicos como participarem de partidos políticos de extrema direita ou de ações 
planejadas por grupos extremistas. Além do forte vínculo religioso, apontado acima, 
o meio de informação e formação política são blogs e chats de grupos como 
Movimento Brasil Livre, Direita Foz, Direita Paraná entre outros. “Eu acompanho os 
blogs e coisas que o pessoal envia pra mim. Foi assim que eu percebi que eu 
sempre fui de direita. Só que eu não sabia. Fui vendo o que eles postavam e aí eu 
vi que eu pensava igual” (Matheus, 22 anos). Manifestando certa dubiedade quanto 
ao seu posicionamento político um jovem me diz que “eu penso que eu sou de 
direita, mas, ao mesmo tempo, eu penso nos direitos dos outros. Então eu não sei 
bem se eu sou de direita ou de esquerda” Alisson, 23 anos). O sonho desse rapaz 
é ser empresário e em sua representação “querer ser empresário me faz um cara 
de direita”. Diante da ponderação de que há empresários que podem ser 
considerados progressistas ou até mesmo de esquerda ele suspira e diz: “Bom, 
então eu devo ser isso”. 
A perspectiva de “ser empresário” encontra eco em um conjunto de 
manifestações que interseccionam o mundo do trabalho na vida desses jovens. 
Alguns dedicam-se a atividades intermitentes e sazonais no comércio e na 
prestação de serviços compreendendo-se como autônomos. Ainda que, em boa 
medida, estejam dedicados à “viração” imaginam uma ascensão social que lhes 
encaminhará para o empresariado. Dessa percepção deriva certa compreensão de 
que a flexibilização dos direitos trabalhistas, por exemplo, os beneficia pois 
eliminaria empecilhos à realização de seus negócios. A ética do trabalho e da 
mobilidade social ascendente pelo esforço pessoal contribui para a defesa do 
mérito pessoal em detrimento da defesa de políticas públicas voltadas à população 
necessitada. “Eu acho que tem que se esforçar. Não adianta ficar reclamando, 
 
botando a culpa do governo. Tem que ir à luta e não esperar ajuda de ninguém” 
(Marcelo 23 anos). 
 
Considerações finais: 
 
 Estudos recentes vêm se dedicando ao fenômeno dos grupos de jovens 
ou movimentos sociais conservadores. A etnografia longitudinal desenvolvida pelas 
antropólogas Machado & Scalco com jovens que se identificam como bolsonaristas 
nas periferias de Porto Alegre aponta um deslocamento dos jovens outrora 
próximos ao ideário de esquerda, mais apropriadamente petista para as hordas 
bolsonaristas. O trabalho destas antropólogas aponta transmutações e alterações 
no apoio às pautas conservadoras desse eleitorado jovem especialmente quando 
estratificado por gênero. Assim entre os jovens impera certo ressentimento 
especialmente frente ao feminismo e a mudança do papel da mulher na sociedade. 
Por outro lado, as jovens tendem a ter posturas mais moderadas a respeito de 
várias das pautas caras ao regressismo brasileiro. 
Cotejando o trabalho supracitado com os resultados preliminares de meu 
universo de pesquisa eu arriscaria afirmar que parte dos jovens com os quais 
estabeleci relações e que se declaravam “de direita” podem alterar sua posição, 
transmutá-la para outras perspectivas, ponderar escolhas, voltar atrás, reconhecer 
escolhas e equívocos. As pesquisas de Machado & Scalco supracitadas apontam 
mudanças nas percepções e perspectivas políticas de jovens das periferias de 
Porto Alegre. Estes teriam, segundo as autoras, transitado de uma posição política 
à esquerda do espectro político para posições à direita, notadamente bolsonaristas. 
Talvez estejamos defronte de uma onda passageira a ser compreendida pelas 
ciências humanas. As posições regressivas de parcelas das juventudes brasileiras 
podem estar sinalizando uma resposta às provas (MARTUCELLI, 2007a; 2007b) 
que esses segmentos juvenis vem enfrentando no mundo contemporâneo, cuja 
característica é a centralidade no sujeito como ator de sua experiência à revelia das 
instituições que não conseguem responder aos seus papéis sociais (DUBET, 1994). 
No entanto, é necessário atentar para as particularidades da realidade brasileira. 
Muitos jovens não experimentaram os frutos oriundos das políticas públicas 
desenvolvidas nos governos progressistas. Pelo contrário, seguiram em empregos 
 
precários e mal remunerados e quando cursaram o ensino superior o fizeram em 
instituições que lhes ofertaram um ensino de baixa qualidade que não lhes permitiu 
galgar posições de prestígio na rígida estrutura social brasileira (ALMEIDA, 2014). 
Finalizando, acredito que a noção de “deriva” desenvolvida por Matza 
(2014) pode contribuir para o entendimento das percepções e posições políticas 
dos segmentos regressivos das juventudes brasileiras. Ao desenvolver essa noção 
Matza nos aponta para o caráter contingente e transitório das escolhas juvenis em 
relação ao universo das legalidades e da delinquência. Por óbvio os grupos 
políticos regressivos não se filiam, necessariamente, ao universo delinquente. 
Embora alguns grupos encontrem suas referências no mundo das ilegalidades. 
Parece-me promissor, ou pelo menos alentador, que ao nos debruçarmos sobre os 
grupos de jovens conservadores ou regressistas, compreender suas posições e 
percepções políticas como manifestações cambiantes, transitórias e 
contingenciais. Parafraseando WRIGHT MILLS (1975) eu diria que trabalhar com 
os jovens e suas inquietudes e posições políticas exige mais do que imaginação 
sociológica, é imperativo que se tenha esperança. 
 
Bibliografia: 
 
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