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- -1 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL I OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL - -2 Olá! Ao final desta aula, o aluno será capaz de: 1. Descrever os conceitos de conhecimento, teoria e método; 2. reconhecer a relação entre a teoria e a prática profissional do Serviço Social; 3. identificar o debate em torno da produção de conhecimento e o Serviço Social. 1 Em que consiste a construção do objeto científico? Nesta aula serão abordados os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do Serviço Social. Para fundamentação deste estudo, realizaremos uma breve reflexão em torno da importância que as teorias e métodos têm para a produção do conhecimento.As primeiras iniciativas de produção de conhecimento surgiram com as ciências naturais e posteriormente passam a ser também uma preocupação das ciências humanas. As novas formas de pensar a realidade social devem ser compreendidas como resultado parcial da revolução total do espirito europeu, tendo se iniciado no Renascimento, e transformou, por inúmeras ações e reações, a maneira de ver o mundo e a vida. A razão calculadora de Copérnico, Kepler, Galileu, Gassendi e outros fez virar a terra, os espaços se ampliaram ao infinito e a humanidade se transformou em um mero episódio da História do Mundo. O sistema medieval de concepção de mundo foi atingido profundamente no terreno religioso. No pensamento medieval, que tinha sua pedra angular na tradição divina, não era possível um conflito entre a Revelação e a Razão, posto que a filosofia não pretendia ser mais que uma serva e apologista da Teologia. Porém, no momento em que a Razão se rebelou contra a sua condição servil e proclamou a sua autonomia, tinha que se desencadear a luta contra a Teologia. Até o século XVIII, o pensamento social caracterizava-se muito mais pela preocupação de formular regras de ação do que pelo estudo frio e objetivo da realidade social, que gera e determina todas as coisas. O racionalismo de pensadores como Descartes e Bacon preconizava que a atitude científica diante dos fenômenos. As bases do método científico se baseavam nos seguintes postulados: • Deve-se afastar, no estudo da realidade objetiva, toda e qualquer ideia preconcebida, toda noção apriorística sobre os fatos que estudam; • A investigação do objeto a ser conhecido deve ser conduzido à pesquisa pela dúvida metódica e construtiva, que analisa e investiga, único meio de retirar a verdade dos fatos e não deformar os fatos para ajustá-los a uma verdade revelada. • • - -3 Inicialmente a produção de conhecimento pelas Ciências Humanas baseou-se no mesmo paradigma das ciências naturais. Acreditava-se que o objeto de investigação das ciências naturais era análogo ao das Ciências Humanas. O conhecimento na ciência atual é aproximado. Em lugar de tentar se conhecer os fenômenos ou as substâncias, a ciência hoje se prende à relação entre eles. O conhecimento qualitativo é aproximado. A impossibilidade de a qualidade ser plenamente objetivada faz com que a ciência atual das relações se conduza por aproximações sucessivas, nunca atingindo plenamente o real (Bachelard, 1996). • O que distingue a atitude científica da atitude costumeira do senso comum? Todo fenômeno estudado pela ciência é um resultado de teorias e técnicas, sem as quais ele não existiria. • A ciência distingue-se do senso comum porque este é uma opinião baseada em hábitos, preconceitos, tradições cristalizadas. Segundo Chauí (1996, p. 249): "A ciência desconfia da veracidade de nossas certezas, de nossa adesão imediata às coisas, da ausência da crítica e da falta de curiosidade. Por isso, ali onde vemos coisas, fatos e acontecimentos, a atitude científica vê problemas e obstáculos, aparências que precisam ser explicadas e, em certos casos afastadas. Acrescenta a autora, a atitude científica opera um desencantamento ou desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a todos". • • - -4 Os fatos ou objetos científicos não são dados empíricos espontâneos de nossa experiência cotidiana, mas são construídos pelo trabalho de investigação científica. Um conjunto de atividades intelectuais, experimentais e técnicas, realizadas com base em métodos que garantem: Separar os elementos subjetivos e objetivos de um fenômeno; construir o fenômeno como um objeto do conhecimento, controlável, verificável, interpretável e capaz de ser corrigido por novas elaborações; demonstrar e provar os resultados obtidos durante a investigação, graças ao rigor das relações definidas entre os fatos estudados. 1.1 Teoria É a explicação, descrição e interpretação geral das causas, formas, modalidades e relações de um campo de objetos, conhecidos graças a procedimentos específicos, próprios à natureza dos objetos investigados. Uma teoria pode ou não nascer diretamente de uma prática e ter uma ou não aplicação prática direta, mas não é a prática que permite determinar a verdade ou falsidade teórica e sim os critérios internos à própria teoria (Chauí, 1996, p.157). 1.2 Método A palavra método vem do grego, , composta de meta: através de, por meio de, e de hodos: via, caminho.methodos Usar o método é seguir um caminho com um objetivo a ser alcançado. No caso do conhecimento, é o caminho ordenado que o pensamento segue por meio de um conjunto de regras e procedimentos racionais. METHODO = INSTRUMENTO RACIONAL PARA ADQUIRIR, DEMONSTRAR OU VERIFICAR CONHECIMENTOS. Apesar das várias formulações que assumiu ao longo da história da Filosofia e das ciências, o método sempre teve o papel de aferir e avaliar as ideias, as teorias. Em sua obra O discurso do método e as regras para a direção do espirito, René Descartes afirma que o método dá segurança ao pensamento e economiza esforços inúteis para a verificação das teorias. A partir desta reflexão em torno dos conceitos de conhecimento, teoria e método, você seria capaz de dimensionar a importância de pressupostos teóricos e metodológicos para o Serviço Social? O Serviço Social se apropria do conhecimento produzido por outras ciências (Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Psicologia etc.) para fundamentação teórica e metodológica da prática profissional. Tal aspecto, entretanto, não deslegitima a profissão quanto à possibilidade de produção científica. - -5 Segundo lamamoto,1997, existem muitas polêmicas em torno da seguinte questão: Existe ou não uma metodologia própria para o Serviço Social? Como você já teve oportunidade de estudar, o Serviço Social surge e se expande como parte de uma estratégia de contenção das classes subalternas. Além deste fato, até o Movimento de Reconceituação, o Serviço Social apareceu como uma profissão que se travestiu por atividades burocratizadas de cunho filantrópico. O Serviço Social é gestado no universo do pensamento do humanista - cristão e, mais tarde, vai se secularizar nos quadros do pensamento conservador europeu que defendia a ótica da harmonia. Em seguida, incorpora a vertente empiricista das ciências humanas, como veremos em outras aulas desta disciplina. No Brasil, a emergência e institucionalização do Serviço Social como especialização do trabalho ocorre nos anos 20 e 30, sob influência católica europeia. Com ênfase nas ideias de Mary Richmond e nos fundamentos do Serviço Social de Caso, a técnica está a serviço da doutrina social da Igreja. Nas décadas de 40 e 50, o Serviço Social brasileiro recebe influência norte-americana. Marcado pelo tecnicismo, bebe na fonte da psicanálise, bem como da sociologia de base positivista e funcionalista/sistêmica. Sua ênfase está na ideia de ajustamento e de ajuda psicossocial. Neste período há o início das práticas de Organização e Desenvolvimento de Comunidade, além do desenvolvimento das peculiares abordagens individuais e grupais. Com supervalorização da técnica, consideradaautônoma e com um fim em si mesma, e com base na defesa da neutralidade científica, a profissão se desenvolve através do "Serviço Social de Caso", "Serviço Social de Grupo" e "Serviço Social de Comunidade". O movimento de renovação na profissão que ocorre nos anos 60 e 70 se expressa em termos tanto da reatualização do tradicionalismo profissional, quanto de uma busca de ruptura com o conservadorismo. O Serviço Social se laiciza e passa a incorporar nos seus quadros segmentos dos setores subalternizados da sociedade. Estabelece interlocução com as Ciências Sociais e se aproxima dos movimentos "de esquerda", sobretudo do sindicalismo combativo e classista que se revigora nesse contexto. O profissional amplia sua atuação para as áreas de pesquisa, administração, planejamento, acompanhamento e avaliação de programas - -6 sociais, além das atividades de execução e desenvolvimento de ações de assessoria aos setores populares. E se intensifica o questionamento da perspectiva técnico-burocrática, por ser esta considerada como instrumento de dominação de classe, a serviço dos interesses capitalistas. Com os "ventos democráticos" dos anos 80, inaugura-se o debate da Ética no Serviço Social, buscando-se romper com a ética da neutralidade e com o tradicionalismo filosófico fundado na ética neotomista e no humanismo cristão. Assume-se claramente no Código de Ética Profissional, aprovado em 1986, a ideia de "compromisso com a classe trabalhadora". O Código traz também outro avanço: a ruptura com o corporativismo profissional, inaugurando a percepção do valor da denúncia (inclusive a formulada por usuários). No âmbito da formação profissional, busca-se a ultrapassagem do tradicionalismo teórico-metodológico e ético-político, com a revisão curricular de 1982. Supera-se, na formação, a metodologia tripartite e dissemina-se a ideia da junção entre a técnica e o político. Há ainda a democratização das entidades da categoria, com a superação da lógica cartorial pelo Conjunto CFESS/Cress, conquista destaque no processo de consolidação do projeto ético-político do Serviço Social. 2 Serviço Social Nos anos 90, se verificam no âmbito do Serviço Social os efeitos do neoliberalismo, da flexibilização da economia e reestruturação no mundo do trabalho, da minimização do Estado e da retração dos direitos sociais. O Serviço Social amplia os campos de atuação, passando a atuar no chamado terceiro setor, nos Conselhos de Direitos e ocupa funções de assessoria, entre outros. Discutindo a sua instrumentalidade na trajetória profissional, ressignifica o uso do instrumental técnico- operativo e cria novos instrumentos, como mediação para o alcance das finalidades, na direção da competência ética, política e teórica, vinculada à defesa de valores sociocêntricos emancipatórios. Partindo do pressuposto da necessidade da capacitação continuada, o Serviço Social busca a ultrapassagem da prática tecnicista, pretensamente neutra, imediatista ou voluntarista. 2.1 Movimento de Reconceituação e a busca de novos paradigmas teóricos e metodológicos para o Serviço Social O Movimento de Reconceituação do Serviço Social, que tem início em 1965 na América Latina, compreendeu entre outros aspectos um questionamento sobre o objeto, objetivos, ideologia e referenciais teóricos e metodológicos. - -7 Este movimento resultou apenas do processo de revisão profissional, mas se relacionou também aos questionamentos das ciências em torno de novos paradigmas de conhecimento. As Ciências Humanas questionavam o "mito da neutralidade científica" - a total separação do sujeito que quer conhecer do objeto a ser conhecido. Boris Alexis Lima ( MACEDO, 1981) "afirma que o Serviço Social, desde o início em todas as suasapud manifestações e particularidades, está diretamente influenciado pelo positivismo, sendo esta razão de se aceitarem de modo passivo, sem críticas, os postulados e teorias que adotou para a sua orientação. A separação entre a ciência e técnica, preconizada pelo positivismo, foi responsável pela dependência do Serviço Social face à elaboração teórica das ciências, impedindo-o de desenvolver conceitos básicos em experiências próprias". Coube ao Serviço Social a operacionalização das "verdades" descobertas pela Psicologia e pela Sociologia, distantes de qualquer questionamento a respeito de sua validade e em detrimento da elaboração de conhecimentos próprios, ocasionando uma crescente e duradoura dicotomia entre teoria e prática. As preocupações do Serviço Social eram basicamente referentes à metodologia básica, o que ficou chamado como "metodologismo asséptico". A Reconceituação surge para superar este metodologismo, ou seja, a separação entre teoria e prática, que caracterizam o Serviço Social norte-americano. "A prática profissional passou a ser evidenciada como um elemento fundamental para a construção da teoria. Assim, a prática para desempenhar essa função básica deveria ser orientada por um referencial teórico operativo adequado, iniciando-se a busca no sentido de fornecer para a prática esquemas metodológicos operativos adequados à sua nova função de fonte de teoria. A partir daí, várias proposições de métodos vêm sendo elaboradas a partir de perspectivas teóricas diferenciadas (MACED0,1981). A Reconceituação provocou uma preocupação em relação ao significado da investigação para uma maior validade da ação profissional. Observa-se um movimento interno da profissão, isto é, a procura da cientificidade dentro da própria profissão. Tenta-se criar procedimentos semelhantes para diferentes abordagens, casos, grupos e comunidades. Além deste movimento, o Serviço Social também buscou a legitimidade científica da profissão, a partir de fora, através da apropriação dos novos conhecimentos produzidos pelas Ciências Sociais. Apesar de ter percorrido caminhos diversos, o Movimento de Reconceituação na América Latina revelou-se como um momento em que os profissionais tentaram superar a problemática metodológica e a dicotomia entre a teoria e a prática. lamamoto (2001:207) afirma que "a tônica predominante do Movimento de Reconceituação era a denúncia, a autocrítica, os questionamentos societários e um embate com o tradicionalismo profissional". - -8 Este movimento constitui-se por matrizes teóricas e societárias diversas, ou seja, é um momento em que a profissão se molda a uma unidade repleta de diversidades. Para Netto (2005), a principal conquista da Reconceituação foi a recusa profissional do Serviço Social de situar- se como um agente técnico puramente executivo. A Reconceituação determinou as bases para a qualificação profissional, negando a subalternidade expressa na até então vigente aceitação da divisão consagrada de trabalho entre cientistas sociais ("os teóricos") e os assistentes sociais (profissionais da "prática"). O grande desafio de se trabalhar na perspectiva teórico-metodológica é decifrar as particularidades históricas do movimento atual, sem as quais não há como entender e conduzir criticamente a ação profissional. A questão teórico-metodológica e o Serviço Social compreendem o modo de ler, de interpretar, de se relacionar com o ser social, uma relação entre sujeito cognoscente (o que busca conhecer) e o objeto a ser investigado, o que implica uma apropriação da teoria, uma capacitação teórico-metodológica que supere o ecletismo. É preciso evitar a redução das teorias a abordagens classificatórias e mecanicistas, esvaziadas de potencial explicativo. Q apropriou? Quais as suasuais as principais perspectivas teórico-metodológicas que o Serviço Social se especificidades? Ao longo de sua história, o Serviço Social se apropriou dos conhecimentos produzidos pelo Positivismo, Fenomenologia e teoria Social de Marx. Segundo Falei ros (1993, p.31), existem três posturas do Serviço Social face as teorias que norteiam o desempenho profissional: Uniformização quando um único paradigma teórico é apreendido, com exclusão dos demais, que são simplesmenteignorados e até combatidos, sem deles ter um conhecimento adequado, independente da validez relativa do paradigma. Ecletismo é o que, segundo o autor, poderia se chamar de colcha de retalhos. Nessa postura, conceitos que fazem parte de corpos teóricos não só diferentes, mas até antagônicos, são misturados indiscriminadamente. Por exemplo, mistura-se, no mesmo contexto explicativo, os conceitos de classe social (que provêm da perspectiva marxista ) com os de estratificação social (originados da visão funcional). Pluralismo consistiria em ser capaz, a partir de uma postura epistemológica e teoricamente coerente, que serve como eixo central tanto para a produção de conhecimento quanto para a transformação do real, de integrar conceitos e teorias que não sejam antagônicos ou logicamente contraditórios. O que vem na próxima aula Na próxima aula, você estudará sobre os assuntos seguintes: • O positivismo e a racionalidade científica;• - -9 • O positivismo e a racionalidade científica; • o projeto positivista de sociedade; • o positivismo e o Serviço Social. CONCLUSÃO Nesta aula, você: • Estudou os conceitos de conhecimento, método e teoria; • compreendeu o Serviço Social e a busca de fundamentação teórico-metodológica; • analisou a relação entre a teoria e prática. • • • • • •
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