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CINESIOLOGIA E BIOMECÂNICA Noura Reda Mansour Biomecânica da marcha Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os ciclos da marcha. � Relacionar os conceitos do centro de gravidade e equilíbrio durante as fases da marcha. � Reconhecer as alterações da marcha durante a caminhada e a corrida. Introdução A marcha ou a caminhada é uma das principais habilidades do ser humano e consiste em uma sequência de movimentos ligeiros, repe- titivos e complexos. Já a compreensão da marcha normal serve para identificação, avaliação de doenças e seus padrões patológicos, a fim de que o fisioterapeuta consiga elaborar os tratamentos fisioterapêuticos. Seus vários eventos devem ser considerados para um bom diagnóstico, como o conhecimento do seu ciclo, sendo o principal deles, consti- tuído por fases e subfases responsáveis pelo início e fim da marcha. A falta de estudo desse campo pode gerar interpretações erradas e, posteriormente, um tratamento equivocado que prejudica a evolução do quadro do paciente. Neste capítulo, você estudará o conceito de marcha, os eventos que a compõem e como ocorre a sequência natural da locomoção. Ciclo da marcha A marcha é definida como o modo ou o estilo de locomoção do ser hu- mano, uma função baseada em uma sequência de repetições de movimentos dos membros inferiores para locomover-se para frente enquanto mantém o corpo de forma estável. O caminhar se trata da forma mais utilizada para a locomoção com os pés de um lugar para o outro, e cada indivíduo tem sua maneira de fazê-lo. Segundo Lippert (2014), para a análise da marcha, deve-se conhecer seu ciclo e suas fases. Esse ciclo é chamado de passada, o período em que o calcanhar de um pé toca o solo até seu próximo contato no solo, e ocorre em duas fases. � Fase de apoio: o pé se encontra em contato direto com o solo, essa fase começa quando o calcanhar de um pé toca o solo e termina quando ele sai do solo. � Fase de balanço: o pé é elevado do solo para o avanço do membro in- ferior, essa fase ocorre quando o pé se eleva do solo e termina quando seu calcanhar encosta no solo novamente. A análise das fases da marcha pode ser realizada por meio de dois sistemas: o tradi- cional, que se refere aos momentos do ciclo da marcha; e o rancho los amigos (RLA), que trata dos períodos do ciclo. A escolha do método vai depender da preferência do fisioterapeuta (ver Quadro 1 a seguir). Sistemas tradicional Rancho los amigos Termo Descrição Termo Descrição Fase de apoio Toque do calcanhar O calcanhar toca o chão Contato inicial O calcanhar toca o chão Apoio completo do pé A região plantar do pé fica em contato com o chão Resposta à carga Início: após o contato inicial, quando o peso do corpo é transferido para o membro inferior e todo o pé fica em contato com o chão Término: o pé oposto sai do chão Quadro 1. Comparação entre os sistemas tradicional e Rancho los amigos de uma marcha normal (Continua) Biomecânica da marcha2 Fonte: Lippert (2014, p. 303). Sistemas tradicional Rancho los amigos Termo Descrição Termo Descrição Apoio médio O corpo passa sobre o membro inferior que sustenta o peso Apoio médio Início: o pé oposto sai do chão Término: o corpo fica sobre o membro inferior que sustenta o peso Saída do calcanhar O calcanhar sai do chão e os dedos continuam em contato com o chão Apoio terminal Início: elevação do calcanhar do membro inferior que sustenta o peso Término: contato do calcanhar do pé oposto. O corpo se movimenta na frente do membro que sustenta o peso Saída dos dedos Término da fase de apoio com a saída dos dedos Pré-balanço Início: os dedos saem do chão Término: bem antes da saída do membro que sustenta o peso Fase de balanço Aceleração Movimentação do pé para frente, que está em fase de balanço Balanço inicial Início: os dedos saem do chão Término: o pé de balanço fica oposto ao que sustenta o peso, e o joelho fica em extensão máxima Balanço médio O membro inferior em balanço fica diretamente embaixo do corpo Balanço médio O pé em balanço fica oposto ao que sustenta o peso Desaceleração O pé em balanço desacelera para iniciar o toque do calcanhar Balanço terminal Início: a perna fica em posição vertical Término: logo antes do contato inicial Quadro 1. Comparação entre os sistemas tradicional e Rancho los amigos de uma marcha normal (Continuação) 3Biomecânica da marcha A fase de apoio corresponde a 60% do ciclo da marcha (HEBERT et al., 2018), na qual há os períodos de apoio simples, que consistem no contato de apenas um membro inferior no solo; e apoio duplo, em que dois membros entram em contato com o solo. O apoio duplo acontece nos 10% iniciais e finais dessa fase, já o apoio simples ocorre em cerca de 40% do ciclo. Ela se divide em subfases (contato inicial, resposta à carga, apoio médio, apoio terminal e pré-balanço). O apoio simples inclui apoio médio e apoio terminal; já o apoio duplo é responsável pela fase de balanço, com transferência de peso para o membro inferior contralateral, e envolve o pré-balanço. � Contato inicial (Figura 1): o calcanhar do pé toca o solo, nesse momento, o tornozelo se encontra em posição neutra e se inicia uma leve flexão do joelho. Figura 1. Contato inicial. Fonte: Hebert et al. (2018, p. 5). Biomecânica da marcha4 � Resposta à carga: a superfície plantar do pé fica acoplada ao solo, e absorve-se as forças de impacto do corpo com o solo. Nesse evento, acontecem duas ações fundamentais com o objetivo de amortecer o impacto e receber adequadamente a força do peso, que é transferida para o membro na fase de apoio. � Apoio médio: o pé ainda está em contato com o solo. Nesse evento, há uma leve dorsiflexão do pé. � Apoio terminal: o calcanhar é retirado do solo, e o apoio do pé fica contralateral ao solo. � Pré-balanço: ele se caracteriza pelo apoio duplo. Nesse evento, o corpo é impulsionado; e o peso, transferido para o membro inferior contralateral, em que começa a retirada do pé do solo. Para saber mais sobre as fases do ciclo da marcha, leia “Ortopedia e traumatologia: princípios e prática”, de 2018, publicada pela Editora Artmed. Já a fase de balanço corresponde a 40% do ciclo da marcha e proporciona o avanço do membro inferior até o final do ciclo, bem como não há contato do membro inferior no solo. Ela se subdivide em três etapas (balanço inicial, balanço médio e balanço final). � Balanço inicial: nessa etapa, ocorrem a retirada do pé do solo e a ace- leração do membro inferior para frente e para cima. � Balanço médio: os joelhos se preparam para se estenderem no contato inicial, e os quadris atingem sua flexão máxima. Ocorre também a aceleração máxima do membro inferior, quando atinge a maior elevação em relação ao solo. � Balanço terminal: o membro inferior desacelera, se preparando para tocar o solo novamente. Na Figura 2, você pode visualizar o ciclo da marcha, com as fases de apoio e de balanço. 5Biomecânica da marcha Fi gu ra 2 . C ic lo d a m ar ch a. A ) F as e de a po io : c on ta to in ic ia l, re sp os ta à c ar ga , a po io m éd io , a po io fi na l e p ré -b al an ço . B ) F as e de b al an ço : b al an ço in ic ia l, ba la nç o m éd io e b al an ço fi na l. Fo nt e: H ou gl um e B er to ti (2 01 4, p . 5 44 ). Biomecânica da marcha6 Características temporais da marcha As características temporais são parâmetros que auxiliam na análise da marcha e descrevem os aspectos relacionados ao tempo, conforme apresentado a seguir. � Cadência: é o número de passos por minuto ou em um determinado tempo; por exemplo, uma caminhada lenta pode ter 70 passos por minuto. � Velocidade do passo: é a distância traçada durante um determinado tempo, como metros ou quilômetros por segundo. � Duração do passo: é o tempo decorrido na realizaçãodo passo durante a marcha. Centro de gravidade e equilíbrio durante as fases da marcha A marcha se trata de uma atividade motora que envolve um conjunto de con- trações musculares em vários segmentos do corpo, sendo sua análise baseada dentro do ciclo. Durante esse ciclo, o centro de gravidade é deslocado duas vezes em seu eixo vertical, abrangendo um passo com o membro inferior direito e outro com o membro inferior esquerdo, para cada passo há uma elevação e uma descida desse centro. O centro de gravidade do corpo está localizado a cerca de 5 centímetros à frente da segunda vértebra. Em uma caminhada normal, ele não varia além de 5 centímetros na direção vertical. Os determinantes da marcha dividem-se em seis mecanismos de movimento que reduzem a magnitude dos deslocamentos do centro de gravidade. � Rotação pélvica: durante a marcha normal, a pelve roda oscilando para direita e esquerda em uma linha de progressão, a magnitude dessa rotação é de aproximadamente 8º, sendo 4º na fase de apoio e 4º na de balanço. Com o membro inferior vertical e o pé apoiado no solo para 7Biomecânica da marcha a realização da passada, deve-se flexionar e estender os quadris, esse movimento ocorre alternadamente em cada quadril, o qual passa de uma rotação interna para uma externa durante a fase de apoio. � Inclinação da pelve: no ciclo da marcha, o deslocamento é executado pela inclinação lateral da pelve do lado aposto ao membro em apoio. Para que ela ocorra, de forma brusca no final da fase de apoio duplo, o membro na fase de balanço deve efetuar a flexão do joelho. � Flexão do joelho na fase de apoio: ao término da fase de balanço, o joelho se encontra totalmente estendido um pouco antes do calcanhar tocar o solo e, em seguida, este começa a fletir até o pé estar apoiado no solo. � Tornozelo, joelho e pé (quarto e quinto determinantes): com o contato do calcâneo no solo, o pé fica em dorsiflexão e o joelho em extensão total; estando a extremidade inferior em seu comprimento máximo, a rápida flexão plantar associada ao início da flexão do joelho mantém o ciclo da marcha na sua progressão. � Deslocamento lateral da pelve: durante cada passo, o corpo é deslocado levemente sobre o membro que o apoia, se os pés forem separados, o deslocamento aumenta durante a marcha; e caso os pés estejam mais próximos um do outro, ele tende a diminuir, minimizando o desloca- mento horizontal do centro de gravidade. A maioria dos problemas de membros inferiores ou de deficiência de equilíbrio ocorre no apoio simples, porque, durante essa fase, o centro de massa corporal muda late- ralmente, centrando-se em apenas um membro inferior. Alterações da marcha durante a caminhada e a corrida A corrida se distingue da caminhada por apresentar um aumento da velocidade durante a marcha e é um tipo no qual sua fase de balanço se torna mais longa do que a de apoio, com dois períodos durante o ciclo, em que nenhum dos membros inferiores entra em contato com o solo (HOUGLUM; BERTOTI, 2014). Biomecânica da marcha8 Existem diferenças e semelhanças entre a corrida e a caminhada, tanto uma como a outra possuem uma fase de apoio, uma de balanço e períodos de apoio simples — ambas também impulsionam o corpo para a frente em uma direção linear. Quando o corpo muda da caminhada para a corrida, ocorrem mudanças nas variáveis espaciais e temporais da marcha. Comparando o ciclo da marcha, na caminhada, a fase de apoio é mais longa e a de balanço mais curta, já na corrida ocorre o inverso, porque há maior demanda na amplitude de movimento das articulações dos membros inferiores e um aumento na atividade excêntrica. Fases da corrida Segundo Houglum e Bertoti (2014), na corrida, a fase de apoio é subdividida em absorção e propulsão; e a de balanço, em balanço inicial e médio. A seguir, você conhecerá as etapas do ciclo da marcha na corrida. Fases de apoio � Absorção: ela é considerada o tempo do contato inicial do pé ao período do apoio médio, na corrida, ao tocar o solo, a parte lateral do calcanhar realiza o primeiro contato, com o pé em uma posição de discreta supi- nação. Nessa subfase, há a absorção das forças de impacto entre o pé e o solo, que termina quando o corpo se prepara para se mover para a frente. � Propulsão: nessa fase, o calcanhar da perna de apoio se desprende do solo; enquanto ele se distancia do solo ao começar sua propulsão para frente, a perna em balanço continua avançando e inicia os preparativos para o apoio. Logo após o pé se desprender do solo, a fase de apoio termina. Fases de balanço � Balanço inicial: em sua primeira metade, os dois membros inferiores não estão em contato no solo (flutuação dupla), a perna de balanço se move para a frente em direção ao solo e a perna de apoio se move para cima e para a frente com a finalidade de levar o membro e o corpo para a frente. Já na sua segunda metade, o outro membro entra em contato com o solo, começando seu próprio contato inicial e seu ciclo de sustentação de peso. 9Biomecânica da marcha � Balanço final: há uma mudança da aceleração para a desaceleração para o preparo do contato inicial. À medida que a perna de apoio se move do levantamento dos dedos, inicia-se a segunda metade da fase de balanço, na qual as articulações se preparam para o contato inicial. No Quadro 2, você pode acompanhar as comparações de tronco, pelve e quadril durante a caminhada e a corrida, considerando as fases da marcha. Fonte: Houglum e Bertoti (2014, p. 580). Fase da marcha Caminhada Corrida Fase de apoio Tronco permanece reto. Pelve está em uma posição neutra. Quadril em extensão máxima ao ser levantado o calcanhar. Durante o contato inicial, há uma leve inclinação do tronco. Pelve fica com inclinação anterior. Quadril fica em extensão máxima após o levantamento dos dedos. Fase de balanço Tronco permanece reto. Quadril fica em flexão máxima no final da fase de balanço e no contato inicial. Tronco fica com inclinação anterior. Quadril fica com flexão máxima após o balanço médio e antes da segunda metade do balanço final. Quadril flexiona 20º mais do que na caminhada. Quadro 2. Comparações de tronco, pelve e quadril durante a marcha Biomecânica da marcha10 1. Maria realizou uma caminhada para melhorar seu condicionamento físico. Durante o percurso na praça, sem prestar atenção, ela caiu, machucou o tornozelo e, ao levantar, sentiu dor acentuada no local da lesão. Com base no estudo de caso, Maria não conseguiu realizar uma das subfases da marcha. Em qual das subfases ela teve mais dificuldade? a) No balanço inicial. b) No contato inicial. c) Durante a subfase de pré-balanço. d) No apoio médio, pois ele começa com a saída do membro inferior do solo até que esteja sobre o membro inferior de apoio. e) Maria iniciará a marcha com pré-balanço, pois esta é uma subfase de apoio. 2. A marcha é uma habilidade necessária à vida do ser humano e consiste na realização de uma sequência de eventos. Cada indivíduo tem seu estilo próprio, com características normais, como as espaciais e as temporais, responsáveis pela locomoção adequada. Com base no seu conhecimento sobre marcha, assinale a alternativa correta. a) A cadência e o comprimento do passo são considerados características espaciais da marcha. b) A duração do passo é considerada o tempo decorrido na realização do passo durante a marcha. c) Durante o ciclo da marcha, é desnecessária a avaliação das características espaciais e temporais. d) Considera-se a cadência o número de passadas percorridas em um minuto. e) O comprimento da passada é a velocidade percorrida em um minuto. 3. Sabe-se que existem alterações na caminhada e na corrida, sendo que nesta última há mais gasto energético, exigindo maior contração muscular dos membros inferiores. Em relação à corrida, assinale a alternativa correta. a) A absorção é considerada a fase final da fase de apoio da corrida. b) A fase de balanço é inexistentena corrida. c) A velocidade nas fases de balanço é maior na caminhada do que na corrida. d) No balanço final, há uma desaceleração para o apoio do contato final. e) A propulsão é inexistente tanto na corrida como na caminhada. 4. O centro da gravidade do corpo está localizado a cerca de 5 centímetros à frente da segunda vértebra sacral. Em uma caminhada, ele não varia além de 5 centímetros na direção vertical. Em relação ao centro de gravidade durante a marcha, é correto afirmar que: a) a rotação pélvica e a passada são determinantes da marcha. 11Biomecânica da marcha b) o pé estará posicionado em plantiflexão durante a marcha. c) os movimentos na inclinação da pelve e na sua rotação são iguais. d) os determinantes da marcha ocorrem em uma ordem sequencial; os primeiros eventos são a rotação pélvica, a inclinação pélvica e a flexão do joelho na fase de apoio. e) os determinantes da marcha não têm relação com o equilíbrio. 5. Durante a vida do ser humano, mudanças corporais começam a ocorrer, como a fraqueza nos membros inferiores, o déficit de equilíbrio e a diminuição da flexibilidade. Com base nessas informações, marque a alternativa que se relaciona com as alterações da marcha no idoso. a) Para se equilibrar durante a marcha, o idoso eleva os membros superiores. b) Durante a marcha, os joelhos, o quadril e o tornozelo ficam bem fletidos. c) Durante a fase de apoio, há instabilidade dinâmica. d) Durante a marcha da criança e do idoso, há maior largura na passada. e) Não é observada a variável cadência na marcha do idoso. HEBERT, S. K. et al. Ortopedia e traumatologia: princípios e prática. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. 1684 p. HOUGLUM, P. A.; BERTOTI, D. B. Cinesiologia clínica de Brunnstrom. 6. ed. Barueri: Manole, 2014. 740 p. LIPPERT, L. S. Cinesiologia clínica e anatomia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. 340 p. Leituras recomendadas GARD, S. A.; CHILDRESS, D. S. The Influence of Stance-Phase Knee Flexion on the Vertical Displacement of the Trunk During Normal Walking. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, Philadelphia, v. 80, n. 1, p. 26–32, Jan. 1999. Disponível em: <https://www. ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9915368>. Acesso em: 10 dez. 2018. SOUSA, A.; TAVARES, J. M. R. S. A marcha humana: uma abordagem biomecânica. In: INTERNATIONAL CONGRESS OF HEALTH, 1., 2010. Atas... Gaia-Porto: Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Instituto Politécnico do Porto, 2010. Disponível em: <https:// repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/25484>. Acesso em: 10 dez. 2018. Biomecânica da marcha12 Conteúdo:
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