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Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 1 MÓDULO DE: SOCIOLOGIA INDUSTRIAL E DO TRABALHO AUTORIA: Dr. DANIEL PERTICARRARI Dra. FERNANDA FLÁVIA COCKELL Copyright © 2008, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 2 Módulo de: Sociologia Industrial E Do Trabalho Autoria: Dr. Daniel Perticarrari Dra. Fernanda Flávia Cockell Primeira edição: 2009 CITAÇÃO DE MARCAS NOTÓRIAS Várias marcas registradas são citadas no conteúdo deste módulo. Mais do que simplesmente listar esses nomes e informar quem possui seus direitos de exploração ou ainda imprimir logotipos, o autor declara estar utilizando tais nomes apenas para fins editoriais acadêmicos. Declara ainda, que sua utilização tem como objetivo, exclusivamente a aplicação didática, beneficiando e divulgando a marca do detentor, sem a intenção de infringir as regras básicas de autenticidade de sua utilização e direitos autorais. E por fim, declara estar utilizando parte de alguns circuitos eletrônicos, os quais foram analisados em pesquisas de laboratório e de literaturas já editadas, que se encontram expostas ao comércio livre editorial. Todos os direitos desta edição reservados à ESAB – ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL LTDA http://www.esab.edu.br Av. Santa Leopoldina, nº 840/07 Bairro Itaparica – Vila Velha, ES CEP: 29102-040 Copyright © 2008, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 3 Apresentação Neste módulo você irá estudar os principais conceitos e ideias relacionadas à sociologia industrial e do trabalho. Você entrará em contato com as principais mudanças estruturais que ocorreram, não apenas, nas organizações de trabalho, como também na sociedade como um todo. Para um bom entendimento das questões relativas ao trabalho é extremamente desejoso que o aluno já tenha cursado os módulos “Teoria das Organizações” e “Organização do Trabalho”, oferecidos por essa instituição e que fazem parte do curso de pós-graduação “Ambiente Organizacional, Saúde e Ergonomia”. Dessa maneira, as questões impactantes sobre a sociedade, que serão trabalhadas nos estudos de casos e artigos expostos neste módulo, terão um melhor embasamento conceitual. As unidades baseiam-se em textos básicos e complementares e apresentação de estudos de caso específicos na utilização do desenvolvimento do módulo. Dessa forma, o módulo pauta- se em artigos especializados sobre o tema, de autores de reconhecida importância acadêmica e científica. Tal procedimento justifica-se pela necessidade de entender as transformações no mundo do trabalho em termos macrossociais e não apenas em empresas específicas, o que engendra significativos desdobramentos para os trabalhadores, em que pese sua saúde. Se dedique à leitura dos textos, buscando aprofundar seus conhecimentos sobre cada assunto. Bons estudos! Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 4 Objetivo Embasar teoricamente os profissionais de diversas áreas, na compreensão das principais transformações do mundo do trabalho e da sociedade, de forma a oferecer elementos conceituais para que se possam entender os possíveis impactos para os trabalhadores. Ementa Entendendo a Sociologia; O Mundo do Trabalho como Categoria de Análise; Principais Transformações no Mundo do Trabalho; Do Taylorismo/Fordismo à Especialização Flexível; Gênero e Cultura na Sociologia do Trabalho; O Cooperativismo como Forma de Associação do Trabalho; A Informalidade no Trabalho; A Precarização do Trabalho; Informalidade, Redes Sociais e Saúde. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 5 Sobre o Autor Dr. Daniel Perticarrari Pós-Doutorado pela UNICAMP – Faculdade de Educação; Doutor em Sociologia Industrial e do Trabalho pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – SP, 2007; Mestre em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP, 2003; Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, 1999; Desenvolveu e desenvolve projetos de pesquisa científica junto à UFSCar, UNICAMP, e CARDIFF UNIVERSITY – Inglaterra. Dra. Fernanda Flávia Cockell Doutora em Engenharia de Produção (Saúde e Trabalho) pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – SP, 2008; Mestre em Engenharia de Produção (Ergonomia) pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – SP, 2004; Graduada em Fisioterapia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, 2001. Desenvolveu pesquisas na área de ergonomia junto à UFMG, FUNEP e UFSCar. Atualmente, participa de projeto de pesquisas na UFSCar e UNICAMP, nas áreas de Sociologia do Trabalho e Saúde do Trabalhador. Tem experiência em treinamentos, comitês de ergonomia e projetos de intervenção ergonômica nas empresas: UNILEVER, Telemig Celular, Multibrás (Brastemp), SOICOM, CRB, Johnson & Johnson, PMMG, Companhia Mineira de Metais, entre outras. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 6 SUMÁRIO UNIDADE 1 ........................................................................................................... 9 Entendendo a Sociologia ................................................................................... 9 UNIDADE 2 ......................................................................................................... 14 A Sociologia Industrial e do Trabalho .............................................................. 14 UNIDADE 3 ......................................................................................................... 18 A Sociologia Industrial e do Trabalho .............................................................. 18 UNIDADE 4 ......................................................................................................... 22 A Sociologia Industrial e do Trabalho .............................................................. 22 UNIDADE 5 ......................................................................................................... 26 A Sociologia Industrial e do Trabalho .............................................................. 26 UNIDADE 6 ......................................................................................................... 35 Do Fordismo à Especialização Flexível ........................................................... 35 UNIDADE 7 ......................................................................................................... 39 A Especialização Flexível e a Sociedade Atual ............................................... 39 UNIDADE 8 ......................................................................................................... 43 O Fordismo Informal ........................................................................................ 43 UNIDADE 9 ......................................................................................................... 48 Novas Configurações do Trabalho: A Inserção da Mulher e a Mão-de-Obra Precária ............................................................................................................ 48 UNIDADE 10 ....................................................................................................... 55 Novas Configurações do Trabalho: A Inserção da Mulher e a Mão-de-Obra Precária ............................................................................................................ 55 UNIDADE 11 ....................................................................................................... 61 Novas Configurações do Trabalho: A Inserção da Mulher e a Mão-de-Obra Precária ............................................................................................................ 61 Copyright© 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 7 UNIDADE 12 ....................................................................................................... 66 Novas Configurações do Trabalho: A Inserção da Mulher e a Mão-de-Obra Precária ............................................................................................................ 66 UNIDADE 13 ....................................................................................................... 70 A Divisão do Trabalho Doméstico.................................................................... 70 UNIDADE 14 ....................................................................................................... 77 O Cooperativismo Como Forma de Associação do Trabalho ......................... 77 UNIDADE 15 ....................................................................................................... 82 Informalidade No Trabalho .............................................................................. 82 UNIDADE 16 ....................................................................................................... 86 O Significado de Informalidade ........................................................................ 86 UNIDADE 17 ....................................................................................................... 91 Sobre o Conceito “Informalidade” .................................................................... 91 UNIDADE 18 ....................................................................................................... 95 Trabalho Informal e Economia Informal ........................................................... 95 UNIDADE 19 ....................................................................................................... 98 Trabalho Informal e Economia Informal ........................................................... 98 UNIDADE 20 ..................................................................................................... 102 Trabalho Informal e Contrato de Trabalho ..................................................... 102 UNIDADE 21 ..................................................................................................... 107 Informalidade na Globalização ...................................................................... 107 UNIDADE 22 ..................................................................................................... 112 Relações de Trabalho e Precarização ........................................................... 112 UNIDADE 23 ..................................................................................................... 117 Relações de Trabalho e Precarização ........................................................... 117 UNIDADE 24 ..................................................................................................... 123 Precarização das Relações de Trabalho e Sindicalismo .............................. 123 UNIDADE 25 ..................................................................................................... 130 Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 8 Precarização das Relações de Trabalho e Neoliberalismo ........................... 130 UNIDADE 26 ..................................................................................................... 137 Tecnologia da Informação e Qualificação Profissional: Um Estudo de Caso ........................................................................................................................ 137 UNIDADE 27 ..................................................................................................... 141 Tecnologia da Informação e Qualificação Profissional: Um Estudo de Caso ........................................................................................................................ 141 UNIDADE 28 ..................................................................................................... 146 Tecnologia da Informação e Qualificação Profissional: Um Estudo de Caso ........................................................................................................................ 146 UNIDADE 29 ..................................................................................................... 152 Informalidade e Saúde ................................................................................... 152 UNIDADE 30 ..................................................................................................... 159 Fragilidade do Sistema de Proteção Social ................................................... 159 GLOSSÁRIO ..................................................................................................... 166 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 176 Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 9 UNIDADE 1 Entendendo a Sociologia Objetivo: Explicitar o que é sociologia e quais são seus campos de análise Conceito Histórico Sociologia pode ser entendida como a ciência ou campo de estudo da sociedade (a totalidade dos seres humanos na terra, em conjunto com suas culturas, instituições, capacidades, ideias e valores). Dependendo do objeto de estudo em particular, a sociologia ganha especificidades: Antropologia: estudo dos valores simbólicos de uma determinada cultura ou grupo social; Política: estudo das relações de poder (estrutura política, partidos, mídia, etc.); Economia: estudo das relações de troca e de produção; Sociologia: estudo das instituições, grupos, interações, etc.; Direito: estudo do aparato jurídico e legislativo. Obviamente, uma disciplina não consegue dar conta sozinha de todos os campos de análise, de maneira que qualquer pesquisa social envolve multidisciplinaridade, apesar dos meios acadêmicos por razões de delimitação de campo profissional, tenderem a fracionar as ciências sociais. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 10 Em termos históricos, a sociologia teve suas origens no século XVIII (retardatária em relação a outras ciências, como a física, matemática, biologia, que se desenvolveram muito antes disso) junto com o iluminismo e pretendia entender os fenômenos sociais não como obras do acaso ou de forças metafísicas ou divinas, mas como estruturas construídas historicamente com determinada lógica e dinâmica. Um dos primeiros teóricos foi Auguste Comte, cuja importância repousa apenas na delimitação da sociologia enquanto uma nova ciência. Segundo ele, os fenômenos da sociedade obedecem a leis que podem ser analisáveis. É importante ressaltar, entretanto, que, para Comte, a sociologia se ocupava mais em como a sociedade deve ser, do que como ela realmente é o que dá um caráter extremamente positivista, ou seja, as diferenças e transformações são consideradas disfunções (a sociedade fica “doente”). Esse caráter, obviamente não se aplica mais, e as mudanças e diferenças são vistas como fenômenos específicos construídos segundo uma lógica própria. A partir do século XIX e início do século XX, a sociologia ganha estudiosos de maior gabarito e o estudo dos fenômenos sociais passa a ter mais consistência. Nessa época, procurava-se estudar a sociedade como um todo, e o que importava eram os grandes fenômenos (macrossociais). Destacam nessa época Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim. No entanto, é necessário frisar, de forma muito clara, que a Sociologia é datada historicamente e que o seu surgimento está vinculado à consolidação do capitalismo moderno. Esta disciplina marca uma mudança na maneira de se pensar a realidade social, desvinculando-se das preocupações especulativas e metafísicas e diferenciando-se progressivamente enquanto forma racional e sistemática de compreensão da mesma. Assim é que a Revolução Industrial significou,para o pensamento social, algo mais do que a introdução da máquina a vapor. Ela representou a racionalização da produção da materialidade da vida social. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 11 O triunfo da indústria capitalista foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas sob o controle de um grupo social, convertendo grandes massas camponesas em trabalhadores industriais. Neste momento, se consolida-se a sociedade capitalista, que divide de modo central a sociedade entre burgueses (donos dos meios de produção) e proletários (possuidores apenas de sua força de trabalho). Há paralelamente um aumento do funcionalismo do Estado que representa um aumento da burocratização de suas funções e que está ligado majoritariamente aos estratos médios da população. O quase desaparecimento dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos independentes, a imposição de prolongadas horas de trabalho, e etc., teve um efeito traumático sobre milhões de seres humanos ao modificar radicalmente suas formas tradicionais de vida. Não demorou para que as manifestações de revolta dos trabalhadores se iniciassem. Máquinas foram destruídas, atos de sabotagem e exploração de algumas oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criação de associações livres, formação de sindicatos e movimentos revolucionários. Este fato é importante para o surgimento da Sociologia, pois colocava a sociedade num plano de análise relevante, como objeto que deveria ser investigado tanto por seus novos problemas intrínsecos, como por seu novo protagonismo político já que junto a estas transformações de ordem econômica pôde-se perceber o papel ativo da sociedade e seus diversos componentes na produção e reprodução da vida social, o que se distingue da percepção de que este papel seja privilégio de um Estado que se sobrepõe ao seu povo. O surgimento da Sociologia prende-se em parte aos desenvolvimentos oriundos da Revolução Industrial, pelas novas condições de existência por ela criada. Mas outra circunstância concorreria também para a sua formação. Trata-se das modificações que vinham ocorrendo nas formas de pensamento, originada pelo Iluminismo. As transformações econômicas, que se achava em curso no ocidente europeu desde o século XVI, não poderiam deixar de provocar modificações na forma de conhecer a natureza e a cultura. A Sociologia, assim, vai debruçar-se sobre todos os aspectos da vida social. Desde o funcionamento de estruturas macrosociológicas como o Estado, a classe social ou longos Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 12 processos históricos de transformação social ao comportamento dos indivíduos num nível microsociológico, sem jamais esquecer-se que o homem só pode existir na sociedade e que esta, inevitavelmente, lhe será uma "jaula" que o transcenderá e lhe determinará a identidade. Para compreender o surgimento da sociologia como ciência do século XIX, é importante perceber que, nesse contexto histórico social, as ciências teóricas e experimentais desenvolvidas nos séculos XVII, XVIII e XIX inspiraram os pensadores a analisar as questões sociais, econômicas, políticas, educacionais, psicológicas, com enfoque científico. Como ciência, a Sociologia se esmera em obedecer aos mesmos princípios gerais válidos para todos os ramos de conhecimento científico, apesar das peculiaridades dos fenômenos sociais quando comparados com os fenômenos de natureza e, consequentemente, da abordagem científica da sociedade. Tais peculiaridades, no entanto, foram e continuam sendo o foco de muitas discussões, ora tentando aproximar as ciências, ora afastando-as e, até mesmo, negando às humanas tal estatuto com base na inviabilidade de qualquer controle dos dados tipicamente humanos, considerados por muitos, imprevisíveis e impassíveis de uma análise objetiva. As perspectivas teórico-metodológicas apresentam tanto o estudo estatístico de comportamentos sociais, buscando evidenciar padrões (estudo quantitativo), até estudos que buscam a percepção dos atores envolvidos em determinado fenômeno social, tentando entender a lógica simbólica e os interesses velados conscientes ou não dos indivíduos (estudo qualitativo). Os sociólogos estudam uma gama muito grande de assuntos, desde que relacionados ao indivíduo em sociedade. Como exemplo, podemos citar: Sociologia da administração: é a disciplina que consiste na aplicação dos conhecimentos sociológicos - conceitos, teorias e princípios - à análise das relações sociais encontradas nas empresas de modo geral; Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 13 Sociologia econômica: é um ramo da sociologia que busca os elementos socializadores da economia e do mercado. Surgiu em resposta às teorias da economia clássica e neoclássica sobre o Homo economicus e a teoria da escolha racional ao negar que as relações sociais inseridas no mercado visassem somente à satisfação racional e utilitária de interesses individuais; Sociologia Industrial e do trabalho: é o ramo da Sociologia que procura estudar os sujeitos ocultos do ambiente de trabalho, principalmente as fábricas e os sindicatos estruturados, bem como os fenômenos que surgem das relações de trabalho e as consequências para os trabalhadores, tanto em termos de empregabilidade quanto em termos de saúde, projetos políticos, etc.; Sociologia das Religiões: busca explicar empiricamente as relações mútuas entre religião e sociedade. Seus estudos fundamentam-se na dimensão social da religião e na dimensão religiosa da sociedade; Sociologia urbana: é o ramo da Sociologia que trata do estudo das relações sociais (entre indivíduos, grupos e agentes sociais) dentro do espaço urbano. Em síntese, portanto, a sociologia urbana constitui-se de forma geral como a base dos estudos sobre as cidades. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 14 UNIDADE 2 A Sociologia Industrial e do Trabalho Objetivo: Compreender os principais conceitos relacionados à sociologia industrial e do trabalho. Pontos de referência A sociologia industrial e do trabalho pode ser entendida como a ciência que se propõe reconhecer, observar e interpretar os fenômenos sociais que se produzem no trabalho. A noção de trabalho, por sua vez, é interpretada por teorias filosóficas e ou religiosas, geralmente considerada com um valor moral. O conjunto dos trabalhos que constitui a sociologia do trabalho varia sem dúvida de acordo com os autores que a estão estudando. De um modo geral, estabelece-se o início desta ciência com a descoberta pelo sociólogo americano Elton Mayo, de um novo domínio – o das relações entre indivíduos e os grupos na indústria. Não obstante, durante a maior parte da História da Civilização o trabalho foi considerado como uma atividade depreciável. Para o Judaísmo e Cristianismo o trabalho é um castigo divino. A palavra trabalho evoluiu da palavra "Tripalium", castigo que se dava aos escravos preguiçosos. Para o mundo protestante europeu não latino, o trabalho não é um castigo, e sim uma oferenda a Deus. Os gregos da Idade de Ouro pensavam que só o ócio criativo era digno do homem livre. A escravidão foi considerada pelas mais diversas civilizações como a forma natural e mais adequada de relação laboral. Desde os meados do século XIX, vinculado ao desenvolvimento da democracia e ao sindicalismo, a escravidão deixa de ser a forma Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 15 predominante de trabalho, para ser substituída pelo trabalho assalariado. Com o surgimento de uma valorização social positiva do trabalho, pela primeira vez na história da Civilização. A partir da segunda guerra surgem conceitos da sociologia do trabalho: "divisão de trabalho", "classe social", "estratificação social", "conflito", "poder".A Sociologia presta atenção e estuda as implicâncias sociais da relação de trabalho com a ferramenta (técnica e tecnologia). As profundas transformações que derivam do passo do trabalho com simples ferramentas individuais (artesanato), ao trabalho industrial com grandes máquinas (maquinismo), ao trabalho com computadores (sociedade de informação), constituem um permanente tema de estudo sociológico. Além disso, as relações de trabalho e as consequências para os trabalhadores, tanto em termos de empregabilidade quanto em termos de saúde, projetos políticos, etc., se configuram como tema de investigação. A seguir, apresentaremos o artigo de Bila Sorj “Sociologia do trabalho: mutações, encontros e desencontros”, que faz, justamente, um balanço da trajetória internacional da sociologia do trabalho e traça os principais desafios da disciplina num mundo de constantes transformações nas relações de trabalho. O Mundo do Trabalho: Categoria de Análise Há certos períodos na história em que muitos dos entendimentos produzidos pela Sociologia sobre o modo como a sociedade se organiza têm o seu valor explicativo diminuído. As duas últimas décadas foram, certamente, um desses períodos, momento em que novas tendências no mundo do trabalho ensejaram uma extensa reavaliação das teorias e quadros analíticos oferecidos pela Sociologia do Trabalho há quase um século. O mundo do trabalho é apenas uma das dimensões de um amplo espectro de transformações radicais que afeta nossas vidas e que está a desafiar a nossa imaginação sociológica. Não obstante a carência de teorias gerais que interpretem, de uma maneira mais Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 16 ou menos sistemática, essas mudanças e também as continuidades que marcam as sociedades atuais, ouvimos de todos os lados que tudo, de alguma forma, mudou fundamentalmente. A família nuclear moderna desintegrou-se, dando lugar a uma grande diversidade de arranjos singulares; a sociedade de classes dissolveu-se, assumindo a forma de grupos e movimentos sociais separados, baseados em etnicidade, sexo, localidades; os Estados- nação enfraqueceram-se em virtude de forças globais e regionais. Uma boa evidência da percepção do caráter liminar do período em que vivemos é a profusão de títulos de obras recentes nas ciências humanas que sentenciam o fim de algo: o fim da história, o fim do social, o fim da sociedade industrial, o fim do iluminismo, o fim da modernidade, o fim do trabalho. Evidentemente, não precisamos aceitar versões cataclismáticas do presente para reconhecer a importância das transformações que estão em curso na atualidade. Neste final de século, a Sociologia do Trabalho, ou Sociologia Industrial, parece ter perdido a importância adquirida entre os anos 40 e 60 como uma subárea central da Sociologia. A proposição, quase que axiomática, de que o trabalho constitui a principal referência que determina não apenas direitos e deveres, diretamente inscritos nas relações de trabalho, mas principalmente padrões de identidade e sociabilidade, interesses e comportamento político, modelos de família e estilos de vida, vem sendo amplamente revista. Novas categorias de análise como "identidades", "estilos de vida" e "movimentos sociais" ganham preeminência e asseveram, implícita ou explicitamente, que o trabalho e a produção perderam sua capacidade de estruturar posições sociais, interesses, conflitos e padrões de mudança social. As implicações desses deslocamentos analíticos para a Sociologia do Trabalho são numerosas. Desejo apenas assinalar que a área ficou acuada entre dois movimentos teóricos distintos, ambos, a meu ver, insatisfatórios: um que continuou a insistir na validade de modelos explicativos tradicionais, especialmente os de inspiração marxista, apesar do reconhecimento da perda do seu poder explicativo, e outro que rapidamente abraçou as Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 17 teses sobre o "fim do trabalho", deslocando o interesse da Sociologia para outras esferas da vida e adotando novos conceitos de rentabilidade sociológica, supostamente superiores. O resultado disso tem sido uma contínua perda de espaço da Sociologia do Trabalho. Na melhor das hipóteses, seu campo de pesquisa hoje se limita ao estudo das novas práticas de gerenciamento de recursos humanos provocadas pela reestruturação produtiva, aproximando-se dos temas de interesse da Administração de Empresas; na pior das hipóteses, reitera-se que o seu objeto de estudo perdeu todo interesse sociológico. Nesse contexto, proliferam estudos históricos em que se observa um indisfarçável saudosismo dos sistemas produtivos tayloristas ou fordistas que, até ontem, eram considerados modelos supremos da alienação do trabalho. Contra a ideia do "fim do trabalho", argumento que o trabalho, na pluralidade de formas, que tem assumido, continua a ser um dos mais importantes determinantes das condições de vida das pessoas. Isto porque o sustento da maioria dos indivíduos continua a depender da venda do seu tempo e de suas habilidades de trabalho no mercado. Mais ainda, como veremos adiante, sua presença tem invadido de tal forma diferentes esferas da vida que temos, hoje, grandes dificuldades em estabelecer as fronteiras que separam o âmbito do trabalho do não-trabalho. Por outro lado, também é pouco convincente pretender que nada mudou. As transformações nessa área são tão profundas que requerem uma ampla revisão da forma como a Sociologia construiu o seu objeto de investigação. Meu argumento será exposto da seguinte maneira. Na primeira parte do artigo retomo o modo como a Sociologia do Trabalho construiu o seu objeto visando identificar os limites dos modelos interpretativos dominantes. Na segunda, analiso como os estudos de gênero questionam a construção do conceito de trabalho prevalecente na Sociologia ao focalizar o tema da cultura, geralmente negligenciado nos estudos do trabalho. Na terceira e última parte, detenho-me nas novas configurações do mundo do trabalho para sugerir que hoje, mais do que em qualquer outro momento, com a desregulação das relações contratuais de emprego, as fronteiras entre o trabalho e o não-trabalho foram severamente reduzidas. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 18 UNIDADE 3 A Sociologia Industrial e do Trabalho Objetivo: Compreender os principais conceitos relacionados à sociologia industrial e do trabalho em relação a construção do objeto de estudo Conteúdo Nesta unidade você continuará lendo o texto de Bila Sorj. Neste, a autora trata da construção do objeto da sociologia do trabalho, ou seja, quais seus campos de atuação. A Construção do Objeto Desde a sua constituição como uma subárea da Sociologia, a Sociologia do Trabalho incorporou o ponto de vista então predominante entre os intérpretes das sociedades modernas de que a economia formava uma esfera central e socialmente diferenciada do conjunto da vida social. É nos clássicos das ciências sociais que encontramos a origem dessa interpretação. A despeito do interesse que manifestavam pelo sistema social como um todo, ou pelas conexões entre "base" e "superestrutura", na formulação marxista, a verdade é que eles consideravam a sociedade moderna diferenciada o bastante para que suas partes fossem pensadas como subsistemas relativamente autônomos. Para Parsons, por exemplo, uma das grandes realizações da modernidade teria sido diferenciar internamente a sociedade de tal forma que princípios distintos orientariam a ação de seus subsistemas. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 19 O ethos utilitário, por exemplo, prevaleceria no sistema econômico, ao passo que na família e no sistema de parentesco as "atribuições de qualidades" e a "expressividade" teriam primazia. Era nisto que asociedade moderna se distanciava com maior nitidez da "solidariedade mecânica", marcada pela rígida integração das partes em torno de um núcleo central de valores, a qual, seguindo a influente descrição feita por Durkheim, supostamente caracterizava as sociedades tradicionais. De Marx herdamos ainda os pressupostos de que a posição do trabalhador no processo produtivo é o princípio organizador da estrutura social; de que a dinâmica do desenvolvimento é pautada pelos conflitos gerados em torno da exploração no plano das relações de trabalho, e de que a racionalidade capitalista industrial é a responsável pela continuidade do desenvolvimento das forças produtivas. Tais interpretações da sociedade moderna, cuja economia foi concebida como uma esfera separada e determinante do sistema social orientou a Sociologia do Trabalho em pelo menos um aspecto fundamental: na concepção de que as formas de utilização industrial da força de trabalho seriam presididas por um tipo de racionalidade estratégica amoral, desvinculada de quaisquer critérios imediatos de referência ao mundo doméstico ou a lealdades de cunho particularista. Seriam os mandamentos dessa racionalidade estratégica que organizariam e regulariam tanto o processo de trabalho direto, como o campo de ação dos atores nele envolvidos. A relação salarial seria, então, o ponto de referência central por intermédio dos quais todos os demais aspectos da sociedade — organização política, cultura, sistemas cognitivos, família, sistema moral, religião, dentre outros — deveriam ser deduzidos. É fácil constatar que a Sociologia do Trabalho escolheu como seu campo de pesquisa favorito o trabalho remunerado, ou, de uma maneira mais restritiva, o trabalho assalariado em tempo integral, particularmente na grande indústria. A produção em estilo fordista, isto é, a produção em massa de produtos padronizados que se disseminam principalmente nos Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial, passou a ser vista como a quintessência do Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 20 desenvolvimento industrial, e o trabalhador da indústria automobilística, como o símbolo daquilo que o trabalho moderno representava ou iria representar no futuro próximo. Se estiver interessada em fazer uma leitura da Sociologia do Trabalho que realce as convergências internas das distintas abordagens, para poder identificar os seus limites, certamente não ignoro as divergências presentes. O marxismo, que até pouco tempo foi a principal fonte de inspiração da Sociologia do Trabalho, pelo menos na Europa, distingue-se, evidentemente, das abordagens de inspiração neoclássica. Diferentemente dos neoclássicos, os marxistas enfatizam que o mercado de trabalho é um fenômeno histórico recente que substituiu o trabalho organizado em bases feudais, a escravidão e outras formas de vínculos pessoais fundados na coerção direta. Seu argumento é que a criação do mercado de trabalho dependeria não apenas do desenvolvimento tecnológico, mas também da acumulação prévia de riqueza e de recursos produtivos, bem como da proletarização de amplos grupos sociais. Também não se pode ignorar que os próprios marxistas divergem entre si. Por um lado, há aqueles que vêem a tecnologia como o principal promotor do desenvolvimento econômico. Esta visão serviu de inspiração, por exemplo, para a tese de Braverman sobre o incessante esforço dos capitalistas para desqualificar a força de trabalho mediante uma minuciosa divisão do trabalho. Mas, por outro lado, há outras perspectivas que reconhecem a indeterminação das lutas políticas e econômicas, como aquela da escola "regulacionista" de origem francesa, que afirma que o capitalismo produz uma série de regimes de regulação cuja natureza de suas sucessivas fases dependeria também de circunstâncias históricas contingentes. Novamente contrastando com o modelo neoclássico, que concebe o mundo do trabalho como povoado por indivíduos independentes, automotivados, que tomam suas decisões a partir de interesses e preferências individuais, os marxistas enfatizam a consciência de classe, a consciência coletiva do interesse de classe que emerge mais ou menos naturalmente das relações sociais de produção. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 21 A aglomeração de grandes contingentes de trabalhadores em grandes estabelecimentos industriais, com uma detalhada divisão do trabalho, e a crescente homogeneização da força de trabalho intraindústrias produziria o principal ator coletivo da sociedade capitalista. Embora os marxistas hoje adotem uma visão menos determinista e mais interativa da relação entre economia e consciência, eles ainda sustentam que a percepção dos interesses é poderosamente moldada pelo contexto estrutural da economia. Apesar dessas diferenças, que não são poucas, permito-me, tendo em vista os propósitos da minha análise, motivada pelos desafios do presente, unificá-las e concluir que a Sociologia do Trabalho sustentou, ao longo do tempo, um tipo de "consenso ortodoxo" que vem sendo recentemente desestabilizado pela ação de, pelo menos, duas ordens de fenômenos: As contribuições dos estudos de gênero, que contestam tanto os limites daquilo que se considera trabalho, como a visão de que a esfera econômica possa ser tratada de maneira autônoma das demais esferas da vida, e as recentes mudanças nas relações de trabalho — denominadas por alguns de pós-fordismo, acumulação flexível ou sociedade pós-industrial — que vêm deslocando a figura do trabalhador masculino em tempo integral na indústria como o arquétipo das sociedades contemporâneas. Tratarei de esses dois aspectos a seguir. (na próxima unidade). Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 22 UNIDADE 4 A Sociologia Industrial e do Trabalho Objetivo: Compreender os principais conceitos relacionados à sociologia industrial e do trabalho em relação às relações de gênero e cultura. Conteúdo Nesta unidade você verá a segunda parte do texto de Bila Sorj, no qual a autora trata das dimensões de gênero e dos aspectos culturais da sociologia do trabalho. Gênero e Cultura na Sociologia do Trabalho Em que pese a grande variedade de abordagens que buscam salientar a importância das relações de gênero na organização do trabalho, todas elas, de uma forma ou de outra, procuram mostrar a influência dos valores da cultura mais ampla sobre a organização e a experiência no mundo do trabalho. Tal perspectiva não é exatamente uma novidade na Sociologia do Trabalho, tendo estado presente desde a constituição da disciplina. Entretanto, o interesse em relacionar a experiência no trabalho com outras esferas da vida ficou, na verdade, negligenciado diante do horizonte de indagações marcado pelo "consenso ortodoxo" a que acabo de me referir. Não apenas aquilo que se considera como a esfera própria do trabalho, como também os modelos interpretativos oferecidos pela Sociologia dominante passaram a ser revistos, sobretudo a noção de que a produção e o trabalho doméstico seriam regidos por diferentes princípios — isto é, de que as regras do mercado se aplicariam à produção, ao passo que o trabalho doméstico seria, por assim dizer, um dote natural que as mulheres aportariam ao Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 23 casamento em troca do seu sustento — consolidado no século passado com a emergência da família nuclear que acompanhou a industrialização. Passou-se a questionar também as diferenças nos atributos de gênero estabelecidas e justificadas, até pouco tempo atrás, como verdades eternas pelo discurso do senso comum e concebidas, em algumas abordagens sociológicas, como um pré-requisito funcional da sociedade moderna. Não pretendo analisar o conjunto de fatores, extremamente complexo, responsável pelas mudanças nomodo de conceber as relações entre os gêneros observadas nas sociedades ocidentais a partir dos anos 60. Quero, entretanto, assinalar que, além do ingresso maciço de mulheres casadas no mercado de trabalho, a reemergência do movimento feminista como articulador de um novo discurso sobre a condição das mulheres não pode ser ignorada. Abrir a caixa-preta da esfera doméstica e expô-la ao debate político ajudaram a dissolver a noção de harmonia ou equilíbrio entre os sexos, os tabus sobre o casamento, a sexualidade e a maternidade. Se a linguagem pode servir como barômetro das mudanças culturais nas relações de gênero das últimas décadas, expressões como "guerra dos sexos", "guerra na família", "exploração masculina", "contradição entre os sexos" passaram a caracterizar, frequentemente, o que ocorria no interior das famílias. É evidente que esses exageros linguísticos tinham como objetivo chamar a atenção do público para um problema político: a condição feminina subalterna. Mas, de alguma forma, também sensibilizaram a Sociologia para um campo de relações sociais altamente desigual e surpreendentemente pouco explorado pelas análises sociológicas dos anos 50 e 60. O que me interessa reter das análises feitas sobre a posição e experiência das mulheres no trabalho é que foram muito convincentes em mostrar a existência de um estreito vínculo entre o trabalho remunerado e o trabalho doméstico, uma vez que os indivíduos ou coletividades de trabalhadores não estão condicionados apenas por fatores de ordem Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 24 econômica, tecnológica ou política, fatores estes frequentemente privilegiados nas explicações sociológicas. A posição diferencial de homens e mulheres no espaço doméstico é um elemento central na determinação das chances de cada um no mercado das carreiras, dos postos de trabalho e dos salários. Por outro lado, a esfera familiar não pode mais ser vista como um modelo ou um sistema de posições fixas, livre dos constrangimentos externos gerados pelo mercado de trabalho. É importante reconhecer também as ambivalências presentes nos estudos de gênero. Se, por um lado, se enfatiza a importância dos valores culturais na compreensão do funcionamento dos mercados e das relações de trabalho, contraditoriamente, introduz-se uma abordagem econômica no cálculo do valor das atividades domésticas, que passam a ser contabilizadas em termos da sua contribuição para o funcionamento do sistema produtivo e percebidas não apenas pela ótica das qualidades expressivas e morais que encerram, mas também pelo valor econômico que aportam. De qualquer forma, o principal resultado dessas contribuições à Sociologia foi a expansão dos limites da definição de trabalho e o aprofundamento da reflexão acerca do caráter histórico e cultural deste conceito e das atividades que abrange. Tal conceito deixou de ter o significado objetivo, transcendente e autoevidente sobre o qual se alicerçou boa parte da nossa tradição sociológica. Seus contornos passaram a ser vistos como fruto de configurações culturais, de contextos cognitivos que constroem certas atividades como sendo "trabalho", e das instituições sociais que sustentam tais definições. Assim, as fronteiras entre o trabalho e o não-trabalho parecem menos demarcadas à medida que passamos a ver as atividades de lavar, passar, cozinhar, cuidar das crianças e de idosos e tantas outras tarefas domésticas como trabalho remunerado e não remunerado, embora não seja nada aleatório que o trabalho remunerado apareça, em geral, como mais "valioso" ou mais "real" do que o outro. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 25 Rever as tradicionais distinções entre o trabalho e o não-trabalho torna-se, pois, imperioso para que a Sociologia possa sintonizar com as novas realidades produtivas do presente, das quais passarei a tratar a seguir. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 26 UNIDADE 5 A Sociologia Industrial e do Trabalho Objetivo: Compreender os principais conceitos relacionados à sociologia industrial e do trabalho em relação às novas configurações do mundo do trabalho. Conteúdo Nesta unidade você verá terá acesso à última parte do texto de Bila Sorj, no qual a autora traça as novas dimensões e configurações do mundo do trabalho e qual o papel da sociologia neste momento. Novas Configurações do Mundo do Trabalho O cenário produtivo com o qual nos defrontamos hoje revela fortes sinais de que a produção em massa de produtos industriais padronizados, empregando milhares de trabalhadores, pode ser considerada coisa do passado. Os empregados das indústrias estão, cada vez mais, produzindo bens especializados em fábricas que empregam consideravelmente menos funcionários e utilizam de forma crescente tecnologias altamente informatizadas. Há também grande alteração na organização espacial da produção. As empresas são hoje capazes de operar em escala mundial, movimentando-se por distintos países e/ou regiões, beneficiando- se da presença de menores níveis salariais, da baixa incidência de conflitos industriais e das vantagens propiciadas por isenções fiscais de vários tipos. Outras mudanças relacionadas a estas também são evidentes, embora o ritmo de sua implantação varie de país para país: o crescimento significativo do emprego "autônomo"; o aumento das formas atípicas de emprego, como o trabalho temporário, em tempo parcial e a domicílio; a acelerada expansão de pequenas empresas, tanto no setor industrial como no de serviços; o declínio significativo Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 27 do emprego mesmo nas grandes empresas multinacionais; a forte tendência ao desmembramento de grandes empresas em pequenas unidades produtivas descentralizadas; o crescimento de novas formas de propriedade, como o franchising, ou de novos arranjos produtivos como a subcontratação. Deste elenco de mudanças vou me ater a apenas duas, que, a meu ver, implicam a formulação de uma nova agenda de questões para a Sociologia do Trabalho. A primeira é a forte expansão do setor de serviços e a queda concomitante da participação relativa da indústria nas economias contemporâneas. Esta transformação é de tal ordem que muitos autores consideram que seria mais apropriado chamar nossas sociedades de pós- industriais. A demanda por serviços de toda espécie, como transporte e comunicações, governo e administração, saúde e educação e serviços financeiros, cresceu de tal maneira que a participação do setor industrial no total do emprego na Grã-Bretanha, por exemplo, caiu de 40% em 1970 para 18% em 1995. Nos Estados Unidos, o setor de serviços, que respondia por 40% do total do emprego no início do século, hoje já ultrapassa a marca de 82%. No Brasil a trajetória é semelhante: o setor de serviços congrega mais de 50% da população ocupada, contra 20% na indústria e 25% na agricultura (PNAD/IBGE, 1996). Estima-se que até o ano 2000 esta proporção subirá para 62% (Pastore, 1998). Embora o trabalho no setor de serviços se tenha tornado a principal forma de ocupação nas economias ocidentais, as análises sociológicas não acompanharam como deveriam essa nova realidade. Isto se deve, em grande parte, à contínua preferência dos sociólogos por formas particulares de trabalho — aquelas associadas à produção de bens tangíveis — e pelos ambientes onde elas se encontram — as fábricas. Nos casos em que o setor de serviços foi abordado, a atenção recaiu, principalmente, sobre as tarefas manuais e rotineiras executadas por empregados situados em segmentos inferiores da atividade, desconsiderando-se outras atividades do setor que envolvem Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 28 comportamentos relacionais e interativos com clientes. A consequênciadisso foi a representação do processo de trabalho nos serviços à semelhança do processo do trabalho na indústria. Não é de se estranhar, portanto, que muitos estudos sobre o setor de serviços tenham em Braverman (1974) a principal fonte de inspiração. Como é bastante conhecido, este autor argumenta que a introdução de novas tecnologias faz prevalecer no setor de serviços as mesmas normas de rotinização, fragmentação e desqualificação do trabalho vigentes na indústria. Não há dúvida de que muitas ocupações nesse setor assumem, de fato, essas características, especialmente nos níveis inferiores da hierarquia ocupacional. Entretanto, gostaria de argumentar que, na produção de bens intangíveis, surge um novo modelo de trabalho que escapa completamente ao padrão prevalecente na produção industrial. Refiro- me aos aspectos interativos das ocupações no setor de serviços e às novas formas de "governance", ou controle, que eles animam. Como exemplo, Robert Reich, no seu livro The work of nations (1992), mostra que o maior grupo ocupacional norte-americano (30%), e o que mais cresceu nos anos 80, abrange empregos que envolvem algum tipo de interação ou contato direto entre produtor e comprador de um serviço. Nesta categoria estão incluídos vendedores de grandes cadeias varejistas, trabalhadores em restaurantes, hotéis, secretárias, corretores de imóveis, enfermeiras, terapeutas, comissários de bordo, caixas de supermercados e lojas etc. O que caracteriza essas ocupações é que a qualidade da interação estabelecida produz significados que operam como importantes sinalizadores do valor do produto para os consumidores. Dito de outra forma, o próprio trabalhador é parte do produto que está sendo oferecido ao cliente. A estreita relação que se estabelece entre características pessoais dos empregados e sua adequação ao trabalho transformam traços como aparência, idade, educação, gênero e raça em potencial produtivo, de tal forma que características e competências individuais são a condição mesma da empregabilidade. O resultado disso é uma forte estratificação do Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 29 mercado de trabalho, em que os níveis inferiores de emprego, em tempo parcial ou temporário, são preenchidos predominantemente por minorias, mulheres e jovens com baixa escolaridade e, portanto, poucas oportunidades de carreira e mobilidade. A crescente importância dos serviços envolve também novas modalidades de controle gerencial ou regulação que escapam às categorias de análise tradicionais da Sociologia. Arlie Hochschild, em livro cujo título é muito sugestivo, The managed heart: commercialization of human feelings (1983), mostra como o trabalho das aeromoças, por exemplo, exige que elas dominem suas emoções e sorriam de uma maneira agradável, envolvente e amigável para os clientes. A este tipo de trabalho, em que a cada contato é necessário que o empregado sintonize o seu comportamento com as emoções de cada cliente individualmente, Hochschild chamou de "trabalho emocional". Essa mudança constante de comportamento faz dos empregados "analistas culturais", nos termos de Scott Lash e John Urry (1994), aptos a interpretarem e modificarem suas interações com os consumidores a partir de um julgamento cultural que os situa em diferentes categorias sociais. Esse novo perfil de ocupação nos serviços tem colocado para a gerência das empresas o problema de como regular a relação empregado/consumidor em um contexto de interação. Por um lado, a supervisão pessoal, direta e constante pode prejudicar a eficácia do serviço, retirando dele sua qualidade espontânea e interpessoal. Por outro, como tornar previsíveis as reações dos empregados a situações de trabalho tão diversificadas? O entendimento da dinâmica das relações de trabalho nessas recentes e crescentes ocupações coloca para a Sociologia o desafio de integrar às suas preocupações um conjunto de novos elementos. O primeiro deles refere-se ao contato interpessoal como parte do processo de trabalho e como área legítima de intervenção da gerência empresarial. O segundo concerne à importância de integrar trabalho e consumo, que deixam de ser esferas distintas no tempo e no espaço; ao contrário, boa parte do trabalho é o próprio produto que está sendo consumido. Em terceiro lugar, é necessário considerar o impacto direto da presença cada vez mais atuante de agrupamentos sociopolíticos de consumidores, que Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 30 pressionam pela elevação da qualidade dos serviços, sobre a própria organização e gestão do trabalho. A segunda grande mudança refere-se ao regime de emprego que prevaleceu nas sociedades avançadas desde o pós-guerra, período chamado por muitos de "a idade de ouro do capitalismo". No que se segue, pretendo sugerir algumas hipóteses acerca da direção dessa mudança — as quais, evidentemente, devem ser muito mais discutidas e empiricamente testadas — que buscam escapar daqueles dois movimentos teóricos aos quais me referi no início: a visão de que nada, ou muito pouco, mudou, e a perspectiva do "fim do trabalho", ou seja, de que tudo mudou. O regime de emprego que emergiu no século passado como resultado de conflitos ferozes e de constantes crises sociais e políticas caracterizava-se por um alto grau de padronização em quase todos os aspectos: o contrato de trabalho, o lugar do trabalho, a duração da jornada de trabalho. Em termos legais, a tendência era a adoção de um padrão de contrato negociado coletivamente para um segmento industrial inteiro ou para grupos ocupacionais específicos. O emprego era também, em geral, geograficamente concentrado em grandes empresas. Pode-se afirmar que até os anos 70, nas sociedades avançadas, o chamado "emprego em tempo integral e para a vida toda" era uma forte referência tanto no planejamento organizacional das empresas como no horizonte existencial dos trabalhadores. Em sentido macrossociológico, o emprego desempenhava a poderosa função de articular diferentes níveis do sistema social: as motivações individuais, as posições sociais e a reprodução ou integração sistêmica. A construção das identidades sociais, ao menos para os homens, tinha como principais determinantes a qualificação, a posição no emprego e as expectativas de carreira. Torna-se cada vez mais evidente que, nos tempos atuais, o emprego como uma carreira contínua, coerente e fortemente estruturada não é mais uma opção que esteja amplamente disponível. Empregos permanentes estão cada vez mais restritos a poucas e velhas indústrias ou a algumas profissões que estão rapidamente desaparecendo. Os novos postos Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 31 criados tendem a ser flexíveis no tempo, no espaço e na duração, dando origem a uma pluralidade de contratos de trabalho: em tempo parcial, temporários ou por conta própria. O fato de que as formas típicas de emprego não fazem mais parte do horizonte organizacional das grandes empresas foi eloquentemente reconhecido pelo vice-presidente do Departamento de Recursos Humanos da AT&T, James Meadows, em entrevista ao New York Times, no início do programa de demissão de 40 mil trabalhadores, em 1996. Segundo Meadows, "as pessoas devem ver a si mesmas como trabalhadores autônomos, como vendedores que vêm para esta companhia vender suas habilidades". E acrescenta: "Na AT&T temos que promover toda uma concepção de que a força de trabalho é temporária. Em vez de empregos, as pessoas têm cada vez mais projetos' ou campos de trabalho'." (apud Tilly e Tilly, 1998, p. 224). Tal declaração indica que o trabalho na empresa transferiu-se do emprego assalariado típico para outras formas de contratos de prestação de serviços que, no limite, tenderiam a transações individuais. Sugere, ainda, que nas novas regras dojogo contratual não existe nenhuma referência a um coletivo, exceto àquele formado pelo contratante e o prestador do serviço. Mudanças similares, em termos de atitudes e expectativas de trabalhadores e gerentes, foram captadas em amplos surveys realizados nos EUA (Cappelli e O'Shaughnessy, 1995, apud Tilly e Tilly, 1998). Ambos os grupos avaliaram que o seu compromisso atual com o empregado era muito menor do que em décadas anteriores. Pois bem, as transformações que acabo de esboçar animaram um intenso debate na Sociologia nos últimos anos. Alguns autores, mediante o conceito de "especialização flexível", procuraram salientar dimensões específicas desse processo, particularmente os desafios colocados à coordenação ou governance de estruturas produtivas altamente descentralizadas, baseadas em redes de produtores independentes, tão distantes do modelo weberiano de organizações burocráticas e hierárquicas. Outros procuraram teorizar sobre a relação entre mudanças no regime de emprego e mudanças mais gerais ocorridas nas sociedades contemporâneas. Neste último caso, como mencionei no início, creio que a Sociologia do Trabalho ficou imprensada por duas visões Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 32 opostas: aquela que considera que, no fundo, nada ou muito pouco mudou — afinal, as economias continuam capitalistas e, portanto, estruturam-se a partir dos mesmos princípios — e a que considera que tudo mudou e que o trabalho perdeu sua centralidade, tornando-se o consumo o princípio ordenador das relações sociais. Ambas as perspectivas são altamente parciais e, portanto, insustentáveis. Por um lado, a tendência atual que encoraja os trabalhadores a perceberem a si mesmos como empreendedores e a tratarem seus empregadores como clientes de seus serviços implica uma mudança radical na experiência do trabalho. Por outro, o aumento da flexibilidade e a precariedade do emprego, em lugar de diminuírem o peso do trabalho na vida das pessoas, difundiram a sua presença em inúmeras esferas da vida que, anteriormente, eram vistas como separadas do trabalho. A erosão das normas tradicionais de assalariamento, fundadas em identidades ocupacionais ou de classe, e a paulatina perda das funções protetoras do Estado têm como consequência o aumento da individualização na construção e valorização das próprias condições de empregabilidade. A constante incerteza, advinda da pluralidade de formas de contratos de trabalho, em relação à duração, ao tempo e à localização das atividades, associada à rápida obsolescência das habilidades adquiridas, requerem das pessoas intensos investimentos privados e permanente sintonia com as eventuais oportunidades que o mercado oferece. Nessas circunstâncias, os trabalhadores devem adquirir habilidades, inclusive a de cooperar em diferentes ambientes, sem que, no entanto, possam contar com relações de longa duração com qualquer empregador, ou cliente, em particular. Mais ainda, a crescente exigência de reintegração da concepção e execução no processo de trabalho requer dos trabalhadores maior qualificação, sem que a ela correspondam postos de trabalho definidos ou um lugar institucional assegurado. A desregulação das normas tradicionais do emprego e o consequente aumento da individualização vis-à-vis o mercado transformam o trabalhador em um bricoler de sua condição de empregabilidade.Gostaria de sugerir que uma das formas de assegurar a empregabilidade a longo prazo é transformar as múltiplas redes de sociabilidade — como a Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 33 família, grupos de vizinhança, igrejas, associações profissionais, clubes e partidos políticos — em fontes de informação e de renovadas oportunidades no mercado de trabalho. O recurso a essas redes, embora preexistente, tende a se aprofundar no novo contexto marcado pela imprevisibilidade. Participar das atividades sociais que tais redes organizam se tem tornado uma precondição de empregabilidade. Pesquisas internacionais recentes mostram que uma elevada proporção de trabalhadores vem encontrando emprego mediante o acionamento de redes de amigos, familiares, vizinhança e contatos pessoais. Essa proporção alcança, por exemplo, 40% dos trabalhadores da Grã-Bretanha, 35% dos trabalhadores japoneses e 61% dos altos executivos na Holanda (Granovetter, 1995, pp. 140-141). Podemos dizer que, da mesma forma que está ficando cada vez mais difícil identificar para quem se trabalha, está igualmente difícil saber quando se trabalha. Diante desse quadro, a Sociologia deve enfrentar uma nova agenda de questões. A primeira delas é a de como situar as alterações que ora ocorrem no mundo do trabalho em um quadro mais geral de mudanças sociais na família, na cultura e na política. Seja como locus privilegiado da mudança ou como um sintoma dela, em nenhum dos casos o trabalho pode ser estudado por si só. A segunda refere-se à maneira pela qual as identidades das pessoas vêm sendo afetadas. Se a flexibilidade do trabalho requer identidades menos atadas, por exemplo, às empresas ou às ocupações, que identidades ou "comunidades imaginárias", internas ou externas à produção, se desenvolvem e como elas moldam as percepções e as chances que se tem no mercado? A terceira questão que se coloca é: que funções o sindicalismo irá assumir em um contexto em que contratos de trabalho são cada vez mais negociados individualmente, as relações entre os empregados são mais amorfas e em que não há mais uma clara correspondência entre o trabalho e o espaço da empresa? Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 34 Considerando que na emergente economia flexível alguns são mais vulneráveis do que outros, outra questão a ser examinada é como os menos vulneráveis exercem seu poder sobre os mais vulneráveis e que tipos de novos conflitos emergem. Como os excluídos reagem à exclusão? E, finalmente, que impactos a constante perda de direitos sociais e trabalhistas terá sobre a política, a cidadania e a democracia? Estas são apenas algumas das questões que o atual mundo do trabalho coloca para a Sociologia em geral e para a Sociologia do Trabalho em particular. À medida que for capaz de interpretar as mutações em curso sem reduzi-las, por um lado, a uma visão saudosista de um passado agora idealizado e, por outro, a uma sociedade de consumidores ávidos de imagens e símbolos da qual se exorcizou a luta pela sobrevivência material, creio que a Sociologia do Trabalho poderá ocupar um lugar central na renovação da teoria social nos tempos vindouros. EXERCÍCIOS DISSERTATIVOS: 1. Por que dizemos que a sociologia do trabalho está reconsiderando seu objeto de estudo? Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 35 UNIDADE 6 Do Fordismo à Especialização Flexível Objetivo: Apresentar a crise do taylorismo/fordismo e o advento da flexibilidade produtiva na sociedade. Conteúdo Nas unidades 6, 7 e 8 apresentaremos uma síntese do taylorismo/fordismo, bem como do sistema flexível de produção industrial, que ganhou fôlego principalmente na década de 70 no mundo ocidental (Estados Unidos) e na década de 90 no Brasil. Para quem já cursou os módulos “Teoria das Organizações” e “Organização do Trabalho” trata-se de uma recapitulação, mas que se torna necessária devido aos desdobramentos para o mundo do trabalho e para os trabalhadores, quando apresentaremos os principais impactos em artigos relacionados ao tema. Para quem não pôde estudar os módulos supracitados, não se preocupe, pois o artigo “Da rotina à flexibilidade: análise das características do fordismo fora da indústria” de Alexandre Barbosa Fraga faz um bom resumo das características do taylorismo/fordismo e da especialização flexível. Bom Estudo. O Fordismo e o Taylorismo O conjunto de práticasprodutivas cunhado de fordismo é característico da modernidade sólida ou do capitalismo pesado, para usar expressões de Bauman, sendo importante para a organização da produção até meados dos anos 70 do século passado. "Entre os principais ícones dessa modernidade estavam a fábrica fordista, que reduzia as atividades humanas a movimentos simples, rotineiros e predeterminados, destinados a serem obedientes e Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 36 mecanicamente seguidos, sem envolver as faculdades mentais e excluindo toda espontaneidade e iniciativa individual " (Bauman, 2001: 33/34). O fordismo, método de racionalização da produção em massa, teve início na indústria automobilística Ford, nos Estados Unidos, onde esteiras rolantes levavam o chassi do carro e as demais peças a percorrerem a fábrica enquanto os operários, distribuídos lateralmente, iam montando os veículos. Esse método integrou-se às teorias do engenheiro norte- americano Frederick Winslow Taylor, que ficaram conhecidas como taylorismo. Ele buscava o aumento da produtividade através do controle dos movimentos das máquinas e dos homens no processo de produção. O empregado, seguindo o que foi determinado pelos seus superiores, deveria executar uma tarefa no menor tempo possível. Ford fez um acordo geral que aumentou o salário nominal de 2,5 para 5 dólares ao dia. Mas o que Ford pretendia ao dobrar o salário de seus trabalhadores? É claro que a explicação não vem de uma das suas famosas frases "quero que meus trabalhadores sejam pagos suficientemente bem para comprar meus carros", já que eles eram responsáveis por uma fatia muito pequena das suas vendas. O “five dollars day” acabava com a alta rotatividade dos trabalhadores. Para que continuassem recebendo o salário duplicado, os operários faziam de tudo para permanecerem na Ford Motor Company. Com isso, as funções na linha de produção tinham fixas a elas trabalhadores que ficavam por mais tempo na empresa, aumentando a prática em determinada função e diminuindo o tempo de cada movimento. Além disso, ao impedir a alta rotatividade dos trabalhadores, economizava-se dinheiro gasto em sua preparação e treinamento. O five dollars day não se estendia a todos os trabalhadores. Não se beneficiavam dele, os operários que tivessem menos de seis meses na empresa, os jovens menores de vinte e um anos e as mulheres. "Asegurado el aprovisionamiento de una mano de obra seleccionada y dócil, la expansión de la Ford Motor Company prosigue a un ritmo desconocido hasta entonces: 200.000 coches fabricados en 1913, 500.000 en 1915, um millón en 1919, dos millones en 1923. Ha nascido la producción en masa del automóvil" (Coriat, 1994: 59). Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 37 Dessa forma, o modelo fordista pode ser entendido por uma série de características: "meticulosa separação entre projeto e execução, iniciativa e atendimento a comandos, liberdade e obediência, invenção e determinação, com o estreito entrelaçamento dos opostos dentro de cada uma das oposições binárias e a suave transmissão de comando do primeiro elemento de cada par ao segundo" (Bauman, 2001: 68); baixa mobilidade dos trabalhadores; homogeneização da mão-de-obra; "mão-de-obra numerosa e predominantemente masculina" (Beynon, 1995: 6); produção em massa; consumo em massa; rotinas de trabalho; controle do tempo; adaptação ao ritmo da máquina; e homogeneidade dos produtos. Como mostrou José de Souza Martins, ao serem feitas mudanças tecnológicas "a la Ford" e "a la Taylor" na produção de uma fábrica de ladrilhos, em São Caetano do Sul, no subúrbio da cidade de São Paulo, no ano de 1956, "ao operário já não cabia pensar o seu trabalho, mas apenas reagir interpretativamente aos movimentos que o ritmo do processo de trabalho impunha ao seu corpo. O processo de trabalho não dependia da mediação de sua interpretação para que tivesse seqüência. Seu corpo fora transformado num instrumento dos movimentos automáticos da linha de produção" (Martins, 1994: 18). O sistema produtivo flexível De meados dos anos 70 em diante, houve uma transformação organizacional da produção, como forma de se proteger das mudanças econômicas que estavam em ritmo cada vez mais veloz. Os mercados eram cada vez mais diversificados e as transformações tecnológicas faziam com que os equipamentos de produção que tinham apenas um objetivo se tornassem obsoletos. "O sistema de produção em massa ficou muito rígido e dispendioso para as características da nova economia. O sistema produtivo flexível surgiu como uma possível resposta para superar essa rigidez" (Castells, 1999a: 176). O fordismo se enfraqueceu, a partir do final do século XX, com a introdução de novos métodos de trabalho. Nesse contexto, surge um modo original e novo de gerenciamento do processo de trabalho: o toyotismo. Nele os trabalhadores tornam-se especialistas multifuncionais. Ele elevou a produtividade das companhias automobilísticas japonesas e passou a ser considerado um Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 38 modelo adaptado ao sistema produtivo flexível. Dentre as suas características temos: a existência de um relacionamento cooperativo entre os gerentes e os trabalhadores, ou seja, uma hierarquia administrativa horizontal; controle rígido de qualidade; e "desintegração vertical da produção em uma rede de empresas, processo que substitui a integração vertical de departamentos dentro da mesma estrutura empresarial" (Castells, 1999a: 179). Não há mais uma rígida separação entre a direção (que pensa) e o operário (que executa). Ulrich Beck ao ser entrevistado em 1999 por Jonathan Rutherford afirma que estamos vivendo numa situação em que a primeira modernidade está se transformando em uma segunda modernidade. Esta última, "se está viendo desafiada por cuatro tipos de desarrollo. En primer lugar, la individualización. En segundo lugar, la globalización como fenómeno económico, sociológico y cultural. En tercer lugar, el subempleo o el desempleo, no simplesmente como consecuencia de la política gubernamental o de un retroceso en la economía, sino como desarrollo estructural que no puede superarse fácilmente. Y, en cuarto lugar, la crisis ecológica" (Beck, 2003: 344/345). Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 39 UNIDADE 7 A Especialização Flexível e a Sociedade Atual Objetivo: Apresentar o advento da flexibilidade produtiva na sociedade e as principais consequências para a vida cotidiana dos indivíduos. Conteúdo Nesta unidade, o autor Alexandre Barbosa Fraga apresenta uma síntese do sistema flexível de produção industrial, que ganhou fôlego principalmente na década de 70 no mundo ocidental (Estados Unidos) e na década de 90 no Brasil e seus impactos para o mundo atual. A seguir leremos mais um trecho do artigo “Da rotina à flexibilidade: análise das características do fordismo fora da indústria”. Note que a nova conformação produtiva tem incidido em âmbito macrossocial, não se restringindo apenas a uma forma de produção de bens e serviços, o que traz grandes consequências para a vida cotidiana dos indivíduos. O sistema produtivo e o mercado de trabalho na sociedade atual Na era contemporânea, o sistema produtivo e o mercado de trabalho são muito diferentes do que foram na modernidade pesada. Nessa alta modernidade, como diria Giddens, modernidade reflexiva, como diria Ulrich Beck, ou modernidade líquida, como diria Bauman, há uma flexibilidade e instabilidade do emprego, uma transformação do capitalismo que incorporou a tecnologia da informação e sofisticou a forma de ganhar capital, um crescimento acelerado do setor de serviços, um aumento das mulheres no mercado de trabalho, aumento estrutural do desemprego, o surgimento de novas formas de gestão industrial que superaram o fordismoe o taylorismo. Há também uma reestruturação produtiva, ou seja, o processo Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 40 pelo qual as empresas passam ao absorver as tecnologias de informação, que rearticula o trabalho. Dessa forma, o emprego passa a exigir maior escolaridade. A qualidade e a quantidade de educação recebida têm um peso importante na possibilidade de inserir-se no mercado de trabalho formal e de progredir nele, ainda mais na condição atual em que ele tem a oferecer cada vez menos garantias e estabilidade aos trabalhadores. A flexibilização do emprego se dá de duas maneiras, "seja legal, por meio de recente legislação trabalhista, que facilita a flexibilidade para o desempenho de novas tarefas e, inclusive, a dispensa dos trabalhadores; seja efetivamente, pelo trabalho clandestino ou no setor informal. A terceirização do emprego (...) contribui, também, para a instabilidade trabalhista" (Gallart, 2002 : 173). Na América Latina, por exemplo, como nos mostra Gallart, houve mudanças no mundo do trabalho entre a segunda metade do século XX e sua década final e início do século XXI. Nesta parte do Globo, estende-se, na segunda metade do século XX, o modelo produtivo da substituição de importações. "O fomento do consumo interno de produtos manufaturados, cobertos por tarifas à importação, a produção em série na indústria têxtil e metalúrgica, o desenvolvimento de empresas estatais e de serviços públicos contribuíram para a existência de uma força de trabalho com determinado tipo de qualificações, as necessárias para uma produção "fordista" e para o desenvolvimento dos serviços e do comércio" (Gallart, 2002 : 170). Houve o desenvolvimento de uma indústria manufatureira, com o predomínio da indústria automotriz, que tinha uma produção em cadeia e uma homogeneização do produto. Nesse contexto, para que a educação pudesse atender a esse modelo de desenvolvimento, houve a expansão da matrícula na educação básica e privilegiou-se uma formação técnica- profissional relativamente específica para quadros médios e operários. A partir da década final do século XX, há a privatização, em muitos países, dos serviços que eram prestados pelo Estado, levando à limitação do emprego público. Na nova organização do trabalho é enfatizada a produção flexível. Há também uma modernização tecnológica, cuja "conseqüência para os trabalhadores é uma maior necessidade de multifuncionalidade e Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 41 a exigência de administrar processos ainda em níveis ocupacionais relativamente baixos" (Gallart, 2002: 172). A reestruturação do modo capitalista de produção, no final do século XX, deu-se principalmente através do informacionalismo, ou seja, de uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação, como nos mostra Castells. "As novas tecnologias permitem a transformação das linhas de montagem típicas da grande empresa em unidades de produção de fácil programação que podem atender às variações do mercado (flexibilidade do produto) e das transformações tecnológicas (flexibilidade do processo)" (Castells, 1999a : 176). Há uma expansão do emprego no setor de serviços. "Atualmente, os serviços são responsáveis por mais de 70% dos postos de trabalho na Inglaterra" (Beynon, 1995: 9). Embora seja difícil trabalhar com um conceito que abarca múltiplas atividades, tudo o que não é indústria, construção, mineração ou agricultura. Mas vis-à-vis as indústrias, muitos serviços dependem de ligação direta com elas. Isso põe um pouco em xeque a teoria pós- industrialista. O que há é uma redução do emprego industrial. Com o advento da modernidade e da tão em voga globalização, como nos mostra Giddens, há mudanças na intimidade e na vida das pessoas. Nesse contexto, duas características polares passam a permear todos os aspectos da vida cotidiana: confiança e risco. As pessoas constroem confiança em sistemas abstratos. "Com o desenvolvimento dos sistemas abstratos, a confiança em princípios impessoais, bem como em outros anônimos, torna-se indispensável à existência social" (Giddens, 1991: 122). Dentre as quatro formas que alteram a distribuição objetiva de riscos específicos à modernidade, citadas por Giddens, a que afeta mais diretamente o mundo do trabalho é a segunda, ou seja, uma extensão quantitativa de eventos ou ambientes de risco por todo o planeta. "Novos riscos surgiram: recursos ou serviços já não estão mais sob controle local e não podem, portanto ser localmente reordenados no sentido de irem ao encontro de contingências inesperadas" (Giddens, 1991: 128). Dessa forma, uma decisão tomada nos Estados Unidos, por exemplo, pode afetar trabalhadores no mundo todo. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 42 O desemprego e o trabalho informal crescem. Este primeiro torna-se "estrutural" (eliminação de postos de trabalho que não são recuperados e que ocorre de forma independente do crescimento ou crise da economia), ou seja, "para cada nova vaga há alguns empregos que desapareceram, e simplesmente não há empregos suficientes para todos" (Bauman, 2001: 185). Não se tem a mesma segurança que se tinha no emprego, nem os mesmos direitos. Uma das respostas ao desemprego é o aumento do setor informal da economia. Aumenta o número de pessoas que trabalha por conta própria. Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 43 UNIDADE 8 O Fordismo Informal Objetivo: Apresentar o fordismo fora da indústria e como características do fordismo ainda coexistem no mundo do trabalho atual. Nesta unidade, o autor Alexandre Barbosa Fraga apresenta uma síntese o fordismo fora da indústria ou da produção industrial. Neste momento o autor ressalta que a convivência dos dois modelos conforma uma condição pós-moderna, a que o autor chama de pós-fordismo ou fordismo informal. A seguir leremos mais um trecho do artigo “Da rotina à flexibilidade: análise das características do fordismo fora da indústria”. O “Fordismo” fora da indústria Em meio a todas essas transformações no mundo do trabalho, algumas importantes características do fordismo passam a ser verificadas no setor de serviços e, como eu quero demonstrar nesse artigo, também no setor informal da economia. Dessa forma, características do capitalismo pesado estendem-se ao capitalismo leve, mas em setores que atualmente são importantes empregadores de mão-de-obra e não mais no industrial. Embora, ainda existam, atualmente, indústrias que têm fortemente características fordistas. Ritzer mostrou que, na sociedade atual, "à moda do McDonald's", como ele diz, aspectos do fordismo podem ser encontrados no setor de serviços. "Muitas características do fordismo também são encontradas no estilo McDonald's: a homogeneidade dos produtos, a rigidez das tecnologias, as rotinas padronizadas de trabalho, a desqualificação, a homogeneização da mão-de-obra (e do freguês), o trabalhador em massa e a homogeneização do consumo (...) nestes e em outros aspectos, o fordismo continua vivo e forte no mundo moderno" Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 44 (Ritzer, 1993, p.155, citado em: Beynon, 1995: 12). Em novos setores de serviços há também um controle do tempo e uma "produção" e venda em massa. "Em todos seus pontos-de-venda, o McDonald's "tem como meta atender a qualquer pedido em 60 segundos, Na hora do almoço, num ponto muito concorrido, chegamos a servir 2 mil refeições por hora""(Beynon, 1995: 12). A falta de emprego leva muitas pessoas a procurarem meios informais para se manterem. Um desses meios é o que eu chamei de "fordismo" informal. Denominei dessa maneira porque algumas características vitais do que passou a se chamar fordismo se encontram presentes nessa atividade. A atividade a que me refiro é a venda de balas e confeitos