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I O Contexto PARTE Esta parte apresenta ao leitor interessado no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, o con- texto no qual está inserido este campo de compreen- são do comportamento humano. Propositadamente, o contexto aqui antecede os processos psicológicos relativos aos distintos níveis de análise, apresenta- dos nas partes subseqüentes. O trabalho é apresentado no Capítulo 1, desde a análise da construção da ideologia que o glorificou, até a discussão do esgotamento do modelo taylorista- fordista, que passou pela tentativa de construção de uma sociedade do bem-estar e desembocou nas con- cepções de trabalho contemporâneas. É esperado que o leitor seja capaz de descrever essas construções históricas e identificar as principais mudanças que ocorreram no mundo do trabalho, levantar hipóteses que expliquem tais mudanças e identificar as gran- des tendências e os desafios atuais presentes neste mundo. E que faça isso também levando em conta a condição do Brasil como país capitalista periférico. As organizações estão no Capítulo 2. Elas não são apresentadas como um contraponto ao trabalho, mas sim como complementação, pois ambos habitam o mesmo contexto e estão submetidos à mesma di- nâmica econômica e política. As capacidades a serem desenvolvidas incluem a compreensão das organiza- ções como um fenômeno social, que ao mesmo tempo estrutura a vida cotidiana das pessoas e o funciona- mento das sociedades contemporâneas, e a identifica- ção de diferentes imagens que foram formuladas para compreender essas organizações, bem como as posi- ções epistemológicas que estão por trás dessas ima- gens. Entretanto a competência principal, esperada do leitor, é que compare as visões cognitivista, culturalista e institucionalista, quanto aos seus con- ceitos de organizações, e que realize uma síntese con- siderando tais organizações como unidades multi- dimensionais, socialmente construídas e que articu- lam processos individuais e coletivos. O Capítulo 3 foi planejado para possibilitar um aprofundamento do anterior, concentrando o foco em algumas dimensões críticas para a análise das organi- zações: estrutura, tecnologia, estratégia e ambiente. As competências esperadas envolvem a conceituação e a caracterização dessas dimensões, a comparação das perspectivas teóricas que fundamentam essa análi- se, a formulação das relações que podem existir entre tais dimensões e a identificação das tendências atuais, inclusive no Brasil, de desenvolvimento das organi- zações. Em termos gerais, esses três capítulos procuram revelar que trabalho e organizações são dois comple- xos e multifacetados fenômenos, alvos de intenso questionamento e reflexão no interior de vários cam- pos disciplinares. Compreendê-los em sua dinâmica e em suas interações é um desafio para pesquisadores e uma imposição para todos aqueles que os escolhem como foco de sua atividade profissional. Devido a isso, esses capítulos iniciais vão além do mapeamento de tais complexidades. Eles fornecem um conjunto bastante amplo de ferramentas conceituais de análise sobre as condições de contexto que podem estar asso- ciadas ao comportamento humano no trabalho e nas organizações. São ferramentas imprescindíveis para quem pretende realizar diagnóstico, intervenção, ava- liação ou pesquisa sobre esse campo do conhecimento. 24 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. Conta Homero na Odisséia que, por ter desafiado os deuses, Sísifo foi condenado a empurrar eterna- mente montanha acima uma rocha que, pelo seu próprio peso, rolava de volta tão logo atingisse o cume. Albert Camus (2000) propõe uma instigante interpretação para esse mito. Para Camus, o auge do desespero de Sísifo não está na subida: o imenso esforço despendido não deixa lugar para outros pen- samentos. A descida, ao contrário, não exigindo esforço, é o momento em que Sísifo é confrontado com o seu destino: o aspecto trágico é conferido pela consciência que tem da sua condição. Não sem razão, o mito de Sísifo tem sido con- siderado o epítome do trabalho inútil e da desespe- rança. Tripalium, trabicula, termos latinos associa- dos à tortura, estão na origem da palavra trabalho. Mas trabalho deve ser necessariamente associado ao sofrimento? Ou seria lícito pensar, em uma pers- pectiva diametralmente oposta, como sendo aquela atividade essencialmente humana na sua relação com a natureza, configurando-se como uma proto- forma do ser social? O trabalho sobre o qual a mai- oria das vezes falamos é um trabalho inútil? Muito provavelmente todos nós, no nosso co- tidiano, ouvimos frases como primeiro o trabalho, depois o prazer. Essa frase, ao mesmo tempo em que exalta a importância do trabalho, tomando-o como uma prioridade de vida, supõe-no oposto ao prazer, como se este existisse apenas fora do traba- lho. Da mesma forma, temos amigos que contam o que fazem no trabalho com orgulho. Por isso mes- mo, falam tanto do próprio trabalho que às vezes até nos aborrecemos. Outros queixam-se das con- dições de trabalho. Uns sonham com um mundo no qual não precisem trabalhar, outros aposentam-se e reinventam um trabalho para si mesmos, porque não conseguem viver sem trabalho. Reclamamos dos nos- sos empregos e das condições de trabalho, mas conti- nuamos trabalhando – ora para garantir nossa própria subsistência, ora para ir muito além disso. Portanto, lembrando essa variedade de situações, que qualquer um de nós seria capaz de continuar listando longa- mente, é fácil entender que trabalho é objeto de múl- tipla e ambígua atribuição de significados e/ou senti- dos. Existem muitas pesquisas no campo da Psicolo- gia estudando a variedade de significados que as pes- soas atribuem ao trabalho, os quais guardam entre si correlações e muitas contradições. Tais estudos par- tem de diversas abordagens na Psicologia e são as divergências que nutrem o dinamismo dessa área de estudo, porém o caráter de múltiplas e ambíguas atri- buições de significados tende a ser consensual. Tudo isso se complica ainda muito mais se substituímos a atribuição de significados por ou- tros aspectos que sirvam de critérios para diferen- ciar os diversos âmbitos do trabalho. Assim, por exemplo, se considerarmos as relações de poder dentro das organizações, podemos distinguir o tra- balho subordinado das chefias intermediárias, dos gerentes, dos diretores, dos proprietários etc. Se a natureza do que fazemos, temos a complicada clas- sificação das profissões e ocupações. Se a existên- 1 O Mundo do Trabalho Livia de Oliveira Borges Oswaldo Hajime Yamamoto Cristiano Rodrigues Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 25 cia de contrato de trabalho, temos empregados, pa- trões, autônomos. Se formalidade do contrato, te- mos trabalho no mercado formal e no informal. Se a complexidade da tarefa, podemos ter classifica- ções como trabalho simples, repetitivo, abstrato e complexo. Se ao tipo de esforço, temos trabalho braçal e intelectual. Se a existência da remunera- ção, temos trabalho voluntário e remunerado. Se a sua qualidade da remuneração, temos trabalho bem- remunerado e mal-remunerado. Se nos detivermos na forma de pagamento, podemos ter trabalho por salário fixo, por produção e misto. Se pensarmos nos seres vivos e não apenas no homem, temos tra- balho animal e humano. Além da variedade de cri- térios que podemos utilizar para classificar o traba- lho, também podemos complicar tais classificações, variando o seu nível de sofisticação através da com- binação de critérios e/ou do aumento dos níveis uti- lizados em cada classificação. Portanto, quando utilizamos a palavra traba- lho não estamos necessariamente falando do mes- mo objeto. Na Psicologia Organizacional e do Tra- balho, por sua vez, falamos em construtos como motivação para o trabalho, comprometimento no trabalho, envolvimento no trabalho, aprendizagem no trabalho, socialização no trabalho, satisfação notrabalho, treinamento em trabalho, aconselhamento no trabalho, estresse no trabalho, qualidade de vida no trabalho e assim por diante. Desculpem pela re- petição da palavra trabalho, mas ela foi proposital, para ajudar a dar-nos conta da freqüência com a qual a palavra trabalho é empregada na literatura da área. E de que trabalho estamos falando? Quando o leitor se debruça sobre as diversas teorias referentes a algum construto (por exemplo, satisfação, motivação, estresse), sendo capaz de dar-se conta do conceito de trabalho implícito nas mesmas, terá sua capacidade crítica ampliada. Portanto, é necessário para a formação do psicó- logo entender claramente as formas principais de conceber o trabalho. Explicitar tais concepções será objeto do de- senvolvimento deste capítulo. Está claro, porém, que precisamos de algum tipo de referência para ter- mos um mínimo de consenso que torne o capítulo inteligível e que, ao mesmo tempo, o leitor tenha consciência de suas limitações. Vamos começar, por conseguinte, expondo algumas premissas que fo- ram nosso ponto de partida para desenvolver o ca- pítulo, selecionando conteúdos, estabelecendo in- terpretações e enfocando algum tipo de trabalho. Entendemos que são tais decisões que viabilizam o capítulo. Seria impossível descrever o mundo de todos estes tipos de trabalho. Isso não significa que vamos nos deter em apenas uma visão ou interpre- tação do mundo do trabalho, mas que vamos ter em conta uma diversidade limitada. Significa também que o presente capítulo está longe de esgotar o as- sunto. Portanto, o leitor deve atentar que o capítulo não substitui leituras mais extensivas sobre o as- sunto, apenas o introduz, facilitando tais leituras. Levando a cabo nosso propósito, iniciamos, pois, lembrando algumas fronteiras do campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, que tam- bém serão úteis para delimitar o presente capítulo. Assim, os psicólogos que atuam e pesquisam nesse campo não lidam com o trabalho dos animais, mas com o trabalho humano. E o que diferencia esses dois tipos de trabalho? Embora não seja simples distinguir as atividades de primatas não-humanos de nossos ancestrais nas suas tarefas de caça e cole- ta, ou mesmo de algumas que os humanos até hoje fazem, existe um elemento distintivo fundamental: a intermediação da cultura (Argyle, 1990). E de for- ma mais pontual, o critério freqüentemente utiliza- do é o da intencionalidade, que foi primeiramente explicitado por Marx (1983) ao distinguir o “pior arquiteto” da “melhor aranha”: No fim do processo de trabalho, obtém-se um resulta- do que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efe- tua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu ob- jetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espé- cie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subor- dinar sua vontade (p. 149-150). Isso significa que, para nós, autores desse ca- pítulo, quando uma forma de exercer o trabalho tenta eliminar a intencionalidade humana ou as suas ca- pacidades cognitivas, está tentando descaracterizar o próprio trabalho em uma condição humana cen- tral. E essa compreensão está por trás de muitas crí- ticas e análises que se faz sobre a forma de planejar e organizar o trabalho, ou seja, as análises sobre como as organizações definem o modo de fazer as coisas, dividem e distribuem atribuições, poder e tarefas. Cristiano Rodrigues 26 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. Mas, seguindo na delimitação, é importante lembrar que o psicólogo organizacional e do traba- lho, na maior parte das vezes, lida com o trabalho remunerado. Por isso, os aspectos socioeconômicos são aqui considerados importantes e delimitadores do mundo do trabalho. Na literatura do campo, para clarear a adoção dessa delimitação, Brief e Nord (1990), por exemplo, anunciaram sua opção em adotar a definição econômica do trabalho, que con- siste em dizer que o trabalho é o que se faz para ganhar a vida ou se é pago para fazer. Isso não sig- nifica que os referidos autores reduzam o trabalho a sua dimensão econômica, mas que o trabalho é objeto de seus estudos se essa dimensão é incluída. Outra fronteira comum na literatura do campo é aquela posta pelo contrato de trabalho, que dife- rencia trabalho de emprego. Alguns autores, como Jahoda (1987), têm se preocupado com tal diferen- ciação. Para a autora, o emprego é uma forma espe- cífica de trabalho econômico (que pressupõe a re- muneração) regulado por um acordo contratual (de caráter jurídico). Blanch (1996), baseado na dife- renciação de Jahoda, acentua que o emprego impli- ca a redução do trabalho a um valor de troca, por- tanto em mercadoria, o que mais adiante retomare- mos à medida que descrevermos a evolução do tra- balho e dos problemas do mundo do trabalho a par- tir do surgimento do capitalismo. Importa-nos, no momento, apenas acrescentarmos que para Jahoda tal diferenciação é importante, porque tem implica- ções diretas na forma de analisar os problemas do mundo do trabalho na atualidade. Por exemplo, a autora argumenta que, considerando tal diferença, deve ser mais adequado opor o desemprego ao em- prego e não o discutir como a antítese do trabalho. Jahoda alerta seus leitores que, raramente, ocorre a consideração de tal diferença na literatura em geral sobre o assunto e que o uso dos termos trabalho e emprego como sinônimos está profundamente en- raizado em nossos hábitos lingüísticos, o que con- tribui para continuarmos desatentos a tal engano. Para ela, definições em ciências humanas não são neutras, trazendo sempre consigo juízos de valores implícitos (ou explícitos). Tal confusão, aparente- mente apenas lingüística, termina por dificultar a discussão sobre o papel do trabalho na sociedade no final século XX e sobre a importância que as pessoas atribuem ao trabalho. Compete-nos, assim, desde aqui deixar o leitor com a questão: no nosso mundo atual o trabalho tem perdido a importância como uma categoria que estrutura a sociedade? Ou é o emprego que tem rareado? Temos uma crise do trabalho? Ou uma crise do emprego? Adicionalmente alertamos também o leitor que a maior parte da literatura em Psicologia Organiza- cional e do Trabalho não foge à regra e, em geral, usa os termos trabalho e emprego como sinônimos. Cabe a nós, como leitores, estarmos atentos para o que realmente os autores estão se referindo. Essa atenção será importante para aguçar nossa capacida- de crítica, dando-nos conta mais facilmente de cer- tos limites das teorias, dos modelos e das pesquisas que desenvolvemos ou dos quais fazemos uso. Com essas fronteiras explicitadas, de alguma forma estamos delineando o que chamamos aqui de mundo do trabalho. Mas precisamos ir à frente. Ao intitularmos o nosso presente capítulo de Mundo do Trabalho, temos o mesmo problema de quando ou- tros autores discorrem sobre a satisfação do trabalho e tantos outros construtos no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, conforme já exempli- ficamos. Continuamos, portanto, com questões como: estamos falando no mundo de qual trabalho? Como falar desse assunto sem sabermos ao certo de que trabalho estamos falando? E o que compõe o tal mundo do trabalho? E por que denominar o capítulo de Mundo do Trabalho e não apenas de Trabalho? Na tentativa de responder a essas questões, que- remos contar que compreendemos que cada indiví- duo tem seu próprio conceito de trabalho, o que em si estabelece uma variedade imensa de conceitos e/ou significados. Mas é mesmo uma variedade infinita? Talvez não. E certamente no mesmo passo que existe diversidade, existem aspectos compartilhados. Exemplificando, lembremos dos nossos amigos mais próximos. Certamente, para este grupo não existe to- tal identificação na definição do que seja trabalho, mas certamente há também muitas semelhanças. Alguém podepensar assim: o trabalho para mim é tanto me- lhor quanto mais eu possa fazer o que gosto. O amigo desse alguém pode pensar que o trabalho é tanto me- lhor quanto mais ele contribua para resolver proble- mas sociais e que ele é prazeroso por permitir perce- ber que os outros se beneficiam dos seus esforços. Claro que o segundo entendimento é muito mais altruísta do que o primeiro, mas ambos associam o trabalho ao prazer. O que engendra tais semelhanças e divergênci- as? É neste ponto que surge a primeira premissa que consideramos necessário explicitar. Embora seja ineliminável da própria condição humana, o trabalho Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 27 não é um objeto natural, mas uma ação essencial para estabelecer a relação entre o homem e a natureza e entre a sociedade e a natureza (Antunes, 1997). Na sua condição originária, o trabalho deriva de necessi- dades naturais (fome, sede, etc.), mas realiza-se na interação entre os homens ou entre os homens e a na- tureza. Assim, o trabalho – e a forma de pensar sobre ele – seguirá as condições sócio-históricas em que cada pessoa vive. Depende, portanto, do acesso que cada pessoa tem à tecnologia, aos recursos naturais e ao domínio do saber fazer; da sua posição na estrutura social; das condições em que ela executa suas tarefas; do controle que tem sobre seu trabalho; das idéias e da cultura do seu tempo; dos exemplos de trabalhadores que cada uma tem em seu meio, entre outros aspectos. Sistematizando um pouco mais, podemos dizer que a forma de executarmos o trabalho e de pensarmos so- bre o mesmo varia com muitos aspectos, os quais orga- nizamos didaticamente nas seguintes dimensões: • Dimensão concreta, que se refere à tecnolo- gia com a qual se pode contar para realizar o trabalho, e às condições materiais e/ou am- bientais em que se realiza, incluindo segu- rança física e conforto. • Dimensão gerencial, que se refere ao modo pelo qual o trabalho é gerido, segun- do o exercício das funções de planejar, organizar (dividir e distribuir tarefas), di- rigir e controlar o mesmo. • Dimensão socioeconômica, que abrange a articulação entre o modo de realizar o traba- lho e as estruturas sociais, econômicas e polí- ticas em plano macro da sociedade, incluindo aí aspectos como o ritmo de crescimento eco- nômico societal, a prosperidade de um setor econômico, a renda média, o conflito distri- butivo, o nível de oferta de emprego, a força de trabalho e outros aspectos sociodemo- gráficos. • Dimensão ideológica, que consiste no dis- curso elaborado e articulado sobre o traba- lho, no nível coletivo e societal, justifican- do o entrelaçamento das demais dimensões e, especialmente, as relações de poder na sociedade. Deriva diretamente das grandes correntes do pensamento. • Dimensão simbólica, que abrange os as- pectos subjetivos da relação de cada indi- víduo com o trabalho. São essas dimensões que compõem o mundo do trabalho. No presente capítulo, trataremos das quatro primeiras dimensões. Não estamos exclu- indo a quinta porque atribuimos maior ou menor importância, mas porque sendo este livro de Psi- cologia Organizacional e do Trabalho, será desta dimensão que a maioria dos capítulos subseqüen- tes se ocupará primordialmente. À medida que fi- camos com as demais dimensões, estaremos, por- tanto, nos propondo a cumprir o papel de descre- ver o contexto no qual aspectos das relações do indivíduo com o trabalho (por exemplo, aprendi- zagem, cognições, emoções, motivação no traba- lho), dos grupos com o trabalho (equipes de traba- lho, relações de poder nas organizações) e aspec- tos simbólicos mais amplos como cultura orga- nizacional se desenvolvem e/ou são construídos. Tais dimensões são imbricadas umas nas outras. Arrolamos anteriormente, por razões didáticas, como explicitamos. Mas não consideramos que seja igual- mente didático estruturar nosso texto em função de- las, posto que outra premissa que assumimos é de que as interdependências entre elas se estabelecem e evoluem historicamente. Por isso, nossa proposta é realizar um excurso histórico pelo mundo do traba- lho, compartilhando nossa reflexão sobre o mesmo, nas suas diversas facetas e fenômenos a ele vincula- dos. Com isso, esperamos fornecer uma visão pano- râmica do ambiente no qual atua o psicólogo organi- zacional e do trabalho. A conseqüência desta estra- tégia é que dividiremos nosso texto segundo cortes históricos nos quais há maiores mudanças no conjunto das dimensões do mundo do trabalho. A cada corte, porém, tentaremos dar conta das quatro dimensões citadas e levantar questões referentes à dimensão sim- bólica. Isto não quer dizer que cada corte de tempo constrói um conjunto de idéias diferentes e, conse- qüentemente, desaparecem as anteriores. Estas últi- mas continuam presentes no novo conjunto ou fa- zendo oposição a esse. É claro que, em cada época, as idéias da classe dominante são as mais influentes. Complementando, entendemos que este cami- nho propiciará uma introdução nas discussões sobre o tema, partindo (1) da compreensão da construção histórica do conceito de trabalho e (2) da identifica- ção das principais mudanças, tendências e desafios no mundo do trabalho, sem deixar de ter em conta as disparidades de desenvolvimento e problemáti- cas vivenciadas no mundo do trabalho no Brasil como país capitalista periférico. Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues 28 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. Por fim, compete-nos explicitar um último li- mite adotado. Nos detemos na história do trabalho a partir do surgimento do capitalismo por uma questão de concisão e a fim de priorizar os aspectos mais diretamente relevantes para a leitura da realidade em nossos tempos. Todos nós, autores e leitores, vive- mos num mundo capitalista. Portanto, a curta refe- rência que faremos aos tempos que antecedem o ca- pitalismo tem como única finalidade contrastar as especificidades do mundo capitalista. A CONSTRUÇÃO DA IDEOLOGIA DA GLORIFICAÇÃO DO TRABALHO O conceito do trabalho passou a ocupar um lugar privilegiado no espaço da reflexão teórica nos dois últimos séculos. Anteriormente, a reflexão in- telectual lhe concedeu uma posição de fenômeno secundário. Mesmo assim, é certo que podemos falar de trabalho humano desde os primórdios da humanidade: as comunidades de caçadores e cole- tores 8.000 anos a.C., a incipiente agricultura no Oriente Médio, China, Índia e norte da África, o trabalho escravo nas civilizações antigas e a rela- ção servil na Idade Média são alguns exemplos. Existe uma farta e instigante literatura sobre o as- sunto e com diversos níveis de profundidade que os diferentes leitores podem buscar ou recorrer. 1 Sobre todo esse período, importa-nos apenas sublinhar que, apesar da secundarização do fenô- meno, houve vários conjuntos de idéias, como tam- bém a construção de cada um demandou um lon- go período histórico e que, mesmo nas sociedades antigas, conviviam idéias divergentes sobre o tra- balho, embora com menor poder de influência. As idéias sobre o trabalho na Antigüidade, mais referenciada pela literatura, certamente são aque- las associadas ao pensamento greco-ateniense e às práticas excravistas no império romano. A literatura tem resgatado (Anthony, 1977; Hopenhayn, 2001) o pensamento de Platão e Aristóteles sobre o trabalho. Tais filósofos clássi- cos exaltavam a ociosidade. O cidadão, para Platão, devia ser poupado do trabalho. Aristóteles valori- zava a atividade política e referia-se ao trabalho como atividade inferior que impedia as pessoas de possuírem virtude. Todo cidadão devia abster-se de profissões mecânicas e da especulação mercantil: a primeira limita intelectualmente e a segunda degra- da eticamente. Portanto, a filosofia clássica carac- terizava o trabalho como degradante, inferior e desgastante. Ele, o trabalho, competia aos escravos. Era realizado sob um poder baseado naforça e na coerção, a partir do qual o senhor dos escravos de- tinha o direito sobre a vida do escravo. Portanto, este arranjo de valores era possível pela extrema concentração de riquezas e pela escravidão. Esta ideologia do trabalho partia de um con- ceito mais restrito de trabalho, reduzindo-o às ati- vidades braçais e/ou manuais executadas pelos es- cravos. A política, atividade superior e dos cida- dãos, não era considerada trabalho. Aristóteles en- tendia a escravidão como um fenômeno natural, pois sustentava que há pessoas destinadas a fazer uso exclusivo da força corporal e que devem satisfazer suas necessidades no âmbito restrito das atividades manuais. Para ele, o escravo jamais estaria apto para as descobertas e para os inventos e seria esta condi- ção que determinava a perda da liberdade. No Império Romano, as guerras e conquistas, o antagonismo de classe e as crises econômicas que empobreciam ainda mais as camadas populares ga- rantiam a abundância de mão-de-obra escrava. Jus- tamente por estas razões, apesar das contribuições romanas no campo do Direito, a idéia sobre o tra- balho não sofreu significativas modificações em comparação com a reflexão grega. Assim, tanto na Grécia como em Roma, a escravidão e a estruturação da sociedade (baseada no escravismo) sustentavam a forma de pensar clássica sobre o trabalho. Hopenhayn (2001) chama a atenção, entre- tanto, para o fato de que nem entre os gregos aque- las idéias clássicas eram unânimes. Tais idéias re- presentam o que era dominante no mundo grego, porém, em Hesíodo (três séculos antes de Platão) e depois, na religião de mistérios que encarnava a vontade dos camponeses, assinalava-se que os Deuses e os homens odeiam aqueles que vivem inativos, enquanto que exaltam e tomam como sa- grado o trabalho daqueles que se unem a terra. 1 Para uma abordagem de conjunto sobre desenvolvimento do modo de produção capitalista, ver Dobb (1987). Para uma discussão sobre as formações pré-capitalistas, veja Marx (1981). Recomendamos também a leitura de outras obras como Albornoz (1986), Anthony (1977), Hopenhayn (2001). Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 29 Caldeus, hebreus, orientais e primeiros cris- tãos, entre outros, tinham idéias bastante distintas sobre o trabalho. E muitas mudanças foram acon- tecendo paulatinamente durante a Idade Média, no que se refere à economia e à estrutura das socie- dades, de forma que tais idéias foram se tornando inadequadas. É com o surgimento do capitalismo que se constrói e consolida-se uma mudança mais visível na reflexão sobre o trabalho. Compete-nos questionar: por quê? Para Marx (1983), dois fatos principais de- marcaram o surgimento da produção capitalis- ta. Um, a ocupação pelo mesmo capital individual de um grande número de operários, estendendo seu campo de ação e fornecendo produtos em grande quantidade. Outro, a eliminação (dentro de certos limites) das diferenças individuais, passando o capitalista a lidar com o operário médio ou abstra- to. Marx assinala que a cooperação, ou ... a atividade de um número maior de trabalhadores, ao mesmo tempo, no mesmo lugar (ou, se se quiser, no mesmo campo de trabalho), para produzir a mes- ma espécie de mercadoria, sob o comando do mes- mo capitalista, constitui histórica e conceitualmente o ponto de partida da produção capitalista (p. 257). Estes dois fenômenos ocorrem com o surgimen- to da manufatura que, por sua vez, pressupõe um adiantado processo de acumulação do capital, desen- volvido no período anterior. Quem detém, portanto, os meios de produção é o capitalista. O indivíduo desprovido destes meios não tem como reproduzir sua existência. Essa situação, que põe de um lado o dono do capital e de outro possuidores da força de trabalho, não é um fato natural, mas resultado de um processo histórico anterior. É esta condição “livre” e desprovida dos meios de produção do trabalhador que proporciona a venda da força de trabalho como uma mercadoria – a única que o trabalhador possui. Ser mercadoria significa representar um valor de uso (quando sua utilidade é acessível ao ser humano) e um valor de troca, ou seja, que tenha valor de uso para os outros, valores de uso social. Em outras pala- vras, a situação socioeconômica existente tornava necessário ao indivíduo, desprovido de tudo, vender seu trabalho e, ao capitalista, adquiri-lo como meio de dar prosseguimento à produção de outras mercado- rias, o que, sendo valor de troca, permite crescer seu capital. Nesta realidade se funda a noção de contrato de trabalho, surgindo o trabalho na forma de empre- go assalariado, como nos referimos anteriormente. Se nos abstraímos do valor de uso de cada mercadoria, percebemos que permanece uma pro- priedade: a de produto do trabalho humano. Portan- to, um bem tem valor por causa do trabalho humano nele materializado. Os meios de produção perten- cem ao capitalista, logo, o produto é propriedade deste. O trabalhador, que vende sua força de traba- lho como a qualquer mercadoria, realiza no ato de venda o valor de troca, alienando o valor de uso no que produziu. O capitalista prolonga o uso da força de trabalho em seu benefício, obtendo o lucro da diferença do que pagou e a quantidade de trabalho recebida do trabalhador. Assim, a mais-valia é o pro- longamento do processo de formação de valor, ou seja, resulta de um excedente quantitativo de trabalho na duração prolongada do processo de produção. Ao capitalista interessa, pois, ampliar a mais- valia. De início, assim o faz por meio do prolon- gamento da extensão da jornada de trabalho. É a chamada exploração extensiva. Esta, porém, é li- mitada tanto concretamente pelo tempo que um indivíduo pode trabalhar, quanto pelas reações sociais. Por isso, o capitalista busca modos de au- mentar a produção de mercadorias exigindo me- nor quantidade de trabalho. É a mais-valia relati- va. E o que o capitalista fazia, então, para produ- zir a mais-valia relativa? As tentativas de aumento de produtividade (ou de mais-valia) eram preocupações centrais das obras de Adam Smith no final do século XVII. Este eco- nomista atribuía um relevante valor social ao traba- lho, bem como ao seu parcelamento, uma vez que advogava que a manufatura surge para aumentar a abundância geral, difundindo-a entre todas as ca- madas sociais (Anthony, 1977). Ilustrando este pon- to de vista, Adam Smith (1978) descreve a fabrica- ção de alfinetes dividida em 18 operações, apon- tando as vantagens deste parcelamento para a pro- dutividade e, por conseqüência, para a sociedade. Smith postula o aumento de produtividade através da especialização do trabalhador em uma única ta- refa. Explica a necessidade da especialização no tra- balho pela natureza das aptidões individuais. En- tende que a divisão do trabalho é uma conseqüên- cia da propensão da natureza humana para permu- tar, negociar e trocar bens e das faculdades da ra- zão e da linguagem. Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues 30 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. Estes argumentos de Smith são de ordem naturalizante e divergem da linha de pensamento que vimos apresentando, procurando explicar a organização e mudanças no trabalho nas relações sociais como estabelecidas historicamente. Essa ex- plicação naturalizante para a divisão do trabalho permite que o princípio divisor de ricos e pobres tome uma feição de bem-sucedido e mal-sucedido (Anthony, 1977), porque em tal explicação, o prin- cipal requisito para o sucesso é o trabalho duro. Isto contribuía, também, para criar docilidade e disci- plina naqueles que pelo trabalho duro “falharam”. Desta forma, os trabalhadores eram atraídos por mais salários ou recrutados pela pobreza. Assim, entendemos que tanto a sofisticação da divisão parcelada do trabalho, descritapor Smith, quanto a introdução da máquina, antes de demarcarem o início do capitalismo, são instrumentos de aperfei- çoamento do processo de desenvolvimento do capita- lismo, ampliando a produtividade e/ou a mais-valia. É preciso entender também que para Smith (1978) a economia pode produzir abundância geral graças aos ganhos de produtividade dentro de uma perspectiva da economia liberal, que valoriza a ini- ciativa privada. A leitura de seus textos revela uma hierarquização, desvalorizando o trabalho público em favor do trabalho privado. A implicação direta desta hierarquização é advogar a reduzida interven- ção política na economia: (...) é da mais alta impertinência e presunção, entre reis e ministros, pretender interferir na economia das pessoas particulares, e restringir os seus gastos, seja por leis suntuárias, seja pela proibição da importa- ção de objetos de luxo estrangeiros... Que vigiem bem as próprias despesas, e poderão confiar tran- qüilamente nas dos particulares (p. 41). Importa-nos, primeiro, que compreendam que Adam Smith viveu em uma época em que os gover- nos absolutistas na Europa, de um lado, protegiam a burguesia com leis mercantilistas em defesa das economias nacionais e, de outro, sustentavam o luxo da nobreza baseados nos valores da Idade Média. Em continuação, é preciso considerar que, associa- da à sua crítica à intervenção do poder público, Smith (1978) diferenciava o trabalho entre produti- vo e improdutivo (ver Destaque sobre o assunto), sendo o primeiro aquele que agrega valor e o se- gundo o que não acrescenta valor sobre nada: O trabalho de algumas das mais respeitáveis classes da sociedade é, como o dos servos, improdutivo em relação ao valor, e não se fixa nem se realiza em qualquer objeto permanente ou mercadoria vendá- vel que dure após terminado trabalho, nem dá ori- gem a valor pela qual uma igual quantidade de tra- balho pudesse depois ser obtida (p. 27). Trabalho produtivo e improdutivo Marx (1975a) desenvolve essa distinção, entre o tra- balho produtivo e improdutivo, no “Capítulo Inédito D’O Capital”, parte dos manuscritos de 1863. É importante salientar que não existe qualquer julgamento de valor ou da importância do trabalho, nem modalidades que sejam produtivas ou improdutivas per se. Para Marx, “é produtivo o trabalhador que executa um trabalho pro- dutivo e é produtivo o trabalho que gera directamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital” (p. 93). Portanto, junto à transformação do trabalho em mercadoria, estabelecida pelo capitalismo emergente, surgia uma concepção de instrumentalidade econômi- ca do trabalho, o qual valia tanto mais quanto era ca- paz de aumentar os rendimentos do detentor do capital. Esta visão utilitarista do trabalho contradizia os objetivos de buscar uma máxima lucratividade nos moldes do regime de trabalho capitalista. É nesse contexto que Anthony (1977) defende que a cons- trução do “homus economicus” exigiu o desmantela- mento do clássico sistema de pensamentos, concei- tos, compreensões e percepções medievais. Era ne- cessário mudar a compreensão do próprio homem e legitimar o lucro. Além disso, o novo modo de pro- dução trouxe uma série de implicações para a orga- nização da vida e da sociedade. Por exemplo, sepa- rou os ambientes doméstico e de trabalho; reuniu um número imenso de pessoas em um mesmo lugar (a fábrica), em torno de uma única atividade econômi- ca; intensificou o crescimento das cidades e a sua separação do campo. No mundo delimitado da fábri- ca, a “cooperação” trouxe variadas novidades no pla- nejamento, na organização e na execução do próprio trabalho, como a necessidade de padronizar (homoge- neizar) a qualidade dos produtos e dos procedimen- tos, bem como a adoção de uma disciplina etc. Estas novidades justificaram e promoveram o surgimento das funções de direção e supervisão (gerência), para fiscalizar e controlar o trabalho. A adaptação do tra- Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 31 balhador a tal realidade não ocorreu de forma sim- ples. Submetê-lo a tais condições foi um desafio. Existiam, portanto, muitas contradições. A sobrevi- vência da noção do “livre contrato” do modelo capi- talista necessitava de uma elaborada ideologia do tra- balho que o valorizasse em oposição ao ócio. Weber (1967) desenvolve uma extensiva análi- se, mostrando que o protestantismo veio oferecer estes referenciais, permitindo resolver a contradição no campo da ideologia. A tradição paternalista contribuiu com um elemento ideológico sobre a relação empre- gadores e empregados, tornando “natural” a autori- dade hierárquica, como obrigação religiosa de con- trolar, bem como a responsabilidade e a esperada obe- diência. Atividade e cooperação voluntária tornavam- se mais importantes que depender do empregador. O referido autor, na sua obra seminal A ética protestante e o espírito do capitalismo, descreve o papel da reforma protestante na formulação desta ideologia. O luteranismo criou a noção de vocação, que consistia em um chamado de Deus para a reali- zação de um trabalho secular ou missão. Valorizava, assim, o cumprimento do dever. E este era o único caminho para satisfazer a Deus e/ou para conseguir a salvação. A profissão era concebida então como um dom divino. Assim, para o autor, “o efeito da Reforma, como tal, em contraste com a concepção católica, foi aumentar a ênfase moral e o prêmio reli- gioso para o trabalho secular e profissional” (p. 55). As tendências do protestantismo ascético – o calvinismo, o pietismo, o metodismo e as seitas batistas – que se seguiram ao luteranismo, vieram complementar a formulação. Todas exaltavam o tra- balho para glorificação de Deus e, ao mesmo tem- po, reprovavam todas as manifestações de compor- tamento irracional e sem objetivo, juntamente com o incentivo compulsivo à poupança. Incentivavam o trabalho sistemático e metódico. Sintetizando, Weber (1967, p.126) afirma: Segue-se a exortação de que “aqueles que ganham tudo o que podem e poupam o quanto podem” também “de- vem dar tudo o que podem”, para assim crescer na gra- ça de Deus e amealhar um tesouro do céu. Para Weber, também é própria destas formu- lações do protestantismo ascético a noção da prova. Quanto mais duro se trabalhava, mais se provava ser merecedor da graça divina. O sucesso (riqueza) era o resultado deste trabalho duro. Tal formulação em- prestava legitimidade à distribuição de riqueza e tran- qüilizava a mente dos ricos. Como complemento, o protestantismo ascético também atribuía responsa- bilidade individual para se ter ou não a graça. Só o indivíduo sabia se era escolhido por Deus ou não. A ele, e somente a ele, cabia provar o estado de graça, reconhecendo o chamado de Deus na ação ascética. Assim, numa economia que nutre uma visão utilitarista do trabalho, formula-se uma ideologia que atribui elevada centralidade ao trabalho, independente de seu conteúdo, associada a uma ética do cumpri- mento do dever. Toma o trabalho, defende-o e valo- riza-o como mercadoria, disciplinado, mecanizado, de larga escala, estritamente supervisionado, exigin- do requisitos mínimos padronizados, planejado e con- cebido por especialistas e executado por outros, su- pondo o livre contrato. Inclui várias cisões dualistas e valorativas, como improdutivo e produtivo, de exe- cução e intelectual, operativo e administrativo, pú- blico e privado, por atividades ocupacionais, cam- ponês e urbana, artesanal e industrial. Foi a este processo de elaboração ideológica do que seja o trabalho e de justificação do esforço e da submissão, incluindo sua própria exaltação, que Anthony (1977) designou de glorificação do traba- lho, e outros autores, de construção da ética do tra- balho (por exemplo, Bülcholz, 1977). Em síntese, esta ideologia funda-se numa concepção segundo a qual o trabalho é uma categoria central que os indiví- duos devem tomar como prioridade em suas vidas,porque deverá prover a abundância geral e o sucesso individual. Por isso, deve ser exercido de forma pla- nejada, padronizada e disciplinada. Esse trabalho vale tanto mais quanto seja produtivo (e não pelo seu con- teúdo). Para atingir estes alvos (valores sociais), é tratado como uma mercadoria, simplificado, exigin- do requisitos mínimos de qualificação, mas dedica- ção máxima. As bases de poder, no espaço de traba- lho, sustentam-se na propriedade, na concentração do saber fazer e das possibilidades de conceder re- compensas e punições nas mãos de uma minoria. O fato de haver toda uma construção ideológi- ca não elimina, entretanto, as reais contradições nem as insatisfações e a capacidade de reação dos traba- lhadores. Sem dúvida, o desenvolvimento de uma ideologia que enfatizava a importância do trabalho durante todo o século XVIII, a partir das formula- ções econômicas de Adam Smith, apoiada mais di- retamente no protestantismo, resulta, entretanto, em uma exploração radical da classe trabalhadora. A Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues 32 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. história do desenvolvimento capitalista é, também, a história da resistência dos trabalhadores. Os em- bates em torno da regulamentação da jornada de trabalho nas leis fabris da segunda metade do sécu- lo XIX são exemplos da luta do proletariado para impor um limite à exploração capitalista. O sistema de “cooperação”, ao mesmo tempo em que engendrava todas as novidades já assinala- das, também reunia as pessoas em grandes massas trabalhadoras, criando as condições necessárias à construção da consciência de classe dos próprios trabalhadores, estimulando o desenvolvimento da organização trabalhista. É preciso lembrar que nos países desenvolvidos, o final do século XVIII e todo século XIX foram marcados pelo desenvolvimento do movimento sindical. E as principais idéias que abasteceram as críticas ao regime capitalista foram as reflexões marxistas sobre esse sistema (ver mais no Destaque sobre o assunto). Tais idéias continuam sendo importantes e os conceitos introduzidos por Marx a respeito do trabalho ainda permanecem em voga como referência obrigatória para aqueles que estudam o tema. Por isso, é necessário clareá-los me- lhor aqui, além do que já foi referido anteriormente. Enquanto na concepção do trabalho que pro- curava justificar as relações de produção sob o regime capitalista a glorificação do trabalho ocor- re pela formulação ideológica, descrita anterior- mente, em Marx o trabalho é conceito central em dois sentidos. Primeiro, porque produz a própria condição de ser humano, pois Marx (1980) defen- de que o processo de diferenciação do homem dos demais animais inicia-se quando aquele produz seus meios de subsistência ou, em outras palavras, à medida que é produtor de sua vida material e o trabalho passa a ser expressão do próprio ser: A maneira pela qual os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente o que eles são. O que são coincide, portanto, com a sua produção, tanto com o que produzem quanto com a maneira pela qual o produzem. O que os indivíduos são depende, portan- to, das condições materiais de sua produção (Marx, 1980, p. 46). O segundo sentido é expresso pela idéia de que a história da humanidade é a história das relações de produção. Marx (1980) e Engels (1986) tomam o modo de produção como um dos determinantes e caracterizadores de cada estágio da história da hu- manidade. Assim, a produtividade da força de trabalho varia com o “grau de desenvolvimento da ciência e a sua aplicação tecnológica, o mundo normal do processo de produção, a extensão e a eficácia dos meios de produção e, finalmente, as condições naturais” (Marx, 1975b, p. 27). A Exploração nos primórdios do capitalismo e a reaçãodos trabalhadores As condições subumanas de trabalho aos quais eram submetidos os trabalhadores, incluindo mulheres e crianças, nos primórdios da grande indústria, são magnificamente retratados por Engels (1986) e Marx (1983). No livro I d’O Capital, Marx discute os emba- tes operários em torno das leis fabris inglesas. Os trabalhadores reagiram àquelas condições, organi- zando-se politicamente. Engels, ao analisar as greves operárias da primeira metade do século XIX, demons- tra que elas expressam a tomada de consciência dos trabalhadores sobre a necessidade de coesão e soli- dariedade nas lutas contra o Capital. Muitos autores têm retomado e aprofundado a análise desses movimentos, não sobre seu surgimento nos primórdios do capitalismo, mas levando em conta toda sua evolução durante todas as fases do capitalismo, seguindo, portanto, até os nossos dias. Por isso, re- comendamos, adicionalmente à literatura já citada, leituras como: Anthony (1977); Antunes (1989), Braverman (1974), Bicalho-Sousa (1994), Costa (1995); Hopenhayn (2001); Marx e Engels (1982); McCarthy (1985) e Ransome (1996). Para Marx (1975a), a transformação do modo de produção manufatureira para o modo de produ- ção capitalista da “cooperação” exige um parcela- mento progressivo do trabalho em suas operações, simplificando a atuação de cada um. Tal tipo de organização do trabalho possibilita a massificação da produção, característica do sistema capitalista da época. Esse caráter, por sua vez, subtrai as pos- sibilidades de identificação do trabalhador com o produto de seu trabalho. Interliga-se, assim, à con- cepção da força de trabalho como mercadoria da alienação do trabalho. Trata-se, então, de alienação em várias formas. O trabalhador não possui os mei- os de produção, não tem controle sobre o produto Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 33 nem sobre o processo de trabalho e, portanto, é su- primido seu saber fazer e as possibilidades de iden- tificação com a tarefa e com o produto. 2 O parcelamento das tarefas subtrai, também, o atributo da inteligência do trabalho, de forma que “quanto mais o operário parcelado é incompleto e mesmo imperfeito, tanto mais se torna perfeito como parte do operário completo” (Marx, 1975b, p. 73). Enquanto o trabalho deveria humanizar o próprio homem, de fato o subdivide: Não somente trabalhos parciais são repartidos entre diferentes indivíduos; o próprio indivíduo é dividi- do, transformado em mecanismo automático de um trabalho parcial (...). No início, o operário vende sua força de trabalho ao capital porque lhe faltam os meios materiais necessários para a produção de uma mercadoria; e agora, sua força de trabalho individu- al recusa qualquer serviço, a menos que seja vendi- da ao capital. Ela não funciona mais senão num con- junto que, após a sua venda, existe apenas na oficina do capitalista (p. 77). Marx (1975b) também afirma que o modelo capitalista criou o atributo de monotonia ao traba- lho, ligada à excessiva simplificação e eliminação da necessidade de qualificação do trabalhador. Mesmo a facilidade enorme do trabalho torna-se um meio de tortura, pois a máquina não dispensa o ope- rário do trabalho, mas tira-lhe o interesse. Toda a pro- dução capitalista, enquanto cria não somente valor, mas ainda mais-valia, tem essa característica: o ope- rário não domina as condições de trabalho, é domina- do por elas; mas essa mudança de papéis não se torna real e efetiva, do ponto de vista técnico, senão com o emprego de máquina (p. 113). O pensamento marxiano 3 opõe-se ao de Smith sobre o sentido do trabalho, pois o segundo atribui um valor social à organização deste, acreditando que o parcelamento das tarefas conduzirá à abundância geral, enquanto o primeiro entende que o parcela- mento das tarefas tem como objetivo o crescimento da mais-valia relativa, ao retirar do operário um ren- dimento superior durante o mesmo período de tem- po (Marx, 1975b). Conseqüentemente, o efeito social, longe de ser a abundância geral, indesejavelmenteé a acumulação do capital de um lado e a pauperização das massas de outro (Marx, 1975b). Em Marx (1975b), o trabalhador é submetido à exploração por meio das condições materiais e sociais, às quais não lhe oferecem outra oportuni- dade de sobrevivência. Inclui, nos condicionantes da submissão à exploração, a existência do que cha- ma de exército industrial de reserva. Marx (1980) afirma que faz parte desse exército todo o trabalha- dor durante o tempo em que está desempregado ou parcialmente empregado. E classifica-o em três va- riações: flutuante, latente e estagnado. A primeira variação refere-se àqueles trabalhadores ora repeli- dos, ora atraídos pela indústria, ou seja, por aque- les temporariamente desempregados. A segunda, re- fere-se à população trabalhadora rural sempre na iminência de transferir-se para a área urbana, à medida que a produção capitalista se apodera da agricultura. A terceira, à parte da população de ocu- pação irregular que tem em uma das principais con- figurações o trabalho domiciliar. Esse “exército” tende a ampliar-se à medida que o incremento da acumulação faz aumentar o número de trabalhado- res supérfluos. Considera, então, como contradição inerente ao sistema capitalista as queixas contra a falta de braços, enquanto milhares de pessoas estão desempregadas, porque a divisão do trabalho os acorrentou a determinado ramo industrial. A exploração é um dos pontos centrais na teo- ria marxiana porque, segundo Marx, o regime capi- talista caracteriza-se por tomar “a produção da mais- valia como finalidade direta e móvel determinante da produção” (Marx, 1980, p. 78). Assim, a explora- ção, antes de ser uma distorção do capitalismo, é uma característica inerente a ele. Em síntese, concluímos que, para Marx, o tra- balho que deveria ser humanizador, sob o capitalis- mo é o seu contrário, pois na forma de mercadoria é: (1) alienante, porque o trabalhador desconhece o próprio processo produtivo e o valor que agrega ao produto, além de não se identificar com os produtos 2 A alienação, temática hegeliana, relacionada ao trabalho, foi discutida inicialmente por Marx nos chamados Manuscri- tos de Paris (1984). Para discussões sobre a questão da centralidade do trabalho nos termos marxistas-luckacsianos, ver Antunes (1999) e Lessa (1997). 3 É importante esclarecer que o adjetivo “marxiano” se aplica à obra direta de Marx e Engels, enquanto que o termo “marxista” se refere a todo sistema de idéias e fundamentos no materialismo histórico (consulte, sobre o assunto, Yamamoto, 1996). Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues 34 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. de seu trabalho; (2) explorador, devido os objetivos de produção da mais-valia vinculada ao processo de acumulação do capital; (3) humilhante, porque afe- ta negativamente a auto-estima; (4) monótono em sua organização e conteúdo da tarefa; (5) discrimi- nante, porque classifica os homens à medida que classifica os trabalhos; (6) embrutecedor, porque, longe de desenvolver as potencialidades, inibe ou nega sua existência por meio do conteúdo pobre, repetitivo e mecânico das tarefas; e (7) submisso pela aceitação passiva das características do trabalho e do emprego, pela imposição da organização interna do processo de trabalho, pelas relações sociais mais amplas e, especialmente, pela força do exército in- dustrial de reserva. Observamos que a obra marxiana não se constitui numa mera crítica ao trabalho sob o capitalismo, mas cria valores e novas expectativas em torno do trabalho. Marx entendia que o trabalho deveria ser humanizador, não-alienado, digno, que garantisse ao ser humano a satisfação de suas neces- sidades, racional (com uma divisão baseada em cri- tério de igualdade entre os homens) e que se consti- tuísse na principal força na vida dos indivíduos. Aqui é importante percebermos que tanto a éti- ca do trabalho, associada à primeira Revolução In- dustrial, quanto o Marxismo exaltam a importância do trabalho. No entanto tal importância se funda em valores sociais distintos. Entre outras diferenças, importa destacar que a defesa do tratamento do traba- lho como mercadoria desvaloriza a identificação do trabalhador com o produto e o processo de seu tra- balho, ou seja, dignifica ganhar a vida trabalhando, mas não interessa em quê. A defesa da superação da alienação no trabalho permite compreendê-lo como uma categoria importante na construção da própria identidade do sujeito. O trabalho é, ao mesmo tem- po, estruturante para a sociedade e para o indivíduo. Adicionalmente, importa-nos destacar o que assinala Hopenhayn: a primeira Revolução Indus- trial imprimiu no trabalho o paradoxo segundo o qual engendra, de um lado, a máxima sociabilida- de, pois nunca antes havia se reunido tantos seres humanos em um mesmo lugar para participar de maneira organizada na confecção de um mesmo produto; e de outro, a máxima atomização do tra- balho, pela organização parcelada deste. Sob o ca- pitalismo, desde seu surgimento, esses dois pro- cessos são complementares e interdependentes. Com a história contada até aqui, expomos três formas distintas de conceber o trabalho: aquela oriunda na filosofia clássica, a que emergiu junto com o capitalismo e a concepção marxista. Cada uma delas engendrada por um contexto socioeco- nômico específico. A SECULARIZAÇÃO DA IDEOLOGIA DO TRABALHO A história da formulação da concepção do tra- balho sob o capitalismo é demarcada por suas pró- prias crises e pelas suas formas de renovação. No marco de uma economia livre de mercado, da su- peração da crise da década de 1870, vai sendo cons- truído o capitalismo monopolista e/ou oligopolista (Drucker, 1975; Heloani, 1996; Hopenhayn, 2001). Tal transição foi marcada por forte recessão e pela gradual imposição dos trustes e cartéis como ins- tâncias reguladoras dos preços e mercados. Ocor- ria, portanto, concentração financeira, que no ní- vel da produção se traduzia em concentração téc- nica. A organização dos trabalhadores cresceu du- rante todo o século XIX, principalmente nos paí- ses centrais do capitalismo, tornando mais siste- mática a forma de resistência à exploração ocorri- da no processo produtivo e complicando as rela- ções dentro do espaço da fábrica. Para Heloani (1996) a reordenação do padrão tecnológico que se seguiu à segunda Revolução Industrial foi marcada pelo conflito aberto entre capital e traba- lho. “Neste contexto (...) o capital pretendia ‘socia- lizar a crise’ através da diminuição de salários; as greves e o crescimento do movimento de oposição formam uma conseqüência inevitável” (p. 29). Adi- cionalmente, é importante lembrarmos que o sécu- lo XIX é conhecido como o século do iluminismo e da razão. É esse conjunto de fatos socioeconô- micos e políticos que cria o contexto favorável ao incremento na forma de gerenciar o trabalho e as empresas (administração) e leva à elaboração de uma sustentação científica para a concepção e or- ganização do trabalho. É nesse contexto, também, que surge a chamada administração científica, que tem entre seus expoentes Taylor e Fayol. Nas primeiras páginas de sua obra mais co- nhecida, Princípios da administração científica, Taylor (1980) define, como objetivo principal dos sistemas em administração, assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o má- ximo de prosperidade ao empregado. A suposição de identidade de interesses é evidente, pois Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 35 (...) a prosperidade do empregador não pode existir, por muitos anos, se não for acompanhada da prospe- ridade do empregado e vice-versa. (...) É preciso dar ao trabalhador o que ele mais deseja – altos salários – e ao empregador também o que ele realmente almeja – baixo custo de produção(p. 31). Taylor nega, portanto, a dependência do pro- cesso de acumulação do capital e de lucratividade ao processo de exploração do trabalhador basea- da na ampliação da mais-valia relativa. É, por isso, classificado por alguns estudiosos (Anthony, 1977) entre as teorias integrativas que se fundam na no- ção de conciliação entre trabalho e capital. A justificação do seu trabalho assenta-se for- temente em sua avaliação da “vadiagem” no traba- lho. De acordo com esta avaliação, o trabalhador procura sempre fazer menos do que pode e que, quando demonstra interesse em produzir, é perse- guido pelos demais. Taylor considera, então, a eli- minação da “cera” e das causas que retardam o tra- balho importante para reduzir o custo da produção. Por outro lado, responsabiliza a ignorância dos ad- ministradores como aliada ao propósito dos traba- lhadores de “fazer cera”. Taylor propõe assim a substituição dos méto- dos tradicionais (oriundos da experiência prática) pelos científicos, com a adoção do método dos tem- pos e movimentos para eliminar movimentos desne- cessários e substituir os movimentos lentos e ineficientes por rápidos. Acredita que há sempre um método mais rápido e um instrumento melhor. Para tanto, é necessária a máxima decomposição de cada tarefa em suas operações mínimas e a cronometragem de cada movimento do operário na execução das ope- rações. Radicaliza a divisão entre concepção e exe- cução do trabalho ou entre gerência e trabalhadores. Os gerentes devem reunir todos os conhecimentos tradicionais antes dos trabalhadores, classificá-los, tabulá-los, reduzi-los a normas, leis ou fórmulas: O trabalho de cada operário é completamente plane- jado pela direção, pelo menos, com um dia de ante- cedência e cada homem recebe, na maioria dos ca- sos, instruções escritas completas que minudenciam a tarefa de que é encarregado e também os meios usados para realizá-la (p. 51). Na execução, o trabalhador deve ser poupado de pensar para que possa repetir os movimentos ininterruptamente, ganhando em rapidez e exatidão. Tem, portanto, na padronização, no parcelamento e na separação da concepção da execução do traba- lho os principais recursos instrumentais para aumen- tar tanto a produção quanto o controle sobre ela. E, sempre perseguindo o aumento da produtividade e partindo do pressuposto de que os homens não são capazes de se auto-selecionar, nem de se auto-aper- feiçoar, propõe a seleção científica de trabalhado- res e o treinamento sistemático (Taylor, 1980). Heloani (1996) chama atenção para o fato de que a adoção da seleção científica exige a explicitação de um perfil de tarefas e do trabalhador para executá- las, o que pressupõe uma acumulação anterior do saber sobre o desempenho da produção. Sua apli- cação conjuntamente com o treinamento cria um espaço pedagógico na fábrica de adestramento de indivíduos, aparecendo como um auxílio ao empre- gado para que desempenhe melhor a tarefa e, por conseqüência, passe a ganhar mais. A aplicação do conjunto dos princípios tayloristas conduz, por meio do incentivo salarial, o trabalhador a assimilar o ‘desejo’ de aumentar a produção e reorientar sua percepção para este aumento. Em síntese, a administração científica, apesar da pretensa visão integrativa (identidade de propósi- to entre empregadores/empregados), atribuindo um elevado valor ao trabalho árduo, simbolizado como prosperidade, acaba, pelo método que advoga, por intensificar o processo de exploração e de alienação, porque radicaliza a monotonia e a cisão entre o pen- samento e a execução, e amplia a mais-valia relativa. A defesa da supervisão estrita traz em si a concepção de um trabalho hierarquizado e/ou subordinado, ba- seado em uma visão dualista do ser humano. As contribuições tayloristas na construção da administração científica são complementadas por Fayol. Enquanto Taylor se ocupou em estudar o planejamento da execução das tarefas, Fayol par- tiu de uma visão macroscópica da organização, preocupando-se com as funções de gerenciamento. Para Hopenhayn (2001), a complementaridade entre as contribuições de Taylor e Fayol e a forma radical com que aplicaram seus princípios admi- nistrativos conduziram à máxima coisificação, tan- to do trabalho quanto do trabalhador, que passou a ser tratado como um entre outros fatores de pro- dução. Esse nível de radicalização dos citados prin- cípios simplifica o trabalho, reduz os requisitos de qualificação e retira o sentido de velhos valo- res, como a hierarquia por idade ou por experiên- 36 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. cia. Hopenhayn sintetiza a fundamentação destas contribuições em quatro concepções: • Formalista (da empresa): consiste em per- ceber a empresa como um conjunto de car- gos hierarquizados; • Mecanicista (do operário): defesa de uma acomodação das personalidades às necessi- dades organizacionais; • Naturalista (da organização do trabalho): defende que o parcelamento das tarefas é uma tendência natural e não uma constru- ção social; e • Hedonista (da motivação): tenta prever o comportamento, vinculando-o exclusiva- mente à remuneração do trabalho. As atividades com os engenheiros da produção embasavam-se nas mesmas idéias de necessidade de aproveitamento máximo do tempo, entre outros re- cursos, buscando um rendimento máximo do traba- lho e, ao mesmo tempo, as condições físicas neces- sárias para tornar o esforço fisiologicamente supor- tável. Perseguiam, assim, os mesmos valores do tra- balho validados pelo protestantismo ascético, porém revestidos de racionalidade científica, expressa na metodologia de pesquisa utilizada, com a observa- ção, registro e análise do comportamento. Termina- ram intensificando o parcelamento das tarefas, as exi- gências por eficiência, bem como os atributos de monotonia e a falta de conteúdo do trabalho. Na aplicação dos princípios das abordagens integrativas, dentro das organizações do setor avan- çado da economia da época, conviviam-se com ques- tões, entre as quais: como escolher as pessoas para exercer os cargos/funções conforme planejados? Como adaptar os indivíduos às tarefas parceladas e padronizadas? Como disciplinar cada operário para garantir a execução coletiva do trabalho? Que apti- dões o operário deve ter? Que sistema de recompen- sas é adequado? Questões como estas foram remeti- das à Psicologia (ver capítulos 15 e 16 neste livro). De forma paralela e independente do desen- volvimento dessas tendências na administração, mas na mesma perspectiva integrativa e movido pelas mesmas preocupações (o combate aos tem- pos mortos), surge também o movimento que fi- cou conhecido por fordismo, devido ao fato de ser liderado por Henry Ford. Estas contribuições con- sistiram em inovações tecnológicas (mecanização) e econômicas (produção em massa afetando as normas de consumo e de vida), tendo tanto desdo- bramentos na organização do trabalho quanto na gestão de pessoal (Leite, 1994; Neffa, 1990). Neffa (1990) expõe que o American System of Manufactures cresceu gradualmente durante o sécu- lo XIX, representando um modelo para todo o mun- do. No entanto, na fabricação de armas, de máquinas de costura, de maquinarias agrícolas e de bicicletas, entre outras, ocorria uma consecução precária dos objetivos de padronização das partes dos produtos. O objetivo era, além de controlar a qualidade dos produtos, reduzir custos de reposição pela possibili- dade de promover a manutenção dos produtos ao substituir-se as peças defeituosas. Tal substituição seria tanto mais possível quanto mais padronizada fossem suas partes e/ou peças. Ford, na fabricação de automóveis, deu continuidade a tal modelo, po- rém avançou na padronização por meio de um conjun- to de inovações, entre as quais se destaca o uso da cadeia de montagem sobre a esteira rolante (criada pelo mecânico William Klann). A produção na ca- deia de montagem, desde 1913, implicava: • utilizaçãode moldes, garantindo que as peças fossem idênticas; • controle permanente da exatidão das peças; • uso de máquinas especializadas; • movimento das peças e seus subconjuntos na empresa através da esteira, eliminando o deslocamento dos operários, o que sig- nificava fluxo contínuo de produção. Observemos que esse modo de organizar o tra- balho estabelece o controle do ritmo do trabalho pela cadência da máquina e não mais pela supervisão hu- mana direta (Leite, 1994; Neffa, 1990). Mas suas inovações não ficaram aí. Para enfrentar o ajuste en- tre oferta e demanda de automóveis, Ford instaurou uma nova norma de consumo a partir da perseguição de seu objetivo de produzir um automóvel barato para o consumo da multidão (produção em massa) e de uma política de remuneração que ficou conhecida como five dollar day. Sobre a massificação da pro- dução, Neffa (1990) ilustra que a empresa Ford, em 1909, produzia 18.664 automóveis ao preço de 950 dólares cada. Em 1920, 1.250.000 automóveis, a um preço de 355 dólares cada. Quanto à política salarial, é necessário esclare- cer que, de um lado, estava associada às intenções de Cristiano Rodrigues Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 37 mudança de consumo de Ford, e de outro, visava en- frentar os problemas internos da empresa referentes ao gerenciamento de pessoal. A empresa enfrentava problemas de indisciplina, absenteísmo, rotatividade, desinteresse pela produção e dificuldades de comuni- cação e adaptação dos imigrantes. Por isso, tal política salarial vincula-se a outras iniciativas de gerenciamen- to de pessoal. O pagamento integral ao empregado dependia não só da sua produção, mas também de seus hábitos de vida em geral. Por isso, Ford implan- tou adicionalmente um departamento social em sua empresa, que incluía uma enorme equipe de investiga- dores que desenvolvia todo um trabalho de levanta- mento de hábitos do empregado, na sua vida na em- presa e fora dela, incluindo visitas ao empregado, em sua casa. Os empregados eram avaliados quanto à dedicação à família, aos cuidados com a casa, à aplicação do salário, aos hábitos de poupança, ao uso de bebidas alcoólicas, entre outros aspectos. Como empregava muitos imigrantes, Ford desenvolveu um trabalho de educação por meio do qual ensinava aos seus trabalhadores o idioma inglês e o estilo de vida americano. Foi bastante criticado por exercer um for- te controle da vida integral dos seus empregados. Os altos salários pagos e as mudanças de estilo de vida provocadas pela Ford, inicialmente, incre- mentaram a produção. Posteriormente, constituíram- se em causas de dificuldades da empresa, à medida que os novos padrões de vida estabelecidos geravam diferenças nas categorias profissionais. Isso acabou tornando acertada a política da empresa rival, a Ge- neral Motors, que investia a partir do reconhecimen- to da segmentação do mercado de trabalho. Assim, enquanto Ford insistia na fabricação de um único modelo de automóvel, a General Motors diferenciou seus modelos e inovou a comercialização de seus pro- dutos com a criação da venda parcelada de automó- veis, financiada pelo setor bancário. Com as políticas de remuneração do fordismo, conseguia-se manter os empregados longe dos sin- dicatos, enquanto o taylorismo mobilizava a oposi- ção sindical durante a década de 1910. Isso não quer dizer que os empregados estivessem exatamente satisfeitos. A mecanização não se diferenciava do taylorismo em um ponto básico: o esvaziamento do conteúdo do trabalho. Tanto é assim que a Ford, que começou aproveitando mecânicos qualificados, com experiência de outras indústrias, empregava de- pois uma massa de trabalhadores sem qualificação. A implantação da esteira transportadora provocou inicialmente o afastamento do trabalhador de seus postos, chegando a ser detectada uma rotatividade dos trabalhadores de 370% ao ano. A adoção da política five dollar day e a criação do departamento social rebaixou o índice para 16% em três anos. A taxa voltou a crescer no ano de 1918, com o início do recrutamento militar. Os empregados eram atra- ídos pelos salários e benefícios adicionais pagos pela empresa, mas a jornada era referida como extenu- ante a tal ponto que se designavam as conseqüênci- as do trabalho na cadeia de montagem como fordites. A queda de rotatividade sob o fordismo en- contra também outras explicações na literatura. Assim, Braverman (1974) relata que na Ford, após a introdução da esteira transportadora, com o ofí- cio sendo substituído por operações pormenoriza- das e repetitivas, observou-se o “desgosto do traba- lhador”, havendo abandono do emprego. Era a re- pulsa natural do trabalhador contra a nova espécie de trabalho. Porém, à medida que os concorrentes adotavam as técnicas de Ford, os trabalhadores eram obrigados, devido ao desaparecimento de outras for- mas de trabalho, a submeter-se àquela. As inovações trazidas pela equipe de Ford ti- veram forte impacto na organização e gestão do tra- balho. Porém, quanto à concepção tradicional do trabalho, deram continuidade às mesmas idéias, in- tensificando suas características (parcelamento, exi- gência de eficiência, monotonia, pobreza de conteú- do) de Taylor e Fayol. Sob Ford, o tratamento do trabalho como mercadoria e seu caráter instrumen- tal ficam mais enfatizados, antecipando de certa for- ma o que veio acontecer na fase posterior, após a Grande Depressão do começo do século XX (1929). Importa ainda esclarecer que, embora o tayloris- mo e o fordismo tenham sido elaborados paralela- mente, na maior parte de suas características são se- melhantes, o que leva muitos autores a tratarem-lhes como um fenômeno complementar. Heloani (1996), por exemplo, refere-se aos anos 20 (do século XX) como o período de consolidação do taylorismo-for- dismo. Concluindo, essas abordagens integrativas re- novaram e/ou reafirmaram a concepção capitalista tradicional do trabalho, negando os antagonismos de classe que a análise fundada na obra marxiana apontava, oferecendo a legitimidade científica que o final de século exigia e sofisticando as dimensões concreta (tecnologia), socioeconômica e gerencial do trabalho. Portanto, essas abordagens integrativas Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues Cristiano Rodrigues 38 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. vieram substituir o papel de suporte ideológico ao capitalismo tradicional, oferecido inicialmente pelo protestantismo ascético, quando este declinou em aceitação e aprovação social. Ampliaram-se as bases de sustentação da concepção capitalista do trabalho. Estas contribuições, que efetivaram a secula- rização 4 da ideologia do trabalho, conseguiram a maior adesão possível por parte dos empresários fabris e uma forte rejeição pelos trabalhadores. Isso não significa que as formulações a partir das religi- ões tenham sido extintas, mas que o argumento téc- nico-científico foi agregado. O século XIX foi tam- bém um período fecundo de elaboração ideológica, fundando e estruturando várias formas de reação. Entre elas, destacamos a da Igreja Católica, pela repercussão nos países de sua influência: em 1891, a Encíclica Social Rerum Novarum (ver Destaque a seguir), do Papa Leão XIII, ratifica as premissas escolásticas de desigualdades intrínsecas entre os seres humanos, o caráter expiatório do trabalho e desenvolve argumento em favor da conciliação en- tre trabalho e capital, condenando a violência de ambos e censurando tanto o descumprimento de obrigações do trabalho quanto o pagamento de sa- lário insuficientes para assegurar a existência. Outro destaque das reações do final do século XIX e início do século XX foi a fertilidade sindical. Multiplicaram-se as tendências, entre as quais cres- ceram as correntes anarquistas e socialistas (Anthony, 1977). Todas elas partiam do papel central do traba- lho na vida das pessoas e na organização da socieda- de. Surgiram os movimentosde greves gerais. Data desse período o surgimento do sindicalismo no Brasil, com os primeiros núcleos operários em São Paulo e Rio de Janeiro (Antunes, 1989). Araújo (1982) rela- ta a inexistência de qualquer política salarial no Bra- sil neste período e o intervencionismo do Estado em assuntos econômicos. O governo simplesmente res- pondia aos problemas. Predominavam as péssimas condições de trabalho como a inexistência de qual- quer assistência médico-hospitalar, extensas jorna- das de trabalho, ausência de descanso semanal. Com a sucessão das greves do início do século, em 1917 surgem vários projetos de lei regulamentando o traba- lho (jornada de trabalho, trabalho feminino, trabalho de menores, creches em estabelecimentos industriais, contrato de aprendizagem). Todas estas regulamenta- ções focalizavam o trabalho urbano, minoria em um país eminentemente agroexportador (Fausto, 1986). O período sobre o qual estamos tratando cons- tituiu-se em um dos mais efervescentes da história da humanidade. Do primeiro conflito bélico que en- volveu a maior parte do planeta até os acontecimen- tos que culminaram na Revolução de Outubro, em 1917, na Rússia, desencadeou-se uma reação em ca- deia que dividiu o mundo em dois blocos antagôni- cos. Após a Segunda Guerra Mundial, esta divisão engendrava a chamada Guerra Fria, que marcou pro- fundamente as relações geopolíticas até o último quar- to do século XX. De forma mais simples, podemos dizer que, a partir da revolução, espalhou-se o cha- mado “medo vermelho” no mundo ocidental. A mai- or crise econômica do século (a Grande Depressão), a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial são acontecimentos que marcam a primeira metade do século XX 5 e que tiveram forte impacto no mun- do do trabalho e nas formulações das idéias sobre o tema, como veremos na seção subseqüente. 4 Fenômeno histórico dos últimos séculos, pelo qual as crenças e instituições religiosas se converteram em doutrinas filosóficas e instituições legais (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Dicionário da Língua Portuguesa). 5 Para quem deseja compreender de forma mais aprofundada o quadro socioeconômico e político do início do século XX, certamente é relevante saber que Hobsbawm (1995) faz um importante balanço do século XX. Para uma introdução ao estudo do “século do imperialismo”, recomendamos ver Sader (2001). Encíclica social Rerum Novarum Devido à sua repercussão e à importância de docu- mentos desta natureza para os países nos quais pre- dominam a religião católica, muitos autores que discu- tem a história do trabalho ou o seu conceito têm se detido em sua análise. Assim, Hopenhayn (2001) ar- gumenta que tal Encíclica se constituiu em forte crítica às condições de trabalho para a época. Brief e Nord (1990) afirmam que revela que a igreja católica havia absorvido uma visão extrínseca do trabalho, porque o analisa dentro de um quadro social amplo no qual o foco na qualidade de vida geral, na justiça e na harmo- nia social não se centra no trabalho, ou seja, não dis- cute seu conteúdo. Antunes (1989) destaca a influên- cia da referida encíclica papal em uma corrente sindi- cal italiana, que se fundamentava na idéia da colabo- ração social, rejeitando a violência e a luta de classes. Cristiano Rodrigues Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil 39 A CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE DO BEM-ESTAR Os fatos históricos referidos anteriormente con- figuraram um cenário de comoção social na primeira metade do século XX, demandando uma retomada do progresso econômico, de produtividade/consu- mo e um arrefecimento dos conflitos trabalhistas. Importa aqui explorar o que foi construído no cam- po gerencial e socioeconômico para a superação de tal situação afetando o mundo do trabalho. O pri- meiro fato a ser sublinhado e, certamente o mais marcante, são as mudanças no plano econômico, destacando-se aí o keynesianismo que surgiu em oposição às idéias liberais que dominavam o mun- do capitalista até aquele momento, as quais nos re- ferimos anteriormente citando as idéias de Adam Smith. Segundo Pinho (1983), Keynes, negociador do pós-guerra inglês, considerava o capitalismo não- regulado incompatível com a manutenção do pleno emprego e da estabilidade econômica. Suas idéias incentivaram a regulação do mercado pelo Estado e deram nova conotação ao consumo, entendendo- o como necessário à prosperidade. O mesmo autor assinala que as obras de Keynes apresentaram um programa de ação governamental para a promoção do pleno emprego e tiveram tamanho impacto que sua atuação, e a de seus seguidores, passaram a ser conhecidas como “revolução keynesiana”. O keynesianismo conduz a análise do mercado de trabalho de um plano microeconômico para um macroeconômico. Compreende que a dinâmica do mercado de trabalho está subordinada a uma série de variáveis macroeconômicas. Rejeita a idéia de pleno emprego como uma situação de equilíbrio espontâ- neo, derivado exclusivamente do equilíbrio entre ofer- ta e demanda de emprego; em vez disso, defende que a situação de pleno emprego, para ser atingida, de- manda a regulação planejada e governamental. Se- gundo Alexandre e Rizzieri (1983), o equilíbrio macroeconômico, ou o equilíbrio da renda nacional, corresponde à coincidência entre a remuneração dos fatores de produção (salários, juros, lucro e aluguel) e os gastos em bens e serviços de consumo e investi- mento. A análise macroeconômica estuda e estabelece a relação entre variáveis amplas da economia, como nível de consumo, investimento, gastos do governo, arrecadação de tributos e balanço do comércio exte- rior. Portanto, compreende a dinâmica do mercado de trabalho inserido na economia nacional como um todo, de forma que o capitalista determina preço e na mesma proporção determina salário real. Por isso, recomenda a fixação de um marco-jurídico-legal con- sistente que, impondo limites a assuntos como a ex- tensão da jornada de trabalho, o salário, a instauração de salários indiretos, promove a repartição dos ganhos de produtividade e a estruturação de assistência aos desempregados e acidentados. Leite (1994) resume o assunto, afirmando que o sistema proposto por Keynes estabelece um equilíbrio baseado na proteção social e na distribuição de ganhos de produtividade. Importa-nos explicitar que o modelo keynesia- no, ao abordar o trabalho dentro de um conjunto mais amplo de variáveis, traz implícita uma concepção mais complexa do próprio trabalho (em comparação com as abordagens clássicas e neoclássicas). A natu- reza do trabalho, seus requisitos e os resultados ge- rados para o indivíduo não variam necessariamente juntos, uma vez que se associam cada um desses as- pectos (e todos) a outras variáveis econômicas. Um ponto central na abordagem keynesiana da economia é a noção de ciclo progressista ou virtuoso, no qual o consumo gera demanda de pro- dutos, que gera empregos e estes, por sua vez, mantêm ou aumentam os níveis de consumo. Tal ciclo progressista consiste em fazer girar ou mo- vimentar os recursos econômico-financeiros. Para o ciclo ser mantido, demanda novos aumentos de produtividade do trabalho, o que é buscado no taylorismo-fordismo, o que recupera assim o modo de organização do trabalho da fase anterior dentro de novos marcos socioeconômicos. Seguramente o leitor já deve ter se dado conta que tais idéias são opostas à economia clássica do ponto de vista dos valores subjacentes: (1) partiu- se de uma posição que valoriza o trabalho produti- vo (segundo o conceito de Adam Smith), colocan- do em pólos opostos o público e o privado, discrimi- nando o primeiro, e que, exalta a poupança (refor- çado pelo protestantismo); (2) passou-se a uma po- sição que valoriza positivamente a intervenção do Estado e, conseqüentemente, o serviço público e os hábitos de consumo. Em outras palavras, Keynes elucidou a inter-relação entre público e privado, passando a ter em
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