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A dengue é uma doença causada por qualquer um dos sorotipos dos vírus da dengue, que pertencem à família Flaviridae, e são transmitidos ao homem pela picada de fêmeas de mosquitos do gênero Aedes. A dengue é considerada a mais importante virose transmitida por artrópodes, que acomete o homem em termos de morbidade e mortalidade. A Organização Mundial da Saúde relata que, anualmente, mais de 100 milhões de indivíduos, habitantes dos países localizados nas regiões tropicais e subtropicais de todo o mundo, sejam infectados com os vírus da dengue. Entretanto, uma reavaliação desse número por Bhatt e colaboradores estima que haja aproximadamente 390 milhões de casos de dengue anualmente, e que somente 1/4 desses casos se manifestam clinicamente. As epidemias de dengue vem ocorrendo em quase todo o Brasil desde 1986 e, anualmente, durante o primeiro semestre, há aumento considerável na incidência da doença, incluindo os casos hemorrágicos ou com acometimento de órgãos-alvo, por exemplo, o coração e o sistema nervoso central. Em razão do acometimento de vários órgãos pela dengue, resultando em um grande espectro de manifestações clinicas, a Organização Mundial da Saúde sugeriu que fosse usada uma nova classificação para a dengue, em que outras manifestações clínicas, que não a dengue hemorrágica, mas com considerável morbidade e mortalidade, fossem contempladas. A origem do nome dengue seria do árabe arcaico, significando fraqueza (astenia). Nas línguas portuguesa e espanhola, que possuem influencia moura, existe a palavra dengue significando afetação. Com ambos os sentidos, a palavra descreve sintomas da doença ou comportamento praticado, em virtude dela. Etiologia Os quatro sorotipos de vírus da dengue, denominados dengue-1,2,3 e 4 pertencem à família Flaviviridae, gênero Flavivírus, que inclui pelo menos 70 membros e possui, como protótipo, o vírus da febre amarela. Os quatro sorotipos dos vírus da dengue pertencem a um grupo denominado Grupo Dengue, no gênero Flavivírus. O vírus da dengue, bem como todos os flavivírus, são icosaédricos, com aparecência externa de serem esféricos por causa do envelope viral, com projeções na superfície e medem, aproximadamente, 50 a 60 nm de diâmetro. A composição química dos flavivírus, obtida com vírus Saint Louis Encephalitis, é de 6% de RNA, 66% de proteínas, 17% de lipídios e 9% de carboidratos. Esses vírus possuem uma fita única de RNA, com peso molecular (PM) de 4 x 10^6, contendo, aproximadamente 11 mil nucleotídeos e, por ser de polaridade positiva, comporta-se como o RNA mensageiro. Os vírus da dengue se replicam no citoplasma celular, após um período de latência de 12 a 16h (células de vertebrados) e esse processo relaciona-se à proliferação de organelas como retículo endoplasmático. A proteína E localiza-se nas espículas do envelope, e é fundamental para a ligação viral ao receptor de membrana e possui os mais importantes domínios antigênicos dos vírus da dengue, os quais podem ser detectáveis por anticorpos monoclonais. Patogenia e resposta imune Após a inoculação dos vírus da dengue, por meio da picada do mosquito, eles são fagocitados pelas células dendríticas (células de Langherhans) residentes no local, transportados aos linfonodos regionais, onde Dengue realizam a sua primeira replicação. Essa multiplicação inicial resulta em uma viremia que dissemina esse patógeno por todo o organismo, livre no plasma ou no interior de monócitos. Os vírus da dengue têm tropismo por células fagocitárias, as quais são reconhecidas como importantes sítios para sua replicação. Acredita-se que a resposta imune do hospedeiro à infecção pelos vírus da dengue possa atuar de duas maneiras diferentes. A primeira previne a infecção, propicia a recuperação nas infecções, envolvendo inicialmente a resposta imune inata e sequencialmente, a resposta imune celular e humoral. A segunda relaciona-se à imunopatologia da manifestação hemorrágica da dengue. A infecção primária (primoinfecção) pelos vírus da dengue é controlada inicialmente pela resposta imune inata e celular. Esses vírus estimulam a produção de anticorpos IgM que se tornam detectáveis, em média, a partir do quarto dia após o início dos sintomas, atingindo os níveis mais elevados por volta do 7° ou 8° dia e declinando lentamente, a ponto de não serem mais detectáveis após alguns meses. Os anticorpos da classe IgG, que são observados em níveis baixos a partir da primeira semana do início dos sintomas elevam-se gradualmente atingindo altos valores em duas a três semanas e mantêm-se detectáveis por vários anos, conferindo imunidade contra o sorotipo infectante, provavelmente por toda a vida. As infecções por dengue, em indivíduos que já tiveram contato com outros sorotipos dos vírus, ou mesmo outros flavivírus (como os vacinados contra a febre amarela), podem alterar o perfil da resposta imune, que passa a ser do tipo anamnéstico ou de infecção secundária (reinfecção), com baixa produção de IgM, e resposta precoce intensa de IgG. A resposta imune humoral é fundamental para a prevenção e cura das infecções pelos vírus da dengue. A proteína E, parte do envelope viral, é o alvo dominante dos anticorpos protetores contra a dengue. Esses anticorpos podem promover a lise de células infectadas ou inibir a ligação dos vírus aos receptores celulares com consequente neutralização viral. Embora não seja constituinte da partícula viral, a proteína NS1 também é um importante alvo de anticorpos antidengue. Essa proteína é expressa na superfície das células infectadas e também é secretada na circulação. Anticorpos contra a NS1 promovem a lise das células infectadas fixando o complemento e, além disso, atuam como mediadores de fenômenos de citotoxidade celular mediada por linfócitos CD8+. A resposta imune celular contra o vírus é direcionada para múltiplas proteínas virais, entre elas, CprM, E, NS1, NS3, NS4B e NS5, porém a proteína NS3 parece ser a mais imunogênica, em relação à imunidade celular, com uma maior preponderância de epítopos de células T identificados. As células TCD4+ e CD8+ reativas ao vírus da dengue produzem predominantemente altos níveis de IFN-y, TNF-a, TNF-b e quimiocinas, incluindo MIP-1B, após interação com células apresentadoras de antígenos infectadas com o vírus, e também são eficientes na lise das células infectadas in vitro. Portanto, as células T participam ativamente na resposta imune reduzindo o número de células infectadas com o vírus. (Isso significa que, embora linfócitos TCD4+ participem da resposta imunológica, os linfócitos TCD8+ são mais importantes na defesa contra o vírus da dengue). Nos quadros de dengue, os sintomas gerais de febre e mal-estar relacionam-se à presença, em níveis elevados, de citocinas séricas, como TNF-a, IL-6, IFN-y etc. As mialgias relacionam-se, em parte, à multiplicação viral no próprio tecido muscular, inclusive o tecido oculomotor é acometido, produzindo cefaleia retrorbitária. Fisiopatologia da dengue hemorrágica (DHF/DSS) A causa responsável pelo desenvolvimento das formas graves da doença tem sido alvo de diversos trabalhos nos últimos anos. A forma hemorrágica da doença, cuja definição pela Organização Mundial da Saúde inclui quadros com hemorragias de pequena monta, como nos casos mais leves da doença, é a forma da doença mais estudada por ser a mais frequente, ou por não se fazer o diagnóstico das outras formas clínicas da dengue. Desse modo, discutiremos aqui apenas os conceitos desenvolvidos para a forma hemorrágica da dengue. A patogênese da DHF tem sido explicada por teorias centradas nos efeitos dos fatores virais e dos hospedeiros, a virulência da cepa viral e a imunopatogênese da doença. As diferenças na virulência entre as cepas circulantes de dengue parecem apresentar importância no desenvolvimento da DHF/DSS,por causa das diferenças nas manifestações clínicas observadas em diferentes surtos da doença. Estudos em praticamente todos os países, onde a dengue é endêmica demonstraram a associação de DHF/DSS e a dengue clássica, com diferentes genótipos de dengue. Estudos de epidemiologia molecular realizados com as cepas circulantes no Brasil mostram que os mesmos sorotipos e genótipos são capazes de produzir todas as formas da doença. Contudo, os mecanismos e as regiões do genoma desses vírus, responsáveis pela diferença na virulência, ainda não foram completamente determinados. Com relação ao mecanismo fisiopatológico envolvido na gênese da DHF/DSS deve-se ter em mente que as células mononucleares representam um papel central na fisiopatologia da DHF/DSS. Estudos sobre a resposta imune na infecção sequencial por dengue mostram que anticorpos preexistentes podem não neutralizar um segundo vírus infectante de sorotipo diferente e, em muitos casos, paradoxalmente, amplificam a infecção, facilitando a esse novo tipo infectante, a penetração em macrófagos, utilizando para isso os receptores de membrana Fcg. (Receptores para Fc de IgG (FcgR) são moléculas que atuam na interface da resposta imune celular/humoral e contribuem na ativação e/ou modulação da resposta imune.) (O fragmento cristalizável, região do fragmento cristalizável ou região Fc é a região dum anticorpo que forma a sua cauda, que interage com receptores da superfície das células chamados receptores Fc e com algumas proteínas do sistema complemento.) Esse fenômeno seria explicado pela ligação dos anticorpos dirigidos contra o sorotipo responsável pela primeira infecção ao sorotipo infectante atual, porém sem a capacidade de neutralizá-lo. Esse vírus teria agora, a oportunidade de penetrar nas células por meio do seu receptor natural e pelos receptores Fcg das imunoglobulinas. O estímulo causado pela liberação de IFN-y por células CD4+ ativadas agrava esse quadro, causando um aumento da expressão dos receptores Fcg na membrana dos macrófagos e, assim, tornando-os mais permissíveis ao vírus. Acredita-se que indivíduos com DHF/DSS possuam populações de macrófagos maciçamente infectadas e produzam viremias elevadas. Uma presença aumentada de moléculas HLA (sistema de antígenos leucocitários humanos) classes I e II nos macrófagos estimulados pelo IFN-y também facilitaria o reconhecimento de maior número de epítopos virais pelos linfócitos CD4+ e CD8+, com consequente aumento na produção de citocinas e citólise por linfócitos T ativados, agravando o quadro clínico. A presença de antígenos de dengue, expressos na membrana macrofágica, induz fenômenos de eliminação imune por linfócitos T CD4+ e CD8+ citotóxicos. Os macrófagos, ativados pelos linfócitos e agredidos ou lisados pelas células citotóxicas, liberam tromboplastina, que inicia os fenômenos da coagulação, causadoras da lise celular e do choque. O fator de necrose tumoral alfa, de origem macrofágica e linfocitária, foi observado em níveis elevados, em casos graves de DHF/DSS. O TNF-a afeta células inflamatórias e endoteliais, podendo contribuir para a trombocitopenia (baixo número de plaquetas) e induz a IL-8, estimulando a liberação de histamina pelos basófilos e aumentando a permeabilidade vascular. A IL-6 foi observada em níveis elevados, em alguns casos graves de DHF/DSS, e foi relacionada com a hipertermia apresentada pelos pacientes. Anafilotoxinas como C3a e C5a, leucotrienos, histamina e o fator inibidor do ativador do plasminogênio (que impede a fibrinólise e leva à deposição de fibrina intravascular) encontram-se presentes por curto tempo na DHF/DSS. Um segundo grupo de pacientes em risco para DHF/DSS são os lactentes que receberam, intraútero, anticorpos IgG maternos contra a dengue. Com o passar de meses, esses anticorpos, que apresentam decaimento paulatino, atingem níveis subneutralizantes. No caso de infecção desses lactentes por outro sorotipo de dengue daquele que causou a infecção materna e na presença dos anticorpos subneutralizantes, ocorreria um desequilíbrio estequiométrico entre as concentrações de anticorpos neutralizantes e vírus em macrófagos, e todos os eventos discutidos anteriormente, e assim, esses pacientes desenvolveriam DHF/DSS. Portanto, a DHF/DSS tem como base fisiopatológica um aumento da carga viral resultante de uma cepa virulenta ou a facilitação da infecção mediada por anticorpos, levando a uma resposta imune exacerbada, envolvendo células do sistema imune, citocinas e imunocomplexos, causando aumento da permeabilidade por má função vascular endotelial, sem destruição do endotélio, causando queda da pressão arterial e manifestações hemorrágicas, associadas a trombocitopenia. Os níveis elevados de marcadores de ativação imune, incluindo receptores de TNF-a, de IL-2 e CD*+ solúvel, correlacionam-se com a gravidade da doença. Além disso, os macrófagos, ativados pelos linfócitos ou lisados pelas células citotóxicas, liberam tromboplastina, que inicia os fenômenos da coagulação e, também, liberam proteases ativadoras do complemento, causadoras de lise celular e choque. O TNF-a, de origem macrofágica e linfocitária, apresenta níveis elevados, em casos graves de DHF/DSS. O TNF-a afeta células inflamatórias e endoteliais, podendo contribuir para a plaquetopenia e indução da IL-8, estimulando liberação de histamina pelos basófilos, aumentando a permeabilidade vascular. A IL-6 foi observada em níveis elevados, em alguns casos graves de DHF/DSS, e foi relacionada com a hipertermia apresentada pelos pacientes. Anafilotoxinas como C3a e C5a, leucotrienos, histamina e o fator inibidor do ativador do plasminogênio (que impede a fibrinólise e leva à deposição de fibrina intravascular) encontram-se presentes por curto tempo no DHF/DSS. Em resumo, especula-se que os mecanismos patogênicos da DHF englobem uma teoria conciliatória de múltipla causalidade, na qual se incluem os vários fatores de risco relacionados com a epidemiologia (dentre esses, imunidade de grupo, intervalo de tempo entre as infecções por diferentes sorotipos), ao indivíduo (idade, sexo, raça, mecanismos genéticos, presença de anticorpos resultantes de infecções prévias e intensidade da resposta) e, por fim, ao vírus (virulência, sorotipos e genótipos envolvidos em cada epidemia e mutações genômicas). Todos esses fatores contribuiriam, então, em maior ou menor grau, para o agravamento da doença. A base fisiopatológica da DHF seria, então, uma resposta imune anômala, causando aumento da permeabilidade por má função vascular endotelial, sem destruição do endotélio, causando queda da pressão arterial e manifestações hemorrágicas, associadas à trombocitopenia. Patologia As alterações patológicas observadas na dengue referem-se principalmente, a casos de DHF/DSS. Em necropsias de pacientes falecidos com esta doença, observam-se hemorragias cutâneas, em trato gastrointestinal, no septo interventricular cardíaco, no pericárdio, em espaços subaracnóideos e superfícies viscerais. A hepatomegalia e derrames cavitários também são achados frequentes. Os derrames em cavidade abdominal e espaço pleural possuem alto teor proteico, com predomínio de albumina, contendo pouco material hemorrágico. À microscopia observa-se edema perivascular com grande extravasamento de hemácias e infiltrado rico em monócitos e linfócitos. Entretanto, não parece haver dano de paredes vasculares. Em alguns pacientes adultos, com hemorragias, observam-se abundantes megacariócitos em capilares pulmonares, glomérulos renais, sinusoides hepáticos e esplênicos. São evidências de coagulação intravascular. Em linfonodos e baço há proliferação linfoplasmocitária, com grande atividade celular e necrose de centros germinativos. Reduz-se a polpa branca esplênica e ali se observa linfocitólise abundante, com fagocitose dessas células.Na medula óssea ocorre bloqueio da maturação megacariocítica e de outras linhagens celulares. No fígado observam-se hiperplasia, necrose hialina de célula de Kuppfer e a presença, em sinusoides, de células mononucleares, com citoplasma acidófilo e vacuolizado, semelhantes a corpúsculos de Councilman, lembrando o aspecto encontrado na febre amarela. Os hepatócitos apresentam graus variáveis de esteaose e necrose mediozonal. Os rins apresentam achados anaomopatológicos compatíveis com glomerulonefrite, relacionada, provavelmente, com a deposição de imunocomplexos em membrana basal glomerular. Chama atenção o fato de que as lesões patológicas observadas, excetuando-se as relacionadas com as hemorragias profusas, não justificam a extrema gravidade e o óbito nesses casos de DHF/DSS. Quadro clínico As manifestações clínicas observadas durante a infecção pelos vírus da dengue ocorrem após um período de incubação de 2 a 8 dias e são muito variáveis, podendo ser didaticamente classificadas em 4 grupos: 1) as infecções assintomáticas; 2) a febre da dengue, subdividida em quadros de febre indiferenciada (síndrome viral) e as manifestações clássicas da dengue (dengue clássica); 3)a febre hemorrágica da dengue e síndrome de choque da dengue (DHF/DSS); 4)e aqueles quadros menos frequentes, e manifestações clínicas menos usuais, como a hepatite e acometimento cardíaco, e do sistema nervoso central. Dengue clássica A doença causada pelos vírus da dengue, na maioria dos casos, costuma ser benigna, manifestando-se de forma variável quanto ao tipo e à intensidade dos sintomas, segundo características do vírus e da população acometida. A dengue clássica apresenta-se com início abrupto. Em temperaturas de 39 a 40°C, acompanham-se de cefaleia intensa, dor retrorbital, mialgias, artralgias e manifestações gastrointestinais, como vômitos e anorexia. Um exantema pode surgir no terceiro ou quarto dia de doença e é caracterizado por um exantema intenso em que se salientam pequenas áreas de pele sã, sendo que alguns autores o caracterizam por “ilhas brancas em um mar vermelho”. O prurido geralmente acompanha o aparecimento do exantema, sendo muitas vezes de difícil controle. Além disso, em alguns casos, fenômenos hemorrágicos discretos (epistaxe,(sangramento nasal) petéquias, gengivorragias) podem ocorrer e não caracterizam um caso de dengue hemorrágica. A febre costuma ceder em até 6 dias, iniciando- se a convalescença, que pode durar semanas, com astenia e depressão. Apesar desses sintomas aparecerem na maioria dos pacientes, eles podem variar de pessoa a pessoa. Dengue hemorrágica (DHF/DSS) É comum em países do Sudoeste Asiático e Oceano Pacífico ocidental, onde a dengue ocorre endemicamente, com circulação simultânea de mais um tipo viral. Nesses locas, a DHF/DSS é mais comumente observada em crianças. Em surtos de dengue hemorrágica ocorridos nas Américas e, em especial, no Brasil, os doentes eram, predominantemente, indivíduos adultos de ambos os sexos, apesar de que nos anos recentes a média de idade desses casos tem diminuído, como evidenciado no Rio de Janeiro, em 2008. O quadro costuma iniciar-se de forma abrupta, similar à forma clássica da dengue, com febre alta, náuseas e vômitos, mialgias e artralgias. Os fenômenos hemorrágicos surgem no segundo ou terceiro dia de doença, com petéquias na face, véu palatino, axilas e extremidades. Pode-se realizar o teste do torniquete ou prova do laço, que consiste na insuflação de um esfigmomanômetro até a média aritmética entre as pressões arterial sistólica e diastólica, mantendo-se essa pressão por 5 minutos e buscando-se a presença de petéquias, sob o torniquete ou abaixo – o teste é considerado positivo quando se encontram 20 petéquias ou mais, em área de uma polegada quadrada, isto é, em um quadrado cujos lados tenham aproximadamente 2,5 cm. Quando positivo pode preceder o surgimento espontâneo das sufusões hemorrágicas, mas deve-se ter em mente que esse teste pode ser positivo em outras doenças, cursando fragilidade capilar ou trombocitopenia. Podem ocorrer púrpuras e grandes equimoses na pele, epistaxes, gengivorragias, metrorragias e hemorragias digestivas moderadas. Ao exame físico observa-se fígado palpável e doloroso, 2 a 4 cm abaixo do rebordo costal. Esplenomegalia é observada em alguns casos. A presença de hepatomegalia, hematêmese e dor abdominal indica mau prognóstico, com provável evolução para o choque. A síndrome de choque da dengue costuma surgir entre o terceiro e sétimo dias de doença, mantendo-se esse estado crítico por 12 a 24h. Os pacientes mostram-se agitados e em alguns casos referem dor abdominal. Posteriormente, tornam-se letárgicos, afebris e com sinais de insuficiência circulatória: pele fria e pegajosa, cianose perioral, pulso rápida e sudorese fria. A pressão arterial mostra-se convergente, baixa ou imensurável. Instala-se acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada (CIVID). Com a ausência de tratamento, o óbito costuma ocorrer em 4 a 6 horas. Entretanto, após a recuperação, o doente geralmente não apresenta sequelas. Portanto, o diagnóstico de DHF/DSS deve ser lembrado sempre que houver um paciente que apresentou um quadro clínico compatível com dengue clássica e que apresente, após 3 a 5 dias do início do quadro, prova do laço positiva, equimoses, petéquias ou púrpuras, sangramento de mucosas, hematêmese ou melena, plaquetopenia (plaquetas <100.000/mm^3), alteração do hematócrito > 20% ou sinais de perda plasmática, tais como derrame pleural, ascite ou hipoproteinemia. Outro achado de importância na avaliação laboratorial desses pacientes é o edema da parede da vesícula biliar ao exame ultrassonográfico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a DHF/DSS em quatro graus de gravidade, localizando nos dois primeiros, as formas mais benignas, apenas com febre hemorrágica; e nos dois últimos os quadros graves, com falência circulatória, a síndrome do choque da dengue. É importante ressaltar que a hemoconcentração está presente em todos os níveis e que todos os sintomas presentes na doença menos grave estarão presentes nos quadros mais graves. A classificação preconizada pela OMS é a seguinte: ■■ Grau I: febre e sintomas inespecíficos tendo como principais achados a plaquetopenia, manifestações hemorrágicas de pequena monta e a prova do laco positiva. ■■ Grau II: sintomas contidos no Grau I e presença de fenômenos hemorrágicos espontâneos. ■■ Grau III: características do Grau II associado a insuficiência circulatória caracterizada por pulso fraco e rápido, redução da pressão de pulso a 20 mmHg, hipotensão, pele pegajosa e fria, agitação. ■■ Grau IV: choque profundo caracterizado por ausência de pulso e pressão arterial após o aparecimento dos sintomas dos graus anteriores. Os graus III e IV são classificados como síndrome do choque da dengue, ao passo que todos os quatro graus são classificados como febre hemorrágica da dengue. Espectro clínico A infecção pelo vírus dengue pode ser assintomática ou sintomática. Quando sintomática, causa uma doença sistêmica e dinâmica de amplo espectro clínico, variando desde formas oligossintomáticas até quadros graves, podendo evoluir para o óbito. Três fases clínicas podem ocorrer: febril, crítica e de recuperação. Fase febril A primeira manifestação é a febre que tem duração de dois a sete dias, geralmente alta (39ºC a 40ºC), de início abrupto, associada à cefaleia, à adinamia, às mialgias, às artralgias e a dor retroorbitária. O exantema está presente em 50% dos casos, é predominantemente do tipo maculopapular, atingindo face, tronco e membros de forma aditiva, não poupando plantas de pés e palmas de mãos, podendo apresentar-se sob outras formas com ou sem prurido, frequentemente no desaparecimento da febre. Anorexia, náusease vômitos podem estar presentes. A diarreia está presente em percentual significativo dos casos, habitualmente não é volumosa, cursando apenas com fezes pastosas numa frequência de três a quatro evacuações por dia, o que facilita o diagnóstico diferencial com gastroenterites de outras causas. Após a fase febril, grande parte dos pacientes recupera-se gradativamente com melhora do estado geral e retorno do apetite. Fase crítica Esta fase pode estar presente em alguns pacientes, podendo evoluir para as formas graves e, por esta razão, medidas diferenciadas de manejo clínico e observação devem ser adotadas imediatamente. Tem início com a defervescência da febre, entre o terceiro e o sétimo dia do início da doença, acompanhada do surgimento dos sinais de alarme. Dengue com sinais de alarme Os sinais de alarme devem ser rotineiramente pesquisados e valorizados, bem como os pacientes devem ser orientados a procurar a assistência médica na ocorrência deles. A maioria dos sinais de alarme é resultante do aumento da permeabilidade vascular, a qual marca o início do deterioramento clínico do paciente e sua possível evolução para o choque por extravasamento de plasma. O quadro a seguir apresenta os Sinais de Alarme. Dengue grave As formas graves da doença podem manifestar- se com extravasamento de plasma, levando ao choque ou acúmulo de líquidos com desconforto respiratório, sangramento grave ou sinais de disfunção orgânica como o coração, os pulmões, os rins, o fígado e o sistema nervoso central (SNC). O quadro clínico é semelhante ao observado no comprometimento desses órgãos por outras causas. Derrame pleural e ascite podem ser clinicamente detectáveis, em função da intensidade do extravasamento e da quantidade excessiva de fluidos infundidos. O extravasamento plasmático também pode ser percebido pelo aumento do hematócrito, quanto maior sua elevação maior será a gravidade, pela redução dos níveis de albumina e por exames de imagem. Choque O choque ocorre quando um volume crítico de plasma é perdido através do extravasamento, o que geralmente ocorre entre os dias quatro ou cinco (com intervalo entre três a sete dias) de doença, geralmente precedido por sinais de alarme. O período de extravasamento plasmático e choque leva de 24 a 48 horas, devendo a equipe assistencial estar atenta à rápida mudança das alterações hemodinâmicas, conforme Tabela 1. O choque na dengue é de rápida instalação e tem curta duração. Podendo levar o paciente ao óbito em um intervalo de 12 a 24 horas ou a sua recuperação rápida, após terapia antichoque apropriada. O choque prolongado e a consequente hipoperfusão de órgãos resultam no comprometimento progressivo destes, bem como em acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada. Isso, por sua vez, pode levar a hemorragias graves, causando diminuição de hematócrito agravando ainda mais o choque. Podem ocorrer alterações cardíacas graves (insuficiência cardíaca e miocardite), manifestando-se com redução de fração de ejeção e choque cardiogênico. Síndrome da angústia respiratória, pneumonites e sobrecargas de volume podem ser a causa do desconforto respiratório. Fase de recuperação Nos pacientes que passaram pela fase crítica haverá reabsorção gradual do conteúdo extravasado com progressiva melhora clínica. É importante estar atento às possíveis complicações relacionadas à hiper-hidratação. Nesta fase o débito urinário se normaliza ou aumenta, podem ocorrer ainda bradicardia e mudanças no eletrocardiograma. Alguns pacientes podem apresentar um rash cutâneo acompanhado ou não de prurido generalizado. Infecções bacterianas poderão ser percebidas nesta fase ou ainda no final do curso clínico. Tais infecções em determinados pacientes podem ter um caráter grave, contribuindo para o óbito. Aspectos clínicos na criança A dengue na criança pode ser assintomática ou apresentar-se como uma síndrome febril clássica viral, ou com sinais e sintomas inespecíficos: adinamia, sonolência, recusa da alimentação e de líquidos, vômitos, diarreia ou fezes amolecidas. Nesses casos os critérios epidemiológicos ajudam o diagnóstico clínico. Nos menores de 2 anos de idade os sinais e os sintomas de dor podem manifestar-se por choro persistente, adinamia e irritabilidade, podendo ser confundidos com outros quadros infecciosos febris, próprios da faixa etária. O início da doença pode passar despercebido e o quadro grave ser identificado como a primeira manifestação clínica. O agravamento, em geral, é mais súbito do que ocorre no adulto, em que os sinais de alarme são mais facilmente detectados. Diagnóstico diferencial Devido às características da dengue, pode-se destacar seu diagnóstico diferencial em síndromes clínicas: a) Síndrome febril: enteroviroses, influenza e outras viroses respiratórias, hepatites virais, malária, febre tifoide, chikungunya e outras arboviroses (oropouche, zika). b) Síndrome exantemática febril: rubéola, sarampo, escarlatina, eritema infeccioso, exantema súbito, enteroviroses, mononucleose infecciosa, parvovirose, citomegalovirose, outras arboviroses (mayaro), farmacodermias, doença de Kawasaki, doença de Henoch- Schonlein, chikungunya, zika etc. c) Síndrome hemorrágica febril: hantavirose, febre amarela, leptospirose, malária grave, riquetsioses e púrpuras. d) Síndrome dolorosa abdominal: apendicite, obstrução intestinal, abscesso hepático, abdome agudo, pneumonia, infecção urinária, colecistite aguda etc. e) Síndrome do choque: meningococcemia, septicemia, meningite por influenza tipo B, febre purpúrica brasileira, síndrome do choque tóxico e choque cardiogênico (miocardites). f) Síndrome meníngea: meningites virais, meningite bacteriana e encefalite. Durante os primeiros dias de enfermidade, quando é quase impossível diferenciar dengue de outras viroses, recomenda-se a adoção de medidas para manejo clínico de dengue contido neste protocolo, uma vez que esse agravo apresenta elevado potencial de complicações e morte quando comparado à zika e chikungunya. Atendimento ao paciente com suspeita de dengue Anamnese Pesquisar a presença de febre, referida ou medida, incluindo o dia anterior à consulta; pesquisar ainda: • Data de início da febre e de outros sintomas. • Presença de sinais de alarme • Alterações gastrointestinais (náuseas, vômitos, diarreia, gastrite). • Alterações do estado da consciência: irritabilidade, sonolência, letargia, lipotimias, tontura, convulsão e vertigem. • Diurese: frequência nas últimas 24 horas, volume e hora da última micção. • Se existem familiares com dengue ou dengue na comunidade, ou história de viagem recente para áreas endêmicas de dengue (14 dias antes do início dos sintomas). • Condições preexistentes, tais como lactentes menores (29 dias a 6 meses de vida), adultos maiores de 65 anos, gestante, obesidade, asma, diabetes mellitus, hipertensão etc. Exame físico geral Valorizar e registrar os sinais vitais: temperatura, qualidade de pulso, frequência cardíaca, pressão arterial, pressão de pulso e frequência respiratória PAM; avaliar: • O estado de consciência com a escala de Glasgow. • O estado de hidratação. • O estado hemodinâmico: pulso e pressão arterial, determinar a pressão arterial média e a pressão de pulso ou pressão diferencial, enchimento capilar. • Verificar a presença de derrames pleurais, taquipneia, respiração de Kussmaul. • Pesquisar a presença de dor abdominal, ascite, hepatomegalia. • Investigar a presença de exantema, petéquias ou sinal de Herman "mar vermelho com ilhas brancas". • Buscar manifestações hemorrágicas espontâneas ou provocadas (prova do laço, que frequentemente é negativa em pessoas obesas e durante o choque). • A partir da anamnese, do exame físico e dos resultados laboratoriais (hemograma completo), os médicos devem ser capazes deresponder as seguintes perguntas: • É dengue? • Em que fase (febril/crítica/recuperação) o paciente se encontra? • Tem sinais de alarme? • Qual o estado hemodinâmico e de hidratação? Está em choque? • Tem condições preexistentes? • O paciente requer hospitalização? • Em qual grupo de estadiamento (grupos A, B, C ou D) o paciente se encontra? Classificação de risco A classificação de risco do paciente com dengue visa reduzir o tempo de espera no serviço de saúde. Para essa classificação, foram utilizados os critérios da Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde e o estadiamento da doença. Os dados de anamnese e exame físico serão usados para fazer esse estadiamento e para orientar as medidas terapêuticas cabíveis. O manejo adequado dos pacientes depende do reconhecimento precoce dos sinais de alarme, do contínuo acompanhamento, do reestadiamento dos casos (dinâmico e contínuo) e da pronta reposição volêmica. Com isso, torna-se necessária a revisão da história clínica, acompanhada de exame físico completo a cada reavaliação do paciente. As alterações mais comuns encontradas no hemograma são: leucopenia com neutropenia, presença de linfócitos atípicos, plaquetopenia e hemoconcentração, mas podem ser encontrados exames normais ou leve leucocitose. Geralmente, não há alterações importantes no hemograma antes das primeiras 48 horas de doença, portanto, quando solicitado precocemente, tal exame deve ser considerado a linha de base para o acompanhamento do paciente. Assim, exames normais não descartam a possibilidade de ser dengue, pois podem não ter sofrido modificações ainda por estarem no início da doença, ou simplesmente não terem alterações e se tratar de dengue sem expressão no hemograma. Observa-se, com muita frequência, aumento de transaminases, alteração de provas de coagulação, aumento de ureia e creatinina (Cr) e diminuição de complemento (C3). Pode haver necessidade de exame de líquido cerebrospinal (LCS), na suspeita de comprometimento do sistema nervoso central (SNC), sempre precedido da contagem de plaquetas, na prevenção de acidentes de punção.
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