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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ARAPOTI- PR Autos: 0000918-54.2014.8.16.0046 João Carlos Godoi, brasileiro, solteiro, autônomo, RGXXX, CPFXXX, residente e domiciliado na Rua YY, número 0º, Vila Romana, Arapoti, Paraná, e Carlos Ricardo de Araújo, brasileiro,convivente, comerciante, RGXXX, CPFXXX, vêm, por meio de suas advogadas ISABELLE VICTÓRIA LOPES FRAZON, LAURA BACH MARGRAF, LETÍCIA PRZENDZIUK FRANCO FELIX, LUÍSA FIORI FELIPPE e VICTÓRIA GOMES GONÇALVES CARVALHO, regularmente inscritas na OAB/PR, sob o números XXX respectivamente, com endereço profissional na Rua XX ,onde recebem avisos e intimações, legalmente constituído, (com instrumento de mandato anexo), inconformados com a respeitável decisão, interpor RECURSO EM SENTIDO ESTRITO O qual apresenta fundamento no artigo 581, inciso IV do Código de Processo Penal, pleiteando o recebimento deste, com o intuito de impronunciar o acusado, tendo em vista as razões recursais anexas, que seja considerado eventual efeito regressivo. Assim não entendendo Vossa Excelência, requer o processamento do recurso, remetendo-o ao Egrégio Tribunal de Justiça. Termos em que, Pede deferimento Curitiba, 14 de julho de 2014. 87.986/OABPR - ISABELLE VICTÓRIA LOPES FRAZON 88.134/OABPR - LAURA BACH MARGRAF 88.536/OABPR - LETÍCIA PRZENDZIUK FRANCO FELIX 87.988/OABPR - LUÍSA FIORI FELIPPE 89.900/OABPR - VICTÓRIA GOMES GONÇALVES CARVALHO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ Autos: 0000918-54.2014.8.16.0046 Recorrentes: João Carlos Godoi e Carlos Ricardo de Araújo Recorrido: Ministério Público de Estado do Paraná RAZÕES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PELA DEFESA Eméritos Julgadores Colenda Câmara Criminal I - Síntese Fática No dia 30/01/2014, por volta das 3h15, em frente ao “Bar dos Piás”, localizado na comarca de Arapoti-PR, os acusados, em conjunto com terceira pessoa não identificada, utilizando-se de armas de fogo, teriam, supostamente, com animus necandi, efetuado ao menos 4 disparos contra a vítima, Marcos Antônio Rodrigues de Quadros, quando esta descia do carro, dificultando sua defesa, os quais atingiram seu tórax e braço e causaram sua morte. Em momento anterior, a vítima teria discutido com os denunciados, que são administradores do bar, em razão destes negarem-se a servir mais bebidas à vítima. Devido aos fatos expostos,Dessa forma, os réus João Carlos Godoi e Carlos Ricardo de Araújo foram denunciados pela prática em tese do crime tipificado pelo art. 121, § 2º, IV, do Código Penal. II - Síntese Processual A denúncia dos acusados foi realizada pelo Ministério Público no dia 25/04/2014 e foi recebida no dia 30/06/2014. Devidamente citados em 06/05/14, os acusados apresentaram resposta à acusação em 13/05/2014. É designada, então, audiência de instrução e julgamento, no dia 24/06/14, na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e defesa. Ao final do ato, procedeu-se ao interrogatório dos acusados que manifestaram o direito constitucional de permanecer em silêncio. Ademais, foram apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público (14/07/14) e pela defesa (21/07/14). Após a sentença que indeferiu o pedido de revogação de prisão preventiva (30/07/14), vieram os autos para a interposição de eventual recurso. III - Fundamentação Jurídica Do réu Carlos Ricardo de Araujo Como cediço, em se tratando de crime doloso contra a vida (como o caso sub judice), no presente momento procedimental, de cognição sumária, dispõe o art. 413 do CPP que o magistrado, convencendo-se da existência do crime e de indícios de que os réus sejam os seus autores ou partícipes, e desde que inocorrentes as situações previstas nos artigos 414, 415 e 419 do mesmo texto normativo, deverá pronunciá-los, a fim de submetê-lo a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri. No caso em apreço, denota-se a existência de materialidade delitiva, bem como, os indícios de autoria recaem sobre a pessoa do réu Carlos Ricardo de Araujo. Contudo, não se demonstra o quadro suficiente para pronunciá-lo e levá-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri, vez que, diante do conjunto probatório amealhado aos autos, deve-se absolver sumariamente o acusado por ter agido amparado pela causa de isenção de pena da legítima defesa putativa. Acerca do tema, ensina Mirabete: Legítima defesa putativa existe quando o agente, supondo por erro que está sendo agredido, repele a suposta agressão. Não está excluída a antijuridicidade do fato porque inexiste um dos seus requisitos (agressão real, atual ou iminente), ocorrendo na hipótese uma excludente da culpabilidade nos termos do art. 20, § 1º (item 5.2.5). Exemplo é o do agente que, em rua mal iluminada, se depara com um inimigo que lhe aponta um objeto brilhante e, pensando estar na iminência de uma agressão, lesa o desafeto. Verificando-se que o inimigo não iria atingi-lo, não há legítima defesa real por não ter ocorrido a agressão que a justificaria, mas a excludente da culpabilidade por erro plenamente justificado pelas circunstâncias. (Manual de direito penal: parte geral: arts. 1º a 120 do CP, volume 1 / Julio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini. – 35. ed. – São Paulo: Atlas, 2021.) Como já exposto, não se discute a existência de indícios da autoria, visto que o réu Carlos Ricardo de Araújo confessa ter atirado na vítima e o corréu João Carlos Godoi confirma os fatos. Porém, o arcabouço probatório, extraído principalmente dos interrogatórios, direciona para a excludente da culpabilidade da legítima defesa putativa. Perante o juízo singular, ambos os denunciados relataram em detalhes e sem divergências as circunstâncias em que o fato ocorreu. Carlos Ricardo de Araújo declarou que a vítima, Marcos, estava agredindo uma mulher, de nome Rita, no bar, o interrogado e João Carlos Godoi, ora corréu, falaram para Marcos parar com a confusão e este partiu para cima dos acusados, ameaçou o interrogado com uma banqueta, quebrou vários copos e garrafas de cerveja e, antes de deixar o bar, prometeu que voltaria, quebraria todo o bar e os mataria, dizendo que tinha um revólver 38 no carro com seis balas. Informou que pegou a arma que deixava no bar e, quando o interrogado e o corréu estavam saindo do estabelecimento, Marcos entrou com o carro na frente deles, saiu do carro e foi para cima deles, o interrogado ficou assustado, pois Marcos havia falado que voltaria e os mataria e ele era grande e agressivo, pediu para que a vítima se afastasse, mas quando esta colocou a mão na cinta, o interrogado não quis esperar e atirou sem pensar. João Carlos Godoi, declarou que Marcos entrou no bar e começou a discutir e agredir Rita, ele começou a quebrar copos e garrafas, o interrogado e correu pediram para ele parar, mas ele continuou, Marcos ameaçou voltar e matá-los, dizendo que tinha um revólver com seis tirou para eles no carro. Relatou que, quando fechou o bar e entrou no carro, a vítima atravessou atrás deles com o carro, desceu e estava indo ao encontro deles, então o interrogado desceu do carro com uma tonfa, falou para Marcos voltar para o carro, pois não queriam confusão, mas este continuou indo para cima deles, o corréu desceu do carro e quando a vítima levou a mão para baixo ele só escutou os tiros. Disse que achou que Marcos tinha voltado para matá-los, pois ele havia prometido e estava bem nervoso. Diante do depoimento dos acusados, restou cabalmente demonstrado que as circunstâncias fáticas justificam o erro de tipo permissivo escusável. A vítima havia, momentos antes, ameaçado matar os acusados, anunciando que possuía uma arma de fogo com seis balas, tendo surpreendido os denunciados quando estes saiam do bar e ido para cima deles enquanto levava a mão a cintura, em gesto compatível com o de sacar uma arma. Ademais, a vítima estava próxima dos denunciados quando foi atingida pelos disparos, o que se evidencia pelo Auto de Levantamento de Local (figura 15) que afirmou que os ferimentos de Marcos foramcausados por projéteis disparados à curta ou média distância, corroborando com a versão dos réus de que, apesar de pedirem para a vítima se afastar, esta continuou indo em direção a eles. Dessa forma, o réu acreditava estar agindo em legítima defesa, ao disparar contra a vítima com o único intuito de se proteger, não havendo que se falar em animus necandi. Ademais, para a configuração da legítima defesa putativa, além do erro plenamente justificado pelas circunstâncias, é necessária a presença dos elementos da legítima defesa, nos termos da legislação penal: Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Com relação ao uso moderado, pelo que se depreende dos autos, a vítima havia anunciado que tinha uma arma de fogo em seu carro e que voltaria para matar os acusados. Sendo assim, os disparos contra a vítima se justificam vez que, no momento em que a vítima chega de carro atrás dos acusados, ela desce e vai em direção a eles, mesmo diante dos pedidos para que se afastasse, parecendo estar armada, levando-se em conta, ainda, a emoção do réu Carlos Ricardo que afirmou ter se assustado com a vítima, quando ela colocou a mão na cinta. No que se refere aos meios necessários, tem-se que, diante da ameaça da vítima em voltar para matar os réu com uma arma de fogo e seis balas, a utilização do mesmo instrumento - arma de fogo - pelo denunciado para se proteger, constitui-se não apenas meio necessário, mas o único capaz e eficaz para repelir a agressão da vítima, que, pelo que se sabia, também estava na posse de uma arma de fogo. Verifica-se, ainda, que o réu acreditava repelir injusta agressão, vez que a vítima havia previamente ameaçado voltar para matar os acusados e, quando aquela de fato voltou, foi para cima dos denunciados e fez menção de sacar uma arma. Sendo, ainda, a agressividade da vítima fato incontroverso nos autos, tendo sido atestada não só pelos denunciados como pelas testemunhas. Além disso, os acusados foram uníssonos e enfáticos em afirmar que, imediatamente antes de o réu Carlos Ricardo efetuar os disparos, ambos pediram para Marcos se afastar, mas este continuou indo para cima dos réus e, quando levou a mão para a cintura, o acusado efetivamente disparou contra ele, demonstrando, também, a iminência da injusta agressão. Finalmente, quanto ao direito seu ou de outrem, nesse caso, a proteção se deu para defender direito dos próprios acusados. Estando em risco tanto a integridade física, como a vida, é direito do denunciado preservá-los, ainda que para tanto tivesse que efetuar disparos de arma de fogo. Assim, considerando as circunstâncias fáticas em que as partes estavam envolvidas, na qual a vítima, extremamente agressiva, se aproximou dos acusados fazendo gesto compatível com o de sacar uma arma de fogo da cintura, momentos após ter prometido matá-los, é certo que a reação do réu Carlos Ricardo de Araujo em atirar contra Marcos com o único intuito de se proteger, justificada pelo seu temor diante da atitude da vítima, preenche todos os requisitos da legítima defesa putativa, devendo o acusado ser absolvido sumariamente. Nesse sentido: HOMICÍDIO - LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA - CONFIGURAÇÃO - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DECRETADA.Revelando o conjunto probatório ter o Acusado agido unicamente para se defender de suposta agressão (injusta e atual) perpetrada pela Vítima, impõe-se, nos termos do art.415-IV do Código de Processo Penal, decretar sua absolvição sumária.RECURSO PROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - RSE - 1731386-3 - Região Metropolitana de Londrina - Foro Regional de Cambé - Rel.: DESEMBARGADOR TELMO CHEREM - Unânime - J. 08.03.2018) Dessa forma, certo que a conduta do acusado se amolda perfeitamente na excludente da culpabilidade da legítima defesa putativa, sua absolvição sumária, nos termos do art. 415, IV, do CPP, é a medida que se impõe. Do réu João Carlos Godoi No caso em foco, não há que se falar em infração delitiva diante da pessoa do réu João Carlos Godoi, porquanto este não disparou contra a vítima e, tampouco, portava arma de fogo de qualquer espécie no momento do ocorrido, conforme atestado pelo corréu Carlos Ricardo de Araujo. João Carlos Godoi declarou que a vítima, Marcos Antônio Rodrigues de Quadros, havia, em momento anterior na mesma noite, ameaçado a vida dos réus e sinalizado que retornaria ao local para avariar o estabelecimento conhecido como “Bar dos Piás", ameaça esta que se concretizou por volta das 3 horas e 15 minutos da madrugada do dia 30 de janeiro de 2014, quando a vítima retornou ao local. Relatou que quando encontrou Marcos, portava apenas uma tonfa, identificada como equipamento de segurança, e se afastou na medida em que o outro se aproximava do local onde estavam os acusados, até o instante em que o réu Carlos Ricardo de Araujo efetuou os dois disparos contra a vítima. Em depoimento, ambos os réus destacam, notoriamente, que o acusado João Carlos Godoi não portava uma arma de fogo no momento do crime, mas sim um apetrecho identificado como uma tonfa. Ainda que as testemunhas Maria Rodrigues e Neideci de Souza afirmem terem visto o réu portar uma arma, “ainda maior”, do que a do corréu Carlos Ricardo de Araujo, cabe a ressalva de que as testemunhas haviam consumido bebida alcoólica no momento dos fatos, e ainda, de que o crime ocorreu em local escuro, como atestado por João Carlos Godoi, que afirmou ter apagado todas as luzes do estabelecimento, deixando acesa apenas uma única lâmpada dentro do bar. Portanto, não é desacertado questionar a precisão dos depoimentos prestados por tais testemunhas, haja vista que é possível que a “arma” em questão, seja a referida tonfa. Dessarte, cabe ressaltar o disposto no art. 415 parágrafo III do CPP, isto é, uma vez não constituir infração penal a conduta do acusado, cabe ao magistrado absolvê-lo sumariamente. Assim, é certo que ficou suficientemente demonstrado, a partir do conjunto probatório apresentado, que o recorrente não portava arma de fogo, muito menos disparou contra a vítima, apenas segurava uma tonfa, conduta esta que não constitui crime e, portanto, não justifica o pronunciamento e o julgamento do réu perante o Tribunal do Júri. Este entendimento é suportado pela doutrina, como demonstra o autor Fernando Capez: “Nesse caso, a acusação não reúne elementos mínimos sequer para ser discutidos. Não se vislumbra nem o fumus boni iuris, ou seja, a probabilidade de sucesso da pretensão punitiva (...)” (CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 27. São Paulo Saraiva 2020). Por conseguinte, considerando as circunstâncias fáticas arrazoadas, verificou-se que foi demonstrado que o réu não concorreu para o delito tendo em vista não ter sido apresentados indícios de infração penal relativos à conduta de portar uma tonfa, ficando caracterizada assim, a aplicação do art. 415, II e III do CPP, de modo que a pronúncia do acusado, sem os elementos mínimos para embasá-la, apenas o submeterá o réu ao constrangimento. IV - Pedidos Ante o exposto, requer que seja conhecido e provido o presente recurso em sentido estrito, para que: a) O réu Carlos Ricardo de Araújo seja absolvido sumariamente em razão da excludente de culpabilidade da legítima defesa putativa prevista no art. 20, §1º do CP, nos termos do art. 415, inciso IV, do CPP; e b) O réu João Carlos Godoi seja absolvido sumariamente ante a ausência de infração penal, nos termos do art. 415, inciso III, do CPP. Nestes termos, pede deferimento. Curitiba, 14 de julho de 2014. 87.986/OABPR - ISABELLE VICTÓRIA LOPES FRAZON 88.134/OABPR - LAURA BACH MARGRAF 88.536/OABPR - LETÍCIA PRZENDZIUK FRANCO FELIX 87.988/OABPR - LUÍSA FIORI FELIPPE 89.900/OABPR - VICTÓRIA GOMES GONÇALVES CARVALHO
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