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Teoria da literatura II Aula 10: Antonio Candido – A literatura e a sociedade Apresentação Nessa aula, você irá compreender a relação entre Literatura e Sociedade proposta por Antonio Candido como parâmetro para a análise literária. Objetivos Conhecer as concepções teóricas de Antonio Candido, crítico brasileiro que relaciona literatura e sociedade; Compreender como a literatura registra os fatos sociais e possibilita ao leitor re�etir melhor sobre a sociedade da qual participa. Antonio Candido | Fonte: Empilhando Palavras O professor Antonio Candido procura compreender a Literatura através da sociedade em que se insere a obra literária. O seu pensamento crítico pretende veri�car de que maneira a realidade social torna-se um componente fundamental da estrutura literária, podendo ser, mesmo, o elemento fundamental e, às vezes, único para compreensão e análise da obra literária. Ainda mais: o conhecimento da sociedade possibilita entender não somente a obra de arte, mas também a função que ela exerce. Segundo o crítico, no século XIX, o estudo da sociedade condiciona a análise literária. É o que vemos, por exemplo, em estudos da obra naturalista, como pretende o francês Émile Zola, ou da obra realista, conforme propõe o escritor Eça de Queirós. No ensaio “O romance experimental e o naturalismo no teatro” (1880), Zola defende a literatura como produto da observação cientí�ca com o objetivo de compreender melhor a sociedade: Émille Zola | Fonte: IMDb "O homem não está só, ele vive numa sociedade, num meio social; assim para nós romancistas, este meio social modi�ca constantemente os fenômenos. Aliás, nosso grande estudo reside nisso, no trabalho recíproco da sociedade sobre o indivíduo e do indivíduo sobre a sociedade." - ZOLA, Èmile. O romance experimental e o naturalismo no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1982 Eça de Queirós | Fonte: Blog Ruas de Lisboa com Alguma História Eça de Queirós, na Carta de Apresentação da obra O primo Basílio (1878), a função da obra literária. Após descrever o que denomina “pequeno quadro doméstico da sociedade burguesa” de Lisboa, com seus formalismos, seus tédios da pro�ssão, seus ócios, sua literatura acéfala”, o romancista esclarece a função de sua obra: "Uma sociedade sobre estas falsas bases, não está na verdade: ataca-las é um dever. E neste ponto o Primo Basílio não está inteiramente fora da arte revolucionária, creio." - Carta a Teófilo Braga, Newcastle, 12 de março de 1878 No entanto, segundo Antonio Candido, os excessos cometidos em busca da representação da realidade geraram uma reação contra esse método de análise literária, fortalecendo a corrente que orientava uma percepção �losó�ca e estética da literatura. Passada a primeira fase de entusiasmo com a Nova Crítica, toma-se necessária uma reavaliação dos métodos e, se chegar a uma proposta que não seja excludente das formas de interpretação, deve-se analisar o texto literário, considerando-se tanto os aspectos extrínsecos, que representam uma realidade que existe fora do texto, quanto os intrínsecos, que compõem a estética da obra. Antonio Candido (Fonte: SUPER INTERESSANTE) Crítica de Antonio Candido Clique no botão acima. Crítica de Antonio Candido "De fato, antes procurava-se mostrar que o valor e o signi�cado de uma obra dependiam de ela exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o que ela tinha de essencial. Depois, chegou-se à posição oposta, procurando-se mostrar que a matéria de uma obra é secundária, e que a sua importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo-lhe uma peculiaridade que a toma de fato independente de quaisquer condicionamentos, sobretudo social, considerado inoperante como elemento de compreensão. Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que se explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, combinam-se como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como signi�cado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tomando--se, portanto, interno". (CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T.A. Queiroz Editor, 2002. p. 4) Quando se adota esse tipo de análise, temos uma "sociologia da literatura", que não determina o valor da obra. Segundo Antonio Candido, a "sociologia da literatura" evidencia os fatores que condicionam a obra, quais sejam: a preferência estatística por um gênero, o gosto das classes, a origem social dos autores, a relação entre as obras e as ideias, a in�uência da organização social, econômica e política etc. É, portanto, uma disciplina de caráter cientí�co, sem orientação estética. A tendência da crítica contemporânea é considerar fatores sociais como integrantes da estrutura da obra, não como um �m em si mesmo, isto é, não como o registro fundamental do trabalho criador. Integrar a estética ao fato social é um método que permite uma compreensão mais clara do texto literário. Esse procedimento permite uma análise mais produtiva de textos, especialmente poéticos, que se fazem representar por uma temática social aliada aos componentes estéticos. A análise de um poema, muitas vezes, requer que o leitor identi�que a questão social nele discutida e os elementos estéticos que possibilitam uma interpretação mais elaborada. O texto poético “Poema Brasileiro”, de Ferreira Gullar, trata de uma questão social, que é a mortalidade infantil em uma determinada região do Brasil. No entanto, o tema não se con�gura o único fator de análise, visto que o texto vale-se de elementos estéticos fundamentais para sua compreensão: o autor utiliza dados estatísticos, repetições e interrupções na estrutura sintática, a �m de aguçar a percepção do leitor. Os elementos externos e internos ao texto se unem na elaboração da análise. “Poema Brasileiro”, de Ferreira Gullar No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade No Piauí de cada 100 crianças que nascem 78 morrem antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade antes de completar 8 anos de idade (Ferreira Gullar, 1962) "uma crítica que se queira integral deixará de ser unilateralmente sociológica, psicológica ou linguística, para utilizar livremente os elementos capazes de conduzirem a uma interpretação coerente. Mas nada impede que cada crítico ressalte o elemento da sua preferência, desde que o utilize como componente da estruturação da obra" - CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T.A. Queiroz Editor, 2002. p. 7 Os estudos sociológicos aplicados à Literatura Antonio Candido classi�ca os estudos sociológicos que fundamentam a análise literária em diferentes modalidades, conforme o método aplicado: Paralelo entre a obra literária e a sociedade. Representação da sociedade na obra literária. Relação entre a obra e o público em termos de definição do público-alvo, aceitação da obra e ação recíproca de ambos. Posição e função social do escritor relacionadas com a natureza de sua produção e com a organização da sociedade. Ação política das obras e dos autores, segundo a ideologia que os defende. Investigação hipotética das origens da literatura ou de seus gêneros vinculados a tendências de pensamento, como o marxismo. Antonio Candido valida todas essas modalidades de análise sociológica, “na medida em que as tomarmos não como crítica, mas como teoria e história sociológica da literatura,ou como sociologia da literatura, embora algumas delas satisfaçam também as exigências próprias do crítico. Em todas nota-se o deslocamento de interesse da obra para os elementos sociais que formam a sua matéria, para as circunstâncias do meio que in�uíram na sua elaboração, ou para a sua função na sociedade”. (CANDIDO, 2002. p. 11-12) A literatura e a vida social Qual a in�uência exercida pelo meio social sobre a obra de arte? Qual a in�uência exercida pela obra de arte sobre o meio? Antonio Candido reforça a ideia de que a sociologia é uma disciplina auxiliar, que “não pretende explicar o fenômeno literário ou artístico, mas apenas esclarecer alguns dos seus aspectos” (CANDIDO, 2002. p. 18). “Há neste sentido duas respostas tradicionais, ainda fecundas conforme o caso, que devem todavia ser afastadas numa investigação como esta. A primeira consiste em estudar em que... Continue lendo... “Durante todo o século XIX, não se avançou muito na teoria geral de que a literatura é um produto social. Colocou- se em prática uma tendência de se analisar o conteúdo social das obras... Continue lendo... Os estudos de sociologia moderna devem se interessar em analisar os fenômenos que levem em conta tanto a literatura social, mesmo a hermética, quanto a poesia política ou o romance de costumes. A primeira tarefa, portanto, é investigar as in�uências exercidas pelos fatores socioculturais sobre a obra. Certamente, os mais decisivos se ligam à estrutura social, aos valores e ideologias e às técnicas de comunicação (a linguagem, os recursos de interlocução etc.). Temos, então, os quatro momentos da produção: 1. O artista, segundo os padrões de sua época; 2. Os temas escolhidos; 3. As formas utilizadas; 4. A síntese resultante desse processo e que age sobre o meio No processo de elaboração da arte literária, três elementos se destacaram e se vinculam: o autor, a obra e o público. É a partir do estudo desses três elementos que o crítico pode de�nir: Como a sociedade de�ne a posição e o papel do artista; Como a obra depende dos recursos técnicos para incorporar os valores propostos; Como se con�guram os públicos Arautos africanos: relação direta entre o artista e seu público (Fonte: Por EcoPrint / Shutterstock) A posição e a função social do artista A estrutura social exige que os seus partícipes assumam uma posição especí�ca, o que envolve o artista individualmente e grupos de artistas. Há forças sociais condicionantes que guiam o artista e que determinam, primeiro, a ocasião da obra a ser produzida; depois, a necessidade de ela ser produzida; e, por último, se a obra vai se tornar ou não um bem coletivo. É possível pensar a função social do artista desde os tempos pré-históricos, quando alguém dotado de habilidades especiais era retirado de suas atividades normais para registrar ações cotidianas. Seja nas sociedades africanas, com a tradição dos “arautos” mbongi, de Moçambique, que cantavam sua própria genealogia, seja com os aedos gregos, evidencia-se, na história, a posição e função social do artista. Nas sociedades medievais estrati�cadas do Ocidente, os artistas e intelectuais congregavam grupos poderosos, como o clérigo (�lósofos, teólogos, cientistas), os trovadores associados ao estamento cavalheiresco, os arquitetos e pintores identi�cados com a burguesia e os jograis diversos que criavam e difundiam a de t cados co a bu gues a e os jog a s d e sos que c a a e d u d a a cultura popular. Nas sociedades modernas, é comum que o artista exerça, também, outras funções sociais e sua posição seja identi�cada com a atividade de maior destaque. De�nida sua atividade prioritária e, sendo ela a arte, o artista pode permanecer isolado em seu processo de criação ou formar grupos que se aliam pela técnica ou pela ideologia. Clérigos medievais: as sociedades estratificadas formam grupos de intelectuais e artistas | Fonte: Blog Aprendendo Português O livro: conteúdo e forma se integram no espírito criador do artista (Fonte: Por Alessandro Cristiano / Shutterstock) A obra depende fundamentalmente do artista e das condições sociais que determinam a sua posição. Antonio Candido considera a necessidade de se investigar os valores sociais, as ideologias e os sistemas de comunicação, que na obra se con�guram em conteúdo e forma, inseparáveis no espírito criador do artista, mas que devem ser discerníveis na análise. Os valores e ideologias contribuem principalmente para o conteúdo, enquanto as modalidades de comunicação in�uem mais na forma. O artista também interpreta a experiência cotidiana e esta deve ser considerada pelo analista da obra. Nas sociedades antigas, não era muito nítida a diferenciação entre artista e público, já que todos participavam do ato ritualístico que representava a criação. No entanto, conforme as sociedades crescem demogra�camente, artista e público assumem características mais distintas. Surgem, então, os grupos diferenciados de receptores de arte, identi�cados com movimentos e estilos variados. Essa segmentação determina a criação artística. Porém, nas sociedades modernas, os receptores de arte têm per�l inde�nido e constituem o que Antonio Candido denomina “massa virtual”, salvo a constituição de grupos limitados em congressos e outras iniciativas de caráter acadêmico. E os receptores de arte aumentam em número e se fragmentam na medida em que cresce a complexidade das estruturas sociais. E somente o elemento estético forma um ponto de convergência entre esse público variado. Essa é a ação do público sobre o artista, o qual, muitas vezes, cede ao apelo comercial. A consideração sobre a in�uência de um fator sociocultural e da técnica sobre o público leva a dois momentos distintos: antes da invenção da escrita, quando a transmissão cultural se dava por contato direto entre o artista e seu público, e após a invenção da escrita, que, no caso especi�co da literatura, passa a predominar o contato indireto e secundário. Outro elemento de in�uência sobre o público são os valores que a obra de arte expressa e que o público, ainda que por vezes acreditando seguir seu interesse espontâneo, está, na verdade, atendendo a padrões sociais que são re�etidos na arte. A tendência das sociedades modernas é a de formação de um público inde�nido e fragmentado. Sendo a arte um sistema simbólico de comunicação inter-humana, ela pressupõe uma constante relação entre o autor, a obra e o público. Conclui Antonio Candido: "O público dá sentido e realidade à obra, e sem ele o autor não se realiza, pois ele é de certo modo o espelho que re�ete a sua imagem enquanto criador. Os artistas incompreendidos, ou desconhecidos em seu tempo, passam realmente a viver quando a posteridade de�ne a�nal o seu valor. Deste modo, o público é fator de ligação entre o autor e a sua própria obra. A obra, por sua vez, vincula o autor ao público, pois o interesse deste é inicialmente por ela, só se estendendo à personalidade que a produziu depois de estabelecido aquele contacto indispensável. (...) Não é possível aprofundar agora a análise complementar da ação da obra sobre a sociedade, delimitando setores de gosto e correntes de opinião, formando grupos, veiculando padrões estéticos e morais, o que deixaria mais patente este sistema de relações. Mas penso ter �cado claro que o estudo sociológico da arte, a�orado aqui sobretudo através da literatura, se não explica a essência do fenômeno artístico, ajuda a compreender a formação e o destino das obras; e, neste sentido, a própria criação"" - CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T.A. Queiroz Editor, 2002. p. 38-39 Notas Continuar lendo 1 ...medida a arte é expressão da sociedade; A segunda, em que medida é social, isto é, interessada nos problemas sociais” (CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T.A. Queiroz Editor, 2002. p. 19). Continuar lendo 2 Referências ...Tais estudos, então, possibilitaram a compreensão deque a arte é social nos dois sentidos: depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modi�cando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais. Isto decorre da própria natureza da obra e independe do grau de consciência que possam ter a respeito os artistas e os receptores de arte” (CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8. ed. São Paulo: T.A. Queiroz Editor, 2002. p. 19). Referências ADORNO, W. Theodor. Notas de literatura I. ed.34.São Paulo: Duas Cidades, 2003. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Trad. Paulo Sérgio Rouanet. 7.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. v.1. CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. Rio de janeiro: Zahar, 2004. LIMA, Luiz Costa, org. A teoria da literatura em suas fontes. 2.ed. 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