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Gabarito das Autoatividades FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA GEOGRAFIA (GED) 2012/1 Módulo III 3UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A GABARITO DAS AUTOATIVIDADES DE FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA GEOGRAFIA UNIDADE 1 TÓPICO 1 1 Quem eram os sofistas e qual a crítica de Platão (e Sócrates) a eles? R.: Sócrates... andava pelas ruas e praças de Atenas, no séc. IV a. C. e ouvia as pessoas conversarem. Não se esqueça de que os atenienses estavam usufruindo de uma das maiores invenções gregas: a democracia. Tudo era decidido em praça pública, depois de muita discussão. Mas ele se deu conta de que a maioria das pessoas não sabia direito defender suas próprias ideias e crenças. Ele ouvia coisas do tipo “tal lei é injusta”, ou “tal general não pensou no bem de seus soldados” etc. Então ele perguntava: “mas o que você entende por justiça?” Ou mesmo “o que é o bem?” E aí as pessoas não sabiam responder. Outras pessoas às vezes respondiam, mas não conseguiam explicar muito bem. E outras até explicavam, mas recorriam a diferentes explicações cada vez que eram perguntadas, seja pela conveniência do momento, seja por interesse – financeiro ou político. Esse último tipo de pessoas foram chamadas por Platão de sofistas. Eles eram professores de retórica e andavam de cidade em cidade ensinando as pessoas, mediante pagamento, a debater e a defender suas ideias. Na visão de Platão, eles não tinham compromisso com uma única doutrina ou conjunto de crenças; eles ensinavam as pessoas a defender qualquer ideia, desde que fosse lucrativo fazê-lo. Assim, se numa cidade A eles viam que era interessante defender a ideia X, eles não tinham nenhum problema em ir à cidade B e defender a ideia não-X. Sócrates incomodava-se muito com esse relativismo dos sofistas. Um conceito deve ter apenas uma definição independente da cidade, ou do país, em que estamos. O que quer que seja a verdade, sua definição deve ser universal. Mas isso vale não apenas de cidade para cidade; vale também de pessoa para pessoa. 2 Apresente a alegoria da caverna, tal como descrita por Platão. R.: Imagine seres humanos vivendo numa caverna, com apenas uma via de acesso. Eles têm as pernas e os pescoços acorrentados desde a infância, de modo que mal podem movimentar a cabeça, vendo apenas o que está diante deles. Atrás e acima deles, há uma fogueira a certa distância. Assim, eles veem suas próprias sombras projetadas na parede da caverna. Entre 4 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A os prisioneiros e a fogueira, há um caminho ascendente e um painel, atrás do qual pessoas seguram figuras diversas – como estátuas de homens e animais – cujas sombras também são projetadas na parede da caverna. Para os prisioneiros, essas sombras são tomadas como coisas reais. Agora imagine que um desses prisioneiros é libertado. Ele é forçado a se levantar e a virar a cabeça, para olhar em direção à luz. Seus músculos ficam doloridos, pois ele passou muito tempo sentado e acorrentado. Seus olhos ficam ofuscados e ele já não consegue ver as sombras perfeitamente. Imagine alguém lhe dizendo que tudo o que ele havia visto até agora era mera ilusão e que agora ele pode ver as coisas como elas são de fato. O prisioneiro libertado sem dúvida fica perplexo. Depois disso ele é forçado a sair da caverna e olhar para o sol. Novamente, seus olhos se ofuscam. Ele precisa de tempo para se acostumar à realidade fora da caverna. Com o tempo, seus olhos se acostumam com a luz e ele começa a distinguir as coisas de suas sombras. Ele então olha para o céu, as estrelas e a Lua à noite; e finalmente consegue olhar o Sol de dia. Depois de se desconcertar com tantas maravilhas, ele volta à caverna em que viveu por tanto tempo. Lá ainda se encontram seus companheiros. Seus olhos têm de se acostumar com a escuridão novamente. Ele não consegue distinguir as sombras. Seus companheiros, então, riem dele. Eles pensam que ele estragou a visão saindo da caverna. Se ele tentar libertar outros prisioneiros, ele certamente encontrará resistência. Eles pensarão que o prisioneiro libertado enlouqueceu, ou se tornou um elemento perigoso. Eles poderão até tentar matá-lo. Contudo, mesmo diante dessa possibilidade, ele deve voltar e tentar ajudar os demais. Ele deve indicar o caminho para a luz do sol, fora da caverna. 3 Por que a perplexidade da libertação da caverna é fundamental para a filosofia? R.: A perplexidade do prisioneiro libertado representa a perplexidade que o filósofo sente quando ele se dá conta de que tudo aquilo que ele tomava por verdadeiro, por real, não passa de ilusão. O prisioneiro fica perplexo com sua própria situação, com sua falta de conhecimento sobre como as coisas são para além das sombras. Essa situação também provoca desconforto. Quantas vezes nos sentimos assim quando, depois de muito conversar em mesa de bar com os amigos, voltamos para casa e percebemos que muitas das coisas que falamos não faziam muito sentido, ou eram simplesmente equivocadas!... Essa sensação é fundamental para a filosofia e o filósofo. Você só pode sair em busca do conhecimento quando se dá conta de que não o possui. Você só começa a tentar corrigir suas crenças e valores quando se dá conta de que jamais os questionou e que isso o levou a adotar ações e a defender 5UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A ideias sem uma reflexão profunda. Assim, o primeiro ato do conhecimento é a constatação da própria ignorância. Não possuir o que se pensava possuir é algo, no mínimo, constrangedor, mas é essencial para todo aquele que deseja conhecer. 4 Qual o aspecto político do trabalho filosófico? R.: O trabalho filosófico também tem um componente político. O filósofo tem um compromisso inarredável. Ensinar as pessoas a se libertar da caverna significa preparar os concidadãos a assumirem suas próprias vidas, sem serem controlados por quem quer que seja. A reflexão filosófica está, assim, intimamente ligada à ideia de liberdade. Ao ensinarmos as pessoas a questionarem suas crenças e valores, a examinarem em detalhes suas ações contra um pano de fundo de princípios obtidos sem muita reflexão, estamos ao mesmo tempo preparando os indivíduos a questionarem também as leis, a estrutura social, política e econômica em que vivem. Contudo, lembre-se de que, ao voltar para a caverna, o prisioneiro libertado, que sabe como as coisas são, que não está mais preso às ilusões, é ridicularizado pelos outros prisioneiros. Ele não é compreendido. Ele finalmente tem a mensagem; ele não é mais aquela pessoa que não tem nada a dizer a Megan Fox, ou que não tem nenhum CD para tocar em seu novo home theater. Ninguém, contudo, presta atenção em sua mensagem. Agora ele está numa situação em que sabe exatamente o que dizer a Megan Fox, mas ela não está no barzinho. Ele tem o novo bluray do U2, mas não tem um bluray player. Essa é a angústia do filósofo. E é, também, a angústia de todo aquele que sabe como proceder diante de uma situação adversa, ou que sabe a solução de um problema ou conjunto de problemas, mas ninguém lhe dá ouvidos. Desse modo, o retorno à caverna é o momento mais difícil para o filósofo. Sabendo como as coisas são fora da caverna, ele deve, entretanto, viver dentro dela para inspirar os prisioneiros a se libertar. TÓPICO 2 1 Qual o objeto de estudo da estética? R.: O belo... A área da filosofia que se ocupa dessa questão e de suas implicações é a Estética. Será que o belo pode ser universalmente definido, como Sócrates esperava de toda e qualquer definição?... Ou o objeto que reconhecemos como belo de algum modo corresponde a um modelo universal do belo, que não depende de nós – e essa é, de modo genérico, a posição de Platão – ou o que é beloou feio dependem de nossas sensações e, portanto, a questão sobre o belo possui um componente subjetivo – e essa é, de modo genérico, a posição de Kant. Além disso, cabe indagar em que medida o 6 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A belo tem a ver com a arte, pois é nela que os objetos são explicitamente classificados como belos, ou como expressões do belo. 2 De que trata a ética? R.: Assim, parece que, para distinguir ações reprováveis ou louváveis, precisamos saber, em primeiro lugar, o que é bom ou ruim; e em segundo lugar, precisamos determinar se o juízo sobre o que é bom ou ruim se aplica a um indivíduo, a vários ou a todos. A área da filosofia que trata dessa classe de problemas é a Ética. Veja que, mais uma vez, estamos num impasse: uma ação é considerada boa para este, mas não para aquele indivíduo ou para todos? Nossa tendência inicial é optar pela segunda alternativa. Dizemos que uma ação é boa de modo universal, reconhecível como tal por todos indistintamente, independente da cultura, da época histórica, da nacionalidade, do gênero etc. Voltamos, assim, à pergunta anterior sobre o belo, agora aplicada à questão sobre o bem e o mal: há um bem universal? Ou o que é considerado bom depende da cultura local, do tempo em que vivemos e coisas assim? Intimamente ligada a essas questões, encontra-se o problema da liberdade. Precisamos investigar se uma ação considerada boa se dá por nossa própria vontade ou se somos movidos a fazê-las. No primeiro caso, haverá uma íntima relação entre as ideias de bem e de liberdade; no segundo, elas serão bem distintas, pois se formos movidos por forças externas a adotarmos ações boas, então o que é bom não dependerá de nós mas, por exemplo, de um Deus criador. Kant tratou dessas questões detidamente em seu sistema filosófico. 3 Quais as semelhanças e diferenças entre filosofia e religião? R.: Há várias similaridades entre a filosofia e a religião. Ambas, por exemplo, procuram construir padrões interpretativos universais de explicação. Para a pergunta sobre a origem do mundo e de nós mesmos, a religião normalmente recorre a uma entidade sobrenatural, que desempenha o papel de causa universal de tudo o que existe. Já o filósofo, como foi indicado nas páginas precedentes, procura definições universais para os mais importantes conceitos que usamos, como o de justiça, belo, verdade etc. Mas aqui há uma indicação de uma das principais diferenças entre elas: a base das explicações universais. A religião recorre a uma ou mais divindades, enquanto o filósofo usualmente se restringe à nossa capacidade racional e argumentativa. A religião pressupõe que há um Deus e que, a partir de sua relação com os homens, dita regras de conduta e é, portanto, a fonte das ações morais aceitáveis ou boas; a filosofia procura a fonte das ações morais na própria esfera do humano, seja na experiência dos homens em suas relações sociais, seja em princípios a priori provenientes da própria razão. 7UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A Outra distinção a ser feita entre filosofia e religião é o caráter dogmático das explicações religiosas. Isso não quer dizer que a filosofia esteja livre de dogmas, mas a atividade filosófica enquanto tal não admite dogmas. Todas as ideias e princípios estão sujeitos à investigação e suspeita. A religião, porém, está fundada em certas verdades dogmáticas que não são, e não podem jamais ser, postas em dúvidas de modo algum. Os chamados dogmas da religião católica são bons exemplos: a virgindade de Maria e a ascese de Jesus aos céus jamais podem ser duvidadas pelo católico. Se este o fizer, ele estará questionando os alicerces fundamentais da sua fé. 4 Quais as principais diferenças entre filosofia e ciência? R.: Apesar de terem recebido influência uma da outra através dos tempos, filosofia e ciência são bem distintas. A ciência – pensando aqui especificamente as ciências naturais – visa explicar e controlar a natureza, através do estabelecimento de leis científicas e em obediência ao método científico, da experimentação e da matemática. A filosofia, por seu turno, interessa-se em elucidar os conceitos de lei científica, método, experiência etc. Enquanto o cientista investiga as leis científicas que governam os fenômenos, o filósofo pergunta por que deve haver uma lei científica por trás de todos os fenômenos e o que, afinal, é um fenômeno natural. Enquanto o cientista aplica a matemática em suas explicações e em seus argumentos, o filósofo investiga as bases do conhecimento matemático e as razões dos cientistas para usá-la na descrição da natureza. Será que o mundo é, no final das contas, matematizável? Os matemáticos gostam de pensar que sim. Eles não têm a menor dúvida de que, ao realizarem um cálculo, estão descrevendo a estrutura mesma do real. Essa crença se baseia numa visão do matemático grego Pitágoras (571-497 a. C.), para quem havia um isomorfismo entre a estrutura matemática e a estrutura da natureza. TÓPICO 3 1 O que é o geocentrismo? R.: Aristóteles dizia que o universo era composto de esferas concêntricas. A Terra seria uma esfera no centro do universo, e o centro da Terra seria o lugar natural de todos os corpos próximos à Terra, que tendiam a retornar ao seu lugar natural. Com isso, Aristóteles conseguia explicar, entre outras coisas, o movimento de queda livre dos corpos. A Lua, o Sol, os planetas e as estrelas girariam em torno da Terra, incrustados que estavam em esferas ocas de cristais, cada uma carregando cada um desses corpos celestes. A Terra seria imóvel e, para além da esfera das estrelas, nada existiria. O universo tinha um fim e era fechado. Quando as esferas girassem, elas produziriam sons: a música das esferas. Ah, tem outra importante característica nesse 8 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A modelo: se estamos falando de esferas concêntricas, e planetas incrustados nessas esferas, que se movem ao redor da Terra, então estamos falando de um movimento circular deles ao redor da Terra. Isso não podia ser diferente: o círculo, para os gregos, era a forma geométrica perfeita, a figura de mil lados! Aristóteles acreditava que a esfera da Lua dividia o universo em duas partes: o mundo sublunar, imperfeito; e o mundo supralunar, perfeito. No mundo imperfeito, próximo à Terra, os movimentos poderiam descrever quaisquer tipos de trajetórias. Mas no mundo supralunar, perfeito, o movimento dos corpos celestes deveria ser perfeito. E se o círculo era a figura geométrica perfeita, então os corpos celestes perfeitos deveriam, necessariamente, descrever uma trajetória circular ao redor da Terra. 2 Qual é a visão de universo de Giordano Bruno? R.: Giordano Bruno, no final do século XVI, teve a coragem de dizer que o universo não era exatamente como Aristóteles descrevera. Os planetas seriam, segundo ele, outros mundos, como a Terra. Isso porque Deus era tão perfeito, tão poderoso, que não podia ter feito apenas um mundo. Há tantos mundos quantos Ele quis criar. Marte é um mundo. Júpiter. Saturno. O universo inteiro, na verdade, não podia ser fechado, como concebera Aristóteles. Ele seria, na verdade, infinito. Nele haveria incontáveis sistemas solares como o nosso. Além disso, se o universo é repleto de mundos como a Terra, a hierarquia aristotélica composta de uma parte perfeita, o mundo supralunar, e uma parte imperfeita, o mundo sublunar, deveria ser rejeitada. Diferentemente de Aristóteles, Giordano Bruno defendia a visão de um universo infinito, aberto, homogêneo, isotrópico. 3 Qual é a contribuição de Kepler à ciência moderna? R.: Kepler será o último dos pioneiros e sua colaboração à astronomia moderna é indiscutível. Fascinado pelo pensamento grego, ele seocupava de aprofundar a astronomia deles herdada. Mas pelo menos dois preceitos o incomodavam. O primeiro nós já conhecemos. Trata-se do caráter circular do movimento planetário. Vimos que os planetas pertenciam ao mundo supralunar, da perfeição das formas e que o círculo para os gregos era a figura mais perfeita ou “a figura de mil lados”. Assim, o movimento dos planetas tinha de ser circular. Dispondo de dados extremamente preciso do movimento dos astros, desenvolvidos pelo seu contemporâneo Tycho Brache, Kepler pode determinar, contra a tradição ptolomaico-aristotélica, que a trajetória dos planetas ao redor do Sol era elíptica e não circular, com o Sol encontrando-se num de seus focos. O segundo preceito da astronomia antiga era de que os planetas giravam em torno do centro do universo numa velocidade constante. Ninguém até então havia questionado essa crença pelos mesmos motivos apresentados com respeito ao primeiro preceito: a variação de velocidade era uma propriedade de corpos imperfeitos, que habitavam o mundo sublunar; corpos perfeitos, 9UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A encontrados do mundo supralunar, devem seguir uma velocidade constante. Contudo, mais uma vez seus dados e os intrincados cálculos elaborados com base neles mostraram sem sombra de dúvida que os planetas eram mais velozes quanto mais próximos estavam do Sol, apresentando, assim, uma velocidade variável.Com base nessas duas mudanças cruciais da astronomia, ele pode desenvolver uma terceira: há uma relação matemática entre o período de translação dos planetas – ou o tempo que eles levam para completar suas órbitas em torno do Sol – e o raio de suas órbitas. 4 Quais foram as ideias sintetizadas por Newton, que o levaram a elaborar sua visão do universo? R.: Newton foi o primeiro a unificar todas as conquistas e os avanços científicos da época, a saber: a ideia de que o Sol e não a Terra é o centro do universo, apresentada e desenvolvida por Copérnico; a visão de Bruno de que há vários mundos além do nosso; a defesa galilaica do heliocentrismo, sua retomada do projeto pitagórico de matematização da natureza e seus primeiros trabalhos sobre a inércia; e, finalmente, o caráter elíptico da trajetória planetária de Kepler. Isso não quer dizer que ele tenha simplesmente juntado essas conquistas teóricas e organizado um sistema explicativo da natureza; com base em tais conquistas, ele pôde desenvolver sua filosofia natural que passou a ser considerada a primeira grande sistematização teórica sobre a natureza já produzida na história do pensamento humano. Além disso, como em sua época não houvesse um instrumental matemático complexo o bastante para dar conta da grandeza de suas ideias, ele acaba criando o cálculo integral, que até hoje é usado na física teórica e do qual o próprio Einstein se valeu para apresentar sua Teoria da Relatividade. UNIDADE 2 TÓPICO 1 1 O que são hipóteses e qual seu papel nas explicações da ciência clássica? R.: A hipótese é uma candidata à explicação científica, que precisa ser comprovada pelos fatos, através de mais observações. Ela é bastante importante, porque se configura num guia para a continuidade de suas pesquisas. A essa altura, sua curiosidade leva-o a aprofundar suas observações iniciais. Ele então faz experimentações, que nada mais são do que observações controladas, como aquelas feitas em laboratório. A partir daí, novas regularidades podem ser descobertas e novas hipóteses, chamadas hipóteses auxiliares, podem ser formuladas para dar suporte às hipóteses iniciais. 10 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A Bom, quando as hipóteses são comprovadas exaustivamente pelas observações e experimentações do cientista – e isso pode levar anos, ou mesmo gerações de cientistas – elas passam a ser consideradas leis científicas. A proposição que descreve a lei científica pode finalmente ser considerada verdadeira. Com ela, o cientista pode passar da parte do método correspondente à descoberta da lei – que utiliza o raciocínio indutivo, i.e., o raciocínio que vai do particular (observações) ao geral (lei científica) – para a parte do método correspondente à explicação do fenômeno inicialmente estudado. Ele utiliza a proposição geral da lei científica como premissa fundamental, a ela adicionando outras proposições sabidamente verdadeiras, e acaba se valendo de regras lógicas de inferência – e.g., modus ponens e modus tollens – para atingir a conclusão final, que usualmente se trata de uma proposição explicativa do fenômeno natural. Essa segunda fase, ou segunda parte do método nomológico-dedutivo, é realizada através do raciocínio dedutivo, que nos leva do geral ao particular. 2 O que é o Iluminismo? R.: Quase 5 mil anos de estudos dos fenômenos naturais, tantas teorias, tantas explicações, tantos conceitos, mas nada disso conseguiu competir com o poder explicativo da mecânica newtoniana. Esse sucesso a tornou o modelo de conhecimento válido e indubitável. Em várias áreas do conhecimento, principalmente na filosofia, a física de Newton irá exercer uma influência profícua e constante. Os pensadores europeus, principalmente os franceses, irão usá-la tão frequente e diligentemente que suas contribuições filosóficas acabarão formando um verdadeiro movimento cultural, chamado de “Esclarecimento”, ou “Iluminismo”, isto é, o movimento filosófico segundo o qual: (1) as explicações baseadas na razão são sempre preferíveis em relação aos demais tipos de explicações – daí a expressão a idade da razão a ele associada; (2) a ciência – aqui entendida basicamente como a mecânica newtoniana – é o grande guia da humanidade, em detrimento do saber místico e religioso. Um grande exemplo do valor e da importância da ciência newtoniana é o encontro de Laplace com Napoleão. Laplace, o grande seguidor e propagador da ciência newtoniana, foi certa vez visitado por Napoleão. Este lhe pediu para explicar o modelo clássico de ciência expresso na mecânica newtoniana. Após uma longa e detalhada exposição, Napoleão, desconcertado, pergunta para Laplace: “mas onde se encontra Deus nesse sistema mecânico?”; ao que Laplace responde: “Deus, excelência, não é mais necessário”. 3 Qual é a relação entre o método nomológico-dedutivo e o positivismo? R.: O método nomológico-dedutivo tornou-se o grande (e único) método para todo aquele que estivesse em busca da verdade. A doutrina positivista, concebida inicialmente por Augusto Comte, a utiliza como critério para distinguir problemas e teorias científicas e significativas daquelas não 11UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A científicas e, portanto, irrelevantes. Esse método se torna tão hegemônico que os positivistas irão defender a ideia de que teorias ou doutrinas só são significativas se forem científicas, de modo que aquelas teorias que não se ajustam aos ditames do método científico devem ser descartadas, pois não passam de contos de fadas, sem o menor valor cognitivo e filosófico. Ora, tendo em vista que esse método se inicia com a observação e depois experimentação, tudo aquilo que não se submeter ao crivo da experiência deve ser, por assim dizer, jogado no lixo. É claro que essa é uma interpretação radical do positivismo, mas ela serve para ilustrar como a observação passa a ser fundamental na avaliação da validade das teorias ou doutrinas. 4 O que é o Positivismo? R.: O positivismo, uma versão filosófica e sociológica tardia do mecanicismo e do determinismo, delineia uma rota de colisão com a filosofia e a metafísica. Fora da ciência, fora do campo da precisão matemática, da observação e do procedimento nomológico dedutivo, não é possível fazer afirmações verdadeiras. As demais áreas da atividade intelectual,pelo menos para o positivista radical, não passam de contos de fadas. Isso porque nenhuma delas segue os parâmetros científicos e é somente através deles que chegamos à verdade. Ora, se assim é, a metafísica jamais nos conduz ao saber verdadeiro. Devemos, então, a princípio, deixar de lado as especulações metafísicas e aceitar somente aquela metafísica com pretensões científicas. TÓPICO 2 1 Explique o problema da indução apresentado por Popper. R.: Sabemos que o raciocínio que nos leva de um número limitado de casos a um número exaustivo de outros casos é chamado de raciocínio ou inferência indutiva. Popper, então, indaga: em que nos baseamos para afirmar com tanta certeza que, dos casos observados durante um determinado período de tempo, se segue que todos os demais casos terão as mesmas características? Há alguma base lógica sobre a qual possamos nos basear para preservar a verdade da lei científica estabelecida? A resposta, claramente, é negativa. Sempre que generalizamos, damos um salto, partindo de um número limitado para um número ilimitado de instâncias. Dizemos que um número exaustivo de observações capacita- nos a afirmar que, não apenas nesses casos observados, mas em todos os casos do mesmo tipo, ocorrerão as mesmas coisas. O exemplo do cisne, porém, não tem nenhuma grande importância científica. Ele serve apenas para nos ajudar a detectar o problema lógico detectado na indução ou no raciocínio indutivo. Considere agora este outro 12 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A exemplo: o Sol nasce toda manhã; tenho observado isso desde criança. Então posso inferir indutivamente que o Sol sempre nascerá pela manhã. O problema aqui é o mesmo do anterior. Há um número limitado de observações – isto é, todas as vezes na minha vida que vi o Sol nascer pela manhã – e a passagem para todas as vezes que eu acordar ou todos dias que eu viver, e depois todos os dias depois da minha morte, e assim por diante. 2 Qual é o critério de demarcação entre teorias científicas e não científicas segundo Popper? R.: Esse ponto é decisivo para Popper apresentar seu critério de demarcação. Uma teoria é científica se seus princípios explicativos puderem, a princípio, ser falsificados ou refutados experimentalmente. Para explicar melhor esse critério, considere a astronomia e a astrologia. A primeira é comumente reconhecida como científica enquanto a segunda não. Por quê? De acordo com Popper, a astronomia é composta de princípios e teorias falsificáveis ou refutáveis, enquanto a astrologia não. Os princípios da astronomia podem ser verificados, mensurados e examinados e, a qualquer momento, novos experimentos poderão refutá-los. O princípio de que os planetas descrevem uma trajetória elíptica ao redor do Sol pode ser testado a partir de cálculos matemáticos e observações telescópicas. Até agora, essa hipótese tem sido confirmada pelas observações feitas por astrônomos desde a época de Kepler que, como vimos anteriormente, apresentou e defendeu essa ideia pela primeira vez. Aqui é importante assinalar que uma hipótese é científica quando puder ser falsificada ou refutada, mas daí não se segue que, para ser científica, ela tenha que ser refutada. Há uma diferença crucial entre os termos “refutável” e “refutado”. Popper afirma que as hipóteses científicas são refutáveis, ou seja, podem ser refutadas, não necessariamente são refutadas. O que está em jogo é o caráter refutável da hipótese. 3 Aponte duas críticas à visão que Popper tem da ciência. R.: Uma delas diz respeito ao fato de que o falseamento das hipóteses, espinha dorsal de sua visão da ciência, depende da observação que, como já foi visto, jamais é objetiva e está sujeita a expectativas teóricas e culturais. Isso quer dizer que é perfeitamente possível a realização de um falseamento incorreto e falível. A resposta de Popper a essa crítica é que uma hipótese deve se submeter a testes constantes. As que resistem a eles são mantidas, enquanto as que falham são rejeitadas. A tréplica de seus detratores, de outro lado, salienta um aspecto crucial desconsiderado por Popper: se não há como falsear conclusivamente uma hipótese, tendo em vista o caráter falível das observações, então não é possível rejeitar conclusivamente nenhuma teoria. Se assim é, o critério de demarcação de Popper não pode ser aplicado. A ideia de que a ciência é composta de hipóteses falsificáveis, enquanto a não ciência de hipóteses infalsificáveis é insustentável. 13UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A Outra crítica à visão de Popper é que ela não se ajusta à história da ciência. Há inúmeros exemplos de casos em que teorias foram refutadas por observações e nem por isso foram descartadas como não científicas. Como será mostrado mais adiante na abordagem da visão de Kuhn, o cientista recorre a inúmeros expedientes para salvar sua teoria de observações adversas. A mecânica newtoniana não se coadunava com as observações das órbitas da Lua e do planeta Mercúrio, mas seus adeptos, para protegê-la, insistiam que isso se devia a outras causas até então desconhecidas. Outro exemplo, que será tratado abaixo em mais detalhes, é o da retrogradação dos planetas no sistema aristotélico. Ao invés de ser considerada uma prova falsificadora do geocentrismo, o astrônomo Ptolomeu introduziu novas hipóteses para salvar o modelo. 4 O que é um paradigma segundo Thomas Kuhn? R.: Ele é constituído de um conjunto de princípios, regras, métodos, técnicas e problemas que padronizam o trabalho do pesquisador. Com base nele, os cientistas podem coordenar suas atividades e solucionar os problemas que se lhe apresentam ou, como Kuhn assinala, auxiliam o pesquisador a solucionar os quebra-cabeças que sua atividade lhes impõe. Aqui é importante notar que, através da noção de paradigma, Kuhn delineia, diferentemente de Popper, a fronteira entre ciência e não ciência. Assim, as três leis do movimento, bem como os métodos e técnicas de sua aplicação, nos mais variados tipos de situação, definem o paradigma da mecânica newtoniana. 5 Por que Thomas Kuhn é acusado de relativista? R.: Essas duas críticas se conectam a uma outra, que diz respeito ao relativismo da visão de Kuhn apontado por alguns de seus opositores. De fato, para o relativista, tal como para Kuhn, os critérios para se julgar teorias ou paradigmas depende da comunidade que os adota. Não há, portanto, um padrão universal unicamente com base no qual possamos avaliar teorias e paradigmas. Esse padrão depende sempre de elementos históricos, culturais e sociológicos. Em consequência disso, para o relativista não há um conjunto de critérios ou, no caso de Kuhn, um paradigma, que seja superior aos demais. Ora, se não há um conjunto universal de critérios ou paradigmas que se sobreponha ao demais, então a própria posição relativista deve ser vista como dependente de um conjunto de critérios e, portanto, como não universal. Isso sugere que o relativismo é, ele mesmo, relativo a um ou vários grupos, mas não a todos. Sendo assim, para assumir a posição relativista, você deve ser relativista com relação à sua própria posição, o que acarreta a implosão dessa posição. Do contrário, você terá de reconhecer que o relativismo é uma posição universal, acarretando a negação desse mesmo relativismo. 14 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A TÓPICO 3 1 Explique a tensão que existe entre a ideia de liberdade e a noção positivista de natureza. R.: Há várias diferenças óbvias entre nós e os objetos em geral. E mesmo entre os animais. Nós produzimos cultura, temos emoções, somos imprevisíveis em nossas ações e, acima de tudo, gostamos de pensar que somos livres. Ora, como calcular, equacionar, mensurar e submeter a leisessas características? Considere a ideia de liberdade. Se somos livres, então agimos de acordo com a nossa vontade. Mas, se aceitarmos a visão positivista, nada mais somos que fantoches das leis naturais. Há, assim, uma tensão entre a ideia positivista do ser humano e a ideia de liberdade. 2 Qual é a relação entre religião e suicídio, tal como apontada por Durkheim? R.: Durkheim procura agrupar sociedades em tipos sociais, a partir da detecção das possíveis semelhanças entre elas.Um exemplo interessante é sua abordagem sobre o suicídio. De início, ele considera a relação entre religião e suicídio, tentando determinar se o número de suicídio nos países católicos e protestantes são semelhantes ou não. Ao verificar que eles diferiam, ele formulou a hipótese geral segundo a qual pertencer a grupos com maior grau de integração aumenta a resistência das pessoas à depressão diminuindo, portanto, o número de suicídios. Outra premissa é que o catolicismo é uma religião mais coesa do que o protestantismo, ou que esta última exerce um menor controle social sobre os fiéis do que a primeira. A partir de verificações, experimentos e testes, Durkheim elaborou uma explicação científica para o fenômeno do suicídio em relação a duas variantes do cristianismo. Ele deixou de lado crenças religiosas, sentimentos pessoais etc. e procurou se ater a elementos que podiam ser submetidos a provas empíricas. 3 Quais são os quatro tipos de ação social para Max Weber? R.: Para Weber, há quatro tipos de ação social: a ação racional referente a fins, racional referente a valores, afetiva e tradicional. A ação racional referente a fins ocorre ao se considerar as relações entre meios e fins, como tomar o avião com o propósito de voltar para casa. A ação racional referente a valores é aquela que se adota ao seguir um imperativo moral, religioso, estético etc. que se apresenta de um modo compulsório ao indivíduo. O ato de confissão dos católicos é um bom exemplo. As ações advindas da obediência aos dez mandamentos na tradição judaica cristã também são ilustrativas. Quanto à ação afetiva, ela ocorre como resultado de estados afetivos ou de sentimentos, como propor casamento a alguém, torcer pelo Palmeiras e assim por diante. Finalmente, a ação tradicional surge a partir de costumes aceitos e praticados 15UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A automaticamente pelos indivíduos, tal como pagar a passagem de ônibus, vestir-se antes de ir ao trabalho etc. 4 Qual a relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo em Weber? R.: A tese central dessa obra consiste na ideia de que a ética protestante tornou possível o desenvolvimento do capitalismo moderno. Para tanto, ele identifica o espírito do capitalismo como contendo a ideia do “dever do indivíduo de aumentar sua riqueza” (WEBER, 2010, p. 16), a noção de que “o trabalho deve ser executado como um fim em si mesmo” (WEBER, 2010, p. 24), o princípio de aquisição de cada vez mais dinheiro e a renúncia do prazer que ele pode oferecer (WEBER, 2010, p. 17) e a tese de que a obtenção do lucro depende de algum tipo de competência ou vocação (WEBER, 2010, p. 18). Weber assinala que a ética protestante, expressa no modo puritano de viver, forneceu o terreno propício para o advento do capitalismo moderno. Como afirma Kalberg, a visão “de mundo puritana dava preferência a uma vida modesta... Embora a produção de riqueza fosse abundante, seu usufruto era “moralmente repreensível...” A ambição de riqueza como fim em si mesma, e toda avareza e cobiça foram estritamente proibidas” (KALBERG, 2010, p. 36). UNIDADE 3 TÓPICO 1 1 Quais são as características básicas do espaço para Kant? R.: Kant define nosso campo da experiência como espaço-temporal. Isso quer dizer que somente os objetos que encontramos no espaço – e no tempo, é claro – são passíveis de ser conhecidos. Em outras palavras, só podemos obter conhecimento de objetos no espaço – e no tempo. Para Kant, o conhecimento dos objetos físicos só pode ter lugar a partir de conceitos encontrados no entendimento e de intuições enquanto forma da sensibilidade. Espaço e tempo não são conceitos, mas sim intuições. Isso quer dizer que faz parte da constituição da nossa sensibilidade representar os objetos no mundo físico como estando no espaço e no tempo. Quando percebemos as coisas, já as organizamos previamente assim. O argumento que ele utiliza para a intuitividade do espaço é o seguinte. Quando concebemos uma porção de espaço, por exemplo, o centro histórico de Blumenau, sempre o pensamos como limitado por mais espaço. O centro histórico é parte de uma 16 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A porção maior de espaço, isto é, a própria cidade de Blumenau. Mas esta também é uma porção de espaço, limitada por porções espaciais maiores que lhe fazem fronteiras, por exemplo, Indaial e cidades circunvizinhas. Chegamos, então, ao estado de Santa Catarina, depois ao Brasil, à América do Sul e assim por diante. Em consequência disso, o espaço deve ser visto como uma totalidade e suas partes só podem ser pensadas pressupondo- se o todo. Isso quer dizer que o espaço é uma estrutura homogênea e suas partes refletem as mesmas propriedades do todo. Essa visão do espaço, direta ou indiretamente, irá influenciar enormemente as geografia de Humboldt e Ritter, bem como os desenvolvimentos posteriores a eles. Além disso, para Kant o espaço é a priori. O argumento que ele apresenta para justificar essa concepção é que podemos, a princípio, conceber o espaço e o tempo como vazio de objetos, mas não podemos conceber os objetos fora do espaço e do tempo. É impossível retirar do nosso conceito de objeto as suas características espaciais e temporais. Mesmo quando pensamos em anjos incorpóreos, nós recorremos ao espaço e ao tempo, representando-os como extensos e como perdurando em diferentes instantes de tempo. Desse modo, como afirma Santos, “o espaço é a forma pela qual estabelecemos relações entre os fatos exteriores a nós, ou seja, é uma forma de sistematização das coisas exteriores”. Assim, ele se coloca como “uma condição para toda experiência de objetos” (SANTOS, 2009, p. 185). 2 Quais são as características básicas do movimento romântico? R.: Como o escritor Hardenberg, também conhecido como Novalis, salienta em seu The Novices of Sais: “De repente a natureza tornou-se amigável novamente, ela se tornou mais gentil e mais afável, mais propensa a favorecer os desejos do homem. Pouco a pouco seu coração aprendeu as emoções humanas, suas fantasias se tornaram mais prazerosas, ela tornou-se companheira, respondendo educadamente ao questionador, e assim pouco a pouco ela parece ter trazido a era de ouro de volta, na qual ela era amiga do homem, consoladora, sacerdotisa e sedutora, quando ela vivia entre os homens e essa associação divina tornara o homem imortal” (NOVALIS, 2005, p. 33). Essas passagens mostram que algo está prestes a ocorrer com a visão iluminista. A natureza passa a ser pouco a pouco divinizada por alguns intelectuais e filósofos europeus no final do sec. XVIII. O instrumental teórico da ciência pouco a pouco vai se revelando incompleto para descrever essa nova visão da natureza. Trata-se de ir além da percepção e da observação – ferramentas básicas na ciência – para encontrar os sentimentos mais íntimos descritos por Rousseau ao contemplar a natureza. Parece haver uma realidade oculta que é inexpugnável à observação e à mensuração científica. E se não é possível descobri-la com os olhos, ouvidos, bem, então como descobri-la no final das contas? O Romantismo propõe que o ser humano 17UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A se liberte das amarras da ciência para ir além dela e,em assim o fazendo, encontrar as emoções humanas e o prazer de uma vida pautada por elas. 3 Explique por que é incorreto apresentar Humboldt como pioneiro da geografia física e Ritter pioneiro da geografia humana. R.: Trata-se da reunião das abordagens racional e histórica da natureza. Para Humboldt, é preciso fazer ciência levando em conta também o desenvolvimento histórico das diversas concepções de natureza através dos tempos. “Ao considerar”, diz ele, “o estudo dos fenômenos físicos, não meramente em seus aspectos materiais..., mas em sua influência geral no avanço intelectual da humanidade, vemos que seu resultado mais nobre e importante é o conhecimento da cadeia de conexão...” (HUMBOLDT, 1858, p. 23). Mas a história é contada por seres humanos; isso significa que há uma interpenetração dos fatos e da história dos fatos. Nossa concepção da natureza carrega consigo a história de como nossos antepassados viam e se relacionavam com ela. Essa concepção “só pode ser obtida da observação e do intelecto, combinados com o espírito da época na qual todas as várias fases do pensamento são refletidas” (ibidem) e encontram-se “agora totalmente reveladas ao intelecto mais maduro da humanidade como o resultado de longa e laboriosa observação” (HUMBOLDT, 1858, p. 24). Para Humboldt, o estudo da natureza não pode prescindir das descrições materiais e da história elaborada pela mente humana. Mente e matéria integram-se para formar nossa concepção da natureza. O cientista/historiador aprende como, “a partir da história, por milhares de anos, o homem trabalhou... para reconhecer a invariabilidade das leis naturais e, pela força da mente, subjugou uma grande porção do mundo físico ao seu domínio” (HUMBOLDT, 1858, p. 23). Mente e matéria trabalham em conjunto, uma influencia a outra: a influência da matéria exerce um “poder mágico... em nossas mentes” e o caráter da paisagem “depende ... da relação mútua de ideias e sentimentos simultaneamente excitados na mente do observador” (HUMBOLDT, 1858, p. 27). Se assim é, não há no pensamento de Humboldt um abismo separando a geografia humana e a geografia física. Sua geografia, afirma Gomes, “engloba, portanto, uma reflexão sobre o homem e uma reflexão sobre a natureza, as duas tomadas sob um mesmo patamar de inteligibilidade” (GOMES, 1996, p. 162). A visão romantizada da natureza se coaduna com os sentimentos do cientista que a investiga e ao mesmo tempo é considerada harmonicamente “como um conjunto lógico, podendo ser explicado a partir de generalizações da dinâmica entre seus diversos elementos” (GOMES, 1996, p. 157). Nesse sentido, é um grande erro considerar Humboldt como tendo produzido apenas uma geografia física aos moldes do iluminismo racionalista. 4 Explique as posições determinista e possibilista em geografia e por que é incorreto afirmar que Ratzel é um determinista. 18 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A R.: As discussões sobre Ratzel e la Blache representam uma das mais calorosas controvérsias na geografia, a saber, o determinismo (de Ratzel) e o possibilismo (de la Blache) geográfico na relação homem/natureza. O determinismo ratzeliano é definido como a tese segundo a qual a natureza e as condições geográficas determinam a vida das comunidades humanas, desde seus aspectos sociais e culturais até sociais e políticos. O possibilismo é definido como a tese segundo a qual essas condições geográficas oferecem apenas possibilidades, a serem aproveitadas da maneira que convier pelas comunidades humanas. As raízes desse debate remontam, é claro, às tensões conceituais que marcaram o advento do romantismo como uma reação à visão de mundo iluminista. Você já estudou esse tema importante da história intelectual da Europa e do mundo na seção 3 deste Tópico acima. La Blache é o representante de um romantismo tardio na França e procura enfatizar o papel da história em nossa visão da natureza, seguindo um método marcado pelos estudos idiográficos, enquanto Ratzel e sua insistência na busca de leis naturais é caracterizado como tendo produzido uma geografia nomotética e criado a chamada “escola geográfica determinista germânica.” Trata-se, porém, de um debate em que um dos lados, principalmente Febvre, popularizou sua crítica estereotipando a posição de Ratzel e enaltecendo a visão histórica dos franceses (VESENTINI, 2010, p. 3). É bem verdade que Febvre não nega a influência do espaço, ou da “terra”, na formação de um povo; o que ele considera inadequado em Ratzel é a valorização exagerada dos elementos geográficos e a consequente diminuição do papel dos processos históricos. Segundo ele, Ratzel apresenta uma visão limitada da relação homem/natureza, concebendo-a como “uma ação mecânica dos fatores naturais sobre uma humanidade puramente receptiva” (FEBVRE, 1922, p. 283). TÓPICO 2 1 Explique por que, para Marx, a religião é uma forma de ideologia. R.: Marx analisa um exemplo bastante controverso de ideologia como falsa consciência. Trata-se da religião. Numa das mais famosas passagens da história da filosofia, Marx afirma que a religião “é o ópio do povo” (MARX, 2007, p. 6). Com isso Marx quer dizer que, tal como os efeitos do ópio, a religião entorpece as classes desprivilegiadas, preparando-as para os infortúnios da vida. No caso do cristianismo, a promessa da purificação pela dor, representada pela figura do Cristo na cruz, inspira no devoto a resignação. Do mesmo modo, a promessa da vida eterna é a compensação almejada e merecida após uma vida terrena repleta de infortúnios. A religião inebria e ilude o indivíduo oprimido, distraindo-o de sua condição de “miséria real” (MARX, 2007, p. 6). 19UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A 2 Explique o que é o fetiche da mercadoria. R.: Dentro ainda desse contexto da ilusão e do acobertamento do real, Marx assinala no Capital uma característica fantasmagórica da mercadoria. As relações sociais de produção, estabelecidas a partir da apropriação do trabalho pelo capital e das trocas comerciais, coloca a mercadoria no centro do cenário social. A separação entre o trabalhador e a mercadoria confere a esta uma independência irreal. Em consequência disso, aquilo que deveria ser uma relação entre pessoas passa a ser uma relação entre coisas, encobrindo a ação humana envolvida no processo de produção da mercadoria. Assim, "uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (MARX, 2008, p. 81). Você vai ao supermercado e troca feijão por dinheiro. Antes disso, você trocou seu trabalho pelo dinheiro. Ora, na mercadoria feijão há o trabalho do camponês que o colheu e do técnico que o processou, bem como as relações sociais envolvidas na produção do feijão. Na mercadoria dinheiro, há o trabalho que você exerceu para ganhá-lo e também as relações sociais presentes nessa atividade. Esses aspectos fundamentais, porém, são encobertos: “os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os seres humanos [...] Chamo a isso de fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias” (MARX, 2008, p. 81). 3 Explique os conceitos de valor de uso e valor de troca em Marx. R.: A mercadoria ingressa no comércio sem a representação do trabalho a ela atrelada, mas com a representação fetichizada que a torna agente fantasmagórico das trocas. O que viabiliza essas trocas é o valor da mercadoria. Seguindo Adam Smith e David Ricardo, Marx adverte que a mercadoria possui dois tipos de valor: o valor de uso e o valor de troca. Antes de mais nada, a mercadoria é um objeto e suas propriedades materiais satisfazem as necessidades humanas. O tipo de valor que ela possui nesse caso é denominado de valor deuso. Além disso, ela possui o valor a partir do qual se pode trocá-la por outras mercadorias. Este é denominado de valor de troca. O couro de que é feito o sapato determina seu valor de uso e “não depende de se a apropriação de suas propriedades úteis custa ao homem muito ou pouco trabalho” (MARX, 2008, p. 58). A propriedade material do sapato é invariante e serve apenas para o uso ou consumo. O valor de troca, por seu turno, aparece inicialmente “como a relação quantitativa, a proporção na qual os valores de uso de uma espécie se trocam contra valores de uso de outra espécie, uma relação que muda constantemente no tempo e no espaço”. Sendo assim, o valor de troca é “algo casual e puramente relativo...” (MARX, 2008, p. 58). Marx assinala que o valor de uso pode ser determinado facilmente, levando-se em conta o uso possível da mercadoria. As sociedades em geral devem produzir valores de uso para que possam sobreviver. O valor 20 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A de troca, porém, é mais problemático: o que explica as variações de valor da mercadoria quando ela é posta em relação de troca com outras mercadorias? A resposta é a essa pergunta é crucial: as variações dependem da quantidade de trabalho envolvida na produção da mercadoria. Mercadorias com a mesma quantidade de trabalho terão o mesmo valor. Mas como a quantidade de trabalho é medida? Ora, “o valor da força de trabalho é determinado como o de qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho necessário a sua produção e, por consequência, a sua reprodução” (MARX, 2008, p. 191). Essa é uma inovação importante, tendo em vista que, para os economistas clássicos, tal quantidade era determinada pela circulação da mercadoria. Vale ressalvar que o tempo envolvido no trabalho é medido em termos socialmente necessários, levando-se em conta as habilidades requeridas para a produção de determinada mercadoria, assim como a eficiência do trabalhador nesse processo. Como diz Wolff, se o valor “fosse determinado pelo tempo real de trabalho, então a mercadoria produzida por um trabalhador preguiçoso valeria mais do que a mesma mercadoria produzida por um trabalhador comum” (WOLFF, 2002, p. 67). 4 Explique o que é mais-valia e por que esse é um conceito central do marxismo. R.: A mercadoria da qual o capitalista se apossa possui um valor de uso. O par de sapatos fabricado pelo sapateiro é útil aos indivíduos e de grande interesse ao capitalista, na medida em que também apresenta um valor de troca. O crucial, porém, vem a seguir: o capitalista “quer produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias para produzi-las, isto é, a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho”. Assim, além do valor de uso, ele tem em mente “produzir mercadoria; além de valor de uso, e não só valor, mas também valor excedente (mais- valia)” (MARX, 2008, p. 220). Suponha que o sapateiro leve 2 horas para produzir 1 par de sapatos de couro. Ele precisa receber um salário que lhe garanta alimentação, moradia e outras necessidades básicas para poder reproduzir sua força de trabalho. O proprietário da sapataria, isto é, o capitalista em nossa estória, paga ao sapateiro 2 reais por hora. Os custos da produção – couro, manutenção das máquinas, eletricidade, telefone, aluguel do prédio, etc. – são de 8 reais por hora. Desse modo, o capitalista gasta10 reais por hora – o salário do sapateiro mais os custos da produção. Suponha agora que o capitalista venda cada par de sapatos por 40 reais. Como o sapateiro demora 2 horas para finalizar 1 par de sapatos, o capitalista gasta, por hora, 10 reais para ganhar 20 reais. Assim, o capitalista fica com 10 reais excedentes por hora. Ocorre que o sapateiro não trabalha apenas 1 hora por dia e sim 8 ou, como era nos tempos de Marx, de 12 a 15 horas por dia. Contudo, o sapateiro leva apenas uma fração desse tempo para cobrir os gastos do capitalista 21UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A com a produção do par de sapatos e com seu salário. O capitalista estende as horas de trabalho do sapateiro para além do que é devido ou, o que dá no mesmo, o sapateiro trabalha as horas restantes de graça. Esse valor excedente obtido pelo capitalista é a mais-valia. 5 Explique a visão marxista da história. R.: O tipo de organização social de um povo é determinado pelos métodos e pelas tecnologias implicadas no processo de produção o que, por sua vez, determina o modo como as pessoas se relacionam entre si, assim como suas características culturais, jurídicas, políticas e intelectuais. Como afirma Marx, “a estrutura econômica da sociedade” constitui a “base real sobre a qual se ergue a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social”. Assim, o “modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral” (MARX, 1904, p. 11). O primado das condições econômicas, que surgem da luta de classes, denota no pensamento de Marx uma concepção materialista da história. A infraestrutura material e econômica expressa nas relações sociais de produção condiciona a superestrutura definida como o conjunto de ideias dos indivíduos. Cada época, pelo menos no que tange à vida civilizada, tem relações sociais específicas através das quais as pessoas interagem ao produzirem e reproduzirem seus meios de subsistência. Cada época tem uma classe dominante e exploradora, de um lado, e uma classe oprimida, de outro. 6 Qual a crítica de Marx a Hegel? R.: O pomo da discórdia, porém, ainda está por vir. Ao tratar da dimensão humana do real, Hegel utiliza um de seus termos mais obscuros, a saber, espírito. Ele assinala que as relações sociais devem ser entendidas a partir da noção de Espírito Subjetivo, Espírito Objetivo e Espírito Absoluto. O Espírito Subjetivo é a consciência do indivíduo: a imaginação, a memória, as paixões etc. Ao mesmo tempo, é a consciência que o indivíduo tem de sua própria consciência. O Espírito Objetivo representa a forma básica da organização social: a moralidade, o governo, a lei, a história mundial etc. O Espírito Absoluto representa a arte, a religião e a filosofia (HEGEL, 1989, III §§ 387 ff.). Munido de tais conceitos, Hegel concebe a história como a realização do Espírito em direção à liberdade. Com isso ele quer dizer que as sociedades de diferentes épocas desenvolveram-se dialeticamente a partir de suas próprias contradições, evoluindo das estruturas sociais mais primitivas até as mais complexas e avançadas em que a liberdade humana vai se manifestando cada vez mais intensamente. Há, pois, uma Razão na história; os eventos históricos não ocorrem por acaso, mas sim segundo um propósito ou um fim. 22 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A Além disso, o processo pelo qual a consciência de si avança historicamente em direção à liberdade inicia-se a partir da sua contradição com a Natureza. A superação dialética desses opostos surge pouco a pouco na sucessão de etapas históricas como algo para além dessa Natureza, a saber, o Espírito Absoluto. Assim, ao invés de tratar a consciência de si como resultante de homens reais, vivendo num mundo objetivo e condicionado por ele, Hegel transforma o homem num mero atributo da consciência de si e como resultante do Espírito Absoluto que governa o fluxo histórico. Este passa a desempenhar o papel de um fantasma do mundo real (HOOK, 1950, p. 29 ff). 7 Explique a relação entre a infraestrutura e a superestrutura em Marx, bem como suas limitações. R.: Um dos pontos mais debatidos acerca do materialismo de Marx diz respeito exatamente à sua ênfase excessiva no papel da base de produção, ou infraestrutura, naconstituição do conjunto de ideias, leis, crenças etc. ou superestrutura. Marx parece defender uma forma rígida de determinismo. Já tratamos dessa concepção no Tópico 2 da Unidade I. O determinista defende que os fenômenos físicos podem ser explicados com exatidão a partir de leis gerais da natureza. O determinismo que é referido aqui diz respeito à lei geral de Marx segundo a qual as forças produtivas determinam totalmente as relações sociais. Em consequência disso, Marx estaria apresentando uma visão de que os seres humanos seriam escravos das forças cegas da história e que a transformação social é não apenas previsível, mas também inevitável, como o fato de que o sol nasce todas as manhãs. Além disso, a ênfase nas condições materiais acaba por comprometer a própria ideia de dialética: se o fluxo histórico obedece a um processo dialético, então as condições materiais determinam a superestrutura do mesmo modo que esta determina aquela. Melhor dizendo, parece haver um paradoxo na posição de Marx: de um lado, ele defende a precedência das condições materiais na determinação da superestrutura; de outro, ele defende uma relação dialética entre essas duas esferas da realidade social, que vai de encontro com aquela precedência. O próprio Marx é consciente dessa objeção. Ele sabe que a determinação da infraestrutura sobre a superestrutura pode ser interpretada como um tipo de reducionismo econômico que ele quer evitar. É por isso que ele destaca o caráter histórico e desigual dessa relação. Diferentes tipos de produção espiritual, diz Marx, “correspondem ao modo capitalista de produção e ao modo de produção da Idade Média. Se a própria produção material não for concebida em sua forma histórica específica, é impossível compreender o que é específico à produção espiritual que a ela corresponde e a influência recíproca de uma sobre a outra” (MARX, 2000, p. 284). Portanto, é incorreto afirmar que em Marx a superestrutura simplesmente recebe influências da infraestrutura e permanece passiva. 23UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A 8 Qual a crítica de Popper a Marx? R.: Para Popper, a teoria marxista, embora refutada pelos fatos históricos, apresenta-se como irrefutável. Tal característica releva não apenas a falta de cientificidade, mas também o caráter dogmático do marxismo. E isso se deve principalmente à sua concepção da história, que Popper denomina de historicismo. Popper define o historicismo como a doutrina segundo a qual “a história é controlada por leis históricas ou evolucionárias específicas cuja descoberta permite-nos profetizar o destino do homem (POPPER, 2006, p. 4). Trata-se de desvelar os “ritmos, padrões... ou tendências que subjazem ao desenvolvimento da história” (POPPER, 2006, p. 3). Assim, segundo o historicismo, os fenômenos sociais e políticos são regulados por forças históricas, tendo portanto não apenas origens mas também direções e pontos de chegada definidos. Popper identifica formas antigas de historicismo nas religiões, especialmente aquelas que, como o judaísmo e o cristianismo, definem “o povo escolhido” cuja função é servir de instrumento da vontade divina. Em assim o fazendo, tal povo “herdará a Terra” (POPPER, 2006, p. 4). Bom, por que Popper afirma que Marx é um historicista? Ora, para Marx, a história humana caminha inexoravelmente para uma sociedade sem classes – o comunismo – em virtude de uma revolução social. Isso porque o capitalismo possui como característica distintiva a acumulação de riquezas nas mãos de poucas pessoas. Ao mesmo tempo, um número muito grande de pessoas acaba sendo privado de quaisquer riquezas, tornando-se miserável. Consequentemente, a pressão social gerada por uma situação de exploração crescente da classe burguesa sobre a classe trabalhadora torna- se insuportável, levando esta última à sublevação. TÓPICO 3 1 Quais são as principais características da geografia idiográfica de Hartshorne? R.: Para Hartshorne, a geografia é uma disciplina idiográfica. Isso quer dizer que a geografia deve concentrar-se nos aspectos peculiares das diferentes regiões pesquisadas, isto é, nos aspectos que não se submetem a regras gerais de dedução. Hartshorne segue mutatis mutandis a tradição dos estudos corológicos introduzidos por Kant, como foi abordado no Tópico 1 desta Unidade acima. O estudo idiográfico centra-se na noção de que cada região é o resultado de inter-relações únicas entre aspectos físicos e humanos na paisagem. Como afirma Gomes, a abordagem idiográfica lida com fatos “não repetitivos, não reprodutíveis e, portanto, sem aspectos regulares que possam fundamentar leis ou normas gerais”. Assim, esses fatos “só podem ser compreendidos a partir do contexto particular que os gerou” (GOMES, 24 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A 1995, p. 58). Moraes apresenta um exemplo bastante esclarecedor da aplicação dessa dupla abordagem: o geógrafo seleciona os fenômenos a serem estudados (como o clima, produção agrícola etc.) numa dada região e relaciona-os, repetindo a operação na medida em que vai adicionando mais fenômenos (destino da produção, número de cidades etc.). Uma vez “de posse de vários conjuntos de fenômenos agrupados e inter-relacionados, integra-os inter-relacionando os conjuntos; repete todo este procedimento, com novos fenômenos, ou novos agrupamentos dos mesmos fenômenos, em conjuntos diferentes”, para só então integrar os conjuntos separadamente (MORAES, 2003, p. 99ff.). 2 Quais são as principais características da geografia quantitativa? R.: Schaefer pode ser considerado como o precursor da revolução quantitativa. A tímida remissão à ciência na obra de Hartshorne é amplificada por ele. Se Hartshorne indicou o caminho de entrada, preparando o nicho científico para a geografia se desenvolver, Schaefer ofereceu os alicerces do edifício. Mas a radicalização ainda estava por vir. Wlliam Bunge, fortemente influenciado por Schaefer, não apenas retoma os ideais positivistas, mas os adapta ao campo geográfico, fornecendo-lhe os instrumentos indispensáveis para a solidificação da revolução quantitativa. Para Bunge, a geografia é científica e, portanto, deve buscar os princípios gerais que governam os padrões gerais da superfície da Terra resultantes de processos sociais e físicos. A matemática passa a ser insistentemente defendida como instrumento da ciência por excelência, incentivando o geógrafo a utilizar termos bem definidos e universalmente aceitos, a geometria nas análises geográficas e o formalismo do raciocínio lógico. De uma geração posterior a de Schaefer, Bunge testemunha o uso crescente da computação na criação de modelos de análise dos fenômenos geográficos. Encantado com essa perspectiva, ele desabafa: “ver a construção da região, um dos últimos bastiões dos geógrafos não ou antimatemáticos, esfacelar-se diante do apetite crescente dos modelos computacionais é um tanto inquietante mesmo para um quantificador convicto” (BUNGE, 1966, p. XIV). 3 Explique por que Marx afirma que o capitalismo anula o espaço pelo tempo. R.: A globalização que hoje experimentamos é ainda resultado dessa tendência que o capital apresenta de conquistar e possuir territórios a fim de manter seu crescimento constante e se perpetuar como modo de produção dominante. Esse exemplo remete-nos a um ponto importante da expansão capitalista. Ela se dá principalmente através do transporte e da comunicação. Quanto mais aperfeiçoados esses dois aspectos, mais intensas se tornam as trocas comerciais. Os obstáculos espaciais são gradativamente ultrapassados, facilitando a chegada do produto ao mercado. Assim sendo, é possível considerar a condição espacial como parte do processo de produção geral 25UNIASSELVI NEAD GABARITO DAS AUTOATIVIDADES F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L ÓG I C O S D A G E O G R A F I A das mercadorias: “a condição espacial, o ato de trazer o produto ao mercado, pertence ao próprio processo de produção. O produto está realmente acabado apenas quanto está no mercado “ (MARX ,1973, p. 533-4). Segundo Harvey, a otimização do transporte e da comunicação, permitindo o acesso cada vez mais eficiente a mercados distantes, acelera a velocidade de circulação do capital e aumenta a acumulação. Isso quer dizer que, se de um lado a barreira espacial das distâncias é vencida, de outro lado o período de tempo de realização da mais-valia se reduz. Assim, como diz Marx, “a distância espacial se contrai em relação ao tempo” (MARX ,1973, p. 538). Para se fortalecer e se aperfeiçoar constantemente, e desse modo se perpetuar e se tornar hegemônico, o capitalismo exibe a tendência de “anular esse espaço pelo tempo” (MARX ,1973, p. 539). 4 Explique a noção de Santos acerca do espaço geográfico como sistema de objetos e sistema de ações. R.: Santos concebe o espaço como resultante da conjunção de dois sistemas: o sistema de objetos e o sistema de ações. Para ele, “os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma” (SANTOS, 2006, p. 39). Nesse imbricamento sistêmico, o papel da técnica é fundamental. Através dela, as ações humanas alteram a configuração territorial. Historicamente, as técnicas rudimentares levaram o ser humano a construir estradas, plantações e casas, representando importantes avanços na alteração da paisagem natural. Devido ao seu desenvolvimento crescente, as técnicas transformaram susbstancialmente a configuração territorial, de modo a produzir uma realidade totalmente humanizada. Assim, “hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos” deram lugar a um “sistema de objetos cada vez mais artificais, povoado por sistemas de ações cada vez mais imbuídos de artificialidade” (SANTOS, 2006, p. 39). 5 Quais são as principais características do pós-modernismo? R.: Querendo ou não, conscientes ou não, somos descendentes do Iluminismo. Ficamos fascinados com teorias abrangentes, com uma suposta unidade escondida em seu conjunto de princípios, conceitos e regras metodológicas. Essa é a nossa condição da modernidade. Em seu celebrado livro A Condição Posmoderna, Lyotard expõe e critica esse fascínio e essa busca incessante pelo que ele denomina de grandes narrativas. Segundo ele, devemos abandonar essa busca e adotar uma postura cética com respeito a toda narrativa que pretenda resolver todos os problemas impondo uma visão de mundo que nos aprisiona. Há duas principais narrativas totalizantes: a primeira é aquela que defende a ideia de uma emancipação progressiva da humanidade, tais como a redenção cristã ou a utopia marxista de um 26 GABARITO DAS AUTOATIVIDADES UNIASSELVI NEAD F U N D A M E N T O S E P I S T E M O L Ó G I C O S D A G E O G R A F I A comunismo igualitário; e a segunda, que defende a ideia do triunfo da ciência. Tais narrativas perderam sua credibilidade desde o final da Segunda Guerra Mundial. “Simplificando ao extremo”, diz ele, “eu defino posmoderno como a incredulidade com relação às metanarrativas” (LYOTARD, 1984, p. XXIV). Lyotard salienta que essas metanarrativas são utlizadas para legitimar teorias em geral. No caso da psicanálise de Freud, sua legitimidade residiria na alegação de que ela estaria assentada em princípios científicos sólidos. No caso do marxismo, sua legitimidade estaria, entre outras coisas, na crença de um papel privilegiado e predestinado do proletariado, que guiaria o povo a uma realidade sem classes e sem exploração. Há aqui uma similaridade imediata com a tradição judaico-cristã do povo eleito e dos profetas que guiarão esse povo à Terra Prometida. Igualmente, ditadores em regimes de exceção ou totalitários recorrem a grandes narrativas para justificar sua permanência no poder, como a ideia de unidade nacional, de resgate de um passado glorioso ou de um partido que representaria e realizaria o bem comum. Assim, a condição posmoderna leva-nos a destituir as grandes narrativas de sua legitimidade e, ao mesmo tempo, a nos aliarmos aos grupos sociais marginalizados que ou resistem ou desconhecem as narrativas totalizantes. É por isso que muitos intelectuais que se autodenominam posmodernos se veem como bravos dissidentes, membros de uma vanguarda que anuncia um novo tempo em que todas as narrativas encontram-se num mesmo plano e nenhuma se destaca como a única confiável ou válida frente às demais. Essa constatação anuncia a chegada de uma era pluralista em que até mesmo a ciência foi deposta de seu trono, transformando-se numa narrativa como qualquer outra, igualando-se à ficção. É como se a janela tivesse se espatifado e os cacos de vidro estivessem espalhados no chão. O projeto de uma grande narrativa detentora da verdade universal é impossível, e o que nos resta é aceitar o relativismo ou a ideia de que a verdade e tantos outros conceitos que almejávamos como universais são, de fato, definíveis a partir de uma dada narrativa ou ponto de vista e que, portanto, há tantas verdades quanto há narrativas disponíveis.
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