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Filosofia do Conhecimento: Verdade e Metafísica

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Marcelo Maduena. ISDB	7
PREFÁCIO
O tema do conhecimento pode ser abordado desde distintos pontos de vista, por exemplo, desde a psicologia ou a lógica. Mas existe uma abordagem que é própria da filosofia, esta procura ir às raízes do facto cognitivo, as causas últimas, a sua essência; por isso, o estudo do conhecimento feito pela filosofia se constitui numa disciplina própria que ao longo da sua história tem recebido distintos nomes. Vejamos alguns:
Lógica Maior (para distingui-la da lógica formal, que era chamada lógica menor); Crítica, foi o nome que recebeu a partir de Kant (devido a suas obras principais "Crítica da Razão Pura”, "Crítica da Razão Prática e "Critica do Juízo, todas elas dedicadas ao problema do conhecimento); no âmbito da língua inglesa costumam chamá-la Epistemologia (do grego «episteme», ciência).
Ora, desde o ponto de vista do realismo, uma filosofia que tem a pretensão de conhecer as causas, a natureza e o valor de verdade do nosso conhecimento, é uma verdadeira Metafísica do conhecimento ou Gnoseologia (de «gnosis», conhecimento; e logos, discurso, investigação). Com efeito, é esta a grande questão da qual passamos a ocupar-nos: a questão da VERDADE. Porque todos nossos conhecimentos têm algum significado existencial se, e só se, são verdadeiros. Ora, existe a verdade? É possível conhecê-la? E conhecendo-a, pode ela orientar nossas vidas e nossa conduta? Está a verdade ao alcance das nossas faculdades cognitivas, ou é apenas uma nobre aspiração humana, mas de fato inatingível, como pensam os pós-modernos?
Ao longo destas páginas esperamos responder afirmativamente a estas questões de fundo, e outras que aparecerão no discorrer do nosso estudo. Ao contrário, se não pudermos responder satisfatoriamente a estas perguntas, nossa vida ficará privada do sentido profundo que só pode oferecer o conhecimento da verdade, porque com o conhecimento da verdade chegará também o conhecimento da bondade e, se é certo que só se pode amar o que se conhece de verdade, temos conformado um círculo virtuoso entre «conhecimento-verdade-bondade-amor». Ora, tudo começa pelo conhecer...
Não podemos encerrar este prefácio sem fazer um ato de justiça e reconhecer nossa dívida com G.B. Mondin e seu Corso di Filosofia Sistemática (cfr. Bibliografia).
Nota: segundo a grafia do “Acordo Ortográfico” para a língua portuguesa que entrará em vigor no ano 2012.
CAPÍTULO I
BREVE HISTÓRIA
DA FILOSOFIA DO CONHECIMENTO
A Gnoseologia como disciplina filosófica autónoma aparece recém na idade moderna, mas isso não quer dizer que os filósofos anteriores não se ocupassem do tema do conhecimento, aliás, se ocuparam e muito, como teremos oportunidade de ver no período clássico.
A razão desse aparecimento tardio da nossa disciplina está na mudança de paradigma filosófico que se dá a partir do fundador da filosofia Moderna: R. Descartes (1596-1650). Toda a filosofia da época antiga e medieval centra seus esforços especulativos entorno ao ser objetivo, mas, é justamente Descartes quem muda esse paradigma quando coloca ao centro de toda a filosofia seu famoso «cógito ergo sum» (penso, logo existo). E faz do cógito a porta de ingresso obrigatória para toda a filosofia.
Para os filósofos antigos e medievais, conhecer era em primeiro lugar, conhecer o ser. Isso é algo que os modernos já não estão dispostos a conceder tão facilmente. A partir de Descartes, o conhecimento se torna uma atividade autónoma, completa em si mesma, de tal maneira que seu objeto não é mais o ser, mas o mesmo conhecimento. A primeira ocupação da filosofia deixa de ser o ser e passa a ser o conhecer, o primeiro que deve fazer o filósofo é estabelecer as possibilidades e os limites do conhecimento humano. Desta forma a filosofia se torna fortemente subjetiva, ou, como já é costume dizer: «o primado corresponde ao sujeito e não mais ao objeto».
Assim sendo, na história da gnoseologia se podem distinguir com muita claridade, dois períodos que chamaremos: período clássico, onde o primado corresponde ao ser, e período moderno - contemporâneo, onde o primado corresponde ao sujeito.
Período Clássico.
Por período clássico entende-se geralmente a filosofia antiga tanto grega como romana. Neste sentido autores clássicos são Platão e Aristóteles. Porém, podemos usar a palavra «clássico» num sentido mais abrangente, saindo do sentido puramente temporal e incorporando a certos autores que também são tidos como clássicos. Assim sendo, atribuímos a este período clássico os seguintes nomes: Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Santo Tomás.
1.1. Platão
É um grande da filosofia de todos os tempos. Seu pensamento está todo inteiro na metafísica das ideias. Com efeito, as ideais para Platão não são um produto da nossa mente, mas realidades subsistentes em si mesmas. O mundo sensível existe por participação do mundo das ideias (como mimesis, imitação, cópia), sem elas, o mundo sensível não só não existiria senão que também ficaria privado de sentido. Este dualismo metafísico deixa sentir suas consequências na antropologia e na doutrina do conhecimento. Na antropologia, com o dualismo alma - corpo, na gnoseologia com o dualismo conhecimento sensível - conhecimento intelectual.
Assim como o mundo das ideias é radicalmente distinto do mundo sensível, assim também são essencialmente diferentes o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual, o primeiro fundado nas sensações dos sentidos, o segundo fundado na reminiscência da alma. Ainda, os objectos dos dois conhecimentos são diversos: os sentidos percebem o mundo dos objectos materiais, a alma intelectual o mundo dos objectos inteligíveis, o mundo das Ideias; os sentidos são fonte de opinião (doxa), o intelecto chega ao conhecimento da verdade (episteme, ciência).
A separação profunda que se dá entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual se devem a outra separação, igualmente profunda, entre a alma e o corpo. A alma habita o corpo como um prisioneiro habita seu cárcere ou um piloto o seu navio. As almas preexistiam ao corpo e eram habitantes da região celeste, do hiperurâneo, onde viviam felizes na contemplação da beleza das Ideias subsistentes. Por uma culpa original, as almas foram precipitadas nos corpos, assim, unidas à matéria corporal esquecem-se do mundo das Ideias que alguma vez contemplaram. Desta maneira, o conhecimento sensível dos objectos serve de ocasião para recordar o mundo feliz das Ideias no hiperurâneo (por isso teoria da reminiscência).
Dividido o conhecimento em dois grandes modos, sensível e intelectual, o desafio para o indivíduo é passar de um para outro. Tudo começa com a apreensão da imagem (eikesia), segue-se a confiança de que essa imagem nos transmite a realidade dos objectos sensíveis (pistis), aqui aparece a recordação do mundo ideal e o começo do conhecimento intelectual; o primeiro degrau é o conhecimento raciocinativo a partir de ideias éticas, matemáticas ou metafísicas (diánoia), para chegar, por último, ao êxtase da contemplação pura das Ideias (nóesis). Infelizmente, segundo Platão, a maioria dos homens fica nos dois primeiros degraus do conhecimento sensível, porque, para passar ao nível superior se precisa também um esforço moral de purificação dos sentidos e das paixões, o que faz com que muitos não estejam dispostos a pagar este custo.
Que fica hoje, para nós, da gnoseologia platónica? É óbvio que tal como a encontramos nos seus escritos, está superada, mas não está ultrapassado o espírito que anima esses escritos.
Já sabemos que o filósofo é um inconformista que continuamente está perguntando-se, e sua filosofia surge a partir das suas interrogações. Pois bem, qual é o interrogante que se coloca Platão como ponto de partida. É este: Como é possível que estejam presentes em mim, um ser individual, contingente e sujeito à mutação, ideias universais, necessárias e eternas? Esta pergunta, pois, continua sendo tão válida hoje como no tempo de Platão. Observemos o contraste que suscita a pergunta: «individual - universal; contingente - necessário; devir – mutação- eternidade». Como podem estar presentes simultaneamente estes contrários em cada indivíduo humano?
A resposta a esta grande pergunta, leva Platão a afirmar que, em nós tem de haver algo que nos faça capazes de acolher o que é universal, necessário e eterno (as ideias). Esse algo não é outra coisa que a presença em nós de uma alma espiritual e imortal. Com a descoberta da alma não está tudo respondido, por que: e a origem da alma?
Aqui se inscreve no sistema platónico a doutrina da reminiscência1. Ela tem três funções importantes, a saber: a) oferece uma prova da preexistência, da espiritualidade e da imortalidade da alma; b) lança uma ponte entre a vida antecedente e esta vida presente; c) valoriza e atribui uma função, até certo ponto positiva, ao conhecimento sensível, já que serve para suscitar a reminiscência ou recordação das Ideias.
Podemos observar com facilidade que são justamente as perguntas, os interrogantes, o que leva ao filósofo a especular sobre as respostas. Como muito bem diz E. Gilson muitas vezes são mais importantes as perguntas que se colocam ao filósofo, do que suas respostas	Não devemos esquecer que nenhum dos filósofos antigos conhece a noção de «criação do nada», portanto, era impossível para Platão pensar numa alma criada por Deus. 	GILSON E. La Unidad de la Experiencia filosófica. Rialp, Madrid, 1975.. Estaria totalmente desnorteado aquele que hoje quisesse continuar a suster a doutrina da reminiscência. Mas a pergunta de Platão continua a pedir resposta. Contudo, na sua tentativa, Platão deixou afirmado para sempre a transcendência das ideias - valores, e a necessidade da presença da vida espiritual no homem para que este seja capaz de percebê-las.
I. 2. Aristóteles
Houve épocas na história da filosofia em que Aristóteles era apresentado como o discípulo rebelde de Platão, mas não passa de ser um verdadeiro exagero. Nos temas fundamentais estão de acordo: existem duas ordens da realidade, uma material e sensível, outra imaterial e inteligível. A causa da mutação e do devir para ambos está no mundo imaterial, para Platão nas Ideias subsistentes, para Aristóteles no primeiro Motor imóvel. Portanto, as divergências não estão na visão global da realidade, mas no método para elaborá-las e na doutrina do conhecimento.
Metodologicamente, Platão procede de cima para baixo, parte das Ideias para a matéria, prefere a dedução (como as matemáticas); Aristóteles procede de baixo para cima, parte da matéria em devir para o primeiro Motor, prefere a indução (como a física). Mas é, sobretudo na doutrina do conhecimento onde se verificam as maiores diferenças.
Para Aristóteles também existem dois planos do conhecimento, o sensível e o intelectual. Todo conhecimento começa pelo primeiro e acaba no segundo, através de um processo que se chama: «abstracção». A descrição em detalhe deste processo a veremos mais adiante, agora nos conformamos com apresentar os pontos mais importantes da gnoseologia aristotélica.
Para o Estagirita a alma não tem nenhuma vida preexistente, portanto, não existem ideias inatas. A alma é como uma tábua rasa onde a experiência vá imprimindo seus caracteres, por isso, todo conhecimento começa pela percepção sensível, através da qual se forma uma primeira imagem, sobre esta, actua a alma extraindo, pelo já mencionado processo da abstracção, os conceitos universais. Por exemplo, conhecemos a Pedro, João e Tiago... Em que consiste a abstracção? Em separar da imagem de Pedro, João e Tiago, o que nelas a de particular e individual e ficar com o que neles há de comum e universal (procedimento indutivo), chegamos assim ao conceito «homem» ou «humanidade» que está presente em Pedro, João e Tiago; em outras palavras, chegamos à essência pela qual os três são «homens». Por enquanto deixamos aqui o tema da abstracção, basta acrescentar que este é o ponto principal da gnoseologia aristotélica.
Outra contribuição importante de Aristóteles à filosofia do conhecimento, é a descoberta e formulação dos princípios basilares sobre os quais todo conhecimento se fundamenta, isto é: os chamados primeiros princípios.
Em realidade, trata-se de um só princípio, o princípio de identidade: «o ser é». Que recebe diversas formulações como são: o princípio de não contradição, o princípio de terceiro excluído e o princípio de razão suficiente. Teremos a oportunidade de estudar em detalhe estes princípios quando tratar - mos da função judicativa da inteligência. A modo de exemplo concentremo-nos agora no princípio de não contradição.
Deste princípio, o filósofo de Estagira dá a seguinte formulação: «Um atributo não pode ao mesmo tempo e sob um mesmo ponto de vista, ser e não ser no mesmo objecto»3. Este princípio tem a propriedade de ser evidente, infalível, absoluto e indemonstrável	ARISTÓTELES, Metafísica IV, 1005b 19-20. 	“O mais certo de todos os princípios é aquele sobre o qual é impossível enganar-se. É necessário que este seja em grau máximo conhecido - pois naquilo que se desconhece todos podem enganar – se e que não seja hipotético - porque se é necessário para a compreensão das coisas, não pode ser uma hipótese. O qual é necessário conhecê-lo para conhecer qualquer coisa e, é igualmente necessário abordar um assunto de estudo possuindo seu conhecimento. É evidente, portanto, que este princípio é por excelência o mais certo...” (Met. 1005b 11 ss.).
Sobre a indemonstrabilidade do princípio de não contradição: “Há filósofos que, pela sua ignorância, pretendem demonstrar este princípio. Porque é realmente ignorância não saber que coisas precisam ser demonstradas e que coisas não. É, em absoluto, impossível demonstrá-lo tudo, pois isso suporia ir até o infinito, e não haveria demonstração de nada... [não] existe outro princípio que cumpra melhor estas condições...” (Met. 1006a 5 ss.)..
O homem, portanto, pode estar seguro de sua capacidade para conhecer a verdade. E é na vida teorética, na contemplação da verdade, que Aristóteles coloca o fim último da vida humana e sua felicidade. Porque a felicidade atinge-se quando conseguimos o pleno desenvolvimento das nossas capacidades naturais e, justamente, a parte mais nobre da natureza humana é sua capacidade racional actuada plenamente na vida intelectual. Ora, o intelecto atinge sua plenitude quando está em presença da verdade e a contempla	”A melhor das atividades conforme à virtude é aquela relativa à sabedoria (...) Então se a atividade do intelecto, sendo contemplativa, parece exceder em dignidade e não ter nenhum outro fim para além de si mesma, e ter também seu próprio prazer perfeito (que estimula ainda mais sua atividade e ser auto suficiente (...) parece que em tal atividade se encontram todas as qualidades que se atribuem ao homem beato. Então, esta será a felicidade perfeita do homem ...” (Ética a Nicómaco X, c.7)..
I. 3. Santo Agostinho
Uma das cabeças mais brilhantes que houve em todos os tempos, com toda justiça chamado «Mestre de Ocidente». O santo nascido em Tagaste e bispo de Hipona não tem problemas em declarar-se platónico, mas platónico cristão. Por isso empreende uma reforma profunda do platonismo, em todos os campos, para adequá-lo ao cristianismo: na metafísica, na cosmologia, na antropologia e na gnoseologia.
O itinerário intelectual de Agostinho é turbulento. Sua mãe, S. Mónica procurou educá-lo através dos ensinamentos da Sagrada Escritura, mas a santa mulher não conseguiu fazê-lo cristão; pesou mais a influência do pai (só aceitou o baptismo em ponto de morte) que o mandou para a famosa escola de Retórica de Cartago, com a esperança de fazer dele um Magistrado do Império Romano. Por um tempo abraça a seita dos maniqueus porque acredita que eles têm a solução ao problema do mal que tanto o atormentava. Desiludido desta experiência decide dar o passo ao cepticismo, cujos representantes mais populares naquela época eram os académicos. Por isso, uma vez convertido ao cristianismo e em possessão da plenitude da verdade, dirige todas suas baterias intelectuais contra o cepticismo dos académicos, seus antigos mestres.
EmContra Academicos, refuta o cepticismo com a evidência da própria existência. Com
efeito, há uma verdade que resiste todos os assaltos e ataques da dúvida, e mesmo do erro: Si fallor
sum -diz Agostinho- isto é, se erro existo. Posso duvidar de tudo, e posso errar em tudo, mas para
duvidar e para errar tenho que existir. Até o céptico mais obstinado tem que aceitar essa verdade. O
mesmo pensamento exporá muitos anos mais tarde em De Civitate Dei, com a eloquência própria
do antigo mestre de Retórica6. O “si fallor sum” de Agostinho, antecipa em mais de dez séculos o célebre “Cógito, ergo sum”, com o qual Descartes buscará fugir da dúvida metódica. Fica clara, então, a possibilidade para o homem de abraçar a verdade.
Além da refutação do cepticismo, os pontos mais salientes da gnoseologia de Agostinho são os seguintes: A doutrina da Iluminação, a distinção entre ratio inferior e ratio superior, a importância da memória e a transcendência da verdade. Procedamos ordenadamente.
A doutrina de Iluminação.
Já dissemos que Agostinho não tem nenhum problema em declarar-se platónico, portanto, coloca-se a mesma interrogação que Platão: como é possível que em nossa mente débil, finita, sujeita a contínuas mudanças e falível, estejam presentes verdades absolutas e imutáveis - em palavras de Agostinho: verdades eternas?7 Por um lado, é evidente que não podem vir das sensações que são tudo o contrário. Por outro, sendo cristão não pode admitir a preexistência das almas como fazia Platão... então, a única solução possível para Agostinho, é recorrer à Iluminação divina	“Estou certíssimo de ser, de conhecer-me, de amar-me; não temo contra esta verdade os argumentos dos académicos que dizem: E se te enganas? Pois, se me engano quer dizer que sou, que existo (si fallor sum). Certo, quem não existe não pode nem sequer enganar-se. Si me engano, por isso mesmo, sou” (AGOSTINHO, De Civitate Dei, XI, 26). 	Para Agostinho, a certeza da própria existência não é a única verdade que possui o homem, há muitas outras. Os primeiros princípios, as essências matemáticas, as ideias de bondade, beleza, justiça, a existência do mundo, etc. São todas verdades que, por ser absolutas e imutáveis, recebem a qualificação de verdades eternas. 	Eis dois textos em que Agostinho apresenta a Iluminação divina: “Deus é a luz mesma com que a alma é iluminada para ver tudo com verdadeira compreensão... A alma é só criatura, racional e sabiamente criada segundo a imagem de Deus... Portanto, é graças àquela luz divina, que tudo entende até onde lhe é possível (De Genesi ad litteram 12,59). 	“Devemos considerar que a natureza da alma intelectiva foi feita de modo que, unida segundo a ordem natural disposta pelo Criador, às coisas inteligíveis, as percebe numa luz incorpórea especial (ista videat in quadam luce sui generis incorporea), do mesmo modo que os olhos carnais percebem aquilo que os circunda na luz, as coisas inteligíveis as percebe la luz incorpórea, tendo sido criada capaz dessa luz e a essa ordenada” (De Trinitate XIII, 15,24..
A alma é criada por Deus à sua imagem e semelhança, isto é, a cria racional e a dota da capacidade natural de perceber as coisas inteligíveis, para isto lhe concede uma luz especial que atua de maneira análoga à luz do sol que permite aos olhos da carne ver as coisas corporais9.
Esta luz especial é concedida a todos os homens por criação, mas não é uma ação mecânica de Deus sobre a inteligência. Ele respeita nossa liberdade, portanto, a iluminação não está desligada da qualidade moral do sujeito. Quanto mais a pessoa está disposta a purificar-se dos laços da vida sensível, das paixões e dos erros, tanto mais goza da ação desta luz divina especial. Em outras palavras, o conhecimento da verdade não é só questão de inteligência, precisa também da colaboração da vontade e do coração, porque “é o amor que faz conhecer...”	Confissões, VII, 10,1..
A distinção entre Ratio Superior e Ratio Inferior.
Relacionada com a Iluminação está esta famosa distinção que gozará de muita aceitação na época medieval. A ratio superior é a sabedoria, está voltada para Deus, deixa-se guiar e iluminar pela luz divina e por isso pode colher as verdades eternas, incluindo a Revelação e as verdades morais. A ratio inferior está voltada para as coisas deste mundo e com a ajuda dos sentidos o homem constrói a ciência das coisas terrenas. A primeira é a característica própria dos habitantes da Civitas Dei (a cidade da Deus), a segunda é a própria dos habitantes da Civitas terrena.
Deve-se evitar a todo custo a doença espiritual do orgulho	“É a disposição do pensamento que, constatando seu poder sobre as coisas, se entrega com tanto gosto ao domínio das mesmas, que se cola a elas como a um fim; e a origem desta doença encontra-se no orgulho que é, segundo a Escritura, initiumpeccati” (De Trinitate XII, 3,3; Cfr. De Civitate Dei, XIII, 7,12). que impossibilita levantar a cabeça para o alto, e faz ao homem ficar concentrado nas coisas da terra para dominá-las. Mas a ratio inferior não é em si mesma má, nada impede chegar ao equilíbrio e que a pessoa seja simultaneamente cidadão das duas cidades, o próprio S. Agostinho é um exemplo acabado da síntese entre ratio superior e ratio inferior.
A importância da memória.
Com toda justiça podemos afirmar que S. Agostinho é o primeiro filósofo a fazer uma filosofia do tempo e da memória, outrossim, uma filosofia-teologia da história (em sua última obra De Civitate Dei).
Para Agostinho a memória é um ponto chave para passar do conhecimento de si mesmo a Deus. O homem não deve sair de si próprio para encontrar a Deus, ao contrário, deve internar-se pelos esconderijos da memória	"Grande é a força da memória, é qualquer coisa de inexplicável, uma coisa múltipla, profunda, infinita!... Nos campos, nos meandros, nas cavernas da minha memória jazem inumeráveis coisas de todo género; por meio das suas imagens, como no caso de todos os corpos, ou por meio da sua presença, quando se trata das ciências, ou não sei por quais noções e impressões, como no caso dos afetos da alma; que a memória conserva também quando a consciência não lhe adverte, encontrando-se na memória tudo aquilo que está na alma. Através desta imensidade, eu transcorro, voo, penetro aqui e acolá, quando posso e desejo, sem fim; tão grande é a força da memória, tanta potência encontra-se na vida do homem, que no entanto, vive uma vida mortal" (Confissões X, 17)., onde guarda todas suas experiências. A interioridade humana é um abismo de profundidade e aí habita Deus. Porque é na memória onde ficam impressos os valores fundamentais, os primeiros princípios, os critérios supremos do juízo, em fim, é o lugar onde atua a luz divina pela iluminação. Neste contexto devemos situar a importância das suas famosas Confissões, obra que marcou profundamente a espiritualidade de cristã.
A transcendência da verdade.
É interessante observar através da história da filosofia como os filósofos que são verdadeiramente metafísicos -e sem dúvida, Agostinho é um dos maiores- chegam a Deus através da sua interpretação do universo. Platão o faz através das Ideias, Aristóteles através do devir, S. Tomás do ser... E, Santo Agostinho chega a Deus através da verdade.
Agostinho como metafísico só entende e justifica a filosofia se ela se torna uma busca intensa e apaixonada da verdade. E a verdade não é uma criação da nossa mente, mas é uma realidade imutabilis, aeterna. O homem é habitado por uma verdade que não lhe pertence nem a produz, uma verdade que o transcende e se converte num caminho que conduz a Deus: trata-se, como já vimos quando falamos da doutrina da iluminação, das verdades eternas	“Se esta verdade [refere-se às verdades imutáveis e ternas que estão em nós] fosse da mesma natureza que nossa mente, estaria também sujeita ao devir, porque nossa mente por momentos vê claramente, por momentos essa claridade diminui, o que significa que está sujeita ao devir. Mas a verdade fica sempre inalterável; não acrescenta nada quando a vemos mais claramente e não perde nadaquando se ofusca; mas intacta e saudável continua a iluminar aqueles que têm o olhar fixo sobre ela, pune com a escuridão aqueles que pousam o olhar fora dela. Todavia, nós julgamos nosso conhecimento mediante a verdade, mas não podemos nunca submeter a juízo a mesma verdade ... Portanto, se a verdade [eterna] não é inferior nem igual à nossa mente, ela deverá ser mais alta e mais nobre.
Tinha prometido, se recordas, demonstrar que existe um ser mais alto que o acto puro do nosso conhecimento. É a mesma verdade ... E tu tinhas prometido, que se eu tivesse demonstrado a existência de um ser superior a nossa inteligência, reconhecerias que éDeus ... A mesma verdade, éDeus (S.AGOSTINHO, De Libero Arbitrio II, 12-14)..
Concluindo, em Agostinho o problema metafísico e o problema gnoseológico são um só, e com ele o platonismo ganha novos patamares, adquire uma estrutura mais unitária porque as ideias fragmentadas do hiperurâneo são reconduzidas a uma única e suprema verdade-unidade: Deus.
I. 4. Tomás de Aquino.
O lugar que ocupa S. Tomás de Aquino na história da filosofia e na filosofia teorética é de grande importância. Graças a ele e o seu comentário ao inteiro Corpus Aristotelicum, ocidente conheceu Aristóteles em profundidade. Foi esta a maior revolução cultural da época medieval com importantíssimas consequências em todos os campos da cultura: a política, a moral, a cultura e a religião.
Tomando Aristóteles como mestre no âmbito da filosofia, abandona as teses platónico- augustinianas que até esse momento dominavam todo o panorama filosófico. Enquanto a teoria do conhecimento, Tomás pensa que a «iluminação» tira autonomia à razão humana e faz necessária uma direta intervenção divina em cada ato cognitivo, o qual desmerece aquilo que é próprio específico do homem: sua racionalidade. Em consequência adota a doutrina da abstração aristotélica. Sobre esta falaremos detalhadamente quanto estudemos o «conhecimento intelectual».
As teses gnoseológicas de Tomás as podemos resumir em dois enunciados: o realismo e a importância da experiência sensitiva.
a) O Realismo.
O conhecimento para S. Tomás é essencialmente realista, quer dizer, não é uma criação da mente humana nem uma experiência puramente sensitiva e subjetivista. Realismo significa que a imagem -tanto sensível como intelectual- que formamos em nossa mente é uma representação fiel
da realidade enquanto se conforma com o objeto conhecido	Algumas afirmações eloquentes deste realismo são: “O conhecimento tem lugar na medida em que o conhecido está no sujeito que conhece (ST. I, q.12, a.4). “Há conhecimento porque o objeto conhecido encontra-se no sujeito que conhece” (ST. I, q.59, a.2). Em outras fórmulas especifica também o modo segundo o qual o objeto se encontra no sujeito: “Todo conhecimento vem mediante a assimilação da inteligência ao objeto conhecido” (SG. I, 65, n. 537. ed. Marietti, 1961). Todavia, com uma fórmula mais elaborada e completa a «assimilação» é descrita da seguinte forma: “Qualquer conhecimento tem lugar mediante alguma espécie [imagem mental] que pela sua informação dá lugar à assimilação do sujeito à coisa conhecida”. (In Sentenciarum, d.3, q.1, ab.3). 	I-II, q.12, a.5. 	“O objeto próprio do intelecto humano unido ao corpo são as essências ou naturezas que têm sua subsistência na matéria corpórea; e mediante essas essências das coisas visíveis o homem pode ascender a um certo conhecimento das coisas invisíveis” (ST, I, q.84, a.7). 	“... é conatural conhecer as coisas segundo elas são na matéria individual: por isso, os sentidos só conhecem o singular ou particular” (ST. I, q.12, a.4)..
Para entender o realismo é fundamental saber que o que conhecemos não é a imagem mental ou as ideias, o que conhecemos verdadeiramente é a realidade. As imagens (species intentionales) são apenas o instrumento através do qual conhecemos e não o objeto do conhecimento. Por isso, o conhecimento é sempre um movimento intencional da consciência, como diz Tomás na Summa Teologiae: “Intencionalidade, como indica o próprio nome, significa, tensão para o outro”15. Pela «intencionalidade» o conhecimento realiza-se sempre como «consciência de alguma coisa» (e só num segundo momento aparece a consciência-de-si ou autoconsciência).
Segundo o realismo nossa consciência têm dois objetos de conhecimento bem determinados que S. Tomás chama de próprio e adequado. O objeto próprio são as essências das coisas materiais, conhecidas pelo processo de abstração a partir dos dados sensíveis16. O objecto adequado é o ser em todas sua extensão e compreensão, o que na visão de Tomás constitui o esse ut actus, isto é, o ser como ato. Pois bem, o ser como ato em plenitude coincide com o ipsum esse subsistens, daí que Tomás conclui que só ser divino, Deus, pode apagar a sede de plenitude de verdade que tem nosso intelecto, isso acontecerá quando o não conheçamos mais a Deus através das vias indiretas, mas quando o veremos face a face na vida eterna.
b) A importância da experiência sensível.
Tanto para Aristóteles como para Tomás todo conhecimento começa pela experiência sensível, com efeito, é nos sentidos onde ser organiza o primeiro grau do conhecimento e se dirige sempre ao individual e particular17.
O conhecimento sensível está organizado em dois níveis: externo e interno. O externo é obtido pelos sentidos da vista, do ouvido, do gosto, do olfato e do tato; os sentidos captam sempre as qualidades isoladas dos objectos (a vista as cores, o tato a dureza, etc.). Por sua vez, aos «sentidos internos» (o senso comum, a memória, a imaginação ou fantasia) correspondem a uma organização mais complexa das primeiras percepções obtidas pelos sentidos externos.
Entre os sentidos internos e o ato de conhecimento intelectual que corresponde à inteligência, Tomás coloca uma faculdade intermédia à qual dá o nome de cogitativa. Esta tem a função de unir o conceito universal com as imagens particulares.
Concluindo, tanto o conhecimento sensível como o intelectual, cada um a seu nível, são uma representação fiel da realidade, por isso são fundamentalmente verdadeiros e Tomás não duvida em afirmar que a tendência natural das nossas faculdades cognitivas é para a «verdade». Claro que os erros podem aparecer e de facto aparecem, mas não se devem a um falhanço das nossas faculdades naturais, senão a outros motivos, especialmente à precipitação no julgar e à influência das paixões. Quem não quiser errar deve saber governar-se a si mesmo e julgar sempre depois de refletir bem	“Quem não quer errar ascende por estes degraus com ordem. Quem, ao contrário, se deixa transportar pela ação ou pela vontade ou pela paixão, sem percorrer tais degraus, se deixa tomar pela precipitação ... A atenção é obrigatória sobretudo no juízo. E, por isso, a falta de recto juízo deve atribuir-se sobretudo à falta de atenção. De facto, se julga erradamente porque se despreza o descuida a atenção que se deve prestar àquelas coisas das quais nascem os juízos adequados” (ST. II-II, q.53, a.3-4)..
II. Período moderno e contemporâneo.
O período moderno abre-se com uma etapa inicial chamada Renascença, aqui começa tímidamente um movimento filosófico -porém, atingirá a toda a cultura- que alguns historiadores da filosofia chamam de «antropocentrismo». Assim, a medida que avança a época moderna, assistimos a um processo progressivo de secularização, que chegará a seu ápice em nossos dias. Neste sentido é emblemática a declaração de Nietszche da «morte de Deus».
Com o «anropocentrismo» queremos significar uma visão da actividade filosófica que coloca ao centro da mesma ao homem, afastando definitivamene o Kosmos (cultura greco-romana) e Deus (cultura cristã-medieval). Por sua vez, a «progressiva secularização» não é outra coisa que uma laicização da cultura, operada especialmente pelo movimento iluminista e que consiste na exclusão de Deus e da religião de toda instância pública, ficando reduzidos à consciência individual.
Ora, é justamente no terreno gnoseológico onde mais se evidenciam estas características da modernidade queacabamos de assinalar. O «sujeito» adquire tal protagonismo que chegará a ser o «construtor do objeto» e não mais o seu descobridor, perde-se totalmente a dimensão contemplativa do conhecimento. Esta viragem será chamada por Kant «Revolução Copernicana», e em verdade ele será um dos seus principais fautores. Porém, a honra do ponta-pé inicial lhe corresponde a Descartes.
II. 1. Descartes
O contexto cultural em que Descartes desenvolve sua filosofia é de forte ceticismo, cujo representante nesse momento era M. Montaigne (1533-1592) com seu famoso lema: «Que sais-je?»
Descartes, portanto, sente-se chamado a restaurar a verdade da filosofia. Com justiça é chamado «pai da filosofia moderna» porque foi o primeiro a perceber que esta grande empresa não se podia fazer partindo do mundo objetivo (do ser das coisas), senão que havia que tomar como ponto de partida a «consciência», o estudo do «eu», do sujeito. Segundo Descartes, toda certeza que venha do mundo dos objetos pode ser demolida pela dúvida. Daí que buscou a verdade dentro de si próprio, chegando assim ao seu famoso: «cogito ergo sum»	Descartes teve consciência deste assunto desde seus escritos juvenis, nas Regulae directionem ingenii declara: “Verdadeiramente... pensamos que isto se deva fazer ao menos uma vez na vida [buscar uma verdade indubitável]... pois nada me parece mais desacertado que discutir entorno aos mistérios arcanos da natureza... como muitos fazem, e todavia não perguntar-se nem uma só vez se a razão humana tenha a capacidade suficiente para descobrir semelhantes coisas” (Regra VIII)..
Porém, procedamos ordenadamente. Antes de chegar à certeza do cogito, Descartes coloca-se o problema do método. De fato, segundo ele, a grande confusão que se encontra no campo filosófico se deve ao emprego de métodos inapropriados. Assim sendo, as primeiras páginas do Discurso do Método as dedica a justificar a escolha do método dedutivo, rejeitando seu oposto, o método indutivo.
A motivação desta escolha a encontramos na admiração que sente Descarte pela ciência matemática, rigorosamente dedutiva, e infalível quando a dedução está bem feita. Ao contrário, a indução procede da experiência, e esta pode ser falaz porque depende, por sua vez, dos sentidos, e estes podem enganar	“A experiência das coisas é falaz, mas a dedução, ou seja a simples ilação duma coisa para outra, pode certamente omitir-se... mas não pode nunca ser mal feita por um intelecto que seja capaz de raciocinar... Em verdade, cada engano que pode acontecer... não provém nunca dos raciocínios devidamente feitos, mas do fato de supor certas experiências pouco compreendidas,ou também de juízos pronunciados levianamente ou sem fundamento” (Idem, Regra II)..
Feita a escolha do método, se procede a fixar suas regras fundamentais, que se reduzem a quatro:
	“Incluir nos meus juízos somente aquilo que se apresenta tão clara e distintamente à minha inteligência que fica excluída toda possibilidade de dúvida”. Podemos resumir esta regra com a palavra «intuição».
	“Dividir cada problema a estudar em tantas partes menores quanto seja possível e necessário para melhor resolvê-lo”. Podemos resumir esta regra com a palavra análise.
	“Conduzir com ordem os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus até o conhecimento dos mais complicados, e supondo uma ordem, mesmo entre aqueles que naturalmente não procedem uns dos outros”. Podemos resumir esta regra na palavra «síntese».
	“Fazer frequentemente enumerações completas e revisões gerais, para estar bem seguro de não ter omitido nada”. Podemos resumir esta regra com a palavra «enumeração».
Observemos que a primeira regra, a da intuição, é aquela em que Descartes formula o célebre critério de verdade: o critério da claridade e da distinção. Ora, que significam claridade e distinção?
Claridade é a qualidade que tem uma percepção que está presente na minha mente com tal luminosidade que é totalmente compreensível, de maneira semelhante a como dizemos ver claramente os objetos que se apresentam aos nossos olhos.
Distinção é a qualidade que tem uma percepção que, sendo clara, está totalmente separada das outras e é precisa. Assim, a distinção reforça a clareza	“Chamo clareza, à qualidade duma percepção (perceptio) que está presente e aberta à mente que presta atenção, assim como dizemos de ver claramente aquelas coisas que, presente ao olho que as intui, o movem bastante fortemente e abertamente. Chamo distinção, aquela percepção que, sendo clara, está disjunta de todas as outras e é precisa, de tal modo, que não contém em si mesma, nada que não seja claro” (Princípios de Filosofia, I, 45)..
Detenhamo-nos um pouco na atitude de Descartes. Vemos que quando começa a filosofar não pensa sobre nenhuma realidade particular: nem no mundo, nem no homem, nem em Deus. Não lhe interessa adquirir um conhecimento completo das coisas, nem chegar a um Absoluto; no entanto, até a idade moderna a filosofia tinha sido sempre feita desse modo. Para nosso autor, o problema inicial é outro bem distinto: o centro é o sujeito, a consciência, o conhecimento em si, só quando se esteja seguro do seu valor é que se poderá proceder ao estudo de qualquer outra realidade.
Voltemos ao pensamento do mestre Descartes, ele já possui o método e suas regras fundamentais, ora: por onde começar a construção do edifício filosófico? Acontece muitas vezes, que quando temos um problema a resolver, já fazemos um grande avanço se podemos determinar quais são os caminhos que não conduzem a nenhuma solução. Isso é o que faz Descartes através da dúvida metódica.
Se quisermos chegar a um princípio certo e indestrutível que sirva de fundamento à filosofia, nada melhor do que submeter todo nosso conhecimento ao filtro da dúvida. Não se trata da dúvida cética, mas de uma dúvida que se torna parte do método para descobrir a verdade. Recorrendo a esta dúvida metódica, Descartes, abandona como pouco seguros os conhecimentos que adquirimos pelos sentidos, porque estes nos podem enganar; mas também os adquiridos pela razão, porque esta pode falhar no seu exercício; e não ficam fora da dúvida os conhecimentos filosóficos, já que os filósofos se contradizem uns aos outros... em fim, sendo rigorosos, não existe nenhum conhecimento particular que possa resistir à prova da dúvida. Até as coisas que consideramos mais evidentes, podem ser um engano, acaso quando sonhamos não vivemos o sonho como se fosse realidade? E se esta vida não é outra coisa que um grande sonho provocado por um gênio maligno?	Descartes fala de um génio maligno que está continuamente enganando-nos, fazendo-nos acreditar que é verdade o que em realidade não é. Este génio não é outra coisa do que uma hipótese, um recurso literário, para demonstrar que, de facto, se pode duvidar de tudo. 	DESCARTES R. Discurso do Método, IV.
Chegados a este ponto, todos nossos conhecimentos estão enrolados na perversa dúvida, é possível fugir dela? É necessário duvidar de tudo mesmo? Não. duvidar de tudo é impossível, escutemos a Descartes:
“Então, mesmo que eu queria pensar que tudo fosse falso, necessitava absolutamente que eu, que pensava, fosse qualquer coisa. E percebendo que esta verdade: Eu penso, portanto, sou, era tão firme e tão segura, que todas as mais extravagantes suposições dos céticos, não tinham capacidade de refutá-la, julguei que poderia recebê-la sem escrúpulo como o princípio da filosofia
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que eu procurava .
Assim, Descartes venceu o ceticismo fugindo ao mesmo tempo da armadilha da dúvida. Encontrou uma verdade-certeza firme, sólida, indestrutível: posso duvidar de tudo, mas para duvidar tenho que pensar, e se penso, existo. Portanto, o «cogito», isto é, o «eu» que pensa, é a verdade-fundamento a partir da qual deve começar a construção da filosofia. E assim procede Descartes, com admirável simplicidade e clareza reconstrói todo o edifício da metafísica clássica (nota-se facilmente a influência de Platão e Agostinho). Primeiro prova que a essência do homemestá na alma, depois a partir das idéias de perfeição e imperfeição -também presentes na alma- prova a existência de Deus. Em fim, a partir de Deus prova a existência do mundo exterior, mas reduzido essencialmente a extensão (matéria); e o mais admirável de todo este processo dedutivo é que a razão humana atua sozinha, sem nenhum recurso aos sentidos nem a fé. É uma razão quase onipotente.
A «razão cartesiana» é tudo o contrário da razão débil e fraca que proclamam atualmente os posmodernos. A razão de Descartes é forte, ela vence todos os seus adversários e apropria-se de todas as verdades. É por isso que a filosofia cartesiana receber a denominação de «racionalista» e terá uma poderosa influência em toda a modernidade. A partir de Descartes o problema gnoseológico constituirá para todos os autores a porta de ingresso da filosofia.
Uma história completa da gnoseologia deveria incluir praticamente todos os autores modernos. Não podendo fazer um tratamento completo, limitar-nos-emos a tratar os dois mais importantes: Hume, que em certo sentido representa a oposição a Descartes, e, Kant, que procura fazer a síntese de Descartes e Hume. Encerraremos este capítulo dizendo o essencial sobre Husserl e sua fenomenologia, sendo este o contributo mais importante da filosofia contemporânea à teoria do conhecimento.
II. 2. Hume
D. Hume (1711-1776) é o filósofo que teorizou com mais rigor e levou às últimas consequências os princípios empiristas que encontramos em autores anteriores como: Bacon, Hobbes e Locke.
O ponto de partida para Hume como, aliás, para todo empirista, não pode ser outro que a experiência sensível. Segundo ele, «nossa mente é como uma tábua rasa na qual nada esta escrito» (tamquam tabula rasa in qua nihil escriptum est) e começará a ser preenchida com as sensações.
Este princípio que parece muito realista em realidade não tem nada de realismo. Para Hume a experiência sensível não tem como objeto a realidade exterior, mas somente a sua representação subjetiva. Portanto, as representações ou impressões constituem o último dato da consciência humana, o seu limite, a barreira intransponível perante a qual o homem deve deter-se. Se existe alguma coisa, e o que seja essa coisa para além das impressões, não é possível sabê-lo.
Nenhum empirista tinha ido tão longe como Hume na aplicação rigorosa dos princípios empiristas, por isso, nos deixa um bom ensinamento: O empirismo aplicado rigorosa e coerentemente conduz necessariamente ao subjetivismo e ao ceticismo. Neste sentido, Hume com seu subjetivismo é um autor plenamente moderno.
O principal sobre a gnoseologia de Hume já está dito. Acrescentamos, a modo de complemento, que através das leis associativas nossa mente passa das percepções fragmentárias à elaboração de representações mais complexas. As leis associativas atuam por semelhança, por contiguidade e por causalidade. Nenhuma delas tem valor objetivo, são simplesmente hábitos mentais, daí que a lei da causalidade não serve como caminho racional para chegar a Deus, nem sequer ao mundo e ao eu. Em definitivo, todo nosso conhecimento fica reduzido a beliefs, isto é, crenças. É fácil perceber como o subjetivismo nos conduz diretamente ao ceticismo.
II. 3. KANT (1724-1804)
Em Alemanha o movimento chamado Aufklärung (Ilustração) tomou formas muito particulares.
No século XVIII consegue ter uma ampla repercussão a obra de Ch. Wolff (1679-1754) célebre sistematizador racionalista da filosofia, autor de um complicado edifício de doutrina louvado por muitos pelo seu rigor e odiado por outros pela sua aridez. Em parte é herdeiro de Leibniz, mas dá à filosofia um novo giro ao conseguir certa síntese de racionalismo e empirismo que preludia a “revolução kantiana”. Seu pensamento toma também elementos da segunda escolástica, especialmente de Suares.
Mas pode dizer-se que o Iluminismo alemão encontra sua forma mais alta em I. Kant24. É este ao mesmo tempo herdeiro da escola wolffiana e do iluminismo de Hume e de Rousseau, de quem foi atento leitor. Tendo-se proposto estabelecer uma crítica dos alcances da razão	Levou uma vida tranquila em Könisberg, onde nasceu e morreu; ensinou na Universidade dedicado sempre às suas especulações e a suas obras, das quais é obrigatório mencionar: Crítica da Razão Pura; Crítica da Razão Prática e Crítica do Juízo. Prolegómenos a toda Metafísica futura; Fundamento da Metafísica dos Costumes. 	“E necessário que a razão assuma novamente a mais grave das obrigações, ou seja, aquela do conhecimento de si mesma e constituir uma tribunal que lhe garanta suas justas pretensões, e em contrapartida, possa condenar-lhe todas as presunções infundadas...” (, Kant adverte a necessária união entre o elemento sensível e o elemento racional em todo conhecimento humano. Mas esta síntese se realiza no seio da subjetividade. Os dados sensoriais são estruturados, no mesmo ato de ser recebidos, pelas formas “a priori”, isto é, pelas condições subjetivas que possibilitam todo conhecimento. O âmbito do “a priori”, contraposto ao “a posterior” da experiência, recebe também o nome de “transcendental”, por ser anterior e como condição para captar o empírico.
Distingue Kant dois tipos de formas “a priori”. Em primeiro lugar, as da sensibilidade, as formas puras do espaço e do tempo, que unidas aos dados sensíveis conformam um primeiro nível de conhecimento que tem como resultado os “fenómenos”. Mas esses fenómenos, por sua vez, não constituem por si mesmos um verdadeiro conhecimento. É necessária a intervenção das formas “a priori do intelecto”, também chamadas categorias, que sintetizam os fenómenos em juízos. As categorias correspondem a outras tantas maneiras de julgar. O juízo é, com efeito, a verdadeira atividade cognoscitiva do intelecto. Nosso conhecimento tem assim um caráter ativo-sintético. E tem seu centro unificador no sujeito ou “eu transcendental”, do qual dependem ultimamente as formas “a priori”. O progresso do conhecimento humano é uma constante passagem de uma síntese a outra.
Entre as conclusões mais importantes da Crítica da Razão pura, está a impossibilidade de um sensismo puro, que queira explicar todo o conhecimento a partir dos dados sensíveis. Mas, por outro lado, segundo Kant, as categorias não podem ser utilizadas fora do seu âmbito normal: Servem só para estruturar a experiência sensível.
As consequências disto são explicitadas na terceira parte da Crítica: É impossível uma ciência certa e segura sobre um mundo que supere a experiência. Portanto, é impossível a metafísica. Carecem de validade as provas da existência de Deus, pois o princípio de causalidade, como toda categoria, só pode ser usado para atingir dados do mundo físico. Ora, sim são possíveis as ciências exatas.
Para completar sua visão, Kant escreveu também uma Crítica da Razão Prática. Nela procura certa saída para a Metafísica, admitindo a existência de Deus e a imortalidade da alma como postulados do ato moral.
A moral kantiana, baseada na absoluta autonomia do sujeito, toma força de um “imperativo categórico” que liberta o homem de todo interesse egoísta e hedonista. É o sentido do dever, que transforma a ação em algo digno de ser dada como norma a toda a humanidade.
Entre as outras obras mencionadas, absolutamente decisiva é a Crítica do juízo, na qual esboça as linhas de uma teoria estética e de uma filosofia da natureza que influirá fortemente no idealismo posterior.
A obra de Kant supera em realidade, por suas consequências, os limites do Iluminismo, e é susceptível de ser interpretada desde ângulos diferentes. Porém, é difícil negar, como demonstrou Cassirer, que constitui certa culminação do movimento iluminista. Sua teoria do conhecimento leva à negação da metafísica e a sobrevalorização das ciências: As duas teses mais queridas do Iluminismo. Em sua moral encontramos ecos estoicos e russeaunianos. Em fim, sua filosofia da religião, é uma nova versão da tese da religião natural, porque a faz coincidir com a moral filosófica.
A tudo isso se deve acrescentar a viva consciência iluminista que Kant demonstraem seus escritos de filosofia da história, que concebe como uma progressiva toma de consciência do homem da própria “maioria de idade” e, portanto, de total autonomia respeito a qualquer fonte de verdade exterior a ele.
Depois da crítica kantiana, a filosofia religiosa alemã envereda para a Aufklärung, de caracteres mais liberais e generosos que os da Ilustração francesa	Cfr. LEOCATA Francisco, Del Iluminismo a nuestros dias, Buenos Aires, 1979..
II. 4. Husserl e a fenomenologia
A preocupação inicial deste importantíssimo investigador foi sublinhar o caráter objetivo dos conteúdos intelectuais, opondo-se ao sensismo e ao empirismo positivista. Essa tendência se nota já na obra Filosofia da aritmética, mas é mais explícita nas Investigações lógicas, publicadas em 1901, que mostram já alguns elementos fundamentais de sua filosofia posterior. Revela ali as influências de B. Bolzano, filósofo de tendência platónica que se ocupou amplamente de problemas epistemológicos, e polemiza com a lógica de J. Stuart Mill e outros positivistas.
Pela mesma época escreve um breve tratado programático titulado A filosofia como ciência, na qual se propõe realizar uma radical reforma do método filosófico, com o propósito de dar-lhe rigor objetivo e combater assim todas as formas contemporâneas de cepticismo, empirismo e relativismo, com os quais vê contaminado o historicismo de Dilthey. O projeto é realizado, em seus aspectos fundamentais, em Ideias para uma fenomenologia, obra clássica da filosofia contemporânea, extremamente analítica e rigorosa, que abre um enorme campo a múltiplas áreas de investigação.
Para compreender o fundamental do método fenomenológico, é imprescindível conhecer o conceito de redução ou “epoké”. Esta consiste numa atitude pela qual o filósofo se limita a descrever as essências, isto é, os conteúdos de consciência, em seu próprio manifestar-se. O “fenómeno” não é para Husserl senão a essência enquanto aparece, se dá à consciência.
Quem realiza a análise fenomenológico deve “desconectar” (desligar) as essências, separá- las daquilo que é incapaz de ser claramente intuído: O âmbito do empírico e do factual. Numa palavra deve concentrar-se na contemplação do sentido, prescindindo do fato, mutável e fugidio.
Mediante esta “colocação entre parêntese”, condição para a “intuição eidética” (ou contemplação de essências), o fenomenólogo poderá descobrir um “mundo” de sentido, vendo a mútua correlação e ordenamento das essências. Só desde ali poderá conseguir um efetivo aprofundamento dos principais problemas da filosofia.
Também se faz referência com frequência a outro princípio fundamental da fenomenologia: A “intencionalidade”. Parece que Husserl herdou este conceito de Brentano, conhecido mestre de formação aristotélica. A intencionalidade é, no tomismo, o caráter do conhecimento pelo qual o sujeito está lançado para o outro no ato cognoscitivo: É como se saísse de si mesmo e, sem perder sua identidade, se fizesse “outro enquanto outro”.
Husserl aprofunda esta temática, constituindo-a num dos pontos principais de sua filosofia. Ao princípio, em continuidade com a herança escolástica, parece colocá-la ao serviço de certo “realismo” das essências, como sublinhando o fato de que estas não são um mero produto da subj etividade.
Mas já em Ideias para uma fenomenologia descobre uma íntima correlação entre as essências e os diversos atos pelos quais estas são “intencionadas”. A cada conteúdo de consciência (nóema) corresponde uma diversa modulação no ato intencional (nóesis). Esta correlação abre um panorama de imensa fecundidade para as investigações antropológicas, realizadas em obras como Experiência e juízo e Meditações cartesianas.
Descreve Husserl como os objetos se vão dando à consciência temporalmente, isto é, completando paulatinamente seu contorno e seu perfil. A consciência se descobre como essencialmente aberta ao mundo, colocada em devir temporal perante um horizonte que vá mudando e enriquecendo-se continuamente. Esta temática será depois retomada noutro sentido por Heidegger.
Husserl também tratou a temática dos valores e o faz com um interesse apaixonadamente teorético. Poucas coisas impressionam tanto em Husserl como sua sede de pura luminosidade e sentido, independentemente da utilidade imediata e da urgência empírica.
O tema da intencionalidade é assim interpretado num sentido que tende cada vez mais para o idealismo, pois Husserl vê nela uma atividade da consciência pela qual esta dá sentido às coisas, e não é simplesmente atraído por elas. Não esqueçamos, por outra parte, que já na primeira redução há certo abandono do real, ou, pelo menos, do seu aspecto de existência factual; abandono que facilitará em diante a dependência das essências respeito do sujeito.
Husserl chega a esta convicção idealista através de um novo passo da “epoké” fenomenológica: A “redução transcendental”. Numa reinterpretação do “cogito” de Descartes, Husserl adverte que para chegar ao máximo grau de apoditicidade intuitiva é preciso supor a intrínseca possibilidade da não-existência do mundo contemplado pelo sujeito. O mesmo sujeito, enquanto ser corpóreo ou empírico, enquanto “tal” homem, poderia não existir. Mas o que não é susceptível de dúvida, sob pena de contradição, é um sujeito ou “eu” transcendental, a autoconsciência pura, espiritual. Esta se dá apoditicamente a si mesma, ainda no caso de uma “epoké” universal.
Husserl crê ter chegado assim ao centro espiritual da pessoa, reformado e aperfeiçoando os grandes temas da filosofia cartesiana. Não é exato supor que o Eu transcendental de Husserl seja equivalente ao de Kant e ao dos idealistas absolutos. Em análises ulteriores, desenvolvidos em sua Filosofia primeira toca os temas da comunicação interpessoal, concluindo numa sorte de monadologia espiritualista, em busca de um Sujeito infinito transcendente.
Este último giro da filosofia de Husserl não tem em verdade todo o rigor e a nitidez desejável, mas era em sua intenção a consecução mais coerente da atitude fenomenológica inicial. O que tem de insatisfatório depende, sobretudo, da ambivalência do seu objetivismo idealista, e da
violência que cada tanto deve fazer à realidade para conseguir uma intuição mais clara e mais pura.
O experimento husserliano é de um mérito inegável, por ter aberto novos campos e métodos à investigação filosófica. Seu projeto visava a fundamentação de uma nova ontologia e ao reordenamento de todas as ciências, para as que quis reivindicar sempre seu caráter humano, libertando-as da mistificação positivista.
A atitude de Husserl para com o cristianismo foi para além do simples respeito e simpatia. De algum modo concebia sua fenomenologia como certo caminho para chegar a Deus. Entre seus seguidores mais diretos encontramos E. Stein, quem colocou em destaque as coincidências entre a fenomenologia e a tradição escolástica.
A influência de Husserl é muito ampla. Pode dizer-se que quase todas as correntes filosóficas contemporâneas tiveram algo que ver com a fenomenologia Idem..
Conclusão
A história da gnoseologia que temos reconstruído nas suas etapas principais, revelou-nos como é difícil e complexo o problema do valor do conhecimento, e como são variegadas e contrastantes as soluções que se procuraram.
Desde o tempo de Sócrates e os sofistas, as alternativas são duas: a afirmação da verdade e o ceticismo. Os céticos afirmam que nossa inteligência nunca pode atingir com certeza a verdade; os socráticos -entendemos dizer todos os que afirmam a possibilidade de conhecer a verdade- afirmam que, ao menos em alguns casos, a verdade está ao nosso alcance.
No nosso estudo teremos bem presente as lições da história da gnoseologia, e duas de modo particular: primeira, o conhecimento diz sempre referimento ao ser, e a prioridade é mesmo do ser; segunda, o melhor método para determinar o valor do conhecimento é o método fenomenológico: somente verificando como opera de fato a nossa inteligência e quais são seus resultados é possível determinar o seu valor.Marcelo Maduena. ISDB	26
21
MarceloMaduena. ISDBCAPÍTULO II
O PROBLEMA CRÍTICO
Comecemos pela etimologia da palavra crítica. Ela vem da raiz grega krinei que significa filtrar. Se nos apegarmos a este sentido etimológico, «crítica» seria essa capacidade de ver a realidade com atenção, com um olhar penetrante que sabe discernir o mais profundo da realidade, os aspectos que não aparecem à primeira vista.
Só com o andar do tempo, na época moderna, mais explicitamente a partir de Kant, o termo «crítico» começou a ser usado como o oposto a «dogmático», este qualificativo seria reservado para a pessoa ingénua que pensa que a realidade se oferece ao nosso conhecimento assim como é.
Nós queremos recuperar para a palavra «crítica» o sentido primitivo e positivo, «crítico» é aquele que contempla a realidade com o desejo de descobrir a verdade. O sentido autêntico da «crítica» vá ligado a um acto de atenção à realidade que é também de amor à verdade. O verdadeiro crítico descobre na realidade situações, pontos de vista, relações, etc. que, para a maioria das pessoas, passam desapercebidas.
Unida intimamente com a crítica, está aquela outra atitude do espírito que denominamos dúvida, porque quem critica primeiro duvida. Então, a dúvida como a crítica também pode ter sentido negativo ou positivo. A dúvida em sentido negativo, é a dúvida do céptico, que duvida sistematicamente de tudo para derrubar toda verdade e autoridade. Mas em sentido positivo a dúvida pode servir à causa da verdade, não esqueçamos que Aristóteles justamente fazia nascer a filosofia a partir do homem que se interroga e duvida.
Com respeito ao problema crítico os tomistas dividiram-se em quatro posições que, porém não são contraditórias, já que todas partem dum princípio em comum: o realismo.
Temos em primeiro lugar o realismo metódico, cujo autor representativo é E. Gilson. Para este autor o realismo responde ao funcionamento normal e natural de inteligência humana, por isso, não precisa demonstração. A inteligência tem acesso directo à realidade e esta tese nunca deve ser discutida, o que não quer dizer que não se possa fazer uma análise psicológica do funcionamento das faculdades cognitivas, mas fazendo parte de uma reflexão antropológica, nunca de uma discussão gnosiológica. A consequência é a rejeição do pensamento moderno caracterizado pelo subjetivismo gnosiológico.
O realismo crítico é defendido por J. Maritain e pelo fundador da escola de Lovaina, Card. Mercier. À diferença de Gilson, Maritain e Mercier estão dispostos a aceitar o desafio da modernidade e analisar criticamente o pensamento para concluir que o realismo é a tese gnosiológica mais satisfatória, portanto, a afirmação da verdade do real está garantida.
A terceira posição, vinculada também com a escola de Lovaina e que combina bem a anterior, é a denominada realismo interior. O autor representativo é Louis De Raeymaeker. Para este filósofo o problema gnosiológico não deve ficar obsessivamente concentrado na polémica objetivismo - construtivismo, ou seja, se a inteligência contempla ou constrói a realidade. Para ele é possível assumir algumas teses dos filósofos modernos como, por exemplo, o cogito ergo sum de Descartes.
Efectivamente, o ser, não só se revela como algo objetivo, exterior e que está frente-a-mim, mas também há uma revelação interior do ser que é tão importante como anterior. O «eu» (ou o sujeito) cartesiano também é parte do ser, posso ter, portanto, uma experiência interior do ser. Essa experiência interior a podemos fazer através da auto-reflexão. Este conhecimento interior e profundo do ser, não deve ser visto por oposição ao conhecimento do ser objetivo, mas como um complemento ao conhecimento do ser objetivo do ser.
Como podemos ver, o realismo interior implica a aceitação implícita do penso, logo existo de Descartes. Aqui entramos no verdadeiro ponto de discussão, porque é a aceitação o não da postura cartesiana o que provocou a divisão entre os tomistas. Já sabemos que o realismo metódico de Gilson não admite nenhuma combinação com o cartesianismo. Ora, para Reymaker e Noel, a rejeição do cogito se dá porque se aceita a interpretação idealista de Descartes, mas não estamos obrigados a essa interpretação. A interpretação idealista antepõe o pensar ao ser, as coisas existem enquanto pensadas porque é o pensamento que coloca o ser. Aí sim, visto dessa maneira o «cogito ergo sum» de Descartes é como o ponta pé inicial de um jogo que vai finalizar no idealismo absoluto de Hegel.
Com tudo, não é esta a única maneira de interpretar Descartes, o sentença cartesiana «cogito ergo sum», pode ser interpretada como fazem os idealistas: «existo porque penso»; mas também pode ser interpretada em sentido realista, as saber: «penso porque primeiro existo», desta maneira o existir é o fundamento do pensar, quer dizer, «se estou pensando, com quanta maior evidência estou existindo». Assim sendo, o pensamento implica a existência. O dinamismo da pessoa se dirige daquilo que é fundado (o pensamento) àquilo que é fundamento (o ser, a existência do sujeito).
Não se pode ocultar que a maioria dos tomistas são anti-cartesianos, mas para dizer verdade, o problema da filosofia cristã desde a modernidade até os nossos dias, não é a filosofia cartesiana que, como acabamos de ver, pode ter uma interpretação realista, o verdadeiro problema é o Iluminismo (s. XVIII), filosofia radicalmente imanentista e que deu lugar ao relativismo e ateísmo
contemporâneos.
A quarta orientação do realismo está dada por J. Marechal SJ. e sua escola. Ele também se formou em Lovaina, mas procurou fazer uma síntese entre tomismo e kantismo. Sua obra principal é Ponto de partida da metafísica. A síntese que procura Marechal não resulta viável, vendo as coisas de maneira superficial parece que entre tomismo e kantismo há pontos de contacto, a colaboração entre o intelecto e a sensibilidade, ou o facto de que para Kant o conhecimento é síntese dos sentidos e do intelecto. Ora, o conhecimento segundo Kant é sintético porque se trata de uma estrutura, onde são as categorias a priori da sensibilidade e do intelecto a organizar o conhecimento cujo resultado final é o juízo sintético a priori. Portanto, a prioridade para Kant está do lado do elemento activo-discursivo da inteligência e o conhecimento resulta sempre estruturado pelas categorias transcendentais.
Para o realismo tomista a prioridade no ato cognitivo está no elemento intuitivo ou «intellectus», que é o fundamento do conhecimento discursivo. A nossa inteligência, portanto, tem também um aspecto passivo-contemplativo, quer dizer, não cria nem estrutura o objeto de conhecimento, senão que o descobre, nesse «descobrir» está o aspecto dinâmico-activo do intelecto, mas não pode anular o anterior. Este aspecto, Kant, não o considera.
A intenção de Marechal deve ser valorizada, ele quer aproximar o tomismo da modernidade, mas consideramos que é um erro escolher Kant para fazer essa aproximação, pelas razões ditas anteriormente. Desde o nosso ponto de vista, o problema crítico deve ser aceite e serve-nos para unir três grandes linhas filosóficas: o tomismo, o augustinismo e, aquilo que da filosofia moderna é assimilável pela atitude fundamental realista. Com os dois primeiros tomamos como ponto de partida o cristianismo e com a terceira linha nos abrimos a o mais positivo que produziu a modernidade. A nossa opinião é que a orientação da filosofia cartesiana pode se integrar melhor que a kantiana, porque tem elementos agostinianos e tomistas. Descartes pode ser resgatado para a filosofia cristã por uma interpretação desligada do imanentismo idealista.
Em conclusão: não é Kant o autor através do qual possamos assimilar o positivo que produziu a modernidade. De facto, o próprio Kant afirma: «Até hoje a verdade era definida como a adequação do intelecto ao ser, agora será a adequação da res (a coisa) ao intelecto».
Finalizemos esta breve unidade oferecendo em síntese o conteúdo, quer dizer, o que entendemos os filósofos cristãos, quando falamos de realismo.
O Realismo gnosiológico base do realismometafísico
Noção.
Chama-se realismo à posição filosófica que professa a realidade do mundo exterior, quer dizer, de um universo realmente distinto do sujeito que conhece. Universo que pode ser conhecido naturalmente pelas faculdades cognitivas humanas.
Esta doutrina não é objecto de demonstração, porque não se demonstra o que é evidente, neste ponto estamos de acordo com Gilson e seu «realismo metódico».
A evidência realista.
Com tudo, podemos resumir os aspectos da evidência realista.
	O carácter intencional da consciência. O realismo está evidentemente implicado na invencível persuasão do sujeito que conhece, de ser determinado a conhecer por objectos distintos dele. Nenhum argumento é capaz de diminuir este sentimento. É o que em termos técnicos chamamos de carácter intencional do conhecimento: por sua mesma natureza, tende este para um objecto distinto dele para apropriar-se-lho imaterialmente.
	O testemunho da ciência. A ciência implica até a evidência a realidade de um mundo distinto do sujeito cognoscente. É a ciência uma pesquisa paciente e minuciosa, cujos resultados são constantemente confrontados com a realidade, que é a que ordena.
	O sentido comum, ou o acordo dos homens entre si sobre que os objectos da experiência não podem explicar-se senão na concepção realista. Se os objectos fossem só ideias no entendimento, seria inconcebível que meu universo coincidisse constantemente com o universo dos outros, e o dos outros com o meu.
O sentido do realismo.
Importa compreender exactamente o sentido do realismo.
	Objecto da inteligência. Ao afirmar a realidade objectiva do ser e a essencial ordenação da inteligência ao conhecimento do ser, o realismo afirma em primeiro lugar que o objecto da inteligência é o ser universal (em toda sua extensão). Daí que nasce em nós a necessidade de o conhecer sempre mais, de penetrar tudo e de abraçá-lo tudo pelo espírito.
	Os limites efectivos da razão humana. Observando, por uma lado, que nossa inteligência encontra-se muna situação encarnada, quer dizer, condicionada em seu exercício por órgãos corporais e pela coordenadas do espaço e do tempo, o realismo não pode esquecer os limites efectivos do nosso conhecimento.
Existem, efectivamente, realidades puramente espirituais (Deus, os espíritos puros) que nossa inteligência, ordenada ao conhecimento do mundo sensível (as essências das coisas materiais, diz S. Tomás), não pode apreender em si mesmos, senão somente por analogia com o sensível. E assim, por exemplo, pensamos o espírito por analogia com o que temos de mais leve e menos material no mundo dos corpos (spiritus, ar, sopro).
	O domínio próprio da inteligência humana. Dentro destes limites é como exerce suas actividades nosso conhecimento, como em seu domínio próprio, domínio amplíssimo que encerra as naturezas materiais e tudo o que pode ser conhecido por elas, o ser em toda sua extensão universal, suas leis e divisões gerais, a Causa primeira do ser e os princípios da ordem moral. Ao que se deve acrescentar: nossa actividade intelectual e voluntária e, nela, a existência do sujeito pensante e volente, o sujeito que pensa e quer.
	 O realismo filosófico não é um realismo ingénuo. É um realismo crítico, quer dizer, preocupado de determinar no real que se oferece à experiência, o que é objectivo e o que pertence à actividade do espírito. Por exemplo, o problema dos universais (estudados no âmbito da lógica e da gnosiologia) responde sobre tudo a esta preocupação crítica. Sua discussão conduz a afirmar que o universo do conhecimento não é uma cópia do universo objectivo, senão uma actividade realizada pela inteligência a partir dos dados sensíveis e correspondendo às realidades da experiência.
A experiência, efectivamente, encerra algo inteligível, a saber, as formas e as essências, que junto com a captação da existência são os objectos primeiros da inteligência, enquanto ideias objectivas das coisas. Este mundo de ideias objectivas, que se encontram potencialmente na realidade singular, é o que a inteligência conhece de forma universal. O universo do conhecimento é, pois, o universo real, mas apreendido pelo espírito segundo o modo imaterial que lhe épróprio.
	O realismo frente ao empirismo e ao idealismo. Pode-se compreender como o realismo crítico permanece equidistante do empirismo sensualista e do idealismo, e conserva de um e outro o que ambos encerram de verdade, ensinando, por uma parte, que nosso saber tem seu origem nos dados sensíveis, e, por outro lado, que a inteligência constrói, a partir destes dados, um universo inteligível o universo de ideias que se corresponde com as ideias (formas e essência) imanentes aos objectos da experiência.Marcelo Maduena. ISDB	96
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Marcelo Maduena. ISDBCAPÍTULO III
O ATO COGNITIVO
E O CONHECIMENTO SENSÍVEL Fenomenologia do conhecimento
O nosso objetivo ao estudar a gnosiologia, é verificar o valor de nosso conhecimento e mostrar que as nossas faculdades cognitivas, têm a capacidade natural de atingir a verdade. Para encarar esta questão devemos ter um quadro suficientemente completo dessas faculdades. Esta é a razão do presente capítulo e o capítulo seguinte dedicado ao conhecimento intelectivo.
Porém, antes de entrarmos no estudo das faculdades cognitivas humanas, devemos nos fazer uma pergunta e dar a resposta correspondente: O que é conhecer? Na resposta procuraremos apreender os traços fundamentais deste fenómeno através de uma análise fenomenológica.
Entendemos o termo «fenomenologia» num sentido muito geral, como a «pura descrição do que aparece»; quer dizer, descrever o processo do conhecimento enquanto tal, sem interessar-nos por nenhuma interpretação nem explicação que se possam dar causas do conhecer.
O resultado desta fenomenologia parece óbvio: conhecer é o que acontece quanto um sujeito chamado conhecedor, apreende -assimila mentalmente- um objeto. Para que aconteça este ato, é imprescindível a co-existência, co-presença e, em certo modo, a co-operação desses dois elementos. Dependendo das filosofias, algumas insistem no primado do objeto (o realismo em geral); outras, no primado do sujeito (idealismo em geral); ainda outras, pretendem equiparação neutra entre suj eito e obj eto.
Conhecer é, pois, fenomenologicamente falando, apreender; isto significa que o objeto deve ser, desde o ponto de vista do conhecimento transcendente ao sujeito, se assim não fosse, não haveria apreensão de algo exterior ao sujeito, mesmo que se trate só de essências que não possuem a existência, como por exemplo, as essências matemáticas.
Ao apreender o objeto, este está de alguma maneira no sujeito. Este estar no sujeito, não é um estar físico, é um estar representativo; por isso, dizer que o sujeito apreende o objeto é equivalente a dizer que o representa (adquire uma imagem mental, sensível ou intelectiva, do objeto). Quando a representação é tal como o objeto é, o sujeito tem um conhecimento verdadeiro (embora possa ser parcial) do objeto, quando não o representa tal como é, o sujeito tem um
conhecimento falso do objeto.
Tenha-se em conta que os sujeitos e os objetos dos quais estamos falando, são «sujeitos e objetos gnosiológicos» e não sujeitos e objetos reais, físicos ou metafísicos, por isso, a fenomenologia não da explicação genética do ato cognitivo (a realidade ou não do objeto é colocada entre parêntese «epoké»). Contudo, é característico da fenomenologia destacar a apreensão com sua respectiva representação, como fundamentos de enunciados acerca do objeto.
Os sentidos externos
É este o domínio próprio da psicologia, por isso faremos só uma breve referência. Resumidamente podemos dizer quanto segue:
O conhecimento sensível é obviamente aquele que se obtém mediante os sentidos (vista, ouvido, tacto, etc.), dirige-se sempre às coisas materiais na sua singularidade, reais ou aparentes. Colhe o objeto todo inteiro ou uma parte dele, ou um aspecto, mas sempre no particular, por exemplo, vejo esta árvore, este martelo, não «a árvore» ou «o martelo». Chamam-se «sentidos externos» porque os órgãos por meio dosquais desenvolvem sua atividade se localizam na superfície externa do corpo. Além disso, distinguem-se entre si pelo diverso dispositivo fisiológico (o aparato visual é distinto do auditivo, etc.) e pelos objetos percebidos. Cada sentido percebe um aspecto diverso das coisas: a vista percebe as cores; o gosto, os sabores; o ouvido, os sons, etc. Para além dos externos, temos também os sentidos internos: o senso comum, a imaginação ou fantasia, a memória e a estimativa (ou cogitativa). Estes se chamam internos porque seu dispositivo fisiológico encontra-se todo no cérebro.
A sensação, que é a atividade própria dos sentidos (externos e internos), é um fenómeno biopsíquico que acontece só nos seres vivos. Não é uma atividade puramente mecânica, como sustiveram alguns materialistas empiristas. Sendo uma atividade vital, é um ato espontâneo enquanto a sua origem e imanente enquanto ao fim. Essencialmente a sensação é uma intuição (neste caso sensível porque também há uma intuição intelectual, o veremos mais para frente). Diz- se intuição porque trata-se de um conhecimento imediato de um objeto concreto presente. Característica da intuição é a imediatismo e a presença do objeto, e tais são as características de todas as sensações, do tacto, como da vista, do olfato, etc. O conhecimento sensível, sendo imediato, se produz sem «discurso», sem raciocínio, sem abstração.
O conhecimento sensível externo requer certo contacto físico, embora a sensação não seja só um fato físico. Escreve Santo Tomás: “sensus est potentia passiva quae nata est immutaria ab exteriori sensibili” (o sentido é uma potência passiva que se modifica graças a um sensível externo) (ST, I, q.78, a. 3). Isto não quer dizer que o conhecimento sensível seja meramente passivo, fundamentalmente é uma atividade vital, porém é mais receptiva que comunicativa.
No conhecimento sensível externo a intencionalidade está reduzida a um minimum, mas os sentidos não acabam em si mesmo, estão inseridos numa totalidade maior estruturada, são o ponto inicial do ato cognoscitivo.
Aristóteles foi o primeiro que enumerou os sentidos externos. Atualmente a investigação afirma que temos mais de cinco sentidos externos reconhecidos tradicionalmente, por exemplo, o cinestético (a percepção do movimento).
É muito antiga a pergunta sobre a validade do conhecimento sensível e o grau de verdade que proporcionam (já os antigos sofistas valiam-se dos erros dos sentidos como prova do cepticismo), como assim também a questão de se as qualidades existem realmente nas coisas ou são o resultado da atuação destas em nossos sentidos. As qualidades são-em-si ou são-em-mim? No século XVII era opinião generalizada que as qualidades dos objetos eram totalmente subjetivas, assim pensavam Descartes e Lock; as propriedades primárias, como a extensão, seriam, em vez, objetivas. Hoje em dia esta questão perdeu atualidade porque introduz uma divisão artificial na realidade. O que podemos dizer é que as qualidades são objetivas enquanto percebidas pelo sujeito, algo semelhante ao que acontece com a projeção dum filme sem ecrã, a imagem é real mas enquanto percebida por alguém.
Não tem sentido pôr em dúvida o realismo dos sentidos, ou perguntar-se se as sensações são- em-si ou são-em-mim. A tese interpretacionista, segundo a qual, não sabemos como é realmente o mundo exterior, senão que são nossas faculdades as que o interpretam, deve ser descartada, pela simples razão de que há uma só maneira em que as coisas se relacionam comigo; por exemplo, a cor verde é em-si ou é em-mim? É uma pergunta sem resposta, é as dois coisas ao mesmo tempo porque tenho uma só maneira de conhecer o verde; o verde é em-si, mas enquanto percebido por mim.
Fica também descartada a posição empirista, o seu erro é querer reconstruir o ato cognitivo através da análise das sensações. Com efeito, segundo Lock, as sensações seriam como unidades mínimas indivisíveis de conhecimento, algo assim como átomos, e a partir daqui, a consciência constrói por associação (semelhança, oposição, etc.) os conhecimentos mais complexos até chegar a elaboração dos conceitos universais. Mas, o que começa materialmente não pode acabar imaterialmente.. A posição empirista está superada, primeiro desde o ponto de vista psicológico, porque já ninguém aceita que haja elementos mínimos de conhecimento de cuja combinação resulte o objeto conhecido; segundo a teoria gestáltica as sensações não estão separadas, mas interligadas na percepção global duma estrutura. E está superada desde o ponto de vista filosófico pela tese de
Bergson em “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência”; nela se demonstra que as sensações não se sumam quantitativamente (como se fossem átomos extensos) em nossa consciência, elas vão-se interiorizando umas nas outras, interpenetram-se como as gotas de água num rio. As sensações não se apresentam em nossa consciência como tijolos fixos, mas estão integradas numa estrutura interpenetrando-se; elas numericamente são muitas, porém misturam-se em minha consciência e eu percebo a «totalidade». Isto nos ajuda a ver que o conhecimento sensível externo, onde a intencionalidade é mínima, continua naturalmente no sensível interno, sendo ali onde a sensação tem propriamente lugar.
Se bem é certo que nada podemos conhecer sem os sentidos, o empirismo erra, quando faz deles o ponto nevrálgico do processo cognitivo. Os sentidos são como uma janela que se abre à realidade, eles são só o começo do processo cognitivo, constituem o primeiro acesso à coisa, a primeira manifestação. Nas sensações há uma verdade incipiente, através delas o mundo começa a abrir-se- para mim, é o primeiro contato direto com o real existente, são a fonte primeira de todo conhecimento, mas este continua a um nível mais profundo, o intelectual.
Os sentidos internos
Para além dos sentidos externos, o homem (mas também muitos animais) está dotado de quatro sentidos internos, eles são: Senso comum, imaginação ou fantasia, memória e estimativa (no homem cogitativa).
Na filosofia tomista, o conhecimento sensível interno é referido àquelas faculdades que nos fazem captar a realidade sensível como um todo unificado, como uma estrutura articulada, e além disso têm a função de preparar a imagem sensível para a intelecção, permitem a combinação das imagens, associações, transformações, repetições. Através deles abre-se o imenso campo da imaginação e da fantasia, embora nesta caso dá-se uma intervenção do elemento intelectual.
Senso comum: Recolhe e unifica os dados que os sentidos externos perceberam separadamente e os atribui a um só objecto, este é captado como uma estrutura em sentido gestáltico, por exemplo: O olho percebe que determinada coisa é branca, o gosto que é doce, o tacto que é granulosa; o senso comum reúne todos esses dados e obtém a imagem do açúcar.
Imaginação - fantasia: É a capacidade de reproduzir a espécie (imagem) mesmo em ausência do objecto. Recordemos que a espécie não é término do conhecimento senão o meio, aquilo pelo qual conhecemos. A espécie pode ser impressa, e trata-se da imagem que se grava em nós através dos sentidos; ou expressa, é a imagem enquanto produzida pela faculdade, esta somente nasce com a imaginação. Também é a capacidade de captar algo parcialmente e depois reconstruir o que falta com a imaginação, perceber o perfil dum objecto, por exemplo, e substituir o que falta imaginativamente. A imaginação actua também nos sonhos com uma certa lógica, este pode ser um ponto de diálogo com o psicanálise, porque se as imagens oníricas são simbólicas (dai que o psicanálise tenha desenvolvido toda uma técnica de interpretação dos sonhos) é porque têm um conteúdo intelectual, mesmo que a situação onírica seja pre-intelectual.
Podemos distinguir entre a imaginação e a fantasia, esta última seria a imaginação criadora. Neste caso sobretudo, torna-se evidente a interacção entre a inteligência e os sentidos internos, senão a actividade criadora do artista seria impossível.
Memória: É a capacidade de reproduzir imagens vividas no passado,

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