Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
9 e não empírica e 2) histórica e não-geográfica. Não obstante as observações acauteladas do próprio Harvey sobre essas lacunas - principalmente quanto à segunda - é inegável que em Marx existem teses gerais, embora dispersas, sobre as relações abstrato/concreto e espaço/tempo – há, inclusive, uma “teoria da localização” que subjaz à discussão sobre a renda da terra (renda absoluta, diferencial e monopólica). Por isso mesmo, retornando aos escritos marxianos, foi possível a Harvey lançar mão de suas reflexões sobre “a produção capitalista do espaço”, desenvolvendo posteriormente o que ele propôs como sendo uma “geografia histórica do capitalismo”. (Harvey, 2005a, p. 43)8. Os pontos a ser apresentados aqui - se quisermos ter uma dimensão geral sobre teoria da ordenação espaço-temporal - podem ser assim relacionados: (1) a continuidade do processo de produção do valor leva a (2) crises de sobreacumulação, exigindo para o escoamento do excedente produzido (3) a expansão geográfica, mediante ajustes ou deslocamentos espaço-temporais. Toda essa trama é sustentada pelos (4) circuitos do capital e seus sistemas territoriais correspondentes que, por fim, apresentam (5) um desenvolvimento geográfico desigual. 2.1. Capital, crise e ordenação espaço-temporal A fórmula “acumulação pela acumulação, produção pela produção”, proposta por Marx, toca fundo o cerne e expõe a força irracional9 da produção capitalista. Essa força, porém, não é uma mera abstração fantasiosa. Absolutamente. Ela surge como síntese dialética das ações singulares, viva e cotidianamente experimentadas pelos indivíduos sociais. Como diz Marx, o capitalista é respeitável apenas enquanto personificação [do capital]. Como tal, ele partilha com o avarento a paixão pela riqueza enquanto riqueza. No entanto, aquilo que, no avarento, é mera idiossincrasia, é, no capitalista, conseqüência do mecanismo social, do qual ele é apenas uma das forças propulsoras. (...) e a competição faz cada capitalista sentir as leis imanentes da produção capitalista como leis coercitivas externas. (Marx apud Harvey, 2005a, p. 44). (grifos meus) No capitalismo, a anarquia da produção e da concorrência dos capitais privados põe em movimento um processo de contradições internas que leva freqüentemente à sua irrupção na forma de crises, já que nessa “grande feira que é o mundo”, como diz Engels, o equilíbrio entre as forças concorrentes é algo inteiramente acidental. Desta 8 Essa mesma preocupação é exposta por Csaba Deák, registrada aqui memoravelmente como epígrafe. 9 Em Marx, a irracionalidade do capital ou de uma relação qualquer tem dois sentidos indiretamente relacionados: por um lado quer dizer algo cuja origem não se pode conhecer imediatamente (p.ex. a irracionalidade do capital fictício) e, por outro, se refere a algo incontrolável e que se realiza como negação do que é propriamente humano.
Compartilhar