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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL MARIA ANGÉLICA ALVES FREIRE REFLEXÕES DA ABORDAGEM COGNITIVO COMPORTAMENTAL FRENTE AO LUTO INFANTIL SÃO PAULO 2016 MARIA ANGÉLICA ALVES FREIRE REFLEXÕES DA ABORDAGEM COGNITIVO COMPORTAMENTAL FRENTE AO LUTO INFANTIL Trabalho de conclusão de curso de especialização Área de concentração: Terapia Cognitivo-Comportamental Orientadora: Profª. Drª. Renata Trigueirinho Alarcon Co-orientadora: Profª. Msc. Eliana Melcher Martins SÃO PAULO 2016 Fica autorizada a reprodução e divulgação deste trabalho, desde que citada a fonte Freire, Maria Angelica Alves. Reflexões da Abordagem Cognitivo Comportamental frente ao Luto Infantil. Maria Angélica Alves Freire, Renata Trigueirinho Alarcon, Eliana Melcher Martins – São Paulo, 2016 35f + CD-ROM Trabalho de Conclusão de Curso (especialização) – Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC). Orientação: Profa. Dra Renata Trigueirinho Alarcon Coorientação: Eliana Melcher Martins 1. Terapia Cognitivo – Comportamental. 2. Luto Infantil. I. Freire, Maria Angelica Alves. II. Alarcon, Renata Trigueirinho. III. Martins, Eliana Melcher MARIA ANGÉLICA ALVES FREIRE REFLEXÕES DA ABORDAGEM COGNITIVO COMPORTAMENTAL FRENTE AO LUTO INFANTIL Monografia apresentada no Centro de Estudos de Terapia Cognitivo-Comportamental como parte das Exigências para obtenção do título especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. BANCA EXAMINADORA Parecer: ___________________________________________________________________ Prof. Título __________________________________________________________ Parecer: ___________________________________________________________________ Prof. Título __________________________________________________________ São Paulo, ____ de ______________________ de _________ A águia é uma ave nascida para viver mais de 70 anos. Mas nem sempre todas alcançam essa idade. Próximo aos 40, ela enfrenta o desafio de viver ou morrer. Seu bico e suas garras, envelhecidas e curvos, não conseguem mais capturar o alimento, suas penas atrapalham o vôo, e ela vê aproximar-se seu fim! Muitos sucumbem! Algumas, no entanto, especiais, retiram-se para altas montanhas rochosas e se isolam um tempo de aproximadamente três meses. Lá enfrentam o desafio doloroso da renovação. Suportando a dor, raspam, na rocha, o bico por dias, até que ele caia. Um novo bico surge, então, em seu lugar. Com ele, as águias arrancam suas garras até que novas surjam. Depois retiram uma por uma de suas penas Para que nova plumagem apareça. Nesse processo de dor, coragem e solidão, essas águias especiais vêem nascer uma nova possibilidade. E, no amanhecer de um desses dias, ela as faz em seu vôo de renascimento – O vôo da Fênix. Mais trinta anos de vida foram conquistados (Autor desconhecido) DEDICATÓRIA Aos meus pais, Juscelino e Celi, meu marido Fernando, minhas amigas Rita, Selma e Cecília. Obrigado por escreverem comigo essa história! Amo muito vocês! AGRADECIMENTOS Neste instante constato o quão difícil é encontrar as palavras que expressem o meu agradecimento a todos que de algum modo, nos momentos serenos e/ou apreensivos, fizeram ou fazem parte da minha vida, que de alguma forma contribuíram para minha conquista profissional e pessoal. Peço que considerem-se envolvidos pelos meus agradecimentos independente de seus nomes constarem ou não neste espaço tão limitado. Agradeço primeiramente a Deus, que soprou em mim seu Espírito Santo me permitindo vivenciar as mais diversas experiências, desde as conquistas aos fracassos, mas sempre demonstrando sua presença fiel paterna, pois como o apóstolo São Paulo em sua carta aos romanos, “Nada pode nos separar do amor de Deus” (Romanos, 8:38-39). Aos meus pais, pelo apoio, incentivo, força, esperança, fé e amor que sempre me deram ao longo destes 2 anos de estudos. Ao meu marido, que sofreu e sorriu comigo, seja na distância ou perto, entre Minas Gerais e Tocantins, entre idas e vindas de aeroporto e viagens de carro, casamento.... Obrigado por sempre estar comigo! Aos meus tios Paulo e Marta, Cincinato e Margarete, minha prima Ana Paula e meu primo sobrinho Gabriel, por não medirem esforços para que meus dias em São Paulo não fossem tão “pesados”. A todos os professores do Curso de Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental responsáveis pela minha chegada a esta etapa final. Aos meus colegas do curso, em especial às minhas eternas amigas Rita, Selma e Cecília, pela amizade demonstrada ao longo de toda nossa especialização. A todos meus sinceros agradecimentos. RESUMO Sabe-se que a morte tem sido na atualidade um tema tratado como tabu por grande parte das pessoas. Apesar de ser vista como ‘interdita’, é necessário que se fala sobre ela, não apenas no ‘mundo dos adultos’, mas também com as crianças. Falar sobre a morte com crianças não significa entrar em altas especulações ideológicas, abstratas, é colocar o assunto em pauta de maneira concreta e simples. Sabe-se que a morte de um dos pais ou de um ente querido é uma das experiências mais impressionantes na vida de uma criança. Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica sobre o luto infantil, com enfoque na abordagem cognitivo comportamental. O levantamento de dados foi realizado por meio da pesquisa bibliográfica, na qual foi possível encontrar, na literatura existente, materiais sobre o tema abordado, isto é, luto na infância. Para tanto, foram utilizados livros, artigos científicos disponíveis em bancos de dados como Scielo, revistas eletrônicas, bem como dissertações de mestrado. Em relação ao presente trabalho, foram encontrados alguns artigos sobre contribuições do luto em relação a abordagem cognitivo comportamental. Porém, não houve nenhum artigo encontrado na literatura brasileira a respeito do luto infantil e a terapia cognitivo comportamental. Em todos os artigos analisados, encontrou-se que a morte de um ente querido é um fator gerador de muito estresse. Caso ele não seja elaborado de maneira funcional, traz inúmeras repercussões na vida da criança. Frente a abordagem da TCC, algumas técnicas são utilizadas com a criança, principalmente o brincar. Outro elemento importante muito utilizado pelo terapeuta como estratégia de intervenção é o baralho das emoções, visto como um instrumento facilitador no processo de identificar emoções, pensamentos e crenças disfuncionais. Em relação as estratégias terapêuticas, que são essenciais para ajudar o enlutado a produzir uma resposta saudável, utiliza-se mecanismos e comportamentos que possam ser aprendidos e/ou modificados. É importante considerar que esse processo do luto é bastante conflituoso e traumático para a criança, pois ela ainda se encontra em estágio humano de desenvolvimento cognitivo e emocional. Diante disso, é essencial para a criança que ela possa contar com um adulto capaz de dar a ela a certeza de que não está só e de que a sua existência não está ameaçada. O papel dos adultos é essencial nesse momento. Ele deve favorecer um ambiente em que a criança possa expressar seus sentimentos, no qual ela também sinta a segurança de que é amada para que possa enfrentar esse momento difícil da perda de um ente querido. Palavras chave: Luto infantil. Abordagem TCC. Concepção da morte para a criança. ABSTRACTIt is known that death has been present in a subject treated as taboo by most people. Although be seen as "prohibited", it is necessary to talk about it, not only the 'adult world', but also to children. Talking about death with children does not mean going into high ideological speculations, abstract, is to put the matter in a concrete and simple way agenda. It is known that the death of a parent or a loved one is one of the most impressive experiences in the life of a child. Thus, this study aims to conduct a literature review on child bereavement, focusing on cognitive behavioral approach. Data collection was conducted through literature, in which it was possible to find in literature, materials on the topic discussed, that is, mourning in childhood. Therefore, books were used, scientific articles available in databases such as Scielo, electronic journals and dissertations. In relation to this work, found some articles on bereavement contributions in relation to cognitive behavioral approach. However, there was no article found in Brazilian literature about child bereavement and cognitive behavioral therapy. In all the articles analyzed, it was found that the death of a loved one is a factor that generates a lot of stress. If it is not prepared in a functional way, it has numerous repercussions on the child's life. Front of the TCC approach, some techniques are used with the child, especially the play. Another important element widely used by the therapist as an intervention strategy is the deck of emotions, seen as a facilitator in the process of identifying emotions, thoughts and dysfunctional beliefs. Regarding the therapeutic strategies that are essential to help the bereaved to produce a healthy response, it uses mechanisms and behaviors that can be learned and / or modified. It is important to consider that this process of mourning is quite confrontational and traumatic for the child, because it is still in human stage of cognitive and emotional development. Therefore, it is essential to the child that she can count on an adult able to give her the assurance that you are not alone and that their existence is not threatened. The role of adults is essential that time. It should foster an environment in which children can express their feelings, in which she also feel the security that is loved so you can face this difficult time of loss of a loved one. Keywords: Children's grief. TCC approach. Concept of death to the child. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9 1.1 Concepção da morte na infância .................................................................................. 9 1.2 O luto infantil ............................................................................................................. 12 1.3 Breve conceituação histórica da TCC ........................................................................ 14 2 OBJETIVO ......................................................................................................................... 17 3 METODOLOGIA .............................................................................................................. 18 4 RESULTADO E DISCUSSÃO ......................................................................................... 19 4.1 Intervenção na perspectiva breve cognitivo-comportamental .................................... 22 4.2 Em termos de objetivos terapêuticos .......................................................................... 22 4.3 Técnicas utilizadas com as crianças enlutadas ........................................................... 23 4.4 Em termos de estratégias terapêuticas ........................................................................ 26 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 30 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 32 ANEXOS ................................................................................................................................. 35 9 1 INTRODUÇÃO 1.1 Concepção da morte na infância Sabe-se que a morte tem sido na atualidade um tema tratado como tabu e interdito por grande parte das pessoas, pois sempre há um desconforto quando se fala nesse assunto, principalmente pela dor e vazio que causam (KÓVACS, 2003). A morte e o morrer são inerentes à existência humana (KUBLER-ROSS, 2000). As incertezas e a imprevisibilidade que se dispõem em torno do processo morte/morrer fazem com que o ser humano necessite conviver com a sua presença desde o início ao estágio final do seu desenvolvimento (ZORZO, 2004). Observa-se, através da literatura, que um grande teórico sobre a morte, Ariès (1990), em seus estudos refere que, por algum tempo, ela foi considerada como natural ao ser humano, tranquila e até mesmo vista de maneira ‘resignada’. Sua vivencia ocorria no âmbito familiar, os rituais se davam numa cerimônia pública, de que todos participavam e eram autorizados a expressar os sentimentos pela perda (inclusive as crianças). Com o avanço dos anos, embora fosse vista como cotidiana, a morte começou a ser percebida como um fracasso do ‘morto’ em relação à vida. Nesse ínterim, devido aos sentimentos de comoção e de pesar, a face do morto era coberta por um tecido, tornando-se oculta aos olhares (ARIÈS, 1990). Porém, frente ao avanço da ciência e o crescimento da industrialização, foi percebido também o ‘inconformismo’ frente a morte de si mesmo e do outro. Nota-se, no entanto, que mudanças socioculturais vão além, provocam o afastamento da morte no cotidiano. Aos enfermos é “omitida a morte iminente, e perante a sociedade ela é camuflada, vista como tabu-objeto de interdição”. (KÓVACS, 2003, p.12). Porém, entende-se que falar sobre morte é assumir um processo pelo qual passamos desde que se inicia a nossa existência. Ela faz parte do cotidiano de todos os indivíduos, inclusive das crianças. Observa-se, que no ‘universo infantil’, a morte está presente nos desenhos animados dos quais as crianças tanto gostam e assistem. Segundo, Paiva (2013, p. 27), a ideia mágica da imortalidade aparece quando, “o pica pau é atropelado por um trem e fica completamente estendido no chão como folha de papel, e depois, em questão de instantes, toma sua forma original e continua no desenho”. Ou das aventuras de Tom e Jerry, ao explodir a bomba na boca de Tom, Jerry fica totalmente chamuscado e depois se recupera. 10 Ainda segundo a mesma autora, atualmente em relação aos jogos eletrônicos, tão comuns na realidade das crianças, elas enfrentam situações de batalha nas quais conseguem driblar a morte, ganhando ‘bônus’ por suas estratégias para combater os inimigos, adquirindo “vidas extras”. (PAIVA, 2013, p.27) Por um lado, vemos a banalização da morte e, por outro, o pensamento da imortalidade. Assim, observa-se que continua-se negando a morte e fazendo com que ela fique mais longe de nós. Assim, surgem questionamentos: “Qual o espaço da morte na nossa vida? Existe um espaço específico para a morte? Quem é o responsável para trabalhar com a morte? Existe algum preparo para enfrentá-la?” (PAIVA, 2013, p. 30). Em relação a curiosidade da criança, Priszkulnik (1992) afirma que: “a criança está disposta a saber a verdade sobre a morte, tanto que indaga sobre ela e de várias maneiras. Muitas vezes, é o adulto que teme falar sobre o assunto” (p.496) Azevedo (2003) diz que: Falar sobre a morte com crianças não significa entrar em altas especulações ideológicas, abstratas e metafisicas nem em detalhes assustadores e macabros. Refiro-me a simplesmente colocar o assunto em pauta. Que ele esteja presente, através de textose imagens, simbolicamente, na vida da criança. Que não seja mais ignorado. Isso nada tem a ver com depressão, morbidez ou falta de esperança. Ao contrário, a morte pode ser vista, e é isso que ela é, como uma referência concreta e fundamental para a construção do significado da vida. (AZEVEDO, 2003, p. 58). Segundo Bromberg (1998), o significado dado pela criança à morte depende muito de sua idade, o vínculo estabelecido com a pessoa falecida, o momento de seu desenvolvimento psicológico, além de como o adulto, com quem convive, lida com a perda. Sabe-se que a morte do pai ou da mãe, ou de algum membro muito próximo causa uma dor imensa na criança. Porém, diferentemente do que se pensa, conversar com ela sobre o assunto não irá aumentar essa dor, ao contrário, a tendência é amenizá-la, além de auxilia-la na elaboração de seu luto. Infelizmente, de maneira muito equivocada, os adultos, em muitos momentos, “mentem ou ocultam a verdade à criança, e ela deixa de acreditar neles e pode não voltar a perguntar sobre o assunto” (ABERASTURY, 1984, p. 129). Assim, “a criança sente uma terrível confusão e um desolado sentimento de desesperança, criado porque já não tem a quem recorrer” (ABERASTURY, 1984, p. 129). Nesse ínterim, o silêncio do adulto sobre a morte com o argumento de evitar o sofrimento à criança, porque ela nada compreenderia a esse respeito, acaba inibindo-lhe no que diz respeito a sua curiosidade, sentimentos e questionamentos. Torres (2002, p. 162) traz a contribuição de que “a prudência do adulto 11 consiste, em princípio, no respeito às explicações próprias de cada etapa cognitiva, algumas vezes vai requerer que desfaça crenças próprias dessa etapa, a fim de evitar uma crise maior” Segundo Aberastury (1984): Quando um adulto se nega a esclarecer verbalmente a morte, perturba o momento inicial de elaboração do luto da criança, que é a aceitação de que alguém desapareceu para sempre. Explicações como foi para o céu, foi viajar, está doente, ou que logo retornará geram confusão e dor além de permanente frustração a criança, bloqueando todo o processo de conhecimento. A ausência se faz mais dolorosa e conflitiva. Entram em luta uma convicção do que aconteceu, que é percebido pela criança, e o que o adulto lhe relata (ABERASTURY, 1984, p. 132). Nesse aspecto, em muitos momentos, a família acredita que seja possível omitir a morte de um ente querido à criança. Porém, observa-se que esse comportamento é inútil, pois a criança perceberá a mudança no contexto familiar em algum momento. Dentre alguns estudos referentes à concepção de morte pela criança, Torres (2002) apresenta três características: (1) irreversibilidade - a impossibilidade do corpo morto retornar ao estado anterior; (2) não funcionalidade - entendimento de que todas as funções definidoras da vida cessam com a morte; (3) universalidade - tudo o que é vivo morre. Nesse mesmo prisma, de acordo com Piaget (1990), a criança pensa diferente do adulto e se desenvolve de acordo com estágios relacionados a seu desenvolvimento. O autor distingue quatro períodos do desenvolvimento cognitivo: sensório motor, pré-operacional, operacional-concreto, operacional-formal Bee (1997) é uma autora que realiza importantes estudos sobre o significado da morte para a criança. Assim, para as crianças o significado da morte pode ser revertido pela oração, por mágica ou pensamento em sua fantasia, fazendo as sentirem que, mesmo após a morte, é possível ter sensações ou respirar. Além disso, a criança pode encarar a morte como uma punição por ser “mau”. Apenas a partir da idade pré-escolar, conhecida por Piaget como início das operações concretas, que a maioria das crianças parece compreender a morte de forma mais próxima à realidade (TORRES, 1999). Nesse prisma, suas contribuições relatam que crianças com idade anterior a cinco anos acreditam que a morte seja um acontecimento reversível, pois não possuem noção da realidade ou do conceito de morte. É indicado, nessas situações, tentar explicar, de forma clara, dando exemplos mais concretos possíveis e que de preferência já tenha feito parte de sua vivência, como, por exemplo, um animal de estimação que morreu. A autora ainda traz que evitar contar a verdade pode causar consequências, ou seja, abalar a capacidade de 12 estabelecer laço de confiança com a criança. Somente a partir dos oito anos que a criança tem o entendimento da morte como algo irreversível. Já aos nove anos, a morte passa a ser entendida como universal e não necessariamente induzida por alguém, de forma que a criança já se mostra capaz de participar das conversas como os adultos. Assim, independentemente da idade da criança é importante informá-la sobre o evento, adaptando o linguajar e a complexidade da explicação ao seu nível de compreensão (TORRES, 1999). 1.2 O luto infantil Em relação ao luto infantil, Franco e Mazorra (2007) nos trazem que a morte de um dos pais ou de um ente querido é uma das experiências mais impressionantes na vida de uma criança. Nesse aspecto, “com a morte de um genitor, a criança perde o mundo que conhecia. Agora seu mundo está enlutado: torna-se difícil lidar com toda a gama de sentimentos que parecem invadi-la com o desmoronamento da família” (p.504). Ainda segundo Franco e Mazorra (2007), “diante da ausência irreversível de um vínculo provedor de sustentação, a criança se depara com profundos sentimentos de desamparo e impotência” (FRANCO E MAZORRA, 2007, p. 504). Todos esses sentimentos vivenciados pela criança são resultado de uma insegurança que prevalece diante da perda de seu ente querido. De acordo com Priszkulnik (1992), o processo de luto infantil tem uma duração subjetiva mais extensa que o luto dos adultos, pois seu psiquismo ainda está em desenvolvimento e em organização. Porém, é importante acrescentar que esse processo será facilitado ou dificultado dependendo do auxílio que o genitor ‘sobrevivente’ poderá fornecer diante da situação da perda. Além disso, o comportamento desse adulto influenciará na maneira como a criança elabora o processo do luto. Já Bowlby (1993) relata que a criança vivenciará melhor seu processo de luto através do conhecimento que têm sobre a perda, através dos outros relacionamentos afetivos (relação de segurança que se estabelecerá com seus familiares), e, principalmente, com a oportunidade de compartilhar seus sentimentos e emoções. Kovács (1992) explica que a maneira como a criança vivencia o processo do luto é fortemente influenciada pelo modo de como ele também acontece com os adultos, podendo estar relacionado também com as informações que a criança possui a esse respeito. É importante considerar que, assim como o adulto, a criança também passa pela fase de negação 13 da morte do outro, com muitas fantasias frente ao falecimento de seu ente querido; isso pode fazer com a criança comece a sentir sintomas parecidos com os da pessoa que faleceu. Frente a essa questão, Torres (2012) pontua uma semelhança existente em relação ao luto do adulto e da criança. Segundo a autora, a intensidade com que esse luto ocorre pode caracterizá-lo como esperado ou como um luto complicado. Nesse ínterim, de acordo com Grollmam (1967 apud TORRES, 2012), o luto complicado pode ser observado quando há uma negação prolongada da realidade e a persistência de distúrbios somáticos como: culpa, apatia crescente e de insistência de reações hostis em relação aos outros. Assim, é importante observar não apenas o comportamento da criança, mas por quanto tempo esse comportamento persiste. Em um estudo realizado por Torres (1999), em que ela observou inúmeras crianças em fase de desenvolvimento com embasamento na teoria de Piaget, ela aponta que apenas após a aquisição de um pensamento cognitivo concreto a criança é capaz de compreender a irreversibilidade da morte. Desse modo,a autora pontua que a ausência dessa capacidade cognitiva em compreender a morte como um fato irreversível dificulta o processo de elaboração da perda. Desse modo, frente a uma maior dificuldade cognitiva e emocional para significar a perda, “a elaboração do luto vivido pela criança é processada ao longo da estruturação psíquica, em distintos momentos de sua vida, à medida que ela vai podendo significar o que viveu” (FRANCO; MAZORRA, 2007, p. 505). Outro aspecto importante que necessita ser levado em consideração diz respeito aos fatores externos frente a morte tais como: “relação com a pessoa perdida, circunstância em que a perda ocorreu, informação recebida pela criança, tipo de morte, estressores e mudanças no cotidiano da criança” (FRANCO; MAZORRA, 2007, p. 505). Em relação ao enfrentamento no processo do luto infantil, Torres (2012) retrata algumas considerações importantes tais como: Promover a comunicação aberta e segura dentro da família, informando a criança sobre o que aconteceu; garantir que terão o tempo necessário para elaborar o luto, e que terão um ouvinte compreensivo toda vez que expressarem saudade, tristeza, culpa e raiva; e, finalmente, no caso da morte de um dos pais, assegurar-lhes que continuarão tendo proteção, pois não é incomum que a criança tenha medo de perder o pai sobrevivente e de que a morte venha buscá-la também (TORRES, 2012, p. 127). Diante disso, Fujisaka (2009) relata que é de extrema importância que a criança possa contar com o apoio dos adultos mais próximos, e que estes tenham uma comunicação aberta 14 com ela, fornecendo segurança para que ela seja capaz de expressar suas emoções. Além disso, sabe-se da importância de a criança participar dos rituais que envolvem o luto (velório e enterro). Outro fator relevante a ser considerado é o fato de que o adulto próximo mostre suas emoções diante da morte. No momento em que ele se expressa seu choro e saudade, faz com que a criança também se sinta à vontade para fazer o mesmo. Além disso, ainda que a criança seja incapaz de compreender o que está acontecendo, é necessário compartilhar as emoções com ela, pois, mesmo que sentimentos de tristeza predominem naquele momento, a criança precisa se sentir amada, protegida e cuidada (FUJISAKA, 2009). Por fim, todos os autores citados ressaltam que é através da elaboração do luto que ocorrerá a reorganização psíquica e afetiva após a perda. Sabe-se, como já foi dito anteriormente, que cada criança possui uma maneira subjetiva de vivenciar esse momento difícil de dor. Desse modo, diante deste processo do luto infantil, cada criança reage com suas particularidades. É necessário considerar a vinculação com o genitor, as informações que ela tem sobre a morte, as características do desenvolvimento cognitivo e emocional. Como já foi discutido no início do texto, apesar de a morte ser um processo natural, a interdição e negação frente ao processo de morrer, em muitos momentos, dificulta a elaboração do luto. Necessário se faz desmistificá-la e proporcionar diálogos para que possa ser vista, apesar do grande sofrimento, como parte do ciclo vital de forma mais leve e serena. 1.3 Breve conceituação histórica da TCC Sabe-se que a Terapia Cognitiva ainda é considerada uma abordagem relativamente jovem e está em constante estudo visando seu aprimoramento. Seu surgimento ocorreu na década de 50, em 1956, quando o seu fundador Aaron Beck realizou um estudo visando verificar os pressupostos psicanalíticos acerca da depressão. Observou-se que o trabalho foi positivo e tornou-se o mais validado e reconhecido sistema de psicoterapia e a abordagem de escolha ao redor do mundo para uma ampla gama de transtornos psicológicos. Em relação a sua conceituação, os termos terapia cognitiva (TC) e o termo genérico terapia cognitivo comportamental são usados com frequência como sinônimos para descrever psicoterapias baseadas no modelo cognitivo. O termo TCC também é utilizado para um grupo de técnicas nas quais há uma combinação de uma abordagem cognitiva e de um conjunto de procedimentos comportamentais. 15 Nesse ínterim, a TCC dá uma grande ênfase aos pensamentos do paciente e a forma como ele interpreta o mundo (BAHLS, 1999). De acordo com Knapp (2004), todos os experimentos comportamentais têm um elemento cognitivo e a modificação das distorções cognitivas se dá por meio das técnicas comportamentais. Em relação ao objetivo das técnicas ou intervenções comportamentais, é necessário aumentar o comportamento positivo enquanto diminui-se o negativo. Sendo assim subentende-se que o engajamento em um comportamento traz resultados positivos, aumenta a auto eficácia do indivíduo e estimula o empenho em novos comportamentos mais adaptativos. Entende-se que o modelo cognitivo propõe que o pensamento disfuncional pode influenciar de maneira considerável o humor e o comportamento do indivíduo e está presente em todos os transtornos psicológicos. Assim, nota-se que quando as pessoas aprendem a avaliar seu pensamento de forma mais realista e adaptativa, elas obtêm uma melhora em seu estado emocional e no seu comportamento (BECK, 2013). Desse modo, o modelo cognitivo pressupõe, portanto, que as emoções, os comportamentos e a fisiologia de uma pessoa são fortemente influenciados pelas percepções que tem dos eventos que ocorrem em suas vidas. Não é a situação em si que determina o que a pessoa vai sentir. É como ela interpreta ou significa a situação. (BECK, 2003). Já em relação ao tratamento em TCC, ele está baseado em uma conceituação ou compreensão de cada paciente, identificando suas crenças específicas e padrões de comportamento. Nesse ínterim, para que ocorra uma efetiva e duradoura melhora no humor e no comportamento do paciente, o terapeuta trabalha num nível mais profundo de cognição: as crenças básicas do paciente sobre si mesmo, seu mundo e em relação as outras pessoas, chamada de tríade cognitiva. Assim, a modificação dessas crenças disfuncionais subjacentes é que produz as mudanças mais permanentes. Entende-se que essas crenças são construídas desde a infância, através de experiências que o indivíduo vai vivenciando e compondo significados sobre si, os outros e sobre o mundo (BECK, 2013). Partindo da postulação da TCC, da ideia de que ao longo de nossas vidas são construídas e adquiridas cognições sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o futuro, não raro as pessoas tendem a fazer interpretações errôneas acerca das situações. Através desses erros de pensamento, acaba-se proporcionando sofrimentos emocionais, físicos e psicológicos e, de acordo com os autores Dattilio e Freeman (2004), dentre os eventos ameaçadores e críticos, situações de crise e situações da perda de um ente querido podem ser situações ativadoras dessas crenças disfuncionais. 16 De acordo com o exposto, as crenças a respeito da perda de um ente querido, serão ativadas e processadas pelo entendimento que o indivíduo tem em relação à morte, ou seja, a reação dependerá do estilo de enfrentamento e dos padrões anteriormente aprendidos e internalizados, interferindo e refletindo, principalmente, na alteração emocional e comportamental, devido aos erros do pensamento (REMOR, 1999). Por fim, no que diz respeito ao presente trabalho, sabe-se que quando ocorre a morte de uma pessoa com quem se constituiu um vínculo afetivo (no caso das crianças) principalmente um dos genitores muitas intercorrências e mudanças ocorrem na vida do indivíduo. Situações essas que geram alterações em suas rotinas, intenso sofrimento em seus funcionamentos cognitivos, emocionais e comportamentais. Desse modo, o presente trabalho terá um olhar cuidadoso sobre o luto infantil, buscando reflexões sobre a importância da TCC frente ao tema proposto. 17 2 OBJETIVO Opresente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica sobre o luto infantil, com enfoque na abordagem cognitivo comportamental. 18 3 METODOLOGIA O levantamento de dados foi realizado por meio da pesquisa bibliográfica, na qual foi possível encontrar, na literatura existente, materiais sobre o tema abordado, isto é, luto na infância. Para tanto, foram utilizados livros, artigos científicos disponíveis em bancos de dados como Scielo, livros considerados clássicos de autores como Aberastury, Bee, Beck, Bowlby, Bromberg, Caminha, Kovács, Kubler-Ross, dentre outros, bem como dissertações de mestrado da escola de enfermagem da Usp. Foram utilizadas palavras-chave no idioma português, sendo elas: “luto”, “luto infantil”, “morte”, “a criança diante da morte” e “luto para a criança”, “abordagem cognitivo comportamental”. Diante disso, Gil (2002) aponta que esse tipo de pesquisa é constituído a partir de livros e artigos científicos, permitindo assim que o autor se aproprie de uma gama de fenômenos mais ampla do que qualquer outro tipo de pesquisa. Assim, vale acrescentar que este trabalho foi elaborado com base em teorias já existentes, tendo como um de seus objetivos fornecer ao leitor os principais estudos elencados sobre o tema proposto. 19 4 RESULTADO E DISCUSSÃO Sabe-se que o luto pela perda de uma pessoa amada é a experiência mais universal e, ao mesmo tempo, mais desorganizadora e assustadora vivida pelo ser humano. Quando há um sofrimento como esse, muitas questões da vida são repensadas, relações são refeitas a partir de uma avaliação de seu significado, a identidade pessoal se transforma. Muitas prioridades se invertem e busca-se um novo sentido para diversas situações. Apesar do grande sofrimento ocasionado pela perda, há esperança de transformação, de recomeço. Em relação ao presente trabalho, foram encontrados alguns artigos sobre contribuições do luto em relação a abordagem cognitivo comportamental. Porém, não houve nenhum artigo encontrado na literatura brasileira a respeito do luto infantil e a terapia cognitivo comportamental. Todos os artigos diziam respeito a teóricos do desenvolvimento e da psicanálise (ABERASTURY, 1984; KÓVACS, 1992; TORRES, 1999; PIAGET, 1990) Dessa maneira, o grande desafio da pesquisadora foi realizar uma compilação de artigos sobre luto infantil de modo abrangente, fazendo correlações com o material encontrado sobre o luto em adultos, além de realizar adaptações ao público infantil com técnicas e intervenções da TCC frente ao atendimento com crianças. Em todos os artigos analisados, encontrou-se que a morte de um ente querido é um fator gerador de muito estresse. Caso ele não seja elaborado de maneira funcional, traz inúmeras repercussões na vida da criança. Viu-se também que a forma como o adulto se comporta frente ao luto influenciará positivamente ou negativamente no luto da criança. Em seus estudos sobre o luto Kovács (1992) relata que a morte sempre nos traz recordações, já que se trata de uma das mais dolorosas perdas. Para a autora: “A morte do outro se configura com a vivência da morte em vida. É a possibilidade de experiência da morte que não é a própria, mas vivida como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos” (KOVÁCS, 1992, p. 153). Nesse sentido, a morte se relaciona diretamente com o rompimento de vínculos. A pessoa que vivencia essa perda retrata a morte como sendo um pedaço de si que lhe fora retirado. O sentimento de perda de um ente querido é extremamente forte, sendo quase remota a possibilidade de encontrar alguém que nunca tenha passado por tal situação dolorosa. Em relação ao sentimento relacionado à morte do outro, Kovács (1992, p. 154) relata que: 20 Ver a perda como fatalidade, ocultar os sentimentos, eliminar a dor, apontar o crescimento possível diante dela, podem ser formas de negar o sentimento que a morte provoca para não sofrer. A expressão de sentimentos nessas ocasiões é fundamental para o desenvolvimento do processo de luto. Sobre isso, Bee (1997) considera que os que manifestam sua dor, que “se permitem ao luto”, estão se comportando de uma forma saudável. Aquelas pessoas que não evidenciam imediatamente o sofrimento após uma perda costuma ser aqueles que ainda se mostram deprimidos vários anos após, ao passo que aqueles que evidenciam um mínimo de sofrimento imediatamente não mostram sinais de problemas posteriores. (BOWLBY; SANDERS, 1989 apud BEE, 1997, p. 602). Em relação a fundamentação teórica da TCC, sabe-se que a maioria das pessoas que vivenciam situações de estresse, como a perda de um ente querido, desenvolve respostas de enfrentamento desadaptativas, ou seja, uma estratégia que a pessoa apresenta em certas circunstâncias para conseguir lidar com o evento traumático. Em relação a criança, é importante considerar como ocorreu a morte de seu familiar (de maneira abrupta ou gradativa); se a criança presenciou ou não o momento do óbito, a vinculação com esse familiar. Todas essas questões deverão ser levadas em conta no processo psicoterápico (YOUNG et al., 2008). Em relação aos estágios de reação à perda e as fases do luto descritas respectivamente por Kübler-Ross (2005) e Bowlby (1990), é interessante percebermos que a perda repentina de um ente querido pode ser considerada um evento ameaçador à integridade física, psicológica e social de um indivíduo. Devido a isso, como resposta de enfrentamento, alguns esquemas são ativados, e, para amenizar os sentimentos provocados, os pacientes podem então hipercompensar, evitar ou resignar tais esquemas. Desse modo: “esquemas de privação emocional, abandono, defectividade, além de esquemas de inibição emocional, são caracterizados, principalmente, por uma evitação na expressão de sentimentos e pensamentos” (BASSO; WEINER, 2011, s/p). Esses mecanismos defensivos que barram emoções desagradáveis ao indivíduo e podem ser encontrados nos primeiros estágios de reação à perda e nas fases do luto descritas por Kübler-Ross (2005) e Bowlby (1990), pois a negação e o entorpecimento não deixam de ser uma resposta de enfrentamento desadaptativa frente à situação de perda por morte. Além disso, crenças relacionadas ao esquema de abandono também são ativadas. Os pacientes enlutados buscam de maneira incessante pela pessoa que partiu, hipergeneralizando: "Se ele me deixou, as outras pessoas vão me deixar também". Já a barganha tem relação com a manutenção esquemática, pois envolve perdas e ganhos. Este também é o momento em que 21 os indivíduos fazem acordos ou negociações com o intuito de alcançar algo profundamente desejado (BASSO; WEINER, 2011, s/p). Por fim, frente a depressão, o desespero e a desorganização poderão ser encontrados quando ativos esquemas de dependência/incompetência, de fracasso, de negatividade/pessimismo e de vulnerabilidade, por não conseguirem enfrentar a situação sozinhos. Algumas crenças e erros de pensamento manifestar-se-ão, como: catastrofização, abstração seletiva e pensamento dicotômico: "Eu não sou capaz de lidar com isso"; "Tudo está perdido"; "Não tenho saída"; "Eu não vou me recuperar dessa perda, vou entrar em depressão" (BASSO; WEINER, 2011, s/p). Um estudo realizado por Franco e Mazorra (2007) com cinco crianças, de três a oito anos de idade, nos ajuda também a entender como se dão as intervenções sobre o luto infantil. O objetivo da pesquisa foi investigar as fantasias da criança enlutada pela morte de um ou ambos os genitores e como estas se relacionam com o processo de elaboração do luto. Foram utilizadas entrevistas (iniciais e de devolução) com o genitor sobrevivente ou cuidador, entrevista lúdica e procedimento desenho-estória.Os resultados apontaram o predomínio do sentimento de desamparo na mobilização das fantasias das crianças, assim um sentimento de profunda ameaça à sobrevivência física e emocional. Estes aspectos tornaram-se mais relevantes pela perda da situação familiar anterior à morte, pela necessidade de reorganização familiar e pelo enlutamento do genitor ou familiares sobreviventes. Nesse ínterim, as autoras concluíram que ao perder um genitor a criança passaria por uma dupla perda, a daquele que morreu e a daquele que ficou e que se encontra fragilizado pela situação, o que acarreta uma sensação de maior desamparo. Nesse mesmo trabalho, demonstrou-se a ocorrência de um frequente sentimento de abandono, em função da grande ‘idealização’ das figuras parentais, o que torna difícil para a criança compreender que os pais podem sofrer algo, independentemente da sua vontade e que elas não tem controle sobre isso. Algo muito relevante também são as fantasias de ser responsável pela morte, que se fizeram presentes em todas as crianças, em maior ou menor grau. As autoras constataram, ainda, que a agressividade reprimida em relação a perda do ente querido, pode ser um dificultador para a elaboração do luto, sendo que a dificuldade da criança em expressar sentimentos hostis encontra-se relacionada a pouca continência familiar. Desta forma, ressaltaram que se torna importante que alguém possa exercer a função de continência para os sentimentos de raiva da criança, ajudando-a a lidar com a ambivalência emocional e a culpa provocada pela morte do genitor (FRANCO; MAZORRA, 2007). Essas comparações feitas frente ao ponto de vista cognitivo revelam o quão importante e fluente são os esquemas que regem os pensamentos e as atitudes das pessoas. É por meio 22 deles e dos erros de pensamento que a TCC vai poder auxiliar os pacientes enlutados na busca de um alívio e melhor aceitação da perda do ente querido e de todas as implicações que nela repercute. O impacto gerado por uma perda pode ser tão doloroso que impossibilita os indivíduos de uma recuperação saudável. Sendo assim, a reorganização e a aceitação são uma etapa difícil de alcançar, e, muitas vezes, é devido a elas que é solicitada uma ajuda de um profissional. Em relação aos sentimentos frente a perda de um ente querido, tanto adultos quanto crianças apresentam tristeza, raiva, culpa, ansiedade, solidão, choque. Frente as cognições podem ser encontrados descrença, confusão, preocupação, sensação de presença. Já em relação aos aspectos comportamentais estão presentes transtornos do sono, transtornos do apetite, isolamento, sonhos com a pessoa morte, passeios a lugares em que lembrem da pessoa morta. Por fim, em relação as questões físicas observou-se vazio no estomago, aperto no peito, nó na garganta, falta de ar, fraqueza muscular, boca seca, anedonia (BASSO; WEINER, 2011, s/p). Desse modo, frente a todas as considerações feitas acima, o acompanhamento psicológico para a criança torna-se extremamente necessário visando ajudá-la nesse momento de luto. A meta é servir de maneira facilitadora no processo de readaptação dessa criança, tópico que será discutido a seguir. 4.1 Intervenção na perspectiva breve cognitivo-comportamental Dentre as circunstâncias que são beneficiadas de uma psicoterapia breve, destacam-se situações de crise e mudanças drásticas provocadas por perdas repentinas, pois o enlutado possui uma necessidade de readaptação rápida e complexa para a obtenção do alívio de sintomas e a restauração no funcionamento do indivíduo. A discussão abaixo, faz-se a acerca de alguns aspectos importantes no auxilio terapêutico a uma criança enlutada. Observa-se que um fator essencial é que se possa transmitir confiança e apoio, que o paciente será acolhido e não estará sozinho. 4.2 Em termos de objetivos terapêuticos Como já ressaltado anteriormente, a perda por morte repentina, tende a ser traumática, principalmente quando esta ocorre na infância. Franco (2005) salienta que a pessoa enlutada em condições traumáticas encontra-se fragilizada, geralmente desorganizada, incoerente, 23 assustada e paralisada, necessitando de acolhimento, paciência e atenção. Nesse aspecto, a autora considera que alguns cuidados são primordiais no atendimento psicológico. Entre eles, destaca a importância do psicoterapeuta não ansiar fazer com que a pessoa pare de sofrer rapidamente, pois este seria um mecanismo de ‘tamponamento’ de sua reação à perda, com graves consequências do ponto de vista psíquico. Considera-se importante também não evitar o assunto da perda traumática, assim como não desviar do tema quando a criança consegue abordá-lo. Nesse ínterim, entende-se que o objetivo terapêutico na Terapia Cognitivo- Comportamental perante uma situação de luto por perda repentina tem como base, identificar os recursos disponíveis da criança e avaliar quais são as principais preocupações do paciente. Num primeiro momento, recomenda-se defini-las; por seguinte, priorizá-las; e, por fim, abordá-las, levando em consideração e avaliando a rede de apoio social e auxiliando na tomada de decisões, pois possivelmente o enlutado encontra-se em estados psicológico e emocional prejudicados (REMOR, 1999). Além disso, é recomendável que possam diminuir as alterações emocionais, pois o enlutado encontra-se num estado frágil, vulnerável e desorganizado, tanto em níveis cognitivos como fisiológicos, motores e comportamentais. As alterações são fatores que podem dificultar o bom andamento do tratamento, prejudicando o funcionamento da terapia e sua meta principal, que é servir como uma facilitadora no processo de readaptação do indivíduo. Miller & Rollnick (2001) refletem que em relação ao terapeuta, ele necessita expressar empatia, respeitar e adequar-se ao o ritmo do paciente (no caso da criança), principalmente no decorrer do uso das estratégias e técnicas terapêuticas. Adequar-se ao funcionamento do paciente e não confrontar diretamente com ele, pois há grandes chances de ele desenvolver resistência ao tratamento. Outro ponto importante é não fornecer informações nem desnecessárias nem insuficientes, não negar dados que lhe são solicitados, para que se evitem maiores distorções cognitivas. Sempre que possível, indica-se estimular a auto eficácia do enlutado, para que ele tenha conhecimento das suas capacidades estratégicas e condições para lidar com esse momento difícil. 4.3 Técnicas utilizadas com as crianças enlutadas Em relação as técnicas utilizadas com a criança, sabe-se que o brincar é considerado o principal aliado no atendimento infantil. Acredita-se que há um vínculo direto e imediato 24 entre a criança, o brinquedo e o brincar. Parte-se da ideia de que a criança, na história da humanidade, sempre teve brinquedos e brincou. Não havendo nada mais natural que a associação criança, brincadeira e jogos infantis. (MRECH, 2001, p. 1). Nessa linha de pensamento, identifica-se que a criança, principalmente a que não tem ainda a linguagem desenvolvida, vai transmitindo seu mundo interno e as influências familiares (ambientais), pelo brincar, como repetições do seu cotidiano. Assim, “a ludoterapia passou a ser o meio pelo qual as relações ruins da criança seriam recriadas, "consertadas"”. Após os dezoito meses de idade, a criança vai aprender a simbolizar suas vivências, concomitantemente com a aquisição da linguagem, adequando conhecimentos de relações causa e efeito, distinção entre o animado e o inanimado, noção de tempo e duração das coisas, passado, presente e futuro, etc. Através dos jogos e brincadeiras infantis, a criança poderia simbolizar seus problemas, resolvendo-os em um outro contexto.” (MRECH, 2001, p. 7). Sabe-se que em relação aos materiais lúdicos utilizados numa ludoterapia, eles se encontram, geralmente, numa Caixa Lúdica individual, composta por materiais estruturados(bonecos de família, de animais, casinha) e os não estruturados (papel, lápis, massinha de modelar) e a partir desse material, a criança simboliza na brincadeira os seus conflitos e dificuldades, possibilitando a elaboração de diagnóstico, pressupondo uma representação simbólica (AFFONSO, 2012). Compreende-se, desse modo, que a psicoterapia cognitiva com crianças difere-se da psicoterapia com adultos pela capacidade criativa do terapeuta. O uso de instrumentos lúdicos e uma linguagem apropriada são alguns dos elementos que possibilitam um melhor acesso à criança e o próprio engajamento da mesma no processo terapêutico. Psicoeducação: No caso do luto infantil, uma Psicoeducação Diretiva também pode ser bastante útil com crianças, contanto que mantenha o caráter lúdico da infância. Para psicoeducar como os sentimentos aparecem no corpo, a criança pode, por exemplo, desenhar o formato do corpo ou desenhar um menino ou menina, escolher uma cor que represente as emoções mais frequentes e pintar onde elas aparecem no corpo, o tamanho em que aparecem e o formato com que a representam. Um recurso bem interessante e disponível para os terapeutas cognitivos da infância e adolescência vem a ser os Baralhos das Emoções, Pensamentos e Comportamentos, instrumentos que facilitam ao terapeuta o acesso aos conteúdos cognitivos da criança. Para ajudar as crianças a conhecer e identificar as emoções, Caminha e Caminha (2011) desenvolveram o Baralho das Emoções, muito utilizado pelo terapeuta como estratégia de 25 intervenção e como um instrumento facilitador no processo de identificar emoções, pensamentos e crenças disfuncionais. Visto que é durante a primeira infância que as emoções humanas começam a se desenvolver, formando um padrão característico e atuando na formação da personalidade (PAPALIA, 2010). É importante que a criança saiba identificar suas emoções e as dos outros, pois isso interferirá de certa forma na maneira como ela vivenciou tal luto e suas futuras relações que serão estabelecidas ao longo da vida. As emoções são um misto de sensações subjetivas e de estados fisiológicos os quais todas as pessoas vivenciam e expressam de diferentes maneiras e, ainda que as emoções sejam respostas subjetivas do indivíduo, elas são praticamente as mesmas em todas as culturas do mundo (PURVES, 2010). Esse baralho é formado por 24 cartas, cada uma contendo a expressão de uma emoção. Entre elas estão incluídas seis cartas com as emoções básicas, ou seja, as primeiras emoções sentidas desde muito pequeno, que são o amor, a tristeza, a alegria, a raiva, o medo e o nojo. Essas emoções vão se estendendo para emoções mais complexas ao longo do desenvolvimento da criança (PAPALIA, 2010). Segundo Marques e Szupszynski (2015) O uso do baralho em terapia aborda as emoções do paciente e monitora a intensidade das mesmas durante as sessões. As cartas das emoções representam seus sentimentos cotidianos sendo elas tristeza, raiva, alegria e saudade. Através do uso do baralho torna-se possível ter acesso as emoções do paciente e assim abordar os assuntos que geravam sofrimento ao mesmo. Ainda de acordo com Marques e Szupszynski (2015), a técnica do baralho colabora na necessidade de psicoeducação em relação as próprias emoções do paciente e emoções por ele desconhecidas. O instrumento possuiu função de organizar e direcionar a psicoterapia e facilitar na reestruturação cognitiva do paciente em relação ao luto. A intervenção se mostra muito efetiva para a criança pela sua atratividade visual, estética e objetiva que possui, resultando em um clima favorável para trabalhar suas emoções e pensamentos. Outra maneira que pode ser utilizada para ajudar as crianças a identificarem suas emoções e também seus pensamentos é a técnica chamada de Relógio dos Pensamentos- Sentimentos. Esse relógio é feito durante a sessão juntamente com o paciente, e no lugar dos números o paciente vai desenhar pequenos rostos representando as emoções. A ideia é ajudar a criança a perceber e entender seus sentimentos e mostrar a ela que as emoções mudam e passam assim como mudam as horas. Através dos ponteiros, a criança pode indicar o que está sentindo naquele momento, e o terapeuta pode ajudá-la a identificar que pensamentos a estão levando a sentir-se assim (FRIEDBERG, 2004). 26 Quando se trabalha com crianças, deve-se levar em consideração a idade em que se encontra e a etapa do seu desenvolvimento para a escolha da técnica ou intervenção mais adequada. Crianças pequenas costumam não corresponder bem a perguntas ou assuntos diretivos. Por isso, para essas crianças conseguirem identificar suas emoções, podem-se utilizar Técnicas de Elaboração de Histórias. Essas histórias devem ser parecidas com a situação vivenciada pela criança e que está gerando determinadas emoções no seu cotidiano. Os personagens podem ser animais ou qualquer personagem que não se remeta diretamente ao paciente. Dessa forma, a criança consegue se identificar com a situação e o personagem, podendo dizer, mesmo que indiretamente, o que está sentindo ou mesmo pensando. O instrumento intitulado Baralho das Distorções: enfrentando as armadilhas dos pensamentos, é um exemplo de como embasamento teórico aliado a sensibilidade e criatividade pode tornar a aprendizagem de complexos conceitos sobre as distorções cognitivas uma deliciosa aventura para as crianças. A metáfora de monstrinhos que atacam os nossos pensamentos e nos levam a pensar de uma maneira completamente diferente do que pensaríamos se eles não nos atacassem é genial. Cada monstrinho possui um nome diferente conforme cada distorção cognitiva específica. Criativo, lúdico e muito bem elaborado. Transformar a complexidade em algo útil e magicamente fácil de ser entendido. Treinamento de relaxamento é uma técnica comportamental possível de ser aplicada a uma variedade de problemas. Recomenda-se que as sessões de relaxamento com crianças sejam breves e incluam apenas alguns grupos musculares (FRIEDBERG, 2004). Essa técnica ensina a tensionar e relaxar vários grupos musculares, focalizando nas sensações decorrentes da tensão corporal e utilizando essas sensações como dicas para relaxar. Os exercícios de relaxamento devem ser dados como tarefas de casa para que o paciente pratique duas vezes ao dia (ASBAHR, 2008) Por fim, outra técnica utilizada pela TCC é o Role-play, que é a simulação de um evento em que paciente e terapeuta identificam qual pensamento ocorreu naquele certo momento, para promover formas de manejo e enfrentamento mais funcionais. O paciente dramatiza o que diria para alguém que estivesse na mesma situação e o mesmo problema que ele, tentando mostrar a disfuncionabilidade da crença da pessoa (BECK, 1997). 4.4 Em termos de estratégias terapêuticas Em relação as estratégias terapêuticas, que são essenciais para ajudar o enlutado a produzir uma resposta saudável, utiliza-se mecanismos e comportamentos que possam ser 27 aprendidos e/ou modificados. As estratégias em relação ao atendimento infantil, são parecidas em relação aos adultos, e foram listadas aleatoriamente, e não exigem, necessariamente, uma ordem específica, pois isso tende a variar de acordo com cada paciente. A seguir, podem-se verificar algumas delas: Resolução de Problemas: muito utilizada para avaliar como e o que o enlutado está utilizando como prioridade. Nesse momento, busca-se a melhora na habilidade de ressolucionar problemas, maximizando o que está funcional e diminuindo a complexidade dos mesmos (NEZU; NEZU, 1999). É importante que o paciente consiga identificar a existência de distorções cognitivas que impossibilitam a busca e a tentativa de alternativas saudáveis. Ainda, é fundamental a construção de estratégias e recursos que podem facilitar e auxiliar no enfrentamento da situação problemática: "Será que não haveria outras formasde lidar com essa situação"; "Que empecilhos podemos encontrar?"; "Haveria algum recurso disponível que pudesse nos auxiliar nesse momento?". Automonitoramento: diz respeito em aumentar a capacidade de metacognição, com intuito de o paciente perceber como pensa e passa a ter sentimentos e comportamentos devido às crenças (FLAVELL, 1979). Recomenda-se que, diante de uma situação difícil, que o paciente identifique o que está fazendo, pensando, sentindo. É o pensar sobre o pensamento. Treino de Habilidades Sociais: aumentar e ensinar novas habilidades cognitivas como o automonitoramento, habilidades verbais e, principalmente, comportamentais, para que o enlutado consiga perceber e lidar melhor com o ambiente (CABALLO, 2003). Neste caso, recomenda-se que possam ser listadas algumas situações em que o paciente apresenta dificuldades para resolver. (Em relação a terapia infantil, essas situações acontecerão, muitas vezes, no lúdico). Diante das situações listadas e por meio de um ensaio comportamental, avalia-se como o paciente se comportaria em determinada situação, e juntos, paciente e terapeuta, treinam uma resposta adaptativa: "Já que treinamos em sessão, o que você acha de tentar aplicar nas situações que, num primeiro momento, você consideraria embaraçosas?"; "O que aconteceria se você tentasse?". 28 Estratégias de Coping: o conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas e dolorosas, ou seja, uma resposta cognitiva e comportamental ao estresse e ao sofrimento desencadeado pela perda, com objetivo de amenizar características aversivas. É preciso que os pacientes busquem novas estratégias de enfrentamento, frente às anteriormente internalizadas (LISBOA et al., 2005; FOLKMAN; LAZARUS, 1980). É importante nesse momento levar em conta outras situações difíceis na vida dos enlutados e como esse momento difícil foi vivenciado. "Quando você se encontrou numa situação difícil, como você lidou com ela?"; "Se uma pessoa amiga estivesse na mesma situação na qual você se encontra, que conselho daria a ela?". Prevenção e Recaída: psicoeducar o enlutado quanto ao seu funcionamento, suas dificuldades e também sua autoeficácia (BECK et al., 1979). No decorrer do processo psicoterapêutico, foi lhe orientado a utilizar estratégias e habilidades para lidar de maneira eficaz com o problema percebido. Ao se deparar com outras situações, terá recursos para enfrentar possíveis problemas: "Que situações são consideradas como situação de risco?"; "Que estratégicas disponíveis me auxiliariam neste momento?". Por fim, sabe-se que a TCC é composta por inúmeros instrumentos que podem ser usados no decorrer dos tratamentos para auxiliar na modificação de padrões de funcionamento disfuncionais, provedores de sofrimento. O objetivo foi descrever apenas algumas delas, as mais relevantes e utilizadas na psicoterapia de um paciente enlutado. Ressalta-se a dificuldade de realizar o trabalho em relação ao luto infantil pelos poucos materiais encontrados na literatura que abordam o luto com ênfase na teoria cognitiva e comportamental. Desse modo, a proposta deste trabalho foi promover reflexões para que os psicólogos que optam por essa abordagem tenham mais oportunidade de encontrarem estudos sobre o tema. É importante enfatizar que o terapeuta terá a função de facilitar a expressão dos sentimentos associados à perda do ente querido, observando todas as implicações que ela trará ao paciente. É necessário levar em conta as crenças que o paciente enlutado tem sobre a morte e seus pensamentos disfuncionais. Outro aspecto importante é que as técnicas e estratégias cognitivas e comportamentais possam aumentar as características adaptativas e auxiliar na tomada de decisões e na busca de novas atividades e relacionamentos, a fim de melhor elaborar a perda. 29 Além disso, conceitos errôneos podem potencializar complicações nos níveis cognitivos e funcionais, podendo gerar transtornos depressivos e ansiosos. Imperativos como: "devo que", "tenho que" são facilmente encontrados e alimentam sentimento de culpa e inadequação. A intervenção psicoterapêutica também orientará o paciente a buscar concepções mais realísticas e menos destrutivas ao seu funcionamento, fortalecendo suas capacidades de autonomia e desempenho (FRADE; BARRAGÁN, 2005) Por fim, é importante considerar aspectos de vulnerabilidade, crises de raiva, intensa ansiedade e culpa, assim como verificar a existência da negação, repressão, além da resistência à mudança. Assim, uma avaliação cuidadosa permitirá a identificação dos fatores de risco do processo do luto, como também os recursos disponíveis da rede de apoio, para evitar chegar a um luto complicado (PARKES, 1998). 30 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo do luto sempre será algo difícil para os que passam pela perda de um ente querido. Para a maioria das pessoas, a morte de alguém que se ama será sempre a morte de uma parte de nós mesmos, pois, de acordo com os estudos realizados por autores como Kovács (1992), é essa a sensação que se tem diante de tal acontecimento. Sendo assim, foi possível perceber através do estudo que a morte de alguém com quem se tem importantes laços afetivos é um dos acontecimentos que mais desorganiza o psíquico de um ser humano. Em relação ao objetivo da pesquisa, buscar entender como a criança vivencia o processo do luto foi um desafio. Foi possível entender, com os dados e as informações obtidos na literatura, que cada criança lida e elabora a perda de diversas formas. Algumas se calam, outras manifestam sua dor, outras questionam o sentido da morte antes de expressar qualquer tipo de emoção. Além disso, de acordo com estudos elaborados por Anton e Favero (2010), a idade da criança influenciará na maneira como ela vê a morte, pois algumas delas ainda não conseguem entender a morte como algo irreversível. Sendo assim, é de grande importância dialogar com a criança sobre esse tema, bem como esclarecer as dúvidas pertinentes à faixa etária em que ela se encontra. É importante considerar que esse processo do luto é bastante conflituoso e traumático para a criança, pois ela ainda se encontra em estágio humano de desenvolvimento cognitivo e emocional. Sendo assim, perder um genitor ou uma pessoa muito próxima, que até então era considerado sua fonte de segurança e proteção, traz para a criança intensos sentimentos, entre eles o de culpa, de raiva, de abandono e ainda de negação da perda, pois um relacionamento entre pais e filhos sempre envolve todos esses sentimentos conflitantes. Assim, é preciso reafirmar que a perda de um dos pais se configura como uma das maiores crises da vida da criança, pois os pais são aqueles que irão garantir a sua sobrevivência, tanto física quanto emocional e psíquica. Diante disso, é essencial para a criança que ela possa contar com um adulto capaz de dar a ela a certeza de que não está só e de que a sua existência não está ameaçada. O papel dos adultos é essencial nesse momento. Ele deve favorecer um ambiente em que a criança possa expressar seus sentimentos, no qual ela também sinta a segurança de que é amada. Estudos feitos por Franco & Mazorra (2007) apontam que a elaboração do luto por parte da criança irá depender também da maneira como o adulto próximo vivencia tal 31 processo. Por isso, é importante frisar que o genitor sobrevivente mostre a sua dor, expresse o seu luto, para que a criança partilhar essa dor e sentir-se à vontade para fazer o mesmo. 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABERASTURY, A. A percepção da morte na criança e outros escritos. Porto Alegre: Artmed, 1984. ABERASTURY, A. Psicanálise da Criança: Teoriae Prática. Porto Alegre: Artmed, 1992. AFFONSO, R. M. L. (org.). Ludodiagnóstico: investigação clínica através do brinquedo. Porto Alegre: Artmed. p. 288; 2012. ANTON, M. C; FAVERO, E. Morte repentina de genitores e luto infantil: uma revisão da literatura em periódicos científicos. ASBAHR, F.; ITO, L. M. 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São Paulo, __________de ___________________de______. _______________________ Assinatura do (a) Aluno (a)
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