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520 Geologia do Brasil A Bacia Bauru, bacia sedimentar intracratônica com extensão de aproximadamente 370.000 km², abrange quase toda a metade ocidental do estado de São Paulo e afl ora também nos estados de Minas Gerais (Triângulo Mineiro), Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, até tocar uma pequena parte do Paraguai (Fig. 1). Atualmente, descrever as características sedimentológico- -estratigráfi cas de toda a Bacia Bauru é tarefa quase im- possível, seja devido à vastidão, seja porque os estudos efe- tuados são poucos, relativamente recentes, pontuais e, em sua maior parte, concentrados no estado de São Paulo. Por estas razões, neste capítulo a descrição e análise da Bacia Bauru basear-se-á em estudos publicados e na experiência de trabalho dos autores, em particular, concentrada nas áreas mais orientais e setentrionais da bacia. O capítulo trata dos aspectos deposicionais e paleo- pedogenéticos da Bacia Bauru e não considera os aspectos paleontológicos que, em virtude do material descrito e das numerosas publicações, demandariam um capítulo à parte. O objetivo é fornecer ao leitor um quadro geral das características sedimentares e evolutivas da Bacia Bauru, levando em consideração os principais estudos pretéritos e os resultados científi cos alcançados nos últimos anos. UMA VISÃO CRÍTICA DOS ESTUDOS NA BACIA BAURU A Bacia Bauru formou-se sobre uma das mais im- portantes efusões de lava basáltica conhecidas na história geológica da Terra (a Formação Serra Geral). Os basaltos provavelmente alcançam até 2.000 m de espessura (Mi- lani et al. 2007) e foram gerados como consequência da fragmentação do paleocontinente Gondwana meridional e da formação do Oceano Atlântico meridional. A origem da bacia é atribuída a processos de tipo termolitostá- ticos (Fernandes e Coimbra 1996, Riccomini 1997, Fer- nandes e Coimbra 2000); o espaço de acomodação dos sedimentos foi criado pelo resfriamento e pela contração progressivos da massa basáltica e pelo peso que ela exerceu sobre a crosta continental. De fato, as maiores espessuras da sucessão sedimentar da Bacia Bauru estão localizadas próximo às áreas com maiores espessuras dos derrames basálticos (Zalán et al. 1987, Riccomini 1997 – cf. sua Fi- gura 2 –, Milani et al. 2007). Os limites da bacia parecem ser controlados por feições tectônicas: os altos estruturais de Rondonópolis e do Paranaíba, a noroeste e nordeste, respectivamente; os alinhamentos do rio Mogi Guaçu, de São Carlos-Leme e de Ibitinga-Botucatu, a leste; o alinhamento do Parana- panema, a sudeste; e o alinhamento do Rio Piquiri, a sul (Fig. 1). A sucessão estratigráfi ca que constitui a Bacia Bauru é formada prevalentemente por arenitos – de muito fi nos a médios –, apresentando diferentes graus de cimen- tação. Camadas de conglomerados areníticos ocorrem de forma localizada e não constituem mais de 5% da espes- sura total da sucessão. Sutis e descontínuas camadas de pelitos areníticos ocorrem, por vezes, interestratifi cadas com os arenitos, mas não constituem mais de 2% da es- pessura total. Corpos de calcário ou calcário dolomítico são relativamente frequentes, principalmente nas unidades estratigráfi cas mais novas. Os corpos distribuem-se na forma de nódulos isolados ou coalescentes, ou formam ca- madas lenticulares frequentemente brechadas. Prevalecem A SUB-BACIA BAURU: UM SISTEMA CONTINENTAL ENTRE DESERTO E CERRADO Giorgio Basilici Geraldo Norberto Sgarbi Patrick Francisco Führ Dal’ Bó 521 A SUB-BACIA BAURU 22b dade formado por rios meandrantes ou transicionais a entrelaçados. A Formação Adamantina possui espessura máxima de 190 m, em geral ocorre sobreposta à Formação Santo Anastácio, mas às vezes apresenta interdigitação com esta ou assenta-se diretamente sobre os basaltos da Formação Serra Geral. A unidade é constituída por arenitos fi nos ou muito fi nos, às vezes alternados com pelitos. As estruturas sedimentares principais são estratifi cações cruzadas, lami- nações plano-paralelas mal defi nidas e camadas maciças. Os autores notaram também alternância cíclica entre ca- madas de arenitos maciços ou com estratifi cações cruzadas e camadas de pelitos. Soares et al. (1980) interpretaram a unidade como depositada em ambiente de planície aluvial. Os arenitos da formação foram interpretados como de- positados em sistema fl uvial meandrante ou entrelaçado, enquanto os pelitos foram interpretados como depósitos de planície de inundação. A Formação Marília possui espessura de até 160 m e recobre, de forma geral, a Formação Adamantina, mas os autores também observaram interdigitações. A unidade, segundo Soares et al. (1980), é constituída por arenitos grossos e conglomerados com escassa seleção e enrique- cidos em feldspatos e camadas de pelitos, com ocorrência subordinada de calcário. Uma característica peculiar da unidade é a abundância de nódulos carbonáticos concen- trados em determinados níveis dos arenitos. Estruturas sedimentares não são observadas e raramente se observam estratifi cações cruzadas. A Formação Marília teria sido de- positada por correntes de alta energia não canalizadas “em extensos lençóis de escoamento, com deposição rápida, im- pedindo a formação de estruturas” (Soares et al. 1980). é de Soares et al. (1980). Desde 1974, sob impulso do De- partamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE), os autores vêm realizando uma série de mapeamentos geológicos no estado de São Paulo, trabalho que resultou na classifi cação estratigráfi ca formal das uni- dades pertencentes à Bacia Bauru. Soares et al. (1980) reconheceram quatro unidades, da base para o topo: For- mação Caiuá, Formação Santo Anastácio, Formação Ada- mantina e Formação Marília (Fig. 2). A Formação Caiuá é a unidade estratigráfi ca mais antiga. Possui espessura de até 200 m e recobre os der- rames basálticos. A formação é constituída por arenitos – de muito fi nos a médios – bem selecionados com grãos de forma subarredondada a arredondada e organizados em estratifi cações cruzadas espessas até acima de 1 m. Observam-se superfícies de acúmulo de cascalhos (gravel lags) e deformações plásticas dos foresets das estratifi cações cruzadas (Fernandes et al. 2007). As estratifi cações cru- zadas são interpretadas como produto de deposição eólica, os acúmulos de cascalhos como efeito de defl ação e as deformações dos foresets como efeito de eventos sísmicos (Fernandes et al. 2007). A Formação Santo Anastácio recobre, em parte, os basaltos da Formação Serra Geral e, em parte, os arenitos da Formação Caiuá; todavia, Soares et al. (1980) descreveram também transições laterais entre as formações Caiuá e Santo Anastácio. A espessura desta formação varia entre 40-80 m e é formada por arenitos bem selecionados, de fi nos a médios, apresentando camadas maciças e com pouco evidentes laminações plano-paralelas ou cruzadas de baixo ângulo (<10°). Os autores interpretaram o sistema deposicional desta uni- Figura 1. Localização da Bacia Bauru no sudeste brasileiro. (a) Alto estrutural de Rondonópolis; (b) Alto estrutural do Paranaíba; (c) Alinhamento do Rio Mogi Guaçu; (d) Alinhamento de São Carlos-Leme; (e) Alinhamento de Ibitinga-Botucatu; (f ) Alinhamento do Paranapanema; (g) Alinhamento do Rio Piquiri. (Modif. de Fernandes et al. 2007, Riccomini 1997) calcários de origem pedogenética e, prova- velmente e em parte, diagenética. Estudos paleontológicos de restos de vertebrados (Bertini et al. 1993, Santucci e Bertini 2002, 2006) e de microfósseis (Dias- -Brito et al. 2001) indicam que a sucessão sedimentar da bacia desenvolveu-se entre o Coniaciano e o Maastrichtiano. Con- tudo, a relativa escassez de microfósseis e a pouco relevante potencialidade bioestra- tigráfi ca dos restos de vertebrados geram ainda muita incerteza quanto ao intervalo cronoestratigráfico de desenvolvimento da sucessão sedimentar e difi cultam a corre- lação litoestratigráfi ca nas diferentes partes da bacia. A ordenação estratigráfi ca da Bacia Bauru é complexa. Ainda parece distante atingir uma resolução consensual. O pri- meiro trabalho que merece atenção sobre a caracterização estratigráfi ca da Bacia Bauru 522 Geologia do Brasil A Formação Rio Paraná é constituída por arenitos com estratifi cações cruzadas com sets até 10 m de altura. A unidade é interpretada como sistema de erg (mar de areia), caracterizado por draas. A Formação Goio Erê é caracte- rizada por arenitos que mostram estratifi cações cruzadas com sets até 3 m de altura, depositados em dunas tipo bar- cana. Os autores citados descreveram ainda laminações plano-paralelas e crenuladas, respectivamente interpre- tadas como depósitos de marcas onduladas de vento secas e de adesão, que seriam formadas em playa-lake. Camadas maciças também ocorrem. Fernandes e Coimbra (1994) descreveram a Formação Santo Anastácio com as mesmas características de Soares et al. (1980), mas a interpretaram como depositada em um sistema de lençol de areia. A Formação Uberaba, defi nida por Hasui (1968), ocorre nas proximidades do município homônimo. Esta unidade é espessa em até 85 m e localiza-se na base da sucessão sedimentar do Grupo Bauru. A formação é cons- tituída por arenitos de fi nos a muito fi nos e pelitos, or- ganizados em camadas tabulares ou lenticulares que não mostram estruturas sedimentares ou caracterizados por estratifi cações cruzadas acanaladas, tabulares ou por la- minações plano-paralelas. Segundo Fernandes e Coimbra (2000), a formação corresponderia a depósitos de rios en- trelaçados. Destaca-se que em todas as formações até aqui descritas foi indicada a presença de nódulos carbonáticos e camadas de calcários que os autores atribuíram a calcretes produzidos por oscilações do nível do lençol freático ou por processos paleopedogenéticos. Por fi m, os Analci- mitos Taiúva são rochas extrusivas de natureza alcalina que possuem espessura máxima de 15 m e que ocorrem intercaladas na porção superior da Formação Adamantina no estado de São Paulo. Fernandes (1998) e Fernandes e Coimbra (2000), ao produzirem a revisão estratigráfi ca da porção oriental da Bacia Bauru, confi rmaram a anterior subdivisão estratigráfi ca entre os grupos Caiuá e Bauru, mudaram o Fernandes (1992) e Fernandes e Coimbra (1994) reavaliaram a distribuição estratigráfi ca das unidades da Bacia Bauru. Os autores dividiram a sucessão sedimentar em dois grupos: Caiuá e Bauru. O Grupo Caiuá é constituído pelas formações Rio Paraná, Goio Erê e Santo Anastácio. O Grupo Bauru é constituído pela formações Uberaba, Adaman- tina, Marília e pelas rochas extrusivas alcalinas chamadas de Analcimitos Taiúva (Fig. 3). Fernandes e Coimbra (1994) adotaram uma ideia de Mezzalira e Arruda (1965), segundo os quais os grupos Caiuá e Bauru são duas unidades contemporâneas com frequentes interdi- gitações, colocando-se assim em contraste com a opi- nião anterior de Soares et al. (1980), na qual as unidades ligadas ao Grupo Caiuá foram colocadas em posição litoestratigráfi ca inferior. Segundo o modelo de Fer- nandes e Coimbra (1994) as três formações do Grupo Caiuá são contemporâneas entre si e cronocorrelatas com as formações Adamantina, Marília e Uberaba do Grupo Bauru (Fig. 3). Em seguida, será dada uma breve descrição destas unidades. Figura 2. Síntese estratigráfi ca da Bacia Bauru segundo Soares et al. (1980). (Modif. de Soares et al. 1980) Figura 3. Síntese estratigráfi ca da Bacia Bauru segundo Fernandes (1992) e Fernandes e Coimbra (1994). SG: Formação Serra Geral; RP: Formação Rio Paraná; GE: Formação Goio Erê; SA: Formação Santo Anastácio; AD: Formação Adamantina; U: Formação Uberaba; M: Formação Marília; T: Analcimitos Taiúva. (Modif. de Fernandes e Coimbra 1994) 523 A SUB-BACIA BAURU 22b nome de Formação Adamantina para Formação Vale do Rio do Peixe, subdividiram ulteriormente o Grupo Bauru em novas formações – integrando ao Grupo Bauru as formações Araçatuba, São José do Rio Preto e Presidente Prudente – e dividiram a Formação Marília em Membro Echaporã, Serra da Galga e Ponte Alta (Fig. 4). A Formação Vale do Rio do Peixe “corresponde a grande parte da Formação Adamantina”, conforme des- creveram Fernandes e Coimbra (2000). A Formação Araçatuba possui espessura máxima de 70 m e é a unidade estratigrafi camente mais antiga do Grupo Bauru. Fernandes e Coimbra (2000) adotaram propostas de outros autores que, anteriormente, defi niram a unidade como sendo composta de litofácies (Suguio et al. 1977), membro (Barcelos 1984) ou formação (Suguio 1981, Batezelli 1998, Batezelli et al. 1999). A Formação Araçatuba, constituída por arenitos muito fi nos e pelitos, mostra frequente cimentação carbonática e marcas de raízes. A unidade é interpretada como formada em área periodicamente inundada, tendo Fernandes e Coimbra (2000) usado o termo pântano, brejo ou charco. Os membros Serra da Galga e Ponte Alta (For- mação Marília) ocorrem apenas na porção nordeste da bacia, na região do Triângulo Mineiro. O primeiro possui espessura máxima de 110 m e é constituído de arenitos ou arenitos conglomeráticos que mostram estratifi cações cruzadas tabulares e lentes de conglomerados e pelitos. O Membro Ponte Alta possui espessura entre 10-20 m e é for- mado por calcários areníticos de aspecto maciço. Fernandes e Coimbra (2000) descreveram que a cimentação carboná- tica é posterior e é principalmente ligada à formação de cal- crete originado por ação de lençol freático e que os arenitos foram depositados por um sistema fl uvial entrelaçado. O Membro Echaporã constitui a maior área de afl oramentos da Formação Marília, ocorrendo no estado de São Paulo, no sudoeste de Minas Gerais, no sul de Goiás e no nordeste do Mato Grosso do Sul. O Membro Echaporã é formado por arenitos fi nos a médios com ca- madas de aspecto maciço e frequentes níveis de cimen- tação carbonática que se evidenciam também por nó- dulos (Manzini 1999). Barcelos (1984), Barcelos e Suguio (1987) e Fernandes e Coimbra (2000) interpretaram estes depósitos como fl uxos distais de leques aluviais acumu- lados em forma de lençóis. A Formação São José do Rio Preto afl ora próxima do município homônimo, possui espessura de 60 m e é constituída por arenitos com estratifi cações cruzadas aca- naladas e laminações plano-paralelas. Os depósitos são in- terpretados como sistemas de canais entrelaçados. A Formação Presidente Prudente é localizada perto do município homônimo, possui espessura de 50 m, é formada por arenitos muito fi nos e fi nos e pelitos are- níticos. A unidade foi depositada, sempre segundo Fer- nandes e Coimbra (2000), por sistemas fl uviais mean- drantes. Uma visão diferente da organização estratigráfi ca, em parte similar ao modelo inicial de Soares et al. (1980), observa-se em Batezelli (1998, 2003), Fúlfaro et al. (1999), Batezelli et al., (2003, 2007, 2010), Paula e Silva et al. (2003, 2005, 2006, 2009) (Fig. 5). Fúlfaro et al. (1999) identifi caram, no topo do Grupo Caiuá, um perfi l de paleossolo que reconheceram como Formação Santo Anastásio e propuseram renomeá-lo como “Geossolo Santo Anastásio”. O perfi l de paleossolo representaria, segundo Fúlfaro et al. (1999), uma fase de êxtase da sedi- mentação no topo das unidades do Grupo Caiuá antes da sedimentação do Grupo Bauru ser iniciada. Nesta visão estratigráfi ca, o Grupo Caiuá seria mais antigo e separado do Grupo Bauru por discordância estratigráfi ca. Contudo, considerando que as unidades dos grupos Caiuá e Bauru mostram frequentes perfi s de paleossolos com alto grau de evolução temporal, surgem dúvidas sobre a unicidade (e consequente importância estratigráfi ca) do perfi l indicadopor Fúlfaro et al. (1999) como limite estratigráfi co entre os grupos Caiuá e Bauru. Outros autores (Batezelli 2003, Batezelli et al. 2003, 2007, 2010, Paula e Silva et al. 2003, 2005, 2006, 2009) compartilham a mesma visão de Fúl- faro et al. (1999) em relação à separação temporal entre os grupos Caiuá e Bauru. Na primeira década dos anos 2000, a polê- mica estratigráfi ca entra em fase de estagnação e, consequentemente, permanece não resolvida. Os novos e poucos trabalhos publicados acerca da temática geram novas unidades estratigráfi cas nos grupos Caiuá e Bauru (Paula e Silva et al. 2003, 2005, 2006, 2009, Batezelli 2010), porém sem contribuir com propostas relevantes para es- clarecer a complexa estratigrafi a da Bacia Bauru. De fato, se por um lado os autores citados usaram como base o mo- delo estratigráfi co de Soares et al. (1980), por outro, Mi- lani et al. (2007), em descrição geral da Bacia do Paraná, Figura 4. Síntese estratigráfi ca da Bacia Bauru segundo Fernandes e Coimbra (2000). SG: Formação Serra Geral; RP: Formação Rio Paraná; GE: Formação Goio Erê; SA: Formação Santo Anastácio; VRP: Formação Vale do Rio do Peixe; Ar: Formação Araçatuba; PP: Formação Presidente Prudente; SJRP: Formação São José do Rio Preto; U: Formação Uberaba; M: Formação Marília; E: Membro Echaporã; SG: Membro Serra da Galga; PA: Membro Ponte Alta; T: Analcimitos Taiúva. (Modif. de Fernandes e Coimbra 2000) 524 Geologia do Brasil usaram, para a divisão estratigráfi ca do que denominaram a “Supersequência Bauru”, o modelo estratigráfi co de Fer- nandes e Coimbra (2000). Os autores deste capítulo percebem, em geral, que há uma grande insegurança por parte de todos os autores na defi nição dos limites estratigráfi cos entre as diferentes unidades. Por exemplo, o uso de termos como “interdigi- tação” ou “transição gradual” entre as diferentes unidades é comum na descrição das relações de contato. Outro ponto importante a ser observado nas publicações examinadas nesta síntese é que quase sempre o objeto de estudo e dis- cussão é exclusivamente de caráter estratigráfi co. Análises sedimentológicas de detalhe são, em geral, muito raras (Fernandes 1998, Batezelli 2003, Batezelli et al. 2007). As poucas análises de detalhe nem sempre são baseadas na defi nição de processos deposicionais e mecanismos de construção dos corpos sedimentares, mas na comparação, frequentemente duvidosa, de fácies codifi cadas. Assim, a caracterização sedimentológica das diferentes unidades não é, de fato, aprofundada, e a interpretação permanece em estado geral de defi nição de um genérico sistema desértico de erg, no caso do Grupo Caiuá, e de um sistema fl uvial ou de leques aluviais com playa-lakes ou lençóis de areia eólica localizados, no caso do Grupo Bauru. A ausência de análises sedimentológicas de de- talhe da sucessão sedimentar da Bacia Bauru permitiu que passassem praticamente quase inobservados corpos geológicos expressivos, como os perfi s de paleossolos. Com efeito, perfi s de paleossolos constituem percentual extremamente alto da espessura total das unidades da Bacia Bauru. Por exemplo, na porção setentrional da Bacia Bauru (entre os estados de Mato Grosso do Sul e Goiás), os perfi s de paleossolos constituem, em média, 66% da espessura das sucessões, com o valor chegando a 92% na área de afl oramento do Membro Echaporã, próximo do município de Marília (São Paulo), atingindo espessuras médias de 55% nas unidades inferiores, na mesma área (formações Araçatuba e Adamantina). Além disto, perfi s de paleossolos são também conhecidos e disseminados nas unidades do Grupo Caiuá. OS PALEOSSOLOS DA BACIA BAURU Vários autores citam a presença de paleossolos nas rochas da Bacia Bauru, porém sem produzir análise deta- lhada ou sem considerá-los como objeto próprio de pes- quisa, com fi nalidades paleoambientais ou estratigráfi cas. Suguio (1973) afi rmou que pelo menos uma parte da com- ponente carbonática presente na sucessão sedimentar da Bacia Bauru poderia ser associada a calcretes de origem pedogenética. Fúlfaro et al. (1999), como já citado, indi- vidualizaram um perfi l de paleossolo que separa o Grupo Caiuá do Grupo Bauru. Além disso, também Suguio et al. (1980), Suguio e Barcelos (1983), Barcelos (1984), Etchebehere et al. (1993), Fernandes (1998), Manzini (1999), Fernandes e Coimbra (2000), Goldberg e Garcia (2000) e Garcia et al. (2005) descreveram a presença de paleossolos nos sedimentos do Grupo Bauru. Nesta breve síntese das características sedimento- lógicas da Bacia Bauru, parece-nos importante introduzir alguns conceitos básicos sobre o reconhecimento e o uso dos paleossolos na análise de sucessões sedimentares con- tinentais. Em seguida, serão descritos alguns conceitos elementares para distinguir, principalmente em campo, os perfi s de paleossolos na sucessão sedimentar da Bacia Bauru. Conceitos e métodos de análise de maior detalhe poderão ser encontrados em artigos e manuais mais ade- quados: por exemplo, em Retallack (1988, 2001) e Catt (1990). Por paleossolo, entende-se um corpo geológico que se encontra em sucessões sedimentares e que corresponde a um solo enterrado, coberto por rochas sedimentares ou por outros paleossolos mais recentes (buried soil, Catt 1990, Retallack 2001). Neste contexto, paleossolo não é um solo antigo, que ainda se encontra localizado na super- fície topográfi ca atual (relict soil, Catt 1990). Um aspecto peculiar, embora não exclusivo aos paleossolos, é a ausência de estruturas sedimentares (Fig. 6). Nas rochas sedimentares, a ausência de estruturas é uma característica que, na maioria dos casos, se adquire secundariamente, depois do processo de sedimentação e, em geral, por meio de bioturbação, pedogênese ou diagê- nese, embora esta última possa enfatizar os limites entre as camadas e as características internas. Alguns processos sedimentares, entretanto, caracterizados por alta capa- Figura 5. Síntese estratigráfi ca da Bacia Bauru segundo Batezelli et al. (2007). SG: Formação Serra Geral; RP: Formação Rio Paraná; GE: Formação Goio Erê; SA: Formação Santo Anastácio; VRP: Formação Vale do Rio do Peixe; Ar: Formação Araçatuba; PP: Formação Presidente Prudente; SJRP: Formação São José do Rio Preto; U: Formação Uberaba; M: Formação Marília; E: Membro Echaporã; SG: Membro Serra da Galga; PA: Membro Ponte Alta; T: Analcimitos Taiúva. (Modif. de Batezelli et al. 2007) 525 A SUB-BACIA BAURU 22b em elementos de diferentes dimensão e forma (agregados ou peds), separados por películas (cutans) (Birkeland 1999, Soil Survey Staff 1999, Santos et al. 2005, IBGE 2007). Os agregados observados nos perfi s de paleossolos da Bacia Bauru podem aparecer como formas de erosão su- perfi cial, semelhantes a descamações (Fig. 8). Trata-se de feições parecidas, porque frequentemente dependem dos mesmos processos de formação (umidifi cação e desseca- mento), mas existem alguns métodos e aspectos que per- mitem a distinção: (i) escavando um pouco o afl oramento, observa-se que os agregados continuam na parte in- terna, excluindo assim a origem intempérica superfi cial e atual; (ii) agregados e películas não aparecem em todo o afl oramento, sendo restritos a poucas porções com de- senvolvimento horizontal (os horizontes de paleossolo), embora o afl oramento possa ter características litológicas homogêneas; (iii) isolando um agregado e observando cui- dadosamente e com lupa as suas paredes, pode-se detectar os materiais (que podem ser de vários tipos) que preen- cheram as fraturas entre um agregado e outro (quer dizer, as películas). Na sucessão sedimentar da Bacia Bauru, os prin- cipais materiais das películas são constituídos por: argila (argillans), calcário (calcans), manganês (mangans) e su- perfícies de fricção (slickensides). As argillans são películas brilhantese cerosas (Fig. 9A); os calcans reagem facil- cidade de transporte e alta velocidade de sedimentação (por exemplo, fl uxos de detritos s.l. ou fl uxos hipercon- centrados), podem produzir camadas sem estruturas sedimentares evidentes. Contudo, estes processos geram corpos que possuem sempre limites inferiores e superiores bem defi nidos e, além disso, podem desenvolver certas or- ganizações internas dos constituintes como uma grosseira gradação normal ou inversa, ou ainda como alinhamentos diferenciais de clastos e imbricações (Nemec 1990). Em síntese, devemos considerar que a ausência de estruturas sedimentares não necessariamente signifi ca que o corpo geológico em questão seja um perfi l de paleossolo, mas este aspecto pode ser um indício que nos obriga a uma análise mais rigorosa e detalhada. A presença de marcas de raízes sem dúvida é um bom indício de paleossolo, quer dizer, uma superfície que um dia foi exposta à atmosfera. Marcas de raízes nas unidades da Bacia Bauru são abundantes, embora quase nunca apresentem substância orgânica preservada. De fato, o ambiente deposicional era fortemente oxidante e a parte orgânica das raízes é preservada somente em poucos casos, em particular onde o lençol freático estava próximo à superfície, como no caso de paleossolos desenvolvidos perto de playa-lakes (sensu Briere 2000) (Fig. 7A). Marcas de raízes na sucessão da Bacia Bauru estão geralmente preservadas como pequenas perfurações anteriormente ocupadas pela raiz e que, agora, constituem vazios ou são preenchidos por arenitos diferentes do encaixante ou por calcita esparítica. Às vezes não é fácil distinguir marcas de raízes de escavações de animais, porém as marcas de raízes possuem: (i) uma forma cilíndrica prevalentemente com disposição vertical; (ii) um furo com diâmetro que varia ao longo do eixo; (iii) ramifi cações frequentes a ân- gulo agudo para baixo (Fig. 7B). Às vezes se observam marcas de raízes de grandes dimensões (diâmetro supe- rior a 50 mm), com desenvolvimento vertical no perfi l de paleossolos por mais de 2 m, a exemplo das sinkers cuja referência pode ser encontrada na literatura inglesa, tí- picas de vegetais de grandes dimensões e de ambientes com lençol freático profundo (Fig. 7C). Outras vezes, observam-se sutis raízes capilares com diâmetro inferior a 1 mm que podem ser associadas a arbustos ou gramíneas. As raízes podem, ainda, ser identifi cadas pelas concreções de carbonato de cálcio formadas ao redor da raiz durante a sua vida (rhizo-concretions). Nestes casos, preserva-se da raiz somente o furo onde ela existia e a concreção ao redor dela (Fig. 7D). Quando uma rocha é sujeita a pedogênese, suas estruturas e formas originárias são progressivamente des- truídas, adquirindo inicialmente certo “aspecto maciço”. Porém, à medida que os processos pedogenéticos conti- nuam (por exemplo, bioturbação animal e vegetal, umidi- fi cação e dessecamento), a massa litológica reorganiza-se Figura 6. Os paleossolos aparecem como rochas sem estruturas sedimentares, quer dizer maciços. Contudo, uma atenta análise revela diferentes horizontes e perfi s de paleossolos, como nesta sucessão exposta no km 2 da rodovia Itajá-Itarumã (GO). 526 Geologia do Brasil (i) possuem espessura inferior ou igual a 1 m; (ii) têm di- fusão limitada aos horizontes; (iii) estão associados a hori- zontes pedogenéticos; (iv) mostram frequentes marcas de raízes; (v) têm estrutura cristalina fi na; e (vi) não estão as- sociados a depósitos mais permeáveis da sucessão. A aná- lise geoquímica de perfi s de paleossolos é determinante para a individualização e distinção de horizontes e para a interpretação paleoambiental. A distribuição vertical dos óxidos principais e dos elementos-traço nos perfi s de paleossolos resulta de ex- trema importância pela individualização dos processos de alteração pedogenética. Em particular, os valores ob- tidos permitem defi nir índices de intemperismo (ou re- lações moleculares de intemperismo), cujos valores vi- sualizados grafi camente ao lado de perfi s de paleossolos (Fig. 10) permitem defi nir o tipo e o comportamento dos Figura 7. Marcas de raízes. (A) Marca de raiz (seta) com parcial conservação da substância orgânica e halo cinza. Moeda: 20 mm. (B) Marca de raiz (seta) constituída por preenchimento de areia diferente da encaixante. Nota-se as ramifi cações laterais de menor diâmetro. Moeda: 20 mm. (C) Marca de raiz com diâmetro superior a 50 mm e comprimento de até 2 m. Note-se as ramifi cações laterais (setas). Isqueiro: 80 mm. (D) Marcas de raízes indicadas pelas concreções de carbonato de cálcio (rhizoconcretions). O furo (seta) é o lugar onde estava localizada a raiz. Moeda: 20 mm. mente ao HCl e são de cor branca (Fig. 9B); os mangans reagem a peróxido de hidrogênio e são de cor preta (Fig. 9C); as superfícies de fricção (sli- ckensides) são estriadas e brilhantes, dependendo dos movimentos compressivos entre os agregados (Fig. 9D). Os tipos e a distribuição dos agregados e das películas são extremamente importantes porque são funções dos processos que geram a pe- dogênese e, por isso, possuem grande implicação paleoambiental, o que permite reconhecer e classi- fi car os diferentes horizontes dos paleossolos. Nos paleossolos da Bacia Bauru é frequen- temente possível observar acúmulos de carbonatos de cálcio e magnésio concentrados em determi- nados horizontes em manchas (mosquemento ou mottling), nódulos (glaebules) ou camadas lenticu- lares frequentemente brechadas e com espessura não superior a 1 m. O acúmulo subsuperfi cial de carbonatos em solos de ambiente árido é muito frequente e gera horizontes chamados de calcrete ou caliche ou, mais propriamente, horizontes Bk ou Bkm, consequência da evaporação da água durante a migração para baixo no solo, deixando precipitar os carbonatos de cálcio e magnésio. Alguns autores (por exemplo, Suguio 1973, Fernandes e Coimbra 2000) apontaram anteriormente que este acúmulo de carbonatos fosse principalmente de origem fre- ática ou diagenética. Os acúmulos de carbonatos da Bacia Bauru possuem, na maioria dos casos, uma origem pedogenética. Tanto em função dos levantamentos que realizamos, quanto pelas con- clusões de Pimentel et al. (1996), Khadkikar et al., (1998) e Alonzo-Zarza (2003), estes acúmulos: Figura 8. Estruturas pedogenéticas: agregados. (A) Agregados de forma blocos angulares. (B) Agregados de forma prismática. Martelo: 0,28 m. 527 A SUB-BACIA BAURU 22b quadrados – determinam a sua importância como super- fície limitante estratigráfi ca. SEDIMENTOS E PALEOSSOLOS NA ESTRATIGRAFIA DA BACIA BAURU Este item deriva sobretudo das atividades de pes- quisa dos autores do capítulo. Os dados e a interpre- tação relativa provêm do estudo da sucessão sedimentar afl orante nas porções setentrional (estados de Goiás e de Mato Grosso do Sul) e oriental (municípios de Marília, Echaporã e Monte Alto) da Bacia Bauru (Fig. 1). ÁREA SETENTRIONAL Na área setentrional da Bacia Bauru (estados de Goiás e de Mato Grosso do Sul), a sucessão sedimentar possui es- pessura máxima de 220 m. Segundo Fernandes e Coimbra (1994), Batezelli (2003) e CPRM (2004), a área corresponde ao afl oramento das formações Adamantina e Marília (Membro Echaporã). Contudo, no campo não é possível distinguir as duas unidades segundo as descrições fornecidas pelos autores citados, ao passo que as sucessões mostram os mesmos caracteres da base ao topo. Nas seções medidas, os paleossolos representam 66% da espessura e interestrati- processos durante a pedogênese (Retallack 1997, 2001). Por exemplo, o índice de hidrólise que representa as re- lações moleculares entre bases e alumina indica quanto uma determinada porção do perfi l foi alterada pelos agentes pedogenéticos. A calcifi cação, ou seja, a relação entre óxidos de cálcioe magnésio com alumina, dá infor- mações sobre a localização de acúmulos dos carbonatos, permitindo melhor individualização do horizonte Bk. A formação de argilas, que é a relação entre alumina e sílica, permite defi nir os horizontes nos quais a argila se acumulou preferencialmente (horizonte Bt). Além disso, os valores servem, junto com outros parâmetros físicos e químicos dos perfi s de paleossolos, para ser aplicados a diversas funções de caráter empírico que defi nem valores quantitativos de paleoprecipitação, paleotemperatura e tempo de desenvolvimento do perfi l de paleossolo. O estudo de paleossolos na sucessão sedimentar da Bacia Bauru é importante por dois motivos: os paleossolos possuem grande valor como instrumentos de interpre- tação paleoambiental e signifi cado determinante no es- tudo estratigráfi co da sucessão sedimentar (Kraus 1999). O signifi cado paleoambiental dos paleossolos é incomen- suravelmente superior ao dos depósitos. De fato, um depó- sito clástico é gerado por um processo físico de duração de poucos minutos a alguns dias e, por isso, representa condi- Figura 9. Estruturas pedogenéticas: películas. (A) Películas de argila (argillans) que podem ser reconhecidas pelas superfícies brilhantes e cerosas (seta). Moeda: 20 mm. (B) Películas de calcário (calcans) reconhecíveis pela cor branca (seta). Moeda: 20 mm. (C) Películas de manganês (mangans) reconhecíveis pela cor preta e porque reagem ao peróxido de oxigênio (seta). Moeda: 20 mm. (D) Superfícies de fricção (slickensides) (seta). Martelo: 0,28 m. ções ambientais particulares de curta duração e, provavelmente, de excepcionalidade no sistema ambiental onde se produz. Ao contrário disso, um paleossolo evoluído forma-se num período de 103 a mais de 106 anos. Du- rante este longo intervalo de tempo, o paleossolo é um sis- tema aberto com a possibilidade de registrar todas as condições ambientais que ocorreram acima ou pouco abaixo da sua super- fície, e as mudanças relativas. Assim, variações de precipitação, temperatura, topografi a, posição do lençol freático, variações das associações vegetais e animais e tempo podem ser preservados nos paleossolos. Por fi m, os paleossolos representam mo- mentos de êxtase e de ausência da sedimentação, isto é, repre- sentam uma descontinuidade estratigráfi ca. O grau de evo- lução temporal do paleossolo e a sua extensão areal – em geral de muitas dezenas de quilômetros 528 Geologia do Brasil estratifi cação transladante cavalgante subcrítica constitui a maior parte deste elemento arquitetural. A granulometria dos arenitos varia de muito fi na a média, e a seleção, de boa a excelente. Os arenitos são constituídos predominan- temente por quartzo monocristalino e, secundariamente, por fragmentos líticos de basaltos, podendo, portanto, ser classifi cados como litoarenitos (Fig. 11A). Os clastos de quartzo mostram alto grau de arredondamento, a superfície é fosca, e análises ao microscópio de varredura permitiram detectar as seguintes microtexturas: cristas e depressões alongadas (elongate ridge and depressions), pratos virados (upturned plates) e superfícies alisadas (smoothed surfaces). Em geral, os clastos de arenitos são cobertos por uma sutil película submilimétrica de óxidos de ferro, o que confere uma cor avermelhada à rocha. Os arenitos são organizados em lâminas ou sutis camadas (espessas em até 2 cm), para- lelas, horizontais ou inclinadas até 10°. As camadas mos- tram continuidade lateral de alguns metros, diminuindo de espessura até desaparecer. As lâminas ou camadas sutis mostram gradação inversa e acúmulo de grãos muitos fi nos na base (Fig. 11B). Estes aspectos tornam tais estruturas similares às pinstripe laminations descritas por Fryberger e Schenk (1988). Laminações cruzadas são muito raras, mas estão presentes. As litofácies estão organizadas em sets com espessura entre 0,2-2,5 m, separados por superfícies erosivas, planas, horizontais ou de baixo ângulo, paralelas aos sets sobrejacentes (Fig. 11C). Os cosets mostram conti- nuidade lateral superior a 10 m. Bioturbações são raras e a cimentação carbonática, variável. É relativamente frequente encontrar clastos intraformacionais de pelito arenítico de forma retangular com bordas subangulosas e comprimentos de 2-50 mm, acumulados paralelamente às lâminas ou ca- madas sutis. A espessura das fácies varia de 0,5-15 m, com extensões laterais entre 50 m e poucos quilômetros. A litofácies camadas lenticulares de arenitos conglomeráticos encontra-se interestratifi cada com os arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrí- tica e formam camadas espessas de 5 cm até 25 cm e com extensão lateral de até 8-10 m, mostrando base côncava e erosiva e topo plano. A componente arenosa das litofácies é fi na a grossa, mal selecionada. Isoladas estratifi cações cruzadas até 10 cm de altura podem ser observadas. A litofácies camadas sutis de pelitos arenosos exibe cor marrom claro, com camadas espessas de poucos mi- límetros até 20 cm, e extensas até 10 m em afl oramento. Relativamente frequentes, estas camadas cobrem, às vezes, camadas de arenitos conglomeráticos, mas mais comumente são isoladas e são alternadas com os arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica. Nas superfícies das camadas podem ser observadas gretas de dessecação subaéreas (Fig. 11D). Interpretação As lâminas ou camadas sutis plano-paralelas, horizon- tais ou com baixa inclinação e com gradação inversa que constituem a litofácies arenitos com estratifi cação trans- ladante cavalgante subcrítica são o produto deposicional de marcas onduladas de vento (Bagnold 1941, Hunter Figura 10. Perfi l de alfi ssolo localizado perto do Cemitério de Itajá (GO). Os índices de intemperismo permitem defi nir os horizontes, classifi car o perfi l de paleossolo e reconhecer os processos principais de pedogênese. (Modif. de Basilici e Dal’ Bó 2010) fi cam-se com depósitos produzidos por ação do vento e fl uxos subaquá- ticos não canalizados e canalizados. Basilici et al. (2009), Basilici e Dal’ Bó (2010) e Dal’ Bó e Basilici (2011) dividiram a sucessão sedimentar da área em três elementos arquiteturais principais: depósitos de lençol de areia eólica, depósitos de rios efê- meros e paleossolos. Depósitos de lençol de areia eólica O elemento arquitetural depósitos de lençol de areia eólica representa 24% da espessura das seções medidas, sendo constituído por três litofácies: arenitos com estratifi cação transladante caval- gante subcrítica, camadas lenticu- lares de arenitos conglomeráticos e sutis camadas de pelitos arenosos (Basilici e Dal’ Bó 2010). A litofácies arenitos com 529 A SUB-BACIA BAURU 22b Depósitos de rios efêmeros O elemento arquitetural depósitos de rios efêmeros constitui 10% das sucessões medidas e é caracterizado por corpos conglomerático-arenosos ou arenosos com base côncava erosiva e topo plano. O elemento possui espes- sura máxima de 4 m e tem forma vagamente elíptica, em planta, com largura inferior a 3 km e comprimento supe- rior a 7 km. Os corpos são constituídos por várias camadas, com incipiente gradação de conglomerados ou arenitos conglomeráticos de forma lenticular achatada (Figs. 12A e B). As camadas conglomeráticas são espessas de 0,3- 1,8 m e são constituídas sobretudo por clastos de basaltos com dimensões máximas (maximum particle size) de cerca de 11 mm, clastossuportados com abundante matriz are- nosa mal selecionada e de granulometria de fi na a muito grossa. Os seixos são arredondados ou subaredondados, e são relativamente frequentes seixos com erosões do tipo ventifacto, constituídas pela amplifi cação de cavidades e formação de sulcos na superfície do seixo. Os clastos acha- tados mostram imbricações do tipo a(t) b(i) e estruturas do tipoopen-work não são observadas. A parte superior das camadas conglomeráticas mostra, às vezes, arenitos com lâminas ou sutis camadas plano-paralelas ou de baixo ângulo e com gradação inversa. As camadas de arenito conglomerático têm espessura de 1977, Fryberger et al. 1979). Hunter (1977) denomina tais estruturas como estratifi cação transladante cavalgante subcrítica. O ângulo de cavalgamento da marca ondulada é menor do que o ângulo de barlavento. Os diferentes co- sets formam-se por mudanças das condições dinâmicas do vento, em geral, velocidade e direção. Ainda não está claro se tais marcas onduladas de vento formavam-se em superfícies planas como lençóis de areia ou se eram parte de dunas achatadas e sem superfície de avalanche, do tipo nabkha ou zibar – dunas alongadas ou transversais, respectivamente –, na direção do vento do- minante, de baixo relevo, em geral não superior a poucos metros e com comprimento variável até algumas dezenas de metros (Nielson e Kocurek 1986, Langfgord 2000, Biswas 2005). Os clastos intraformacionais são derivados de dessecação, fragmentação e transporte das camadas sutis de pelitos arenosos (veja descrição a seguir). A baixa densidade dos intraclastos facilita o transporte pelo vento. As duas litofácies camadas lenticulares de arenitos conglomeráticos e camadas sutis de pelitos arenosos constituem produtos de fl uxos subaquáticos. As carac- terísticas granulométricas e a baixa seleção dos arenitos conglomeráticos sugerem alta velocidade de transporte, pelo menos na fase inicial, e uma rápida sedimentação, permitindo identifi car os depósitos como produtos de en- chentes rápidas e de alta energia. Os depósitos de pelitos Figura 11. (A) Composição petrográfi ca dos arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica. Estes arenitos podem ser classifi cados como litoarenitos (Modif. de Basilici e Dal’ Bó 2010). (B) Lâminas formadas por marcas onduladas de ventos cavalgantes. Note-se a gradação inversa de cada lâmina. Moeda: 20 mm. (C) Os arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica estão organizados em set separados por superfícies erosivas. Martelo à direita: 0,28 m. (D) Pelitos arenosos com fi ssuras de dessecação preenchida de arenitos (seta). Moeda: 20 mm. arenosos, quando recobrem arenitos conglomeráticos, indicam a fase terminal da enchente e a deposição por decantação; quando são interestratifi cados com os arenitos com estratifi cação transladante cavalgante sub- crítica, sugerem enchentes de baixa energia. As gretas de dessecação confi rmam que os pelitos foram depositados por processos subaquáticos. Atualmente, no alto vale de Tulum (norte de San Juan, Argentina) e em outros vales do ocidente argentino (Tri- paldi e Lamarino 2008) a reativação das nascentes de água, provocada por tempes- tades nas montanhas, geram enchentes sazonais de baixa energia, no vale, que cobrem toda a área com uma sutil película de pelitos arenosos, analogamente a litofácies acima descrita. 530 Geologia do Brasil e consistem de um ou mais perfi s de paleossolos sobre- postos, separados, em geral, por superfícies erosivas. A tran- sição superior aos outros elementos arquiteturais é sempre erosiva, enquanto o contato inferior é gradual. Nesta área foram distintos quatro tipos de paleossolos, classifi cados se- gundo a US Soil Taxonomy (Soil Survey Staff 1999), a nível de ordem: aridissolos, alfi ssolos, vertissolos e entissolos. Aridissolos Os paleossolos do tipo aridissolos são os mais abun- dantes, constituindo 85% deste elemento arquitetural em espessura (Fig. 13A). São formados por arenitos de granulometria de fi na a média, moderadamente bem se- lecionados, constituídos predominantemente por quartzo e uma pequena porção (13%) de fragmentos líticos de basaltos (Fig. 13B). Os grãos são arredondados e mostram as mesmas microtexturas dos arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica. Os aridissolos possuem perfi s com espessura de 0,3-3 m, nos quais são reconhecíveis horizontes A/Bt/ Btk/Bk (ou Bkm)/C (ou Ck) (Fig. 13A). O horizonte A é, em geral, pouco espesso (<0,1 m) ou ausente por erosão, possui coloração laranja avermelhada (10R6/6 ou 10R6/8), não mostra estruturas pedogenéticas ou algumas vezes se notam agregados de racterizados por uma fase de decréscimo da velocidade do fl uxo, como sugerido respectivamente pelas imbricações e a gradação incipiente. Contudo, o baixo grau de seleção e a au- sência de estruturas sedimentares bem organizadas indicam que os fl uxos subaquáticos eram altamente concentrados e tiveram rápida diminuição de velocidade, de tal forma a não permitir a construção de estruturas sedimentares mais complexas. Tais características são típicas de fl uxos de alta energia e de breve duração, típicos de canais fl uviais carac- terizados por bruscas variações da vazão. Os arenitos laminados ou com camadas sutis in- dicam processos deposicionais por marcas onduladas eólicas e testemunham fases de emersão do leito do rio, o que permite interpretar os sistemas fl uviais como efê- meros. Os rios construíam, no próprio leito, corpos não mais altos que 1,8 m e provavelmente de geometria em forma de lençol com eixo maior na direção do fl uxo. A ausência de paleossolos entre uma camada e outra indica que o tempo entre os processos deposicionais não era su- fi ciente para gerar solo. Paleossolos Os paleossolos nesta área constituem 66% em espes- sura das seções medidas. Os paleossolos alternam-se verti- calmente aos depósitos, possuem espessuras entre 0,3-3,8 m Figura 12. (A) Corpo arenítico-conglomerático depositado por rios efêmeros e localizado na rodovia Itajá- Itarumã (GO). Na fi gura, são indicados os diferentes episódios deposicionais. W: depósitos de marcas de vento. P: perfi s de paleossolos (Modif. de Basilici et al. 2009). (B) Episódio deposicional de rio efêmero com incipiente gradação. Martelo à base da camada, ponta do bastão de Jacob ao topo da camada. Martelo: 0,28 m. (C) Composição petrográfi ca dos arenitos de depósitos de rios efêmeros (litoarenitos). (Modif. de Basilici e Dal’ Bó 2010) 0,1-0,6 m, sendo formadas por arenito fi no a muito grosso mal selecionado, predominan- temente constituído por frag- mentos líticos de basaltos e, secundariamente, por quartzo monocristalino (Fig. 12C). Na base das camadas, observam-se poucos centíme- tros de seixos de basalto. Ra- ramente alguma camada con- glomerática é constituída por clastos intraformacionais de arenitos pelíticos com nódulos carbonáticos e mosqueamento. Interpretação A geometria des- tes corpos e as estruturas sedimentares sugerem preen- chimento de canais por efeitos de fl uxos subaquáticos. Os canais possuíam pro- vavelmente profundidades não superiores a 4 m e larguras de muitas dezenas de metros. Fluxos deposicionais turbulentos predominavam, ca- 531 A SUB-BACIA BAURU 22b ócrico; (ii) o alto conteúdo de carbonato de cálcio ou mag- nésio permite identifi car um horizonte Bk ou Bkm; (iii) são observados horizontes com argila iluviada (Bt). O desenvolvimento de aridissolos é fortemente condi- cionado pelo clima e pelo tempo. A precipitação é o principal controle da formação de aridissolos: quer seja a precipitação escassa, quer seja a precipitação concentrada em um período particular do ano. De fato, sob escassa precipitação e forte evaporação, as águas meteóricas que se infi ltram no solo não conseguem chegar no lençol freático e precipitam os mine- rais dissolvidos diretamente no perfi l do solo. A mesma água transporta também partículas de argila que se depositam nas paredes dos agregados, nos poros ou ao redor dos grãos. tipo granular ou em blocos de dimensões médias (1-3 cm de diâmetro). O horizonte B tem espessura de 0,2-1,3 m, é de cor marrom avermelhado (10R4/4), vermelho(10R4/6) ou vermelho claro (10R7/8). O horizonte Bt é caracterizado por iluviação de argilas, que é indicada por películas de argilas (argillans) entre os agregados. As argilas de neoformação são consti- tuídas por esmectita, paligorskita e sepiolita. Os horizontes Btk, Bk e Bkm são individualizados pela concentração de carbonatos de cálcio e magnésio. Em Btk, os carbo- natos estão presentes em fi lamentos ou películas (calcans); em Bk, estão concentrados em nódulos, frequentemente Figura 13. Aridissolos. (A) Os perfi s de aridissolos constituem a maioria dos paleossolos das unidades da porção setentrional da Bacia Bauru. Aridissolos podem ser distinguidos pela presença de horizontes Btk e Bk. (Modif. de Basilici e Dal’ Bó 2010). (B) Os arenitos que compõem o material parental dos paleossolos mais desenvolvidos (aridissolos, vertissolos e alfi ssolos) são constituídos por uma quantidade maior de quartzo e por menor quantidade de fragmentos de basalto se comparados aos arenitos de depósitos fl uviais e eólicos (Modif. de Basilici e Dal’ Bó 2010). (C) Os horizontes de concentração carbonato de cálcio podem constituir “camadas” espessas de até 1 m e de comprimento de algumas dezenas de metros. Moeda: 20 mm. coalescentes; e, em Bkm, formam camadas lenticulares lateralmente contínuas por alguns metros e frequentemente com feições bre- chadas (Fig. 13C). O horizonte B é caracterizado por agregados do tipo blocos subangulares ou prismáticos com dimensões de 0,1-0,3 m. Ra- ramente têm sido observadas estru- turas de tipo laminar. O horizonte C possui espes- sura de 0,3-0,5 m, é de cor vermelha (7,5R4/9, 7,5R4/6 ou 7,5R4/4) e estruturas pedogenéticas não são observadas nele, mas podem ser vi- síveis traços de lâminas ou camadas sutis plano-paralelas similares aos arenitos com estratifi cação trans- ladante cavalgante subcrítica que, frequentemente, são observados abaixo dos perfi s de paleossolos. Interpretação As características granulomé- tricas deste paleossolo, as microtex- turas dos clastos de quartzo, os traços de estruturas sedimentares obser- vadas nos horizontes C e a tran- sição gradual aos depósitos sugerem que a litofácies de arenitos com estratifi cação transladante constitui o material parental dos aridissolos. Segundo os critérios da Soil Survey Staff (2010), este tipo de paleossolo pode ser classifi cado na ordem dos aridissolos porque: (i) possui um sutil horizonte A de cor clara que, à falta de outras ca- racterísticas diagnósticas, pode ser identifi cado como um epipedon 532 Geologia do Brasil hidrólises evidenciam a concentração das bases no nível correspondente ao horizonte Btk; o índice de formação da argila indica o acúmulo desta por iluviação na parte mais profunda do perfi l; a hidratação mostra progressiva perda de alumina e ferro na parte alta do perfi l, com enriqueci- mento diferencial de sílica. Interpretação Segundo a classifi cação da Soils Survey Staff (2010) este tipo de perfi l tem sido interpretado como alfi ssolo porque: (i) é dominado por um espesso hori- zonte Bt; (ii) a parte superior do perfi l é dominada por processos de iluviação revelados pelo alto valor de índice de hidratação e por aumento para baixo do índice de for- mação de argila; (iii) o horizonte Bk está localizado na parte inferior do perfi l, indicando a capacidade da água meteórica de migrar até a parte mais profunda do solo; (iv) os traços de raízes são abundantes, indicando rica associação vegetal. Todos estes elementos indicam solo gerado sob condições de maior precipitação do que in- dicado pelos aridissolos e provavelmente cobertos por densa vegetação. De fato, as raízes maiores podem ser associadas a árvores e, aquelas de menor dimensão, a pe- quenos arbustos ou gramíneas de ciclo sazonal. Pode-se deduzir, desse modo, que a precipitação era concentrada Alfi ssolos Este tipo de paleossolo forma perfi s espessos de até 4 m, observados na parte alta da sucessão, e constitui so- mente 10% da espessura deste elemento arquitetural. O paleossolo possui as mesmas características tex- turais e petrográfi cas dos aridissolos, sendo que os alfi s- solos analisados são caracterizados por uma sequência de horizontes Bt/Btk, faltando o horizonte A. O horizonte Bt é de cor marrom avermelhado (10R5/4) ou marrom avermelhado opaco (10R6/3), sendo caracterizado por agregados prismáticos ou em blocos subangulares, separados por películas de argilas (argillans) calcário (calcans) e/ou manganês (mangans). Traços de raízes são comuns, das quais se reconhecem dois tipos: uma com diâmetro de 5-8 mm, que diminui conforme se aprofunda, e de comprimento >10 cm, e uma outra com diâmetro de 1-2 mm, com comprimento de poucos cen- tímetros e ramifi cada. Os traços de raízes de dimensões menores são mais abundantes na parte alta do horizonte Bt, enquanto os outros estão presentes em todo o perfi l. O horizonte Btk é reconhecível pela presença de nódulos carbonáticos, mas estes são menos comuns do que os aná- logos horizontes de aridissolos. As relações moleculares de intemperismo (índices de intemperismo) ajudam a defi nir os diferentes tipos de horizontes (Fig. 10). Calcifi cação e Figura 14. Vertissolos. Os perfi s de vertissolos são raros e associados a material parental argiloso, sendo também caracterizados por abundantes superfícies de fricção (slickensides). (Modif. de Basilici e Dal’ Bó 2010) Nos perfi s de solos, as alternâncias de ar- gillans e calcans indicam variações meteoroló- gicas, provavelmente de caráter sazonal ou pluria- nual. Mediante o uso de climofunções (Retallack 2005), foram calculadas taxas de precipitação de ~250 mm/a para estes paleossolos (Dal’ Bó et al. 2009), indicando, segundo a classifi cação de Köppen um clima semiárido. Paligorskita e sepio- lita também indicariam clima semiárido (Watson 1992). Em ambiente árido ou semiárido, os solos demoram muitos milhares de anos para desen- volver estruturas pedogenéticas bem defi nidas. Além disso, vários autores defi niram uma relação expressa em estágios de I a V entre a formação dos horizonte Bk ou Bkm com o tempo (Gile et al. 1966, Nettleton e Peterson 1983, Machette 1985, Monger et al. 1991). A maioria dos aridissolos mostra estruturas de horizontes Bk que podem ser classifi cadas como estágio III, indicando tempos de desenvolvimento de dezenas a poucas centenas de milhares de anos. Todavia, alguns paleossolos mostram fases de evolução maior (estágio V), indicando um período de tempo de desenvolvi- mento maior. O uso de uma cronofunção, proposta por Markevitch et al. (1990), indica um desenvol- vimento por este tipo de paleossolo de ~175.000 anos (Dal’ Bó et al. 2010). 533 A SUB-BACIA BAURU 22b solo. A presença nos horizontes Bss e Ck de carbonatos in- dica ainda condições climáticas em geral semiáridas. Entissolos Perfi s de paleossolos do tipo entissolos são relativa- mente frequentes, mas como as espessuras são pequenas, da ordem de 0,3-0,5 m, representam só 2,1% do elemento arquitetural, em espessura (Fig. 15). Os entissolos são alternados com depósitos de arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrí- tica e possuem a mesma textura e características petrográ- fi cas desta litofácies. Nos perfi s, falta o horizonte B; sendo caracterizados por uma sucessão A/Ck. O horizonte A possui espessura <0,1 m, é de cor vermelho clara (2,5YR6/8) ou marrom avermelhada (2,5YR5/8); raramente se observam películas de calcário e bioturbações. O horizonte Ck possui espessura de 0,3-0,4 m, é de cor vermelha (10R4/8 ou 10R5/8) e mostra laminações plano-paralelas pouco visíveis, horizontais ou de baixo ân- gulo. Interpretação A ausência do horizonte B, a reduzida espessura e a presença de um horizonte A que pode ser reconhecido como epipedon ócrico são elementos determinantes parareconhecer este tipo de paleossolos como entissolos. Entissolos são solos que se desenvolvem em pouco tempo, porém, climas áridos amplifi cam o seu tempo de formação. Esquema estratigráfi co e paleoambiental A sucessão sedimentar da área setentrional da Bacia Bauru é caracterizada em todos os 220 m de es- em um determinado período do ano, defi nindo, assim, o clima como do tipo de monções. Vertissolos Vertissolos constituem uma parte mínima do ele- mento arquitetural paleossolos (2,7% de espessura). Na região foram individualizados somente dois perfi s, com espessura máxima de 0,74 m (Fig. 14). Ambos mostram- -se organizados em horizontes Bss/Ck. Predomina ma- terial parental de granulometria fi na, formado por pelitos arenosos. As argilas são constituídas por esmectita, pali- gorskita e provavelmente sepiolita. O horizonte Bss é de cor vermelho claro (7,5R7/6) ou vermelho (7,5R5/8) e mostra estruturas em blocos subangulares separadas por superfícies de fricção (slickensides), que caracterizam uma estrutura chamada mukkara. Películas e nódulos de carbo- nato de cálcio estão presentes. O horizonte Ck, vermelho escuro (7,5R3/8 ou 7,5R3/6) caracteriza-se por falta de estruturas e é cimentado por carbonato de cálcio. Interpretação A presença de uma estrutura pedogenética como a mukkara, a textura fi na do material parental e as argilas expansivas permitem interpretar este tipo de paleossolo como vertissolo. Vertissolos não são ligados, pela própria gênese, a uma particular condição ambiental (climática, topográfi ca ou biológica). Formam-se em tempo breve (poucas dezenas de anos), período durante o qual o material parental, consti- tuído por argilas expansivas, forma-se graças a repetidas ex- pansões e contrações ligadas a alternâncias de umidifi cação e dessecação (Ahmad 1983, Heidari et al. 2008). Climas com variações sazonais da umidade e consequentes varia- ções do lençol freático favorecem a formação desse tipo de Figura 15. Entissolos. Os perfi s de entissolos são relativamente frequentes, porém, sendo de espessura não superior a 0,74 m, constituem uma parte menor da sucessão sedimentar (Modif. de Basilici e Dal’ Bó 2010). pessura por alternâncias entre os elementos arquiteturais paleossolos e depósitos de lençol de areia eólica. Localmente, a sequência é in- terrompida pelo elemento arquitetural rios efêmeros, porém, sem uma ordem aparente (Fig. 16). A sedimentação na porção setentrional da Bacia Bauru foi dominada por processos de tipo eólico que construíram extensos depósitos de areia, provavelmente caracterizados por dunas de baixa altura do tipo nabkha ou zibar. Pro- cessos deposicionais ligados a fl uxos subaquá- ticos representam percentual mínimo do registro sedimentar. De fato, os processos paleopedoge- néticos dominam a sucessão sedimentar: 66% da espessura total é constituída por paleossolos, cujas características de material parental indicam que se desenvolveram acima dos depósitos eólicos an- teriores em período de êxtase da sedimentação. 534 Geologia do Brasil paleossolo que se alternam entre si na sucessão sem apa- rente ordem: arenitos com lâminas crenuladas, arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica, arenitos com laminações cruzadas acanaladas e alfi ssolos. Depósitos Os arenitos com lâminas crenuladas possuem granu- lometria muito fi na a fi na caracterizada por lâminas plano- -paralelas irregularmente e debilmente onduladas, crenu- ladas ou mal defi nidas, com cores que variam entre vermelho (10R4/8) e cinza claro (2,5T7/1) (Fig. 18A). As lâminas podem mostrar localmente pequenos domos e ondulações (Fig. 18A), observando-se, às vezes, marcas de raízes con- tendo uma pequena parte de substância orgânica preservada e halos cinzas. Arenitos com estratifi cação transladante ca- valgante subcrítica são observados também nesse intervalo e mostram os mesmos aspectos já descritos anteriormente. Arenitos com laminações cruzadas acanaladas são de granulometria muito fi na a fi na e cobrem os outros de- pósitos ou os paleossolos com contato erosivo. As lami- Assim, a sucessão sedimentar registra alternância de fases de sedimentação eólica com fases de interrupção de sedimentação e pedogênese. As causas e efeitos desses processos, que geraram a construção da sucessão sedimentar da Bacia Bauru nesta porção setentrional, serão amplamente descritos mais adiante. ÁREA ORIENTAL DA BACIA BAURU Na área oriental da Bacia Bauru, a pesquisa tem sido desenvolvida nos municípios de Marília, Echaporã e Monte Alto (Fig. 1). Em particular, no município de Echaporã, foi medida uma sucessão de espessura de 245 m, caracterizada por três intervalos com as- pectos sedimentológicos e paleopedológicos diferentes (Fig. 17). Os três intervalos, aqui chamados simples- mente de inferior, intermediário e superior, provavel- mente correspondem à parte das unidades reconhecidas nesta área por autores anteriores (Fernandes e Coimbra 1994, Batezelli 2003, CPRM 2004), ou seja: formações Araçatuba, Adamantina e Marília. Intervalo inferior O intervalo inferior possui espessura de cerca de 35 m (cotas de 405 a 440) e é caracterizado por alternâncias de depósitos com paleossolos. Os depósitos são produzidos por fl uxos suba- quáticos ou subaéreos, enquanto os paleossolos cons- tituem percentual não superior a 40% da espessura. Reconhecem-se três tipos de depósitos e um tipo de Figura 17. Esquema estratigráfi co-sedimentológico da sucessão do Grupo Bauru na área ocidental da Bacia Bauru (Serra de Echaporã). A sucessão medida permite distinguir três intervalos chamados simplesmente de inferior, intermediário e superior, cujos aspectos paleopedogenéticos e deposicionais são diferentes. Tais intervalos podem corresponder a algumas unidades já reconhecidas por autores anteriores. Veja o texto para discussão. As espessuras dos perfi s de paleossolos e de depósitos não estão em escala. Figura 16. Esquema arquitetônico da sucessão sedimentar da Bacia Bauru na área setentrional. Os paleossolos constituem a maioria do registro sedimentar e são alternados com depósitos de lençol de areia eólica produzidos por pequena duna tipo nabkha ou zibar que possuem uma limitada continuidade lateral. Depósitos de rio efêmero são relativamente raros e não mostram aparente ordem sequencial. (Modif. de Basilici e Dal’ Bó 2010) 535 A SUB-BACIA BAURU 22b nadas. A escassez de carbonato de cálcio no perfi l sugere que o sal foi lixiviado, sugerindo precipitações sufi cientes para permitir o processo e/ou a presença de um lençol freático relativamente próximo da superfície topográfi ca. O mosqueamento cinza claro pode ser atribuído a gleying, indicando estagnação da água local e temporal no perfi l do solo. Os paleossolos podem ser identifi cados como al- fi ssolos, com base no espesso horizonte Bt e no profundo acúmulo de bases no perfi l do paleossolo. Os paleossolos indicam fase de interrupção dos processos deposicionais, provavelmente ligados ao aumento das precipitações e ao incremento da cobertura vegetal, que diminui a disponibi- lidade de sedimentos, bem como a ação de erosão e trans- porte por vento e águas não canalizadas. Intervalo intermediário O intervalo intermediário possui espessura de 60 m (440 a 500), sendo formado por depósitos eólicos interes- tratifi cados com perfi s de paleossolos pouco evoluídos que constituem 30% da espessura do intervalo. Os depósitos são constituídos por arenitos muito fi nos a médios, em geral fi nos, organizados em lâminas ou camadas sutis, frequentemente com gradação inversa, plana ou de baixo ângulo que formam cosets espessos até 2,5 m e que se cortam um ao outro de forma tabular ou lenticular (Fig. 18D). Este tipo de litofácies corresponde aos arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica e é produto deposicional demarcas onduladas de vento sobre superfícies secas (Hunter 1977). nações cruzadas possuem altura de 5-25 mm e ângulo de mergulho entre 20° a 25° (Fig. 18B). Interpretação Os arenitos com lâminas crenuladas ou com pe- quenos domos e ondulações podem ser associados a es- truturas de adesão (Kocurek e Fielder 1982) que são pro- duzidas por transporte e deposição de areia pelo vento, acima de uma superfície úmida. As lâminas plano-para- lelas irregularmente e debilmente onduladas, crenuladas ou mal defi nidas corresponderiam, na classifi cação de Kocurek e Fielder (1982), a laminações de adesão (adhe- sion laminations) que seriam produzidas por transporte do vento em uma superfície debilmente úmida, onde os grãos, atraídos por adesão capilar, são distri buídos em su- perfície plana. As lâminas com pequenos domos e ondulações corresponderiam às verrugas de adesão (adhesion warts de Kocurek e Fielder 1982) provavelmente associadas a fl uxos irregulares do vento ou deformações das lâminas produzidas por microtopografi a preexistente ou for- mação de nódulos de minerais evaporíticos. Os arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica são produto de deposição eólica de marcas onduladas sobre uma superfície seca. Por fi m, os arenitos com laminações cruzadas acanaladas são produto de marcas onduladas de corrente subaquática. Assim, os processos deposicionais eram predominantemente caracterizados por transporte eólico sobre superfícies úmidas ou secas e, em parte, por inundações ocasionais. Figura 18. (A) Intervalo inferior. Arenitos muito fi nos com laminações plano- paralelas, debilmente onduladas e crenuladas (lpp) ou com pequenos domos (va) correspondem respectivamente a estruturas de adesão produzidas por areia depositada por vento sobre uma superfície úmida, provavelmente de um playa- lake. (B) Intervalo inferior. Lâminas plano-paralelas (de) que correspondem à estratifi cação transladante cavalgante subcrítica produzida por marcas de vento alternam-se com a marca de correntes subaquáticas (ds) produzidas por fl uxos subaquáticos não canalizados. (C) Intervalo inferior. Paleossolos com estruturas em blocos angulares (seta azul) e marcas de gleying (setas amarelas). (D) Intervalo intermediário. Perfi s de paleossolos pouco desenvolvidos (p) alternam-se com depósitos eólicos produzidos por marcas de vento (de). Paleossolos Os paleossolos formam perfi s espessos de 0,6-1,5 m. O material parental é constituído por arenitos muito fi nos a fi nos com boa seleção; a cor é marrom avermelhada brilhante (2,5YR5/6 ou 5YR5/8), porém é frequente observar mosquea- mento de cor cinza clara (5T7/2), cuja distribuição na superfície de afl oramento não é superior a 10% (Fig. 18C). O contato superior com os depósitos é brusco e o inferior, gradual. Os paleossolos mos- tram um horizonte Bt espesso caracterizado por agregados em blocos angulosos com diâmetros de 30-70 mm separados por películas de argila. Bio- turbação animal e vegetal é muito frequente. O acúmulo de carbonato de cálcio é muito escasso, representado por poucas películas de calcário e raros nódulos. Interpretação O material parental deste paleossolo deriva de arenitos eólicos. A cor marrom avermelhada dos perfi s e a presença de películas de argila indica que os paleossolos possuíam condições bem dre- 536 Geologia do Brasil racterísticas estratigráfi cas diferentes. O intervalo inferior possui espessura de 50 m e é dominado por depósitos, que constituem 60% da espessura e são interestratifi cados com paleossolos com alto grau de evolução. Estes últimos são caracterizados por espessos horizontes Bt e ausência de horizontes Bk. Os depósitos são predominantemente de natureza eólica e em mínima parte associados a fl uxos su- Os paleossolos possuem, como material parental, os mesmos arenitos dos depósitos, indicando que constituem fase de interrupção da deposição eólica e de pedogênese dos depósitos anteriores. Os perfi s possuem espessura de 0,1-0,5 m e são caracterizados por intensa biotur- bação e resíduos de lâminas plano-paralelas. Os perfi s de paleossolos não mostram estrutura pedogenética nem ho- rizontes B e em geral podem ser defi nidos como perfi s A/C. Estas características, como já descrito, permitem classifi car os paleossolos como entissolos, quer dizer, solos com um baixo grau de evolução. Intervalo superior O intervalo superior possui espessura de 150 m (500 a 650) e é quase completamente constituído por perfi s de paleossolos que alcançam uma distribuição em espessura de 90%. Os depósitos são formados por arenitos fi nos a médios, com espessura de 0,1-0,3 m, organizados em lâ- minas e sutis camadas com gradação inversa que podem ser identifi cadas como estratifi cação transladante caval- gante subcrítica. Frequentemente clastos intraformacio- nais de pelitos arenosos são acumulados paralelamente às lâminas, como observado anteriormente (Fig. 19A). As camadas mostram geometria tabular ou lenticular; o con- tato inferior é erosivo e o contato superior, gradual, com os paleossolos. Os perfi s de paleossolos são formados por arenitos fi nos a médios, com boa seleção e clastos arredondados, mostrando assim características texturais similares aos depósitos com os quais são interestratifi cados (Fig. 19B). Sua espessura varia de 1-3,5 m e sua organização é cons- tituída pelos seguintes horizontes A/Btk/Bk (ou Bkm)/ Ck, em modo muito similar ao que fora descrito na porção setentrional da Bacia Bauru. Frequentemente se observam marcas de raízes verticais de grandes dimen- sões (80 mm de diâmetro), que podem ser identifi cadas como sinker. Por estas características, a maioria dos perfi s de paleossolos pode ser classifi cada como de aridissolos. Todavia, têm sido observados também paleossolos com material parental constituído por pelitos arenosos e estru- turas bem desenvolvidas do tipo mukkara (horizonte Bss), cujos agregados em blocos a losango são separados por superfícies de fricção e acúmulos de carbonatos de cálcio (Fig. 19C). Os paleossolos que podem ser classifi cados como vertissolos sugerem intermitentes variações da umidade sob clima caracterizado por valores de evapotranspiração/ precipitação maior que 1. Esquema estratigráfi co e paleoambiental A sucessão estratigráfi ca exposta na área oriental da Bacia Bauru, em particular nas proximidades do muni- cípio de Echaporã, é formada por três intervalos com ca- Figura 19. Intervalo superior. (A) Depósitos de arenitos fi nos e médio com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica (de) alternados a paleossolos (p) mostram frequentemente conglomerados intraformacionais originados por dessecação, fraturamento e erosão de anteriores depósitos pelíticos de enchentes. Martelo, indicado com seta: 0,28 m. (B) Perfi s de paleossolos, provavelmente aridissolos. A escarpa é alta, com pouco mais de 5 m. (C) Vertissolo com típica estrutura mukkara, que é evidenciada por películas de calcário (calcans) (seta amarela). Nota-se que a estrutura mukkara sobrepõe-se a uma estrutura em blocos com gleying (seta branca) mais antiga. Moeda: 20 mm. 537 A SUB-BACIA BAURU 22b constituído por arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica gerados por marcas onduladas de vento que provavelmente construíram dunas alongadas, de baixa altura e sem lado com avalanche (slipface). Ainda não é claro se eram dunas fi xas, paralelas à direção do- minante de transporte eólico, formadas no lado sotavento de arbustos ou obstáculos (nabkhas) (Hesp 1981, Lan- gford 2000) ou eram dunas migrantes, oblíquas ou per- pendiculares à direção resultante de transporte eólico da areia (zibars) (Nielson e Kocurek 1986, Biswas 2005). Os dois tipos de dunas são típicos de ambiente deposicional desértico relativamente plano, chamado de lençol de areia eólica (aeolian sandsheet), onde são ausentes grandes dunas com lado sotavento que mostram avalanche (Fig. 20A). O sistema deposicional, em geral localizado às margens de grandes sistemas de erg (mar de areia), mas que pode também constituir grandes sistemas autônomos, como o lençol de areia eólica Selima (Maxwell e Haynes Jr. 2001) –, é dominado por uma série de fatores que causam uma escassa disponibilidade de areia e que inibem o cresci- mento de grandes dunas. Kocurek e Nielson (1986) reconheceram os se- guintes fatores como inibidores da disponibilidade de areia e consequentemente da formação de grandes dunas: (i) presença de material clástico de natureza grossa, do tamanho de areia fi na a grossa até seixo; (ii) superfícies cimentadas ou cobertas por seixos; (iii) enchentes pe- riódicas; (iv) presença de vegetação; (v) nível do lençol freático alto. Os primeiros três fatores, e provavelmente também o quarto, podem ser identifi cados na sucessão sedimentar estudada. Os depósitos arenosos possuem granulometria de fi na a média, mas são frequentes areias grossas ou muito grossas, grânulos e seixos. Superfícies ci- mentadas são constituídas pelos horizontes Bk ou Bkm dos paleossolos e sutis camadas de seixos alinhados são relativamente frequentes. Enchentes periódicas são teste- munhadas pelas camadas de areias conglomeráticas e de pelitos arenosos. A presença de vegetação pode ser dedu- zida pelas bioturbações atribuíveis a marcas de raízes, em- bora não sejam frequentes. A análise das litofácies do intervalo inferior da sucessão, na área oriental da Bacia Bauru, mostra que os depósitos eólicos formaram-se sobre superfície alterna- vativamente úmida e seca, onde arenitos com estruturas do tipo laminações e verrugas de adesão alternam-se com arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrí- tica. A área pode ser identifi cada como de superfície muito plana, com lençol freático alto e oscilante, mas nunca com nível de água acima da superfície topográfi ca, exceto du- rante as enchentes ocasionais. Tal área pode ser descrita como playa ou como playa-lake (sensu Briere 2000), ou seja, uma área árida intracontinental, com balanço nega- tivo da água, alternativamente úmida e seca (Fig. 20B). baquáticos não canalizados. O intervalo intermediário é es- pesso 55 m e é dominantemente constituído por depósitos eólicos. A estes, alternam-se perfi s de paleossolos pouco es- pessos e desenvolvidos. O intervalo superior, com espessura de 180 m, é quase inteiramente constituído por paleossolos com alto grau de evolução e horizontes Bk ou Bkm bem defi nidos. Os poucos depósitos observados são associados a processos eólicos. O intervalo superior corresponde aos afl oramentos próximos aos municípios de Marília e de Monte Alto. Além disto, o intervalo superior é similar à sucessão estudada na área setentrional da Bacia Bauru, des- crita, mas dela se diferencia por exibir quantidade mínima de depósitos eólicos preservados (quer dizer, não paleope- dogenizados) e por não mostrar depósitos de canais fl uviais (Fig. 17). A interpretação das litofácies e dos paleossolos per- mite defi nir condições paleoambientais diferentes para os três intervalos. O intervalo inferior formou-se por processos deposicionais predominantemente eólicos, sob condições climáticas áridas ou semiáridas e em topografi a plana, caracterizada por lençol freático próximo da superfície. Enchentes ocasionais reelaboravam a areia depositada pelo vento e geravam estruturas subaquáticas. O sis- tema deposicional pode ser interpretado como uma área subaérea, plana, às vezes com lençol freático próximo à superfície e ocasionalmente invadido pelas águas, que nos sistemas atuais corresponderia ao que é chamado de playa ou playa-lake (sensu Briere 2005). O intervalo intermediário depositou-se exclusiva- mente por processos eólicos em um ambiente com um lençol freático profundo. Marcas onduladas de vento cons- truíram dunas achatadas sem face de avalanche, do tipo nabkha ou zibar. Os entissolos interestratifi cados com os depósitos indicam um breve tempo de êxtase da sedimen- tação e provavelmente breves períodos de mudanças cli- máticas com aumento da pluviosidade. O intervalo supe- rior registra o domínio dos processos paleopedogenéticos sobre os processos deposicionais na geração da sucessão. Provavelmente a maioria dos fenômenos deposicionais originais foi controlada pela ação eólica, pelo que se deduz da natureza do material parental dos paleossolos. A presença de paleossolos e consequentemente de cobertura vegetal indicaria também condições climáticas mais úmidas no intervalo intermediário. SIGNIFICADO PALEOAMBIENTAL E ESTRATIGRÁFICO PALEOAMBIENTE Os depósitos da Bacia Bauru nas áreas setentrional e oriental foram gerados por processos eólicos em ambiente intracontinental desértico. O depósito mais frequente é 538 Geologia do Brasil Entissolos não dão indicações paleoambientais. De fato, entissolos indicam um tempo de desenvolvimento dos solos extremamente breve (em geral poucas centenas de anos), ou seja, com uma breve interrupção dos pro- cessos sedimentares. Aridissolos formaram-se em condições climáticas árida ou semiárida e em tempos da ordem de muitos mi- lhares ou dezenas de milhares de anos. Dal’ Bó et al. (2009, A contribuição sedimentar de fl uxos subaquáticos canalizados e não canalizados é ocasional e insignifi cante do ponto de vista da produção de volume de sedimentos. De- pósitos de fl uxos não canalizados (enchentes) foram obser- vados em toda a área estudada; formam camadas de poucos milímetros até 0,4 m (Fig. 20C). Corpos de depósitos canali- zados (conglomerados arenosos e arenitos conglomeráticos), que correspondem a sedimentos de rios efêmeros, foram ob- servados somente na porção setentrional da área estudada, onde constituem 10% da sucessão sedimentar. Embora os depósitos gerados por fl uxos subaquáticos não constituam um volume importante na estratigrafi a da Bacia Bauru, na realidade os processos ligados a sistemas subaquáticos cana- lizados e não canalizados constituíram os principais agentes de transporte primário de sedimento no interior da bacia dominada por processos de deposição eólica. O material parental dos paleossolos encontrados (aridissolos, alfi ssolos e entissolos) é constituído por depó- sitos eólicos na maior parte correspondentes aos arenitos com estratifi cação transladante cavalgante subcrítica e em menor parte aos depósitos formados em áreas de playa ou playa-lake. Esse padrão é sugerido pelas características texturais dos arenitos, pelas microtexturas dos grãos de quartzo e pela transição para baixo dos horizontes C dos paleossolos para depósitos eólicos. Somente os vertissolos, que necessitam de mais de 30% de material constituído por argilas expansivas para se formar, possuem material parental diferente, provavelmente formado pelos depó- sitos de enchente no lençol de areia. Os paleossolos distribuem-se de maneira desigual na sucessão estratigráfi ca estudada. No intervalo inferior da área oriental da Bacia Bauru predominam paleossolos do tipo alfi ssolos; no intervalo intermediário da porção oriental, dominam entissolos; no intervalo superior da parte oriental e na área setentrional, os paleossolos predo- minantes são aridissolos com menor presença de alfi ssolos, vertissolos e entissolos. Alfi ssolos formaram-se em condições de relativa alta precipitação, como sugerem o espesso horizonte Bt e o pro- fundo e pouco desenvolvido horizonte Bk. A aplicação de climofunções (Retallack 1994 e 2005, Sheldon et al. 2002) resultou em valores de paleoprecipitação de ~900 mm/a. Tais hipóteses paleoclimáticas são sustentadas pela abun- dância de marcas de raízes nos horizontes. Os dois tipos de marcas de raízes encontrados indicam dois tipos de asso- ciação vegetal: uma
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