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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE PORTO ALEGRE/RS Processo nº : ... Jurema da Silva, já qualificada nos autos em epígrafe, através de seu advogado infra-assinado, com procuração anexa, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por não se conformar com a decisão de fls. 100 e 102, interpor o presente RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, nos termos do art. 581, IV, do Código de Processo Penal. Neste ensejo, requer seja recebido o recurso e procedido o juízo de retratação, nos termos do art. 589, do Código de Processo Penal. Se mantida a decisão, requer seja o recurso encaminhado ao Tribunal de Justiça, com as razões já inclusas, para o seu devido processamento. Nestes termos pede deferimento, Porto Alegre/RS, 12 de fevereiro de 2021. _________________________ Advogado(a)... OAB n°… EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO RECORRENTE: Jurema da Silva RECORRIDO: Ministério Público Processo n. ... RAZÕES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO COLENDA CÂMARA I- DOS FATOS O Ministério Público ofereceu denúncia contra Jurema, imputando-lhe a prática de homicídio doloso simples, na modalidade dolo eventual (Art. 121 c/c Art. 18, I parte final, ambos do Código Penal). O órgão ministerial argumentou a imprevisão de Jurema acerca do resultado que poderia causar ao não ligar a seta para realizar a ultrapassagem, além de não atentar para o trânsito em sentido contrário. A denúncia foi recebida pelo juiz de 1º grau, e finda a instrução probatória, o juiz decidiu pronunciar a ré pelo delito de homicídio simples, na modalidade dolo eventual. Jurema trafegava com seu veículo em uma via de mão dupla. Atrasada para um compromisso, mas ainda assim dirigindo nos limites da velocidade permitida, ela decidiu ultrapassar o carro à sua frente, o qual estava abaixo da velocidade. No entanto, ao realizar a manobra, a ré não ligou a seta de sinalização e veio atingir o motociclista Diogo, que estava em alta velocidade com sua moto no sentido oposto da via. A própria Jurema chamou socorro a fim de ajudar a vítima, mas Diogo faleceu em virtude dos ferimentos causados pela colisão. II- DO DIREITO a) Do Dolo A recorrente não cometeu qualquer conduta típica, na medida em que não há imputação penal sem culpa, sob pena de se constituir verdadeira responsabilidade objetiva. A ultrapassagem ao veículo não ocorreria se o veículo à frente estivesse em velocidade regular. Identicamente, a motocicleta, se não estivesse em alta velocidade, manteve a manobra de ultrapassagem e evitaria o choque entre os veículos. Ainda, a alta velocidade da motocicleta dificultou a visão e a previsão do tempo normal de ultrapassagem, que a recorrente supôs ser maior, efetivamente, do que ocorreria se a motocicleta estivesse em velocidade compatível com a da rodovia. Assim a decisão de ultrapassagem foi motivada por única e exclusivamente pela lentidão do veículo a frente, e a alta velocidade da motocicleta, implicou um tempo menor ou exíguo de ultrapassagem, fato que não se insere na previsibilidade da recorrente, pois, frente às circunstâncias, não poderia supor que a motocicleta estivesse acima da velocidade permitida na rodovia. Não há voluntariedade ou previsibilidade na conduta. Não há dolo direto ou eventual de matar haja vista sua conduta não se dirigir ao resultado penalmente imputado, morte, nem o perseguiu, nem o poderia prever, ou verdadeiramente desejou, haja vista ser motivada pela baixa velocidade do veículo a frente, faltando o nexo etiológico para untar a conduta do agente ao resultado penalmente imputável. Trata-se, portanto, de conduta atípica desprovida de dolo, não havendo crime conforme se lê da previsão do art. 18, I do CP. b) Da Culpa Não há o que se falar em culpa na conduta da recorrente, pois não possuía domínio dos fatos, não os gerou, nem concorreu para o resultado morte do agente. Não há previsibilidade no choque dos dois veículos, muito menos sua voluntariedade, sem o que colocou em risco a vida da própria recorrente. As condutas culposas negligência, imprudência e imperícia, aspectos objetivos para imputação penal culposa, prevista nos crimes de homicídio – Art. 121, §3º do CP, e nos demais tipos penais culposos do Direito Penal. Não houve negligência, imprudência ou negligência, pois a recorrente em toda a linha de conduta, se apresenta com dever de cuidado objetivo, obedecendo todas as regras de uma condução segura, ao contrário, a falta de cuidado objeto, maculando as regras de tráfego, incidiu no motorista, que dirigia abaixo da velocidade mínima recomendada, imputando a necessidade de ultrapassar; e ao motociclista que trafegava em sentido contrário, em alta velocidade. Assim, a falta do núcleo objetivo dos crimes culposos, negligência, imperícia e imprudência, previsto no art. 18, II do CP, afasta a imputabilidade penal do recorrente. Não houve voluntariedade da conduta. A ação de ultrapassar ocorreu em virtude da conduta de terceiro, que trafegava com o automóvel abaixo da velocidade regulamentar, afastando a incidência do núcleo do tipo penal matar, que jamais se ligou à conduta da recorrente. Igualmente, não houve a previsibilidade do evento pelo recorrente, pois a alta velocidade da motocicleta, impõem circunstância anterior imprevisível, que contribuiu sozinha para o choque dos veículos, levando o resultado morte, incidindo assim a regra do art. 13 caput do CP, elidindo assim a culpa e o dolo da recorrente, portanto conduta atípica. c) Da desclassificação para homicídio culposo Nobres julgadores, de acordo com os autos, em momento nenhum está evidenciado que a ré assumiu o risco de provocar a morte da vítima, sendo que conduzia seu veículo dentro dos limites da velocidade imposta à via. Ela estava preocupada pelo atraso diante de um importante compromisso profissional, e por um lapso, mas ainda dentro dos limites de velocidade, esqueceu de ligar a seta sinalizadora, o que poderia ter evitado o acidente. Some-se o fato também que a vítima conduzia a sua motocicleta em alta velocidade. O dolo eventual se configura quando o agente prevê o resultado, mas ainda assim assume risco de provocá-lo. Tal hipótese não se adéqua a conduta da recorrente. Ela agiu com imprudência, sem o devido cuidado na ação, o que caracteriza culpa em sua conduta comissiva. Imperioso, pois, que o delito de homicídio doloso seja desclassificado, nos termos do art. 419, do Código de Processo Penal, para homicídio culposo na direção de veículo automotor, previsto no caput do art. 302, do Código de Trânsito Brasileiro, sem incidir a causa de aumento de pena prevista no inciso III do referido artigo, pois provado está nos autos que Jurema prestou socorro à vítima. Com efeito, o Tribunal do Júri não é competente para o julgamento do feito. III- DOS PEDIDOS Ante o exposto, requer que o recurso seja conhecido e provido, e que a decisão do juízo a quo seja REFORMADA a fim de que o delito seja desclassificado, nos termos do art. 419, do Código de Processo Penal, de forma que a recorrida responda pelo delito de homicídio culposo na direção de veículo automotor, previsto no art. 302, do Código de Trânsito Brasileiro, e os autos sejam remetidos para o juízo competente. Nestes termos, pede deferimento, Porto Alegre/RS, 12 de fevereiro de 2021. ___________________________ Advogado(a)... OAB nº...