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Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Esclerose Sistêmica Faz parte das colagenoses e é uma doença inflamatória crônica do tecido conjuntivo, que é caracterizada pelo acometimento do endotélio dos vasos, principalmente os de pequeno e médio calibre, evoluindo para uma endarterite proliferativa isquêmica. Sendo que essas alterações vão promover um distúrbio intrínseco do fibroblasto, que determina uma fibrose progressiva cutâneo e visceral, que é limitante de forma funcional. *É uma doença monofásica, portanto, não tem fases de remissões e recidivas, é uma única onda de lesão tecidual. Portanto, o mecanismo da esclerose sistêmica vai possuir alguns elementos, que são as alterações vasculares, que vão levar a fibrose, e vão culminar nos principais sintomas, e ainda possui a presença de autoanticorpos específicos. Em relação a epidemiologia da doença, ela é pouco frequente, tem uma prevalência de 50 a 300 casos a cada milhão de habitantes, tem uma incidência que varia de 2,3 a 22,8 casos a cada milhão de habitantes por ano. Ocorreu um aumento da prevalência da doença por conta da melhora da sobrevida do paciente diagnosticado, sendo que ela predomina no sexo feminino (3-8:1), da 3ª a 6ª década de vida e tem um discreto predomínio na raça negra. Classificação A esclerose sistêmica se classifica em 3 tipos, a limitada, a difusa e a sine scleroderma. 1. ES limitada: Há um envolvimento cutâneo que é restrito às extremidades dos membros e face (lento), sendo que essa forma se apresenta com muito mais calcinose que as demais. Possui um proeminente acometimento vascular, com fenômeno de Raynaud bem exuberante e teleangiectasias. Tem uma elevada incidência de acometimento visceral e o anticorpo anticentrômero predomina. 2. ES difusa: Possui um envolvimento cutâneo generalizado com uma rápida progressão, envolvendo todos os membros, tórax, abdome, etc e formam-se contraturas articulares e crepitação tendínea (fator de mau prognóstico), há um comprometimento visceral precoce. Os principais anticorpos presentes nessa forma são o Ac. antitopoisomerase I (anti-Scl 70) e anti-RNA polimerase III. 3. ES sine scleroderma: é a forma que não há o envolvimento cutâneo, ausência da fibrose cutânea e o paciente, geralmente, expressa com um comprometimento visceral, que, na maioria das vezes é pulmonar. Para classificar o quão avançado ou extenso é o acometimento, foi criado o escore cutâneo de Rodnan modificado, cada área recebe uma nota de acordo com a fibrose pela análise do pregueamento em vários setores da superfície, e, a partir disso, vemos a extensão da doença. No total, são analisadas 17 áreas, o máximo de pontos que ele pode receber é de 51 pontos, sendo que uma pontuação maior que 40 significa um mau prognóstico. Patogênese Acontece por algum gatilho ou algum motivo que ativa o sistema imune do paciente, levando a um distúrbio do endoteliócito, que vai culminar numa microangiopatia, levando a uma endarterite proliferativa. Isso vai causar um distúrbio intrínseco dos fibroblastos que vai começando a trabalhar e fazendo a fibrose, deixando o lúmen mais estreito, isso pode ser na pele ou vísceras, até que tenha uma redução importante da luz do vaso Lucas Melo – Medicina Ufes 103 pela deposição de colágeno pelos fibroblastos que vai culminar com isquemia dos órgãos acometidos. A partir desse mecanismo, os pacientes vão desenvolver vários tipos de manifestações clínicas, sendo elas cutâneas (muitas úlceras em mão e ponta de dedo, é muito limitante pois se usa a mão em quase tudo que fazemos), vasculares, musculoesqueléticas, TGI (principalmente no esôfago), coração, pulmão, rim, SNC e SN periférico. Manifestações Clínicas É importante dizer que a esclerose sistêmica possui duas fases, a fase inicial, carcaterizada por um edema inflamatório, e a fase tardia, carcaterizada por fibrose progressiva e atrofia tecidual. Em relação as manifestações cutâneas, na fase inicial há muito prurido (generalizado), quando essa é a única manifestação, o diagnóstico se torna difícil, há um edema nessa fase também, a pele do paciente chega a brilhar, o ideal é que se faça o diagnóstico nessa fase, que ainda é uma fase inflamatória, e conseguimos reverter pois ainda não houve deposição. Ainda há perda capilar, aderência da pele aos planos profundos, diminuição da elasticidade cutânea na face, tronco e extremidades, microstomia (diminuição do lábio com abertura oral muito pequena), leucomelanodermia (áreas de hipo e hiperpigmentação salteadas na pele, principalmente no colo), acrosclerose, garra esclerodérmica, acrosteólise (reabsorção óssea neurovascular), alterações de capilares periungueais, úlcera e cicatrizes de úlceras digitais, teleangiectasias (como o número de capilares diminui por conta da fibrose, os que sobram se dilatam) e calcificações cutâneas (calcinose). Paciente com microstomia e teleangiectasia em face. Fásceis esclerodérmica. Presença de acrosclerose (esclerodactilia), que é a fibrose da derme superficial e profunda com as bainhas de colageno em torno de vasos e anexos cutâneos (as pregas cutâneas normais vão desaparecendo e não conseguimos pinçar os tecidos moles dessas regiões), isso vai levar uma absorção óssea concêntrica das falanges, que é a acrosteólise, que vai culminar na garra esclerodérmica. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Leucomelanodermia, que são as áreas de hiperpigmentação e despigmentação salteadas, chamadas de salt and pepper (sal e pimenta). Calcificação de partes moles. Acrosteólise. A evolução do paciente é a seguinte, primeiro começa com um fenômeno de Raynaud, que é tão violento que gera bastante isquemia, levando a uma acrosclerose, depois acrosteólise e logo em seguida a garra esclerodérmica, que não é a fase que queremos encontrar o doente, pois não conseguimos fazer mais muita coisa quando o diagnóstico é feito nessa fase. A ES limitada também é chamada de CREST, pois possui calcinose, fenômeno de Raynaud, esofagopatia, esclerodactilia e teleangiectasia. *Síndrome de CREST está relacionada com a incidência elevada de ac anticentrômero (AAC). *Na forma difusa, os anticorpos anticentrômero (ACC) não costumam estar presentes. Exemplo de calcinose. A manifestação vascular decorre de episódios reversíveis de vasoespasmos de extremidades, associados a alterações de coloração típicas que ocorrem após exposição ao frio ou em situações de estresse, sendo que há 3 fases desse fenômeno: O vaso se fecha, o que gera uma palidez, ele fica fechado, o que gera uma cianose, causando a diminuição de oxigênio nas celulas, até que Lucas Melo – Medicina Ufes 103 acontece uma vasodilatação reflexa, que é o momento do rubor, que é a reperfusão do tecido. 1. Palidez (fase isquêmica). 2. Cianose (causada por venoestase e desoxigenação). 3. Rubor (hiperemia reativa/reperfusão). Esse fenômeno de Raynaud acontece, principalmente, em mãos e pés, mas pode acontecer em qualquer parte do corpo, sendo que a ES é a doença reumatológica que mais cursa com fenômeno de Raynaud, lembrando que ele pode ser primário isolado e benigno, sem relação com nenhuma doença, esse não abre úlceras digitais e tem uma idade mais precoce de 15 anos, em mulheres e possui capilaroscopia digital normal, essa forma primária é conhecida como doença de Raynaud, a principal diferença entre ela e a esclerose sistêmico é a ausência de úlceras digitais. Imagem mostrando o fenômeno de Raynaud intenso que leva a úlcera digitais que são muito dolorosas, limitando muito o paciente, sendo que se elas aparecem de forma precoce, o paciente tem prognóstico ruim e diminuição da sobrevida. *Associado ao anticorpo antitopoisomerase I (anti- Scl-70). As manifestações musculoesqueléticaspodem ser artralgia, artrite, mialgia, fraqueza muscular (toda vez que o paciente apresentar mialgia ou fraqueza muscular, pensar que ele está tendo um overlap, ou seja, uma associação com uma miopatia inflamatória), e contraturas articulares: fibrose de tendões e estruturas periarticulares, principalmente em cotovelos. Em relação ao TGI, 90% dos pacientes vão ter um acometimento de esofago, apresentando disfagia média e distal, hipocinesia ou rigidez esofágica hérnia esofágica, DRGE, além de comprometimento gástrico, que é a ectasia vascular (angiodisplasia ou estômago em melancia), intestinal com supercrescimento bacteriano com má absorção, constipação alternando com diarreia, incontinência fecal, pseudodivertículo e manifestações hepáticas, como cirrose biliar primária. Os divertículos em boca larga são achados considerados patognomônicos de ES. *Algumas manifestações mais importantes no esôfago são acalasia, atresia do esôfago, esofago de barret, lesão vascular e ectasia vascular antral esclerodérmica, geralmente, o paciente que tem acometimento gástrico, tem acometimento renal associado. Em relação as manifestações cardíacas, é raro, mas leva a uma morbidade e mortalidade muito alta, quando é o acometimento pericárdico, é um frequente achado de necropsia e os pacientes não se queixam muito, mas está presente em até 40% dos pacientes (ao ECO), 7 a 20% sintomáticos. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Ainda pode haver arritmias e defeitos de condução (10% dos ECG convencionais e monitorização eletrocardiográfica ambulatorial de 24 horas revela distúrbios do ritmo e da condução cardíacas em até 62% dos pacientes), hipertrofia e isquemia do miocárdio (é bem rara e mais presente na forma difusa), sendo que pode levar a uma ICC em 10% dos casos (ES difusa) e no exame histopatológico: áreas focais de fibrose e endarterite proliferativa de artérias coronárias intramurais. A manifestação renal já foi uma das mais temidas, mas com o advento dos inibidores da ECA isso melhorou, sendo que é uma manifestação exclusiva da esclerose sistêmica difusa o quadro clínico se apresenta com um aumento de pressão grave e rapidamente progressivo, levando a uma insuficiência renal rapidamente progressiva, apresenta hematúria microscópica, proteinúria, retinopatia, convulsões, insuficiência cardíaca esquerda, anemia hemolítica e níveis plasmáticos de renina elevados. O acometimento pulmonar é muito frequente, as duas principais formas são pneumopatia intersticial (alveolite com fibrose pulmonar) e hipertensão arterial pulmonar (vasculopatia pulmonar). A pneumopatia intersticial é muito frequente, com uma prevalência em até 90% dos pacientes, sendo mais comum no tipo difuso nos 3 primeiros anos, tem a forma grave com a sobrevida de até 9 anos, e se o diagnóstico for precoce, já consegue ajudar bastante o paciente. O processo fisiopatológico dessa doença começa com uma injúria endotelial que leva a liberação de várias interleucinas que vai culminar com a ativação do fibroblasto. O rastreamento é feito por tomografia computadorizada de tórax, que é o método de escolha para avaliar a existência e a extensão da doença intersticial pulmonar, e vemos duas apresentações, a pneumopatia intersticial não específica (NSIP) e a pneumopatia usual (UIP), para complementar, geralmente faz a prova de função pulmonar, onde esperamos achar o fenômeno restritivo e o teste dos 6 minutos de marcha. *Na forma inicial o paciente vai estar ainda em vidro fosco, é nesse momento que ainda dá para fazer alguma coisa, se é diagnosticado depois, não dá para fazer tanta coisa assim. *A prova de função pulmonar é o melhor exame para avaliar precocemente a disfunção pulmonar na esclerose sistêmica. Fazer o diagnóstico na fase apresentada na primeira imagem é bem melhor do que o da segunda imagem, que é o que a gente não quer. Outro acometimento pulmonar é a hipertensão arterial pulmonar, que pode ser secundária ao acometimento do parênquima pulmonar, ou pode ser isolada e primária. Quando os exames vieram normais, mas o paciente possui queixa de dispneia e outros sintomas, pois pode evoluir com cor pulmonale gerando insuficiência cardíaca do ventriculo direito. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Há uma deposição pelo fibroblasto na parede das artérias, o que faz um aumento da resistência vascular, e a disfunção endotelial com remodelação total dos vasos. Os principais sintomas são dispneia, dor torácica, fadiga, síncope e baixa tolerância a esforços. Pode evoluir para Insuficiência Cardíaca à D, turgência jugular, ascite, hepatomegalia e edema periférico e a investigação é feita por meio do Ecocardiograma, se o paciente apresenta hipertensão pulmonar, obrigatoriamente vai fazer o cateterismo de coração direito, não queremos olhar as coronárias aqui, tem que ser bem específico no pedido, pois ele vai aferir diretamente a pressão da artéria pulmonar. Alterações laboratoriais Em relação as alterações laboratoriais, podemos encontrar alterações que são inespecíficas, pois vão estar relacionadas com o envolvimento visceral, mas elas podem ser: Anemia moderada, VHS e PCR elevadas, quando há nefropatia: hematúria, proteinúria, função renal. CK: miosite, N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (NT – ProBNP): cardíaco primário ou secundário a HAP, FAN: Anticorpo anticentrômero: lSSc, Anti Scl-70 (antitopoisomerase) – difusa (dSSc). *De acordo com os anticorpos que o paciente apresenta que vai ser tratada a classificação da doença. *Quando tem um paciente que só tem o fenômeno de Raynaud sem mais nada associado, uma coisa que pode ser pedida é a capilaroscopia do leito ungueal, que vai servir para ver alterações da rede capilar do leito ungueal e é uma forma de fazer o diagnóstico precoce e diferenciar o fenômeno de Raynaud primário e secundário. Num exame normal veríamos vários capilares, no exame alterado vemos áreas de deleção, que não existem capilares. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 A abordagem inicial da doença e segmento acontecem da seguinte forma, se eu pensei em ES, eu vou pedir um Ecocardiograma para afastar hipertensão pulmonar, TC de tórax para avaliar acometimento pulmonar, espirometria, endoscopia para avaliar acometimento esofagiano, Eco- Doppler, USG renal e dosagem para ver a função renal. Tratamento Essa doença não possui um tratamento alvo específico, ela é feita com o tratamento órgão- específico, ou seja, tratamos as alterações que a doença causa em casa órgão e isso ainda vai variar de acordo com a extensão e gravidade da doença. Sendo que as medidas gerais são a educação do paciente, evitar exposição ao frio, vacinação para influenza e pneumococo, suspender o tabagismo, medidas anti refluxo, nutrição e reabilitação motora e cardiopulmonar. *O diagnóstico precoce é tudo! Para o tratamento do fenômeno de Raynaud, a primeira escolha de medicamento são os bloqueadores de canal de cálcio, dentre eles a anlodipina, prestar atenção se o paciente não vai fazer hipotensão, podem ser associados os inibidores da fosfodiesterase tipo 5, que é o sildenafil (viagra), para vasodilata e não abrir tantas feridas na mão. *Bosentan tem uma eficácia comprovada na prevenção das úlceras. *Protanóides são indicados em casos graves de úlceras e quando são refratárias. *Fluoxetina e Losartana podem ser considerados alternativas no tratamento para pacientes que desenvolvem uma hipotensão muito grave com os outros remédios. Em relação ao acometimento cutâneo, vamos avaliar a extensão, mas em primeira linha se usa o micofenolato, quando o escore de Rodnan é muito elevado, em segunda linha se usa o metotrexato, sendo que quando o acometimento é mais leve, faz o de segunda linha primeiro.A pneumopatia intersticial tem uma fase de indução e uma de manutenção, na indução usa o micofenolato, quando há falência de tratamento faz a ciclofosfamida, quando não responde usa o retuximabe, e quando não responde a nada pensamos em transplante pulmonar. Se o paciente está ok com o tratamento, vamos trocar para a fase de manutenção, que é feita com micofenolato ou azatioprina (o micofenolato é muito caro). O tratamento da hipertensão arterial pulmonar pode ser feito de forma adjuvante (oxigenioterapia, vacinação influenza e pneumococo, correção da anemia e diuréticos), especifico (vasodilatadores) e terapia combinada. Prognóstico A sobrevida dos pacientes é de 60 a 70% em 5 anos e 40 a 50% em 10 anos. Os fatores de mau prognóstico, denominados de “red flags” são: 1. Sexo masculino. 2. Raça negra. 3. Acometimento cutâneo difuso. 4. Acometimento visceral nos primeiros 5 anos da doença (pneumopatia intersticial, acometimento cardíaco, crise renal, hipertensão arterial pulmonar). A última década representou um avanço importante no diagnóstico, estratificação de risco e tratamento da Esclerose Sistêmica, por se tratar de uma doença heterogênea, de progressão variável, casos com maior risco de complicações fatais devem ser identificados e tratados precocemente. Em alguns casos de evolução mais lenta, o monitoramento de complicações tardias como a HAP tem importante impacto no prognóstico, no futuro próximo, o melhor entendimento da base genética da doença e vias moleculares envolvidas na fisiopatologia poderá identificar os pacientes respondedores a terapias específicas Lucas Melo – Medicina Ufes 103
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