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Pericardite OBJETIVOS 1. Compreender a etiologia, fatores de risco e a fisiopatologia da pericardite. 2. Entender as manifestações clínicas da pericardite. 3. Discutir como a posição ‘prece maometana’ age como um fator de melhora na precordialgia. 4. Entender a relação do sistema imunológico com a pericardite. 5. Descrever o diagnóstico e tratamento da pericardite. • O pericárdio é um saco fibroelástico composto de camadas viscerais e parietais separadas por um (potencial) espaço, a cavidade pericárdica. Em indivíduos saudáveis, a cavidade pericárdica contém 15 a 50 mL de um ultrafiltrado de plasma claro e cor de palha. • As lesões pericárdicas estão tipicamente associadas a processos patológicos localizados em outra parte do coração ou nas estruturas circunjacentes, como miocárdio, pulmões ou mediastino, ou que são secundárias a um distúrbio sistêmico. • As desordens pericárdicas incluem derrames e condições inflamatórias, algumas vezes causando constrição fibrótica. • A epidemiologia das pericardites no Brasil e no mundo não é muito clara. Elas representam cerca de 5% dos pacientes com queixa de dor torácica na emergência no qual foram afastados síndrome coronariana e 1% dos pacientes com supra ST. Etiologia • A incidência exata de pericardites é difícil de ser determinada. Muitas vezes o diagnóstico clínico não é feito, porque o quadro é transitório e pouco expressivo. • Em alguns casos, porém, a pericardite é a manifestação inicial. As principais pericardites são: (a) aguda idiopática (provavelmente viral); (b) associada a infecção sistêmica; (c) pós-infarto do miocárdio; (d) pós-cardiotomia ou pós-toracotomia; (e) por ruptura de abscesso no saco pericárdico; (f) urêmica; (g) associada a doenças do tecido conjuntivo; (h) em tumores do pericárdio; (i) induzida por medicamentos; (j) pós-irradiação para tratamento de neoplasias torácicas. • As causas secundárias menos comuns incluem febre reumática, lúpus eritematoso sistêmico e tumores malignos metastáticos. • O quadro morfológico das pericardites varia de acordo com a causa, mas pode ser agrupado segundo categorias etiológicas. • Embora se acredite que alguns vírus possam não raramente causar pericardite autolimitada, a etiologia mais comum de pericardite clinicamente expressiva, qualquer que seja seu aspecto histopatológico, é ainda a tuberculose. Classificação Pericardite fibrinosa ou serofibrinosa • É a forma mais frequente de pericardite. Pericardite fibrinosa é causada sobretudo por infarto do miocárdio, uremia, radiação no tórax, doença reumática, colagenoses e traumatismos; além dessas, uma forma muito comum de pericardite fibrinosa é a idiopática, provavelmente de origem viral. • Infecções bacterianas podem se iniciar com quadro de pericardite fibrinosa, transformando-se posteriormente em purulentas. • O líquido presente no saco pericárdico é turvo e contém fibrina, células inflamatórias e células mesoteliais. Em geral, não se identifica o agente etiológico. • Macroscopicamente, o coração fica recoberto por material fibrinoso, branco-amarelado e friável, que confere à superfície o aspecto de “pão com manteiga”. • Histologicamente, o pericárdio apresenta graus variados de espessamento por edema, discreto infiltrado inflamatório e acúmulo de fibrina na superfície. Dependendo da duração do processo, pode haver reparação com deposição de colágeno a partir de tecido de granulação. Muitas vezes, há proliferação exuberante de células mesoteliais reativas. A organização da pericardite pode levar a aderências entre os dois folhetos; quando a fibrose é muito desenvolvida, origina a pericardite constritiva • Clinicamente, essa pericardite manifesta-se por atrito pericárdico característico, dor torácica, febre e, às vezes, sinais de insuficiência cardíaca. Pericardite fibrinopurulenta ou purulenta • É causada por microrganismos piogênicos, como estafilococos, estreptococos, pneumococos, meningococos e, mais raramente, fungos. • Estes agentes atingem o pericárdio por meio de: (1) propagação de infecções adjacentes (pneumonias, endocardite infecciosa etc.); (2) septicemia; (3) inoculação direta por meio de manipulação cardíaca. • Macroscopicamente, o pericárdio fica recoberto por camada de material purulento, de aspecto granular. Microscopicamente, há infiltrado de neutrófilos, por vezes formando abscessos, em meio a fibrina e restos celulares na superfície serosa. O encontro do agente etiológico é frequente. Pericardite hemorrágica • Encontrada em associação com as pericardites agudas descritas anteriormente, é aquela caracterizada por componente hemorrágico expressivo. As principais causas são tuberculose e infiltração neoplásica. Pode, também, ser complicação de cirurgia cardíaca. Pericardite granulomatosa • Sua causa principal é a tuberculose, mas pode ser provocada também por micobactérias atípicas e fungos, como Histoplasma e Candida. • Na tuberculose, são comuns granulomas com necrose caseosa; material caseoso pode recobrir todo o pericárdio. • Também é comum o encontro do agente infeccioso. Com frequência, evolui para pericardite constritiva. Pericardite constritiva • Pericardite constritiva resulta da cicatrização de uma pericardite prévia. • Caracteriza-se por espessamento fibroso acentuado e aderências entre os folhetos visceral e parietal, que restringem os movimentos cardíacos, principalmente o relaxamento diastólico ventricular e o esvaziamento das veias cavas nos átrios. • Às vezes, coexiste calcificação extensa ou em placas. Em alguns casos, essa forma de pericardite simula endomiocardiofibrose por comprometer o enchimento diastólico dos ventrículos e provocar dilatação atrial. • Praticamente todas as pericardites podem evoluir para pericardite constritiva, mas sua causa mais comum é a tuberculose. Pericadite pós-infarto do miocárdio e síndrome de Dressler • Admite-se que a vizinhança com o miocárdio necrótico possa causar inflamação do pericárdio logo nos primeiros dias após o infarto do miocárdio. • O desenvolvimento de pericardite com derrame e febre tardiamente, cerca de duas a três semanas após infarto do miocárdio, constitui a síndrome de Dressler. • Sua patogênese não está completamente esclarecida, mas um dos mecanismos inclui reação autoimune contra antígenos miocárdicos. • Recentemente, as técnicas de reperfusão precoce do território isquêmico e a utilização de medicamentos antiinflamatórios têm permitido uma drástica redução na incidência dessa síndrome. Morfologia • Nos pacientes com pericardite aguda viral ou uremia, o exsudato normalmente é fibrinoso e de aspecto irregular, de aparência felpuda na superfície do pericárdio (a chamada pericardite em “pão com manteiga”). • Na pericardite aguda bacteriana, o exsudato é fibrinopurulento (supurativo) e, com frequência, há áreas de pus evidente; • A pericardite tuberculosa pode exibir áreas de caseificação. • A pericardite devido a um tumor maligno com frequência está associada a um exsudato fibrinoso felpudo e abundante e a um derrame sanguinolento; as metástases podem ser observadas macroscopicamente como excrescências irregulares ou serem indistinguíveis, especialmente no paciente com leucemia. • Na maioria dos casos, a pericardite fibrinosa ou fibrinopurulenta aguda desaparece sem deixar sequelas. Contudo, quando há supuração ou caseificação extensa, a cicatrização pode levar à fibrose (pericardite crônica). • A pericardite crônica pode estar associada a aderências delicadas ou a cicatrizes fibróticas densas que obliteram o espaço pericárdico. • Em casos extremos, o coração fica totalmente envolvido por fibrose densa que não consegue se expandirnormalmente durante a diástole — o que causa a chamada pericardite constritiva. Derrame Pericárdico e Hemopericárdio • Normalmente, o saco pericárdico contém menos de 50 mL de um líquido. Em várias circunstâncias, o saco pericárdico pode estar distendido devido ao acúmulo de fluido seroso (derrame pericárdico), sangue (hemopericárdio) ou pus (pericardite purulenta). • Os derrames pericárdicos e suas causas incluem: • Seroso: insuficiência cardíaca congestiva, hipoalbuminemia de qualquer causa. • Sorossanguíneo: trauma torácico brusco, tumores malignos, ruptura do IM ou dissecção aórtica. • Quiloso: obstrução linfática mediastinal. • À medida que há aumento cardíaco ou acúmulo de fluido, o pericárdio tem tempo para dilatar. Isso permite que os derrames pericárdicos crônicos se tornem bastante grandes sem interferir na função cardíaca. Assim, nos derrames crônicos com menos de 500 mL de volume, o único significado clínico é um alargamento globular característico da sombra do coração na radiografia torácica. • Em contraste, o desenvolvimento rápido de coleções de fluidos de até 200 a 300 mL (p. ex., devido ao hemopericárdio causado por uma ruptura de IM ou uma dissecção aórtica) pode produzir uma compressão clinicamente devastadora nas paredes finas dos átrios e veia cava ou nos próprios ventrículos; o enchimento cardíaco, portanto, fica restringido, produzindo um tamponamento cardíaco potencialmente fatal. Características clínicas • A pericardite aguda se manifesta tipicamente com quadro de dor retroesternal aguda, lancinante, podendo ser grave e debilitante, com possibilidade de irradiação para o pescoço, ombro e costas. • Possui característica pleurítica (relacionada aos movimentos respiratórios), com melhora ao inclinar o corpo para frente, em decorrência da diminuição da pressão do líquido pericárdico e pela menor expansão torácica. • Pacientes com etiologia infecciosa podem apresentar sinais e sintomas de infecção sistêmica, como febre e leucocitose. Etiologias virais, em particular, podem ser precedidas por sintomas respiratórios ou gastrointestinais "parecidos com a gripe". • Pacientes com uma doença autoimune conhecida ou malignidade podem apresentar sinais ou sintomas específicos de sua desordem subjacente. • As principais manifestações clínicas de pericardite incluem: ● Dor no peito – Tipicamente afiada e pleurítica (muda com a inspiração), melhorada por sentar-se e inclinar-se para a frente ● Atrito pericárdico (Presente em 1/3 dos pacientes) - Um som superficial arranhado ou guincho melhor ouvido com o diafragma do estetoscópio sobre a borda esternal esquerda ● Alterações no Eletrocardiograma (ECG) – Supra generalizada de seguimento ST ou infra do seguimento PR. ● Derrame pericárdio Marcadores de alto risco da pericardite aguda 1. Elevação dos marcadores de necrose miocárdica (MNM). 2. Febre > 38°C. 3. Leucocitose (associada à pericardite purulenta). 4. Derrames pericárdicos volumosos. 5. Pacientes imunocomprometidos. 6. Disfunção ventricular esquerda difusa ao ECO, sugerindo miopericardite. • Outro sinal que pode estar presente, principalmente na pericardite constritiva, é o Sinal de Kussmaul, que ocorre mediante à inspiração profunda, o que promove aumento da estase jugular pelo aumento do retorno venoso para um coração cujo volume das câmaras já está restrito pela baixa complacência do pericárdio. Logo, aumenta-se o retorno venoso para uma câmara já cheia, de modo a evidenciar de forma mais contundente a estase jugular. Tamponamento cardíaco • Quando associada a acúmulo significativo de líquido, a pericardite aguda pode causar tamponamento cardíaco, que leva ao declínio do débito cardíaco e consequente choque. • O quadro clinico do tamponamento cardíaco pode ser caracterizado pela tríade de Beck: • A pericardite constritiva crônica produz uma combinação de distensão venosa do lado direito e baixo débito cardíaco, um quadro clínico similar ao observado na cardiomiopatia restritiva. • O acúmulo de líquido no espaço intrapericárdico gera o tamponamento quando esse volume é tal que consegue comprimir o coração, de modo a prejudicar a sua dinâmica de enchimento. Com isso, tem-se que ocorre uma maior dependência entre as câmaras, uma vez que o volume cardíaco total é limitado pelo derrame. • Uma vez que a inspiração faz com que aumente o retorno venoso, e com isso, o enchimento do ventrículo direito, esse desloca o septo interventricular ao se encher, causando uma diminuição do volume potencial da câmara esquerda, diminuindo o seu volume de ejeção, bem como a pressão arterial sistólica. • Essa situação é típica do quadro de tamponamento, sendo denominada pulso paradoxal, no qual ocorre a queda da pressão arterial sistêmica em mais de 10 mmHg durante a inspiração. Diagnóstico • Histórico inicial e exame físico – Esta avaliação deve considerar distúrbios que envolvem o pericárdio, como malignidade prévia, doenças autoimunes, uremia, IAM recente e cirurgia cardíaca prévia. O exame deve prestar especial atenção à auscultação para um esfregão de atrito pericárdico e os sinais associados ao tamponado cardíaco. • Testes iniciais em todos os casos suspeitos: ➔ Eletrocardiograma O eletrocardiograma (ECG) de pacientes com pericardite aguda revela difuso supradesnivelamento do segmento ST, com infradesnivelamento do segmento PR. Geralmente, a elevação do segmento ST está presente em todas as derivações, com exceção de aVR, sendo que tal alteração eletrocardiográfica pode evoluir com in- versão de onda T disseminada, com subsequente normalização. Embora tanto a pericardite aguda quanto o infarto agudo do miocárdio possam apresentar dor torácica e elevações em biomarcadores cardíacos, as alterações do ECG na pericardite aguda diferem daquelas em IAM com supra de ST de várias maneiras. Essas distinções assumem que a pericardite não ocorre durante ou logo após um IAM ➔ Contagem de sangue completa, nível de troponina, taxa de sedimentação de eritrócitos e nível de proteína sárótica C-reativa. ➔ Ecocardiograma É preciso ser feita com urgência em caso de suspeita de tamponamento cardíaco. Mesmo um pequena derrame pode ser útil para confirmar o diagnóstico de pericardite, embora a ausência de derrame não exclua o diagnóstico. Além disso, a ecocardiografia pode ser particularmente útil se suspeitar de pericardite purulenta, se houver preocupação com a miocardite, ou se há evidências radiográficas de cardiomegalia, particularmente se este for um novo achado. ➔ Radiografia torácica A radiografia torácica é tipicamente normal em pacientes com pericardite aguda. Embora pacientes com derrame pericárdio substancial possa apresentar uma silhueta cardíaca aumentada com campos pulmonares claros, este achado é incomum na pericardite aguda, uma vez que pelo menos 200 mL de fluido pericárdico devem se acumular antes que a silhueta cardíaca aumente. No entanto, a pericardite aguda deve ser considerada na avaliação de um paciente com cardiomegalia nova e inexplicável. ➔ Exames complementares Exames laboratoriais podem ser realizados de acordo com a suspeita etiológica da doença. Portanto, podem ser solicitadas provas inflamatórias, como (proteína C reativa) PCR e VHS para possíveis causas infecciosas, função renal (creatinina, ureia e eletrólitos) e TSH para a investigação de causas metabólicas, e fator atrial natriurético nos casos de mulheres jovens com suspeita de lúpus. • Diagnóstico diferencial Tratamento • A maioria dos pacientes devem ser hospitalizados para determinação da etiologia, observar sinais ou sintomas de tamponamento e iniciar tratamento. Na suspeita de pericardite viral ou idiopática, recomenda-se a associação de AINES e colchicina. • Tratamento no tamponamento cardíaco: drenagem do líquido pericárdico para reduzir a pressãointrapericárdica para melhorar a hemodinâmica do paciente. • Tratamento cirúrgico: A pericardiocentese ou drenagem pericárdica aberta terapêutica em pacientes com tamponamento cardíaco. A pericardiectomia pode ser feita nos pacientes com pericardite constritiva sintomáticos refratários ao tratamento clínico, com o objetivo do procedimento de liberar os ventrículos do pericárdio densamente aderido. A ressecção completa deve restaurar a curva de pressão-volume. REFERÊNCIAS • D HOIT, Brian. Etiology of pericardial disease. UPTODATE, 2020. • ABBAS, Abul K. et al. Robbins patologia básica. Elsevier Brasil, 2018. • BRASILEIRO FILHO, Geraldo. Bogliolo - Patologia. São Paulo: Grupo GEN, 2016. • IMAZIO, Massimo. Acute pericarditis: Clinical presentation, diagnostic evaluation, and diagnosis. UPTODATE, 2021. • IMAZIO, Massimo Acute pericarditis: Treatment and prognosis. UPTODATE, 2021.
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