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TRANSTORNOS-DO-DESENVOLVIMENTO-DA-INFÂNCIA-PSICOSE-E-AUTISMO

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SUMÁRIO 
1 OS TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO .............. 2 
1.1 Leo Kanner .................................................................................. 3 
1.2 Influências de Leo Kanner: .......................................................... 5 
2 HANS ASPERGER ............................................................................ 6 
3 OS DIFERENTES MODELOS EXPLICATIVOS DO AUTISMO ......... 7 
4 AUTISMO INFANTIL .......................................................................... 9 
4.1 Autismo atípico .......................................................................... 10 
4.2 Síndrome De Rett ...................................................................... 12 
4.3 Outro Transtorno Desintegrativo Da Infância ............................ 13 
4.4 Transtorno Com Hipercinesia Associada A Retardo Mental E A 
Movimentos Estereotipados .......................................................................... 14 
4.5 Síndrome De Asperger .............................................................. 15 
5 Outros Transtornos Globais (Invasivos) Do Desenvolvimento ......... 16 
5.1 Transtornos Globais (Invasivos) Não Especificados Do 
Desenvolvimento. ......................................................................................... 16 
5.2 Tratamento ................................................................................ 19 
5.3 Abordagens em equipe, com plano terapêutico singular ........... 19 
5.4 Tratamento fonoaudiológico ...................................................... 23 
5.5 Terapia Ocupacional ................................................................. 23 
5.6 Trabalho com as famílias .......................................................... 25 
5.7 Medicamentos ........................................................................... 25 
6 A CRIANÇA E AS ESTRUTURAS FREUDIANAS DA PSICOSE .... 26 
7 PSIQUIATRIA INFANTIL E PSICANÁLISE ...................................... 31 
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 52 
 
 
 
 
 
1 OS TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO 
Os transtornos invasivos ou globais do desenvolvimento (TGD) são uma 
categoria ampla de condições, dividida didaticamente em dois grupos: 
(1) os transtornos do espectro do autismo (TEA), que incluem o 
autismo infantil de Kanner, o autismo atípico, a síndrome de Asperger e 
transtornos com hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos 
estereotipados; 
(2) outras síndromes, incluindo a síndrome de Rett e os outros 
transtornos desintegrativos da infância (incluindo as psicoses desintegrativas e 
simbióticas esquizofreniformes, e a síndrome de Heller). 
Sobram alguns quadros residuais, ditos não especificados, que não se 
encaixam adequadamente em qualquer um dos dois grupos anteriores, pois 
eventualmente podem ser considerados, em função de alguns sintomas, como 
parte do espectro autista, ou não. Geralmente esta categoria – a dos não 
especificados – é utilizada quando o diagóstico ainda não está completo ou não 
é bem definido. 
O espectro autista representa transtornos do desenvolvimento, 
envolvendo alterações qualitativas e quantitativas da comunicação (linguagem 
verbal e não verbal), da interação social e do comportamento (estereotipias, 
padrões repetitivos e interesses restritos), que geralmente tem início antes dos 
3 anos de idade. Em termos etiológicos, tais alterações estão associadas a 
anomalia anatômica ou fisiológica do sistema nervoso central (SNC), a 
problemas constitucionais inatos predeterminados biologicamente, e a fatores de 
risco. 
Os transtornos invasivos do desenvolvimento ocorrem com maior 
frequência em indivíduos do sexo masculino (3 a 5 homens para 1 mulher). O 
aumento dos números relativos ao diagnóstico destes transtornos vem sendo 
alvo de constantes discussões, visto que tais dados refletem a possibilidade do 
real aumento dos casos ou de uma maior capacidade de identificação a partir da 
ampliação dos critérios diagnósticos. Não se pode considerar raros os autismos. 
O diagnóstico é eminentemente clínico e deve ser realizado a partir dos 
critérios da CID-10, através de anamnese (com os pais ou responsáveis legais 
 
 
 
e cuidadores), bem como da observação clínica dos comportamentos. A 
utilização de escalas de triagem traduzidas e validadas para a população 
brasileira pode favorecer a identificação precoce da suspeita destas condições, 
por profissionais da atenção básica, nas ações de assistência materno-infantil. 
A detecção precoce é fundamental para que as intervenções possam ser 
realizadas, principalmente ao considerar-se que a resposta positiva ao 
tratamento (em termos de linguagem, desenvolvimento cognitivo e habilidades 
sociais) é mais significativa nos casos de intervenção mais imediata. Isso se dá 
em função da plasticidade cerebral, assim como das experiências precoces nos 
primeiros anos de vida do bebê, fundamentais para o funcionamento das 
conexões neuronais e para o desenvolvimento psicossocial. Desse modo, as 
intervenções precoces conferem maior eficácia e maior economia, devendo ser 
privilegiadas pelos profissionais de saúde. 
1.1 Leo Kanner 
O termo autismo foi utilizado pela primeira vez em 1911, por Bleuler, para 
designar a perda de contato com a realidade e consequente dificuldade ou 
impossibilidade de comunicação. 
 
 
Fonte: www.leokaneer.org 
 
 
 
Em 1943, o médico austríaco radicado nos Estados Unidos da América - 
Leo Kanner - observou onze crianças que passaram por sua consulta e escreveu 
o artigo: "Os transtornos autistas do contato afetivo" (1943). 
Com base nos aspectos que chamaram sua atenção, podemos dizer que 
ele identifica como traço fundamental do autismo a "incapacidade para 
relacionar-se normalmente com as pessoas e as situações" (1943, p. 20). 
Vamos conhecer um pouco da descrição de Leo Kanner sobre o autismo: 
 
 
Fonte: www.redehumanizasus.net 
As relações sociais e afetivas: Desde o início há uma extrema solidão 
autista, algo que, na medida do possível, desconsidera, ignora ou impede a 
entrada de tudo o que chega à criança de fora. O contato físico direto e os 
movimentos ou ruídos que ameaçam romper a solidão são tratados como se não 
estivessem ali, ou, não bastasse isso, são sentidos dolorosamente como uma 
interferência penosa" (KANNER, 1943). 
A comunicação e a linguagem: L. Kanner descreveu a ausência de 
linguagem (mutismo) em algumas crianças, seu uso estranho nas que a 
possuem, a presença de ecolalia, a aparência de surdez em algum momento do 
desenvolvimento e a falta de emissões relevantes. 
A relação com as mudanças no ambiente e a rotina: A conduta da 
criança "é governada por um desejo ansiosamente obsessivo por manter a 
 
 
 
igualdade, que ninguém, a não ser a própria criança, pode romper em raras 
ocasiões" (1943, p. 22). 
Memória: Capacidade surpreendente de alguns em memorizar grande 
quantidade de material sem sentido ou efeito prático. 
Hipersensibilidade a estímulos: Muitas crianças reagiam intensamente 
a certos ruídos e a alguns objetos. Também manifestavam problemas com a 
alimentação. 
 
 
Fonte: www.noticiasmagazine.com.br 
1.2 Influências de Leo Kanner: 
Nos estudos de Leo Kanner, estão descritas as principais características 
do autismo. Entretanto, seus estudos também geraram certa confusão, além de 
conseqüências teóricas e práticas determinantes, nas abordagens de 
atendimento e compreensão das necessidades das pessoas com autismo. 
Até a década de 70, persiste certa confusão do ponto de vista do 
diagnóstico, conforme segue: 
 O termo "autismo" já havia sido usado para referir-se à 
esquizofrenia, podendo postular uma correlação indevida entre os 
dois diagnósticos; 
 
 
 
 Por não ter sido levada em consideração a idade da manifestação 
do quadro, outros diagnósticos poderiam ser confundidos com 
autismo; Estudos posteriores de Kanner reduzem as características 
principais do quadro ou consideram parte das características 
observadas como secundárias, acarretando diagnósticos com 
sintomas que, na verdade, não apareceriam no autismo. 
2 HANS ASPERGER 
Poucos meses depois de Kanner, o médico vienense Hans Asperger 
descreveu os casos de várias crianças vistas e atendidas na Clínica Pediátrica 
Universitária de Viena. 
Asperger não conhecia o trabalho de Kanner e "descobriu" o autismo de 
modo independente. Publicou suas observações em 1944: "APsicopatia autista 
na infância". 
As descrições do autismo feitas por Asperger foram publicadas em 
alemão, no pós-guerra, e não foram traduzidas para outra língua, o que 
provavelmente contribuiu para prolongar o período de desconhecimento a 
respeito de seus estudos, até a década de 80. 
A seguir, apresentamos um pouco da descrição de Hans Asperger sobre 
o autismo: 
As relações sociais e afetivas: Asperger identificava como traço 
fundamental a limitação de suas relações sociais, considerando que toda a 
personalidade da criança está determinada por esta limitação. 
A comunicação e a linguagem: Estranhas pautas expressivas e 
comunicativas, anomalias prosódicas e pragmáticas. As anomalias prosódicas 
são alterações das propriedades acústicas da fala - ritmo e entonação, 
constituindo uma fala estranha nesses aspectos. As anomalias pragmáticas 
dizem respeito a uma comunicação restrita a significados implícitos ou a serem 
inferidos. Do ponto de vista da comunicação receptiva, esta anomalia representa 
a dificuldade de compreender um chiste ou o sentido ambíguo de palavras ou 
expressões. 
 
 
 
Pensamento: Compulsividade e caráter obsessivo de seus pensamentos. 
Comportamento e atitudes: Tendência a guiar-se de forma alheia às 
condições do meio. 
3 OS DIFERENTES MODELOS EXPLICATIVOS DO AUTISMO 
Até a década de 60, o autismo foi considerado um transtorno emocional, 
causado pela incapacidade de mães e/ou pais de oferecer o afeto necessário 
durante a criação dos filhos. Isso produziria alterações graves no 
desenvolvimento de crianças. 
A formulação dessa hipótese se baseava apenas na descrição de casos, 
e não havia comprovação empírica. Posteriormente, essa correlação se mostrou 
falsa, pois estudos mostraram que não havia diferença significativa entre os 
laços afetivos de pais de crianças autistas e de outras crianças. Além disso, 
novos estudos evidenciavam a presença de distúrbios neurobiológicos. 
Durante as duas décadas seguintes, pesquisas empíricas, rigorosas e 
controladas levaram à hipótese da existência de alteração cognitiva que 
explicaria as características de comunicação, linguagem, interação social e 
pensamento presentes no autismo. Nesse período de tempo, surgiram escolas 
específicas para pessoas com autismo. 
Posteriormente, as pesquisas fundamentadas em dados estabeleceram 
importantes modelos explicativos. O autismo passa a ser estudado e 
compreendido enquanto um transtorno do desenvolvimento. Deixa de ser 
apontado como uma psicose infantil para ser entendido como um Transtorno 
Global (ou Invasivo) do Desenvolvimento. 
Os diferentes modelos explicativos do autismo, de 1943 aos dias de hoje, 
implicaram, a cada momento histórico, diferentes impactos para as famílias e 
para as crianças com autismo: 
 As primeiras descrições do autismo, ao considerar o isolamento como um 
desejo da criança e a interferência de outra pessoa no ambiente, na rotina 
e na "solidão" como algo penoso, trouxeram em consequência o reforço 
do isolamento dessas crianças. Havia a tendência de se proteger a 
 
 
 
criança em relação a essas interferências, tanto nos espaços formais de 
tratamento e educação, quanto nos espaços informais; 
 As intervenções educacionais, quando começaram a ser implementadas, 
ocorreram em circunstâncias ambientais artificiais, já que previam 
controle e redução de estímulos e atendimentos individualizados ou com 
outras pessoas que também apresentavam o mesmo transtorno. Se a 
compreensão era de que os estímulos e a abordagem social poderiam 
causar sofrimento, por consequência, não se oportunizou à maioria 
dessas crianças a exposição ao meio social; 
 Do ponto de vista da família, por duas décadas, os pais se viram diante 
de uma responsabilidade que na verdade não existia. O modelo 
explicativo, que vinculava o transtorno autista à incapacidade afetiva dos 
pais, posteriormente comprovado como falso, afligia-lhes culpa e estigma 
social. Em decorrência desse modelo, surgiram expressões 
estigmatizastes como "mãe geladeira". A experiência de ter um filho com 
autismo, por muito tempo, então, consistia num impacto terrível do ponto 
de vista emocional, acarretando, muitas vezes, sofrimento e atitudes de 
superproteção, decorrentes do sentimento de culpa, os quais não 
contribuíram para uma abordagem familiar e profissional que 
proporcionasse a superação das dificuldades da família e da criança; 
 A ausência da oferta de educação escolar, durante os primeiros anos de 
estudo do autismo, levaram as famílias a viver seus desafios e 
necessidades à parte das demais. Prova disso é o fato de que as 
primeiras iniciativas de escolarização foram patrocinadas por familiares e 
pais de autistas, e não pelo estado ou por profissionais e estudiosos da 
educação. Se, por um lado, resultou em militância das famílias, por outro, 
pode ter contribuído para o mito, ainda compartilhado por muitos, de que 
apenas quem tem uma criança com autismo na família pode saber do que 
essas crianças necessitam. Esse mito isentou a nós educadores de 
nossas responsabilidades para com essa parcela da infância. 
A partir desse breve histórico e de sua análise crítica, podemos 
dimensionar a importância do momento atual da educação brasileira para as 
crianças com autismo e suas famílias. A empreitada nacional, empreendida por 
 
 
 
pais e gestores no sentido de constituir sistemas de ensino inclusivos, vem 
retirando as crianças com autismo e suas famílias do isolamento social histórico 
a que foram submetidas, enquanto segregadas em escolas especiais, tornando 
pauta das discussões da gestão educacional a responsabilidade e os desafios 
para a garantia do direito dessas pessoas à educação. 
 
 
Fonte: www.leandroteles.com.br 
4 AUTISMO INFANTIL 
Transtorno global do desenvolvimento caracterizado por: 
a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade 
de três anos, e 
b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento em 
cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação, 
comportamento focalizado e repetitivo. 
Além disso, o transtorno se acompanha comumente de numerosas outras 
manifestações inespecíficas, por exemplo fobias, perturbações de sono ou da 
alimentação, crises de birra ou agressividade (auto-agressividade). 
Inclui: autismo infantil, psicose infantil, síndrome de Kanner, transtorno 
autístico. Exclui: psicopatia autista (F84.5) 
 
 
 
4.1 Autismo atípico 
Transtorno global do desenvolvimento, ocorrendo após a idade de três 
anos ou que não responde a todos os três grupos de critérios diagnósticos do 
autismo infantil. Esta categoria deve ser utilizada para classificar um 
desenvolvimento anormal ou alterado, aparecendo após a idade de três anos, e 
não apresentando manifestações patológicas suficientes em um ou dois dos três 
domínios psicopatológicos (interações sociais recíprocas, comunicação, 
comportamentos limitados, estereotipados ou repetitivos) implicados no autismo 
infantil; existem sempre anomalias características em um ou em vários destes 
domínios. O autismo atípico ocorre habitualmente em crianças que apresentam 
um retardo mental profundo ou um transtorno específico grave do 
desenvolvimento de linguagem do tipo receptivo. 
Inclui: psicose infantil atípica, retardo mental com características 
autísticas (usar códigoadicional (F70-F79), se necessário, para identificar o 
retardo mental). 
De acordo com o DSM.IV, podemos descrever algumas características 
que podem ser manifestadas pelas pessoas com autismo. 
O autismo se caracteriza pela presença de um desenvolvimento 
acentuadamente prejudicado na interação social e comunicação, além de um 
repertório marcantemente restrito de atividades e interesses. As manifestações 
desse transtorno variam imensamente a depender do nível de desenvolvimento 
e idade. 
Os prejuízos na interação social são amplos, podendo haver também 
prejuízos nos comportamentos não verbais (contato visual direto, expressão 
facial, gestos corporais) que regulam a interação social. As crianças com autismo 
podem ignorar outras crianças e não compreender as necessidades delas. 
Os prejuízos na comunicação também são marcantes e podem afetar 
habilidades verbais e não verbais. Pode haver atraso ou falta total de 
desenvolvimento da linguagem falada. Naqueles que chegam a falar, pode existir 
prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversação, uso estereotipado 
e repetitivo da linguagem ou uma linguagem idiossincrática (uso peculiar de 
palavras ou frases não possibilitando entender o significado do que está sendo 
dito). 
 
 
 
Quando a fala se desenvolve, o timbre, a entonação, a velocidade, o ritmo 
ou a ênfase podem ser anormais (ex.: o tom de voz pode ser monótono ou elevar-
se de modo interrogativo ao final de frases afirmativas). As estruturas gramaticais 
são frequentemente imaturas e incluem o uso estereotipado e repetitivo (ex.: 
repetição de palavras ou frases, independentemente do significado, repetição de 
comerciais ou jingles). 
Pode-se observar uma perturbação na capacidade de compreensão da 
linguagem, como entender perguntas, orientações ou piadas simples. As 
brincadeiras imaginativas em geral são ausentes ou apresentam prejuízos 
acentuados. 
Existe, com frequência, interesse por rotinas ou rituais não funcionais ou 
uma insistência irracional em seguir rotinas. Os movimentos corporais 
estereotipados envolvem mãos (bater palmas, estalar os dedos), ou todo o corpo 
(balançar-se, inclinar-se abruptamente ou oscilar o corpo), além de 
anormalidades de postura (ex.: caminhar na ponta dos pés, movimentos 
estranhos das mãos e posturas corporais). 
Podem apresentar preocupação persistente com partes de objetos 
(botões, partes do corpo). Também pode haver fascinação por movimentos 
(rodinhas dos brinquedos, abrir e fechar portas, ventiladores ou outros objetos 
com movimento giratório). 
 
Características principais Idade de 
manifestação 
Importante para o 
diagnóstico diferencial 
Prejuízo no desenvolvimento da 
interação social e da comunicação. 
Pode haver atraso ou ausência do 
desenvolvimento da linguagem. 
Naqueles que a possuem, pode 
haver uso estereotipado e repetitivo 
ou uma linguagem idiossincrática. 
Repertório restrito de interesses e 
atividades. 
Interesse por rotinas e rituais não 
funcionais. 
Antes dos 3 anos de 
idade. 
Prejuízo no funcionamento 
ou atrasos em pelo menos 1 
das 3 áreas: 
Interação social; 
Linguagem para 
comunicação social; Jogos 
simbólicos ou imaginativos. 
 
 
 
 
4.2 Síndrome De Rett 
Transtorno neuropsiquiátrico não autístico, caracterizado por um 
desenvolvimento inicial aparentemente normal, seguido de perda parcial ou 
completa da linguagem, da marcha e do uso das mãos, com retardo do 
desenvolvimento craneano. Ocore em meninas, geralmente entre 7 e 24 meses. 
O interesse social é consdevado pela criança, mas não há desenvolvimento, nem 
social nem lúdico. Aos 4 anos inicia-se uma ataxia do tronco, com apraxia e, 
eventualmente, movimentos atetósicos. Geralmente a inteligência fixa-se no 
nível do retardo grave. 
A Síndrome de Rett foi identificada em 1966 por Andréas Rett, tendo 
ficado mais conhecida após o trabalho de Hagberg. 
Do ponto de vista clínico, a Síndrome de Rett pode ser organizada em 
quatro etapas, de acordo com Mercadante (2007), conforme segue: 
Estagnação precoce: Dos 6 aos 18 meses, caracterizando-se pela 
estagnação do desenvolvimento, desaceleração do crescimento do perímetro 
cefálico e tendência ao isolamento social. 
Rapidamente destrutiva: Entre o primeiro e o terceiro ano de vida, com 
regressão psicomotora, choro imotivado, irritabilidade, perda da fala adquirida, 
comportamento autista e movimentos estereotipados das mãos. Podem ocorrer 
irregularidades respiratórias e epilepsia. 
Pseudoestacionária: Entre os dois e dez anos de idade, podendo haver 
certa melhora de alguns dos sintomas como, por exemplo, o contato social. 
Presença de ataxia, apraxia, espasticidade, escoliose e bruxismo. Episódios de 
perda de fôlego, aerofagia, expulsão forçada de ar e saliva. 
Deterioração motora tardia: Inicia-se em torno dos dez anos de idade, 
com desvio cognitivo grave e lenta progressão de prejuízos motores, podendo 
necessitar de cadeira de rodas. 
Mesmo com a identificação do gene, os mecanismos envolvidos na 
Síndrome de Rett ainda são desconhecidos. Reduções significativas no lobo 
frontal, no núcleo caudato e no mesencéfalo têm sido descritas, havendo 
também algumas evidências de desenvolvimento sináptico. 
 
 
 
Características principais Idade de 
manifestação 
Importante para o 
diagnóstico diferencial 
Desenvolvimento de múltiplos 
déficits específicos após um 
período de funcionamento 
normal nos primeiros meses de 
vida. 
Desaceleração do crescimento 
do perímetro cefálico. 
Perda das habilidades 
voluntárias das mãos 
adquiridas anteriormente, e 
posterior desenvolvimento de 
movimentos estereotipados 
semelhantes a lavar ou torcer 
as mãos. 
O interesse social diminui após 
os primeiros anos de 
manifestação do quadro, 
embora possa se desenvolver 
mais tarde. 
Prejuízo severo do 
desenvolvimento da linguagem 
expressiva ou receptiva. 
Primeiras 
manifestações 
após os 
primeiros 6 a 12 
meses de vida. 
Prejuízos 
funcionais do 
desenvolvimento 
dos 6 meses aos 
primeiros anos 
de vida. 
Presença de crises 
convulsivas. 
Desaceleração do 
crescimento do perímetro 
cefálico. 
4.3 Outro Transtorno Desintegrativo Da Infância 
 
Características principais Idade de 
manifestação 
Importante para o 
diagnóstico diferencial 
Regressão pronunciada em 
múltiplas áreas do 
funcionamento, após um 
desenvolvimento normal 
constituído de comunicação 
verbal e não verbal, 
relacionamentos sociais, jogos e 
comportamento adaptativo 
apropriado para a idade. As 
perdas clinicamente significativas 
das habilidades já adquiridas em 
pelo menos duas áreas: 
linguagem expressiva ou 
receptiva, habilidades sociais ou 
comportamento adaptativo, 
Após 2 anos e 
antes dos 10 
anos de idade. 
O transtorno não é melhor 
explicado pelo Autismo ou 
Esquizofrenia. Excluídos 
transtornos metabólicos e 
condições neurológicas. 
Muito raro e muito menos 
comum do que o Autismo. 
 
 
 
 
Também é um transtorno não autístico, caracterizado por 
desenvolvimento inicial aparentemente normal, seguido de perda da habilidades, 
em poucos meses, com perda do interesse pelo ambiente e apresentação de 
condutas motoras estereotipadas e repetitivas (maneirismos). Muitas vezes 
identifica-se uma encefalopatia. Inclui quadros de psicose desintegrativa e 
simbiótica esquizofreniforme e de síndrome de Heller (demência infantil). 
4.4 Transtorno Com Hipercinesia Associada A Retardo Mental E A 
Movimentos Estereotipados 
Presente em crianças com retardo mental grave (de QI abaixo de 50), 
com retardo geral do desenvolvimento, e perturbação da psicomotricidade, da 
atenção e do comportamento. Tais quadros de hiperatividade não reagem a 
estimulantes. 
 
Características 
principais 
Idade de 
manifestação 
Importante para o diagnóstico 
diferencial 
Existe prejuízo severo no 
desenvolvimento da 
interação social recíproca 
ou de habilidades de 
comunicação verbal e não-
verbal ou 
comportamentos, 
interessese atividades 
estereotipados. 
 Quando tais características estão 
presentes, mas não são 
satisfeitos os critérios 
diagnósticos para um Transtorno 
Global do Desenvolvimento ou 
para outros quadros diagnósticos 
como Esquizofrenia, Transtorno 
da Personalidade Esquizotípica 
ou Transtorno da Personalidade 
Esquiva. 
controle intestinal ou vesical, 
jogos ou habilidades motoras. 
Apresentam déficits sociais e 
comunicativos e aspectos 
comportamentais geralmente 
observados no Autismo. 
 
 
 
4.5 Síndrome De Asperger 
Transtorno de validade nosológica incerta, caracterizado por uma 
alteração qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada 
no autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado 
e repetitivo. Ele se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que não 
se acompanha de um retardo ou de uma deficiência de linguagem ou do 
desenvolvimento cognitivo. Os sujeitos que apresentam este transtorno são em 
geral muito desajeitados. As anomalias persistem frequentemente na 
adolescência e idade adulta. O transtorno se acompanha por vezes de episódios 
psicóticos no início da idade adulta. Inclui: psicopatia autística, transtorno 
esquizoide da infância. 
De acordo com o DSM.IV, as características essenciais do Transtorno de 
Asperger consistem em prejuízo persistente na interação social e no 
desenvolvimento de padrões repetitivos de comportamento, interesses e 
atividades. A perturbação pode causar prejuízo clinicamente significativo nas 
áreas social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento. 
Diferentemente do que ocorre no Autismo, não existem atrasos 
significativos na linguagem. Também não existem atrasos significativos no 
desenvolvimento cognitivo ou nas habilidades de autoajuda, comportamento 
adaptativo (outro que não a interação social) e curiosidade acerca do ambiente 
na infância. 
O Transtorno de Asperger parece ter um início mais tardio do que o 
Autismo, ou parece ser identificado mais tarde. As dificuldades de interação 
social podem tornar-se mais manifestas no contexto escolar, e é durante esse 
período que interesses idiossincráticos (peculiares em relação aos interesses 
comuns às pessoas) ou circunscritos podem aparecer e ser reconhecidos. 
Quando adultos, podem ter problemas com a empatia e modulação da interação 
social. 
 
 
 
 
 
 
Características principais Idade de 
manifestação 
Importante para o 
diagnóstico diferencial 
Prejuízo persistente na 
interação social. 
Desenvolvimento de padrões 
restritos e repetitivos de 
comportamento, interesses e 
atividades. 
Tem início mais 
tardio do que o 
Autismo ou é 
percebido mais 
tarde (entre 3 e 
5 anos). 
Atrasos 
motores ou falta 
de destreza 
motora podem 
ser percebidos 
antes dos 6 
anos. 
Diferentemente do 
Autismo, podem não 
existir atrasos 
clinicamente significativos 
no desenvolvimento 
cognitivo, na linguagem, 
nas habilidades de 
autoajuda apropriadas à 
idade, no comportamento 
adaptativo, à exceção da 
interação social, e na 
curiosidade pelo ambiente 
na infância. 
 
5 OUTROS TRANSTORNOS GLOBAIS (INVASIVOS) DO 
DESENVOLVIMENTO 
5.1 Transtornos Globais (Invasivos) Não Especificados Do 
Desenvolvimento. 
5.1.1.1 Diagnóstico 
As diretrizes do Ministério da Saúde compõem um documento de leitura 
imprescindível para os profissionais que estejam se iniciando nas tarefas de 
atendimento de transtornos invasivos do desenvolvimento infantil. 
A coleta da história clínica, a anamnese com os pais ou responsáveis 
legais e cuidadores, e o exame devem ser coerentes com os critérios da décima 
versão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados 
à Saúde (CID-10), da Organização Mundial da Saúde. 
Também deve-se levar em conta a Classificação Internacional de 
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) que, na área clínica, auxilia o 
modelo de atendimento multidisciplinar. Ela foca as deficiências, incapacidades 
e desvantagens não apenas como consequência das condições de saúde e 
doença. Foca-as como fatos determinados também pelo contexto do meio 
ambiente físico e social, por percepções culturais e atitudes, pela disponibilidade 
de serviços e pela legislação. É um instrumento para medir o estado funcional 
 
 
 
dos indivíduos, permitindo avaliar condições de vida e fornecer subsídios para 
políticas de inclusão social. 
O diagnóstico de transtornos do espectro do autismo é uma descrição e 
não uma explicação. Esta descrição é dimensional também, pois sempre se deve 
estabelecer o grau do problema, em um espectro que vai desde o muito discreto 
e leve, até condições muito intensas e graves. 
 
Sintomas e Sinais de Alerta para o Espectro Autista (de 2 a 15 
meses) 
 
IDADE 
 
DESENVOLVIMENTO NORMAL SINAIS DE ALERTA 
2 meses • Criança fixa o olhar; 
• Reage ao som; 
• Bebê se aconchega no colo dos pais e 
troca olhares (mamadas e trocas de fralda) 
 
4 meses • Emite sons; 
• Mostra interesse em olhar rosto de 
pessoas, respondendo com sorriso, 
vocalização ou choro; 
• Retribui sorriso 
 
6 meses • Sorri muito ao brincar com pessoas; 
• Localiza sons; 
• Acompanha objetos com olhar 
• Não tem sorrisos e expressões 
alegres 
 
9 meses • Sorri e ri enquanto olha para as pessoas; 
• Interage com sorrisos, feições amorosas e 
outras expressões; 
• Brinca de esconde-achou; 
• Duplica sílabas 
 
• Não responde às tentavas de 
interação feita pelos outros 
quando estes sorriem fazem 
caretas ou sons; 
• Não busca interação emitindo 
sons, caretas ou sorrisos 
12 meses • Imita gestos como dar tchau e bater 
palmas; 
• Responde ao chamado do nome; 
• Faz sons como se fosse conversa com ela 
mesma 
 
• Não balbucia ou se expressa 
como bebê; 
• Não responde ao seu nome 
quando chamado; 
• Não aponta para coisas no intuito 
de compartilhar atenção; 
• Não segue com olhar gesto que 
outros lhe fazem 
15 meses • Troca com as pessoas muitos sorrisos, 
sons e gestos em uma sequência; 
• Executa gestos a pedido; 
• Fala uma palavra 
• Não fala palavras que não seja 
mama, papa, nome de membros 
da família 
 
Fonte: São Paulo, 2013. 
 
 
 
As alterações no desenvolvimento da criança podem ser percebidas pelos 
pais antes dos 24 meses. A procura por serviços especializados diminui os 
diagnósticos inadequados. Os sintomas e sinais de risco podem ser identificados 
precocemente. 
 
Sintomas e Sinais de Alerta para o Espectro Autista (de 18 a 36 
meses) 
IDADE 
 
DESENVOLVIMENTO NORMAL SINAIS DE ALERTA 
18 meses • Fala no mínimo 3 palavras; 
• Reconhece claramente pessoas e 
partes do corpo quando nomeados; 
• Faz brincadeiras simples de faz de 
conta 
 
• Não fala palavras 
(que não seja 
ecolalia); 
• Não expressa o 
que quer; 
• Utiliza-se da mão 
do outro para 
apontar o que 
quer 
24 meses • Brinca de faz de conta; 
• Forma frase de duas palavras com 
sentido que não seja repetição; 
• Gosta de estar com crianças da mesma 
idade e tem interesse em 
brincar conjuntamente; 
• Procura por objetos familiares que 
estão fora do campo de visão quando 
perguntado 
• Não fala frase 
com duas 
palavras que não 
sejam repetição 
 
36 meses • Brincadeira simbólica com 
interpretação de personagens; 
• Brinca com crianças da mesma idade 
expressando preferências; 
• Encadeia pensamento e ação nas 
brincadeiras (ex.: estou com sono, vou 
dormir); 
• Responde a perguntas simples como 
“onde”, “o que”; 
• Fala sobre interesses e sentimentos; 
• Entende tempo passado e futuro 
 
Qualquer perda de linguagem, de capacidade de comunicação ou 
da habilidade social já adquiridas, em qualquer idade. 
Fonte: São Paulo, 2013. 
 
 
 
Um diagnóstico definitivo de transtorno do espectro do autismo só pode 
ser firmado após os três anos de idade. Porém, os indícios e a identificaçãode 
tendência para os TEA aparecem cedo. Há dados importantes sobre o 
diagnóstico na publicação sobre a linha de cuidado em autismo, do Ministério da 
Saúde. 
Os quadros invasivos não autísticos, como a síndrome de Rett, os 
transtorno desintegrativos e alguns dos globais não especificados, são muito 
raros, mas têm bastante impacto sobre as famílias. 
Demandam diagnósticos diferenciais com transtornos metabólicos 
(mucopolisacaroidose San Filippo) e condições neurológicas (encefalite por vírus 
lento, epilepsia), além dos autismos (especialmente quando se observa um 
desenvolvimento próximo do normal nos primeiros um ou dois anos, o que ocorre 
em até 30% dos casos de autismo). 
Não existe tratamento médico resolutivo, por si, para os quadros invasivos 
não autísticos. Neles, as complicações neurológicas, especialmente a epilepsia, 
são comuns. A abordagem é intersetorial. Essas crianças funcionam no nível de 
grave a profundo retardo mental. A abordagem é multidisciplinar, implicando 
psicoeducação voltada aos pais e cuidadores. 
Na maioria das vezes, quando os pais de crianças com transtornos 
invasivos fora do espectro autista aderem a associações de pais de crianças com 
autismo eles ficam desapontados, porque o progresso visto em autistas não 
ocorre com sua criança. O amparo emocional dado pelo setor saúde, portanto, 
à família, pode diminuir seu sofrimento e suas dificuldades de aceitação da 
condição. 
5.2 Tratamento 
5.3 Abordagens em equipe, com plano terapêutico singular 
Não há uma abordagem única e insubstituível a ser privilegiada no 
atendimento de pessoas com transtornos globais do desenvolvimento. Os 
técnicos podem escolher entre várias abordagens existentes, considerando, 
caso a caso, sua efetividade e segurança. Em especial deve-se levar em conta 
a singularidade de cada caso. 
 
 
 
Um plano terapêutico singular precisará ser construído, para cada 
usuário, à medida que ele vai se tornando conhecido da equipe multidisciplinar. 
O plano terapêutico visa entender os modos de funcionamento do sujeito, 
das relações que ele estabelece e os impasses decorrentes. Parte do contexto 
real do o sujeito, das rotinas que estabelece, de seu cotidiano, do que elege, o 
que evita. Leva em conta a escuta da família e de outros atores importantes. Visa 
criar recursos e alternativas para que se ampliem os laços sociais, suas 
possibilidades de circulação, e seus modos de estar na vida; ampliar suas formas 
de se expressar e se comunicar, favorecendo a inserção em contextos diversos. 
Todo projeto terapêutico singular para a pessoa com transtorno do 
espectro do autismo precisa ser construído com a família e a própria pessoa. 
Deve envolver uma equipe multiprofissional e estar aberto às proposições que 
venham a melhorar sua qualidade de vida. O objetivo geral de um plano 
terapêutico singular é o de promover melhor qualidade de vida, autonomia, 
independência e inserção social, escolar e laboral à pessoa enquadrada no 
espectro autista. São objetivos específicos genéricos, num projeto: 
a) Identificar habilidades preservadas, potencialidades e 
preferências de cada paciente, bem como áreas comprometidas 
(o que, como, o quanto); 
b) Compreender o funcionamento individual de cada paciente, 
respeitando seus limites e suas possibilidades de 
desenvolvimento; 
c) Elaborar e desenvolver um programa individualizado de 
tratamento por meio da aprendizagem de novas habilidades, 
ampliando os repertórios de potencialidades e reduzindo 
comportamentos mal adaptativos ou disfuncionais; 
d) Desenvolver ou melhorar as habilidades de autocuidado, 
propiciando maior autonomia; 
e) Desenvolver habilidades sociais, com o objetivo de melhorar o 
repertório social dos pacientes para proporcionar interações 
sociais mais positivas. Quando necessário, desenvolver ou 
melhorar habilidades básicas de interações sociais, como, por 
 
 
 
exemplo, o contato visual, responder a um cumprimento por 
gestos; 
f) Melhorar a qualidade do padrão de comunicação, seja verbal ou 
não verbal. Alguns recursos adicionais podem ser utilizados para 
possibilitar a comunicação, como o uso do PECS (Picture 
Exchange Communication System), que permite a comunicação 
por meio do uso de troca de figuras; 
g) Reduzir ou extinguir repertórios inadequados e comportamentos 
mal adaptativos, que dificultam a interação social ou aquisição de 
novas habilidades, como agitação psicomotora, comportamentos 
auto ou hétero agressivos e estereotipias; 
h) Realizar orientações frequentes aos pais ou cuidadores de modo 
a inseri-los no programa de tratamento, proporcionando novas 
situações de aprendizagem, não apenas durante as sessões, mas 
tendo os cuidadores como coterapeutas, reproduzindo as 
orientações recebidas e possibilitando a replicação dos 
comportamentos adequados em outros contextos; 
i) Orientar, de maneira uniformizada, os demais profissionais 
envolvidos, tanto de saúde como de educação, no cuidado e no 
manejo dos pacientes. 
Cada fase do desenvolvimento tem suas necessidades específicas a 
serem respeitadas. O plano terapêutico deve ser reavaliado, periodicamente, a 
cada seis meses, possibilitando identificar as áreas ou os repertórios 
desenvolvidos e adaptar ou planejar novamente as ações. 
No atendimento cotidiano os profissionais geralmente se valem de 
tratamento clínico de base psicanalítica, de análise do comportamento aplicada, 
conhecida como ABA, de comunicação suplementar e alternativa (CSA), de 
integração sensorial, do método de tratamento e educação para crianças com 
transtornos do espectro do autismo (TEACCH). 
O método Lovaas, conhecido como Early Intensive Behavioral 
Intervention (EIBI) ou Intervenção Comportamental Precoce Intensiva, para 
crianças pequenas, vem sendo estudado e testado quanto às suas aplicações 
em diversos contextos. É um método norte-americano complexo, que impõe 
 
 
 
formação, de difícil acesso, aos profissionais que porventura queiram aprender 
a utilizá-lo. 
 
Fonte: www.communitypartnersnh.org 
Procedimentos comportamentalistas, de cunho skinneriano, podem ser 
utilizadas para trabalhar não só comportamentos, mas também a linguagem, 
pois o autismo gera sistemática aplicação de: 
a) Reforço do comportamento verbal de mando vocal aversivo 
(chorar ou gritar, ou outros comportamentos de evitação que 
podem ser incompatíveis com a aquisição de comportamentos 
verbais apropriados para a idade); 
b) Reforço do comportamento verbal de mando gesticulatório e 
outras formas de mandos não-vocais; 
c) Antecipação de necessidades da criança e consequente 
reforçamento de um repertório não-responsivo que impede o 
fortalecimento de mandos vocais e nãovocais; 
d) Extinção de comportamentos verbais; 
e) Interação entre fatores orgânicos, ou presumidamente orgânicos, 
e fatores comportamentais; 
f) Não-supressão de comportamentos disruptivos e insuficiência em 
estabelecer controle instrucional verbal inicial. 
 
 
 
Os acompanhantes terapêuticos, voluntários ou contratados pela família, 
podem ter papel social importantes em alguns casos. 
Há estudos em andamento no sentido de se utilizar aparelhos de alta 
tecnologia, como jogos e aplicativos para uso em notebooks, tablets, e até 
aparelhos celulares, voltados especificamente para o desenvolvimento 
educacional e sócio relacional de pessoas com TEA. 
Os acompanhamentos para pessoas no espectro autista são mais efetivos 
quando são realizados em longo prazo. 
5.4 Tratamento fonoaudiológico 
Os objetivos das terapias fonoaudiológicas visam adequar as dificuldades 
de comunicação receptiva e expressiva. A linguagem infantil se constrói pela 
brincadeira, inicialmente observando a exploração lúdica espontânea e, 
posteriormente, incentivando-a a outras formas de brincar, de compartilhar 
atenção e situações. As ações ou emissões verbais que indicam tentativascomunicativas são incentivas e trabalhadas. A pessoas não verbais aplicam-se 
abordagens alternativas de comunicação27, como o uso de sistemas de 
comunicação aumentativa. As técnicas de comunicação alternativas e 
aumentativas são um complemento ou substituição da fala, para compensar a 
dificuldade de expressão. 
5.5 Terapia Ocupacional 
Um plano de intervenção do terapeuta ocupacional leva em conta as 
necessidades singulares de cada pessoa e de sua etapa de desenvolvimento. 
Melhorar o desempenho em atividades, como alimentação, vestuário, higiene, 
ou, ainda, mobilidade, brincar, desempenho escolar e ensino de procedimentos 
de segurança são ações comuns do terapeuta ocupacional. As áreas a trabalhar 
no autismo são: 
a) Cuidados Pessoais: Alimentação – ensino passo a passo da 
tarefa de comer de forma independente; 
 
 
 
b) Toalete – controle de esfíncter e treino específico do uso de 
toalete; 
c) Higiene – lavar as mãos, tomar banho, escovar dentes; 
d) Vestuário – tirar e colocar roupas e sapatos; 
e) Sono – qualidade do sono e rotina na hora de dormir; 
f) Atividades Domésticas: arrumar a cama, guardar brinquedos, 
ajudar a preparar um lanche, fazer compras em loja, preparar lista 
de compras, conhecer dinheiro (troco, contar); 
g) Mobilidade: atravessar rua, pegar transporte público, solicitar 
ajuda quando perdido; 
h) Adaptação do mobiliário e do material para escrita; Coordenação 
motora global e fina; 
i) Rotinas escolares – grau de independência para tomar lanche, 
guardar material, brincar de forma compartilhada, utilizar o 
banheiro; 
j) Emprego: preparar adolescentes para uma atividade laborativa, 
sempre que possível; 
k) Pré-requisitos para atividades laborativas (assiduidade, 
pontualidade); 
l) Habilidades para trabalho: exigências físicas (força, coordenação, 
postura) e cognitivas 
m) (memória, resolução de problemas); 
n) Processamento sensorial: avaliar e intervir para melhorar o input 
sensorial, seja por problemas na modulação sensorial 
(defensividade tátil e auditiva, inquietação motora, insegurança 
gravitacional, intolerância e movimento), seja na coordenação 
(integração bilateral, sequenciamento e dispraxias, dificuldade de 
planejamento motor); 
o) Educação: Ambiente escolar – localizar a sala, ir e vir 
independentemente; Organização do espaço físico da sala, 
potencial grau de distratibilidade. 
 
 
 
5.6 Trabalho com as famílias 
A abordagem familiar é um dos aspectos principais para o êxito do 
tratamento. Isso se dá, tanto na psicoeducação, no apoio psicológico aos pais 
ou cuidadores, e na instrumentalização para eles serem agentes terapêuticos. 
Para que os pacientes e as famílias tenham um papel ativo no seu tratamento é 
importante que conheçam sobre o transtorno e entendam as formas de 
intervenção, para aderir ao tratamento e informar melhor à equipe que os assiste 
sobre suas necessidades. Grupos de psicoeducação devem ser realizados para 
que a família possa ter contempladas suas dúvidas, entender a situação e 
compartilhar nas decisões do projeto de vida do paciente. Importante lembrar 
que, conforme o paciente esteja apto a participar dessas decisões, ele deve 
passar a tomá-las conjuntamente com a família e equipe terapêutica. 
5.7 Medicamentos 
Alguns fármacos são auxiliares no tratamento de pacientes portadores 
de transtornos do espectro autista. Não são usados com o objetivo de cura, mas 
de alívio de sintomas Alguns pacientes utilizam fármacos por longo prazo. 
Nestes, os efeitos adversos devem ser analisados cuidadosamente durante a 
escolha do medicamento e na sequência das tomadas. 
 
 
Fonte: www.static.wixstatic.com 
 
 
 
Os neurolépticos têm efeitos importantes para abrandar sintomas 
psicóticos. Entre eles, a levomepromazina (para problemas graves de insônia e 
comportamento agitado noturno), a clorpromazina, o haloperidol e a risperidona. 
Em especial o haloperidol e a risperidona têm evidenciado resultados positivos, 
incluindo redução de agressividade, da irritabilidade e do isolamento. Seus 
efeitos colaterais mais comuns são a sonolência, tontura, a salivação excessiva 
e o ganho de peso. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no 
SUS (CONITEC), após estudo técnico, emitiu parecer técnico favorável ao uso 
da risperidona: 
Com registro ativo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), 
a risperidona possui indicação prevista em bula para o tratamento de 
irritabilidade associada ao transtorno autista, em crianças e adolescentes, 
incluindo sintomas de agressão a outros, autoagressão deliberada, crises de 
raiva e angústia e mudança rápida de humor. 
6 A CRIANÇA E AS ESTRUTURAS FREUDIANAS DA PSICOSE 
Do estudo lacaniano sobre as psicoses, na década de 50, que se 
concentrou, principalmente, no Seminário, livro 3: as psicoses (1955-1956) e no 
texto dos Escritos, “De uma questão preliminar a todo tratamento possível das 
psicoses” (1958), podem-se extrair contribuições bastante fecundas para a 
compreensão a respeito da psicose infantil. 
Quatro eixos principais de investigação balizaram o terceiro seminário de 
Lacan, a saber, o resgate da doutrina freudiana das psicoses, o diálogo com a 
psiquiatria clássica, a crítica à psicogênese dos fenômenos psicóticos e a 
elaboração desses fenômenos à luz da teoria do significante. Esses eixos de 
investigação, sobretudo, os dois últimos, são responsáveis por um aporte 
fundamental à clínica com crianças. Com base na primazia do simbólico, o 
seminário tem como referência clínica o caso de Schreber. 
Do seu relato em Memórias de um doente dos nervos (1903/1995) se 
depreende a importância dos fenômenos de linguagem que constituem 
propriamente as “estruturas freudianas das psicoses” (LACAN, 1955-1956/1985, 
 
 
 
p.186). A solução schreberiana implica essencialmente a lógica do delírio, a 
saber, a lógica do inconsciente, a ser legitimada e sancionada pela psicanálise. 
A abordagem dos fenômenos psicóticos, nesse período do retorno a 
Freud, pautou-se, fundamentalmente, na investigação da relação específica do 
sujeito com a estrutura de linguagem do inconsciente. A clínica estrutural da 
psicose, que tem na forclusão do Nome do Pai um dos seus pilares 
fundamentais, introduziu a causalidade significante da psicose, inserindo-a no 
campo da fala e da linguagem. 
Disso decorre uma retificação da causalidade deficitária da psicose, seja 
ela orgânica, cognitiva ou ambiental, todas essas tão caras à psiquiatria infantil 
e à psicologia da criança, porém avessas à ética freudiana. A concepção de que 
a psicose enquanto uma estrutura clínica concerne ao sujeito do inconsciente e 
que, por consequência, a psicose não tem idade tornou-se uma referência 
prevalente na prática clínica com a criança. 
De fato, com Lacan, uma série de formulações associadas à discussão 
sobre a psicose infantil ecoou no campo freudiano: 
1) a psicose não tem idade; 
2) a psicose é uma só, quer ela se manifeste na criança ou no adulto; 
3) a criança é um analisante por inteiro. 
São hipóteses construídas em defesa da unidade da psicanálise, a 
despeito da variedade clínica das manifestações psicóticas que se recolhe da 
prática com a criança. Mas, ainda assim, a necessidade de elucidar os 
fenômenos significantes e libidinais da psicose infantil não se dissipou, visto que 
as formas clínicas de sua manifestação, que sempre se afastaram dos standards 
da psicose, vêm sendo registradas na psicanálise com crianças, desde a década 
de 30. 
Ao contrário do que ocorreu na investigação da neurose, quanto à 
psicose, a casuística de Freud passou ao largo do infantil, exceto na observação 
do episódio alucinatório do Homem dos Lobos. Em 1918, Freud publica um dos 
mais polêmicos de seus casos clínicos, no qual se pode destacar a resposta da 
criança ao encontro com a castração, que é, certamente, um índice daposição 
do sujeito em relação à estrutura simbólica. 
 
 
 
Um dentre os acontecimentos principais da hitória infantil do Homem dos 
Lobos foi o episódio alucinatório aos cinco anos de idade. Quando brincava 
próximo à babá, fazendo cortes com seu canivete na casca de uma árvore, para 
seu inexprimível terror, notou ter cortado fora o dedo mínimo da mão, que ficou 
pendurado. Sem sentir dor, mas com muito medo, não se atreveu a dizer nada 
para sua babá e foi incapaz de olhar para o seu dedo. Ao se acalmar, viu que o 
dedo estava inteiramente intacto. 
Lacan recorreu a esse fragmento do caso para ilustrar e distinguir o 
recalque do mecanismo psicótico da forclusão, segundo o qual “tudo o que é 
recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real” 
(LACAN, 1955-1956/1985, p.21). 
A alucinação do dedo cortado é o reaparecimento no real da castração 
recusada pelo sujeito. Na cena infantil descrita pelo Homem dos Lobos, chama 
a atenção o silêncio que se impôs sobre o acontecido, o medo de falar até 
mesmo com a babá, que era sua confidente. “Há aí um abismo, uma imersão 
temporal, um corte de experiência, depois do que resulta que não há 
absolutamente nada, tudo acabou, não falemos mais disso” (LACAN, 1955-
1956/1985, p.22). 
Lacan comenta as tendências e propriedades psicóticas do Homem dos 
Lobos, como se demonstrou pela curta paranoia que fez após o fim do 
tratamento com Freud. 
Que ele tenha rejeitado todo o acesso à castração, no entanto aparente 
na sua conduta, no registro da função simbólica, que toda a assunção da 
castração por um eu tenha se tornado para ele impossível, tem ligação muito 
estreita com o fato de que lhe tenha sucedido ter tido na infância um curta 
alucinação cujos detalhes extemamente precisos ele relata (LACAN, 
19551956/1985, p.21). 
Na análise do adulto neurótico, o que Freud encontrou foi a neurose 
infantil, isto é, a resposta do sujeito ao encontro traumático com a castração e 
que o mantém ligado, em sua fantasia, à criança que ele foi. Pode-se perguntar 
se haveria essa continuidade histórica da psicose quando ela se manifesta na 
infância ou se a entrada na psicose por meio do desencadeamento não introduz 
uma ruptura radical na história subjetiva. 
 
 
 
O fato é que a criança psicótica apresenta-se bem distante da criança 
freudiana, visto que sua maior particularidade é tratar o gozo sem se servir do 
Nome do Pai, colocando-se fora do alcance da sua lei. É ela que desestabiliza 
os ideais pedagógicos e os ideais familiares ao não responder às regras 
previstas pelo Outro, quer seja na relação ao corpo, ao outro e, sobretudo, na 
relação ao gozo. 
Junto aos pós-freudianos, houve uma produção volumosa do ponto de 
vista teórico e clínico com relação à psicose infantil, a exemplo da contribuição 
de Winnicott, de Margareth Mahler, que será comentada mais adiante. Nenhuma 
delas, no entanto, pretendeu estabelecer uma articulação com as estruturas 
freudianas das psicoses. Destaca-se a contribuição de Melanie Klein, que, ao 
enfocar a clínica da relação de objeto, de uma parte, promoveu a degradação 
dos operadores freudianos das estruturas clínicas, a saber, o Édipo e a 
castração; mas, de outra parte, acabou favorecendo a abordagem da psicose 
infantil. 
A clínica kleiniana deu lugar à sensibilidade ao real da psicose infantil, 
como se pode notar no relato do caso Dick, nas “Contribuições à Psicanálise” 
(1930). Contrariando Freud, que considerava impossível manter a transferência 
nas psicoses, Melanie Klein incentivou os analistas a se ocuparem do psicótico. 
Introduziu no campo teórico uma noção para balizar as questões clínicas da 
transferência, a saber, a identificação projetiva como mecanismo esquizoide. 
Porém, concebeu uma psicose infantil generalizada, equivalente à posição 
esquizo-paranoide, típica das relações objetais primitivas da criança. 
A posição esquizo-paranoide define-se por um tipo de mecanismo de 
defesa responsável pela desintegração do eu, pela fantasia persecutória e a 
cisão entre o objeto bom e mau. Dessa maneira, a psicose kleiniana tornou-se 
uma espécie de passagem obrigatória para o infans, cuja travessia resultaria na 
normalização neurótica. Mas acreditar que todos foram psicóticos numa etapa 
da vida e generalizar a psicose são ações que produzem o apagamento da 
concepção da própria estrutura psicótica, destituindo sua lógica e sua 
particularidade. 
 
 
 
 
Fonte: www.psiquiatrarj.com.br 
Enfim, a potencialidade psicótica afirmada pelos kleinianos por meio da 
posição esquizo-paranoide não é a mesma coisa que a estrutura psicótica. De 
fato, a psicose na criança pode mostrar-se de modo latente ou mascarado, 
revelar-se em sintomas e atitudes os mais diversos e, até mesmo, mostrar-se de 
modo patente. Em alguns casos, a função tutelar da família acaba poupando a 
criança dos encontros desencadeantes, mascarando a psicose. 
Outras vezes, é o discurso dos especialistas da criança que cria um 
aparato assistencial capaz de condicionar e adaptar a criança, ao preço do 
desconhecimento de sua psicose. Desse modo, verifica-se o quanto os 
distúrbios de linguagem, que, para a psicanálise, especificam as psicoses, são 
frequentemente degradados em déficit cognitivo ou outros tipos de deficiência. 
O mesmo ocorre com os distúrbios que envolvem o corpo, tais como as 
descoordenações motoras, as agitações, desfuncionamento dos órgãos de 
nutrição e de excreção, por exemplo, quando eles não são articulados à 
incidência da linguagem sobre o ser vivente. Nesses casos, opta-se, com 
frequência, por terapias ocupacionais, fisioterapias e reeducações diversas, sem 
a menor consideração do sujeito, do estatuto do corpo com relação à linguagem, 
ao inconsciente e ao gozo. 
 
 
 
Percebe-se, sobretudo nos setores da saúde e da educação infantil, que 
os impasses na identificação do desencadeamento das psicoses da criança 
associam-se à utilização das classificações diagnósticas contemporâneas que, 
a exemplo, da hiperatividade, do déficit de atenção e dos chamados transtornos 
invasivos do desenvolvimento, contribuem para mascarar a irrupção da psicose. 
Muitos fatores contribuíram para mascarar as estruturas freudianas das psicoses 
na infância. Dentre eles, destacam-se os seguintes: a posição da psiquiatria 
infantil e a redução da psicose à debilidade. 
7 PSIQUIATRIA INFANTIL E PSICANÁLISE 
Historicamente, verifica-se que diversos campos de saber resistiram ao 
reconhecimento do sofrimento mental da criança. Na psiquiatria, esperou-se que 
a infância pudesse estar ao abrigo do real da loucura, e seus fenômenos, quando 
reconhecidos, eram atribuídos a distúrbios orgânicos. O classicismo psiquiátrico 
não deu lugar à psicose infantil, que precisou aguardar o desenvolvimento do 
saber psiquiátrico moderno para ser diagnosticada. 
De acordo com Bercherie, no estudo intitulado “A clínica psiquiátrica da 
criança” (2001), a estrutura mental lábil e mutável da criança explicaria certo 
apagamento dos métodos clássicos na clínica psiquiátrica infantil. A labilidade 
da infância tornaria impossível definir trajetórias típicas das doenças e estruturas 
fixas cuja evolução estaria inscrita nos dados do seu início, conforme definição 
do método clínico da psiquiatria clássica. 
Da segunda metade do século XIX provém a primeira geração dos 
tratados de psiquiatria infantil, dando início à constituição de uma clínica 
psiquiátrica da criança, que, entretanto, não se impôs ainda como campo 
autônomo de investigação, pois era uma espécie de decalque da clínica e da 
nosologia elaboradas para o adulto. Para Bercherie, três teses foram 
estruturantes da psiquiatria infantil, a saber, o retardamento como único 
transtorno mental infantil, a loucura (do adulto) na criança, o nascimento de uma 
clínica pedopsiquiátrica baseada numa psicopatologia infantil. 
 
 
 
 
Fonte: www.paisefilhos.com.brA primeira tese não inclui a psicose infantil, a segunda é um decalque da 
clínica e da nosologia elaboradas para o adulto, e somente a terceira dá 
sustentação à noção moderna de psicose infantil. Diferentemente da clínica 
psiquiátrica do adulto, a clínica psiquiátrica da criança estruturou-se após a 
descoberta da Psicanálise, o que poderia ter provocado alguma vacilação da 
tese da causalidade orgânica da psicose. 
De fato, apenas permitiu que a esta fossem somados outros fatores 
causais, tais como o desenvolvimento, o ambiente familiar, a história, a 
personalidade. A ideia de Freud de que a causalidade psicopatológica assenta-
se num conflito psíquico infantil reeditado e atualizado na vida adulta chegou a 
ordenar a investigação psiquiátrica. 
Ampliou-se, consequentemente, o campo da clínica da criança, no qual 
foram incluídas as doenças psicossomáticas, as manifestações afetivas 
patológicas, as perturbações do desenvolvimento das funções elementares 
(motricidade, sono, fala, etc.) e os transtornos do comportamento, além das 
neuroses e psicoses. 
De fato, a incorporação das teses freudianas à psiquiatria infantil não 
ocorreu sem a deformação nelas promovidas pela escola funcionalista 
americana. A psicopatologia infantil que proliferou é a que considerava, em 
primeiro lugar, uma patologia das grandes funções com expressão nos 
transtornos de comportamento; em segundo lugar, o papel dos conflitos 
 
 
 
emocionais no desenvolvimento; e, em terceiro lugar, os fatores constitucionais 
e os transtornos da personalidade que emanam das doenças físicas. 
Dois nomes são representativos dessa abordagem psicopatológica, Adolf 
Meyer, um dos fundadores da Associação Americana de Psicanálise, e Kanner, 
o criador do primeiro serviço de psiquiatria infantil, além de autor de um tratado 
psiquiátrico, prefaciado por Meyer, obra de referência nesse campo, publicada 
em 1935. 
Ambos engajados numa oposição à Psiquiatria clássica sustentaram a 
compreensão da doença mental enquanto uma conduta que tem uma função e 
um sentido em relação à história do doente, às suas capacidades psicológicas e 
não constituem somente o aspecto mental de uma lesão cerebral. A aliança da 
psiquiatria infantil nascente na década de 30 com a psicanálise do ego norte-
americana e a psicologia do desenvolvimento deu lugar à investigação da 
psicose infantil com a produção de uma categoria clínica até então inédita, isto 
é, o autismo. 
A esquizofrenia infantil e o autismo constituíram os tipos clínicos mais 
pesquisados na psiquiatria infantil. Datadas desse período, existem duas teses 
que obtiveram influência dominante nos Estados Unidos, além de promover 
grande impacto junto aos demais pesquisadores, a saber, a tese sobre o autismo 
infantil precoce de Leo Kanner (1943) e sobre a esquizofrenia infantil de Lauretta 
Bender (1947). Kanner, na Universidade John Hopkins, e Bender, no Hospital 
Bellevue, em Nova Iorque, tiveram experiência com crianças psicóticas e 
desenvolveram estudos sistemáticos com elas, porém, produzindo hipóteses 
divergentes. 
Diferentemente do autismo, a esquizofrenia é uma categoria clínica 
originária da psiquiatria clássica, identificada por Kraepelin, com a denominação 
de demência precoce, em 1896, e rebatizada por Eugen Bleuler, em 1911, com 
o termo esquizofrenia. Para Kraepelin, a demência precoce define um 
agrupamento de entidades clínicas, a saber, demência precoce, catatonia e as 
demências paranoides. 
 
 
 
 
Fonte: www.folhavideira.com 
Enquanto Kraepelin privilegiou o critério clínicoevolutivo da doença, 
destacando, sobretudo, a precocidade do seu início e a cronicidade de seu curso, 
Bleuler privilegiou a existência de um transtorno primário, a saber, a cisão 
(Spaltung) das funções psíquicas, originando um sistema de funções 
independentes que perturbam a unidade da personalidade. Trata-se de uma 
dissociação das funções que concernem à inteligência, ao comportamento e ao 
afeto. 
No importante artigo sobre as psicoses, “Esquizofrenia e Paranoia” 
(1982), Jacques-Alain Miller reconstituiu a história desses conceitos e defendeu 
que a esquizofrenia bleuleniana é um conceito que testemunha a ressonância 
da psicanálise freudiana na psiquiatria, promovendo no material kraepeliniano 
uma substituição bem-sucedida de termos. 
O ano de 1911 foi bastante fecundo quanto ao debate sobre a 
esquizofrenia, pois nele apareceram três decisivas contribuições, a saber, o livro 
de Bleuler Demência precoce ou o grupo das esquizofrenias, o livro de Jung 
sobre a libido e o estudo de Freud “Notas psicanalíticas sobre um relato 
autobiográfico de um caso de paranoia (Dementia paranoides)”. Paranoia e 
demência precoce estiveram em questão no que diz respeito à clínica diferencial 
e motivou a discórdia de Freud com Jung, para quem a paranoia está construída 
exatamente como a demência precoce. 
 
 
 
Freud assumiu a paranoia como um tipo clínico independente e criticou o 
emprego do termo esquizofrenia por Bleuler, pois a esquize não constitui uma 
característica exclusiva dessa categoria clínica. A posição tomada por Freud no 
debate com Jung sobre a clínica diferencial da esquizofrenia e paranoia, a saber, 
explicar a parte paranoica da demência, acabou constituindo a orientação maior 
do enfoque psicanalítico das psicoses. 
É essa também a orientação de Lacan no seu estudo das psicoses na 
década de 50. De fato, a clínica da esquizofrenia, desde Freud, foi sendo 
construída em relação aos seus contrastes com a paranoia. Do lado da 
esquizofrenia, de modo privilegiado, estão os problemas ao nível do corpo e da 
língua, enquanto, que do lado da paranoia, estão os problemas da relação com 
o Outro e com o sentido. 
No livro A outra prática clínica: psicanálise e instituição terapêutica (2010), 
Alfred Zenoni explica que a preferência de Freud pela paranoia como modelo da 
psicose se deve ao fato de que, por sua estrutura de linguagem, ela afastou 
decididamente a loucura humana da demência. A orientação lacaniana a partir 
do real, que se consolidou na década de 70, com a teoria dos discursos, a teoria 
dos gozos, a topologia dos nós e o estudo sobre Joyce no Seminário, livro 23: o 
sinthoma, abriu novos horizontes para a psicanálise e para a esquizofrenia. 
É desde então que a especificidade do esquizofrênico destaca-se, isto é, 
a de um falasser para quem o corpo se torna um enigma, por “ser apanhado sem 
a ajuda de nenhum discurso estabelecido” (LACAN, 1972/2003, p.475). O artigo 
“Psicose infantil” (1975), de autoria de William Goldfarb, apresenta a história da 
conceituação da esquizofrenia e do autismo na psiquiatria infantil. Já em 1926, 
Homburger, um psiquiatra alemão, autor de um tratado de psiquiatria infantil, 
empregou o termo esquizofrenia infantil, retomado pelo americano Potter, oito 
anos depois. 
Os primeiros clínicos da psiquiatria infantil, como Potter (1933) e Bradley 
(1941), consideraram os critérios de Bleuler para o diagnóstico da esquizofrenia 
aplicáveis ao diagnóstico de crianças. Potter admitiu que a esquizofrenia pode 
surgir muito antes da puberdade, mas reconheceu que a imaturidade mental e 
emocional da criança, como seu estado de desenvolvimento, afetam de maneira 
singular a expressão sintomática da psicose. 
 
 
 
Por exemplo, acreditava que as limitações verbais e o concretismo mental 
da criança psicótica explicassem a relativa raridade e a simplicidade das suas 
reações delirantes. 
Com base nesses argumentos, Potter (1933) propôs um esquema para o 
diagnóstico de esquizofrenia infantil contendo seis critérios: 
1) retração generalizada dos interesses no ambiente; 
2) pensamentos, sentimentos e ações não realísticas; 
3) perturbações de pensamento, manifestadas através de bloqueio, 
simbolização, condensação, perseveração, incoerência e diminuição, chegando 
esta, às vezes, ao mutismo; 
4) deficiência norelacionamento emocional; 
5) diminuição, rigidez e distorção de afeto; 
6) alterações de comportamento acompanhadas ou de aumento da 
motilidade, levando a atividade incessante, ou de redução da motilidade, levando 
a completa imobilidade ou ao comportamento bizarro, com tendência a 
perseverarão ou estereotipia. Apesar do esforço de Potter para estabelecer 
critérios diagnósticos específicos para a esquizofrenia infantil, de acordo com 
Goldfarb (1975), ele pouco se afastou da definição clássica de Bleuler dos 
sintomas primários e secundários da esquizofrenia. 
Lauretta Bender (1959), de orientação francamente biologicista, discordou 
da tese de Kanner ao não aceitar uma subclasse específica de psicose infantil 
tal como a do autismo. Ao rever esse conceito, afirma que o autismo não é uma 
psicose tampouco indica um tipo específico de doença mental, mas representa 
uma fase primitiva do processo normal de desenvolvimento, que pode persistir 
como defesa contra a ansiedade resultante de prejuízos genéticos, cerebrais, 
perceptivos e sociais. 
A articulação que Bender estabeleceu entre autismo e esquizofrenia é a 
de subordinação do autismo em relação à esquizofrenia, que, para ela, constitui 
uma psicose essencial ou núcleo central de psicose. Fiel à orientação 
biologicista, Lauretta Bender definiu a esquizofrenia infantil como um distúrbio 
psicobiológico global na regulação da maturação de todas as funções básicas 
de comportamento, observadas clinicamente na infância. Trata-se de um atraso 
de maturação com aspectos embrionários, caracterizados por uma plasticidade 
 
 
 
primitiva em todos os comportamentos modelados nas áreas autônoma ou 
vegetativa, motora, intelectual, emocional e social, e cuja tendência é 
geneticamente determinada. 
O distúrbio clínico provém da descompensação resultante de uma crise 
fisiológica, que leva à lesão cerebral ou à desintegração de personalidade e que 
se acompanha dos distúrbios sintomáticos de identidade, do esquema corporal, 
das relações pessoais, da orientação, da linguagem e da movimentação. 
As expressões clínicas da esquizofrenia infantil foram classificadas por 
Bender em seis diferentes tipos: 
1) tipo de criança pseudodeficiente com retraimento autístico ou 
regressivo; 
2) tipo pseudoneurótico, semelhante à esquizofrenia pseudoneurótica 
adulta com manifestações fóbicas, obsessivo-compulsivas, histéricas e 
ansiosas; 
3) tipo psicosssomático, com sintomas viscerais, respiratórios e 
alérgicos; 
4) tipo pseudopsicopata com impulsividade e sintomas antissociais no 
período final da infância; 
5) tipo caracterizado por episódios psicóticos definidos; 
6) esquizofrenia latente. Lauretta Bender interessou-se, portanto, pelos 
distúrbios que concernem ao corpo. 
Ela observou e descreveu a movimentação e a resposta postural, de 
natureza primitiva, nas crianças esquizofrênicas. Identificou os distúrbios na 
movimentação padronizada, o atraso no desenvolvimento ou a falta de 
coordenação e a insegurança motora. Considerou uma resposta postural infantil, 
a “resposta de rodopio”, como marca registrada da esquizofrenia, quando 
presente em crianças acima de seis anos de idade. 
 
 
 
 
Fonte: www.reportersul.com.br 
Ao ser colocada em pé, de olhos fechados e braços estendidos, enquanto 
o observador faz uma rotação de sua cabeça em torno do pescoço, a criança 
esquizofrênica moveria o corpo junto, como se quisesse mantê-lo na linha da 
cabeça. Segundo a psiquiatra, a resposta de rodopio não é aprendida e alia-se 
aos impulsos de rodar, rodopiar em movimentação externa e mesmo em 
fantasias. Relacionadas a esses fenômenos estão a dependência corporal e a 
submissão física, que se expressam na forma pela qual a criança esquizofrênica 
se apoia no adulto ou se funde ao contorno de qualquer corpo com o qual entra 
em contato. 
A submissão motora, segundo Bender, representa a necessidade da 
criança psicótica de perceber um centro de gravidade estável, previsível, em face 
da desorganização e falta de configuração internas. A impulsividade física e a 
falta de coordenação também se refletem em comportamentos desastrados e 
caretas faciais. A percepção imprecisa do próprio corpo é um fator determinante 
da falta de preocupação com as secreções corporais, as extensões do corpo e 
a vestimenta. 
A atividade motora desviante e o conhecimento prejudicado do próprio 
corpo, enfim, todos esses fenômenos, para Bender, estão ligados às aberrações 
perceptivas. Ela notou, em crianças esquizofrênicas, as respostas visual-
motoras primitivas do ponto de vista do desenvolvimento, entre as quais se 
 
 
 
incluem a tendência à verticalização de figuras horizontais, a reprodução 
precária de imagens visuais, a impulsividade motora e a distinção imprecisa de 
figura e fundo. Além da descrição clínica, Bender acrescentou ao diagnóstico da 
esquizofrenia infantil a avaliação psicométrica dos distúrbios da percepção e do 
esquema corporal por meio do uso de testes baseados em figuras gestálticas 
padronizadas e do desenho da figura humana. 
Como se pode verificar, embora Lauretta Bender tenha sido uma 
observadora cuidadosa da criança esquizofrênica, faltou a ela uma teoria do 
corpo e da linguagem que permitisse uma outra articulação menos 
biopsicologizante sobre esses fenômenos. Sem dúvida, há alguma intuição 
dessa psiquiatra com relação à especificidade do sofrimento esquizofrênico, ou 
seja, o sofrimento que advém do corpo, quando ela dá importância para os 
distúrbios do esquema corporal. 
Por estar decididamente tomada pelo biologicismo, Bender não pôde 
pensar o corpo, senão no âmbito da fisiologia, da anatomia e da neurologia. 
Acabou aliando-se à psicometria ao criar o teste psicomotor, o teste de Bender, 
que passou a fazer parte de quase todo processo de avaliação psicológica da 
criança. Trata-se de um teste psicológico empregado de modo generalizado para 
detectar índices de distúrbios psicomotores de ordem neurológica. Assim que a 
psiquiatria detectou a falta de uniformidade de critérios diagnósticos universais 
para a psicose infantil, privilegiou a esquizofrenia infantil como categoria clínica 
capaz de circunscrever o que os psiquiatras convencionaram designar como 
psicoses funcionais. 
Segundo as considerações de Goldfarb no artigo “Psicose infantil” (1975), 
Eisenberg (1966) propôs uma classificação etiológica das psicoses infantis, 
dividindo dois grandes grupos, o grupo composto de quadros clínicos causados 
por prejuízo da função do tecido cerebral demonstrável — psicoses tóxicas, 
psicoses metabólicas, psicoses degenerativas, psicoses infecciosas, psicoses 
disrítmicas, psicoses traumáticas, psicoses neoplásticas — e o grupo das 
psicoses funcionais, a saber, as que restam inclassificáveis etiologicamente, 
uma vez que ainda não foi possível demonstrar, nesses casos, mudanças bem 
definidas na estrutura cerebral. 
 
 
 
Toda patologia que restou confusa, ambígua, que não coube na 
classificação ordenada pela causalidade orgânica demonstrável, e que, na 
verdade, “representa parte mais ampla dos distúrbios psicóticos observados e 
tratados na maioria dos serviços psiquiátricos” (GOLDFARB, 1975, p.251) foi 
absorvida sob o rótulo da esquizofrenia. 
Na psicanálise com crianças, a contribuição maior para o estudo da 
esquizofrenia vem de Melanie Klein e de seus seguidores. Para alguns analistas, 
a referência à esquizofrenia infantil permaneceu obscura e contaminada pela 
visão deficitária da psicose. É o que trasmite Laing, um dos analistas que 
dedicou-se ao tema no livro O eu dividido, estudo existencial da sanidade e da 
loucura (1973). “Mais freqüentemente se fala de esquizofrenia infantil quando 
não se compreende muito bem o que se passa” (LACAN, 1953-1954/1983, 
p.124). 
Antes dos anos 50, a clínica da psicose infantil permaneceu um pouco sob 
a névoa do autismo ou da fragmentação esquizofrênica.Para a ciência, hoje, a 
esquizofrenia é uma doença deficitária de origem organogenética; um simples 
recondicionamento cognitivo seria suficiente para aproximar o esquizofrênico 
dos padrões de normalidade. Da psiquiatria contemporânea, aquela que se 
baseia nos DSM, “está eliminada toda referência ao sentido, aos significantes 
próprios do sujeito, ao tempo, ao inconsciente ao gozo” (LAURENT, D., 2005, 
p.56). 
Essa psiquiatria permite ao sujeito liberar-se de toda explicação causal, 
de todo o sentido e da fantasia que estrutura sua realidade psíquica. Sendo 
assim, pode-se até pensar que essa clínica implicaria um campo de operações 
muito mais afeitas ao esquizofrênico do que aquele proposto pela psicanálise; 
pois se sabe que a sua opção forclusiva o exclui de qualquer discurso, do campo 
do sentido, além de mantê-lo aquém do uso imaginário do significante para 
proteger o gozo autista. 
O fato é que o esquizofrênico chega ao encontro do psicanalista, talvez 
porque nenhum outro discurso possa acolher o trabalho psicótico de invenção, 
voltado, sobretudo, para a disjunção do corpo e do gozo, conforme será 
abordado mais adiante. A causalidade libidinal da psicose, tão valorizada por 
 
 
 
Freud, fica à margem do campo científico, que, cada vez mais, reduz os 
fenômenos do gozo às alterações químicas do humor. 
Quanto ao autismo, este constituiu verdadeiro enigma no campo de saber 
sobre a criança. Por rejeitar o laço social, manter-se fora do discurso e 
demonstrar uma grave perturbação da economia libidinal, o autista testemunha 
um modo de ser bastante singular. O que leva uma criança a dispensar tão 
radicalmente e, às vêzes, muito cedo, na vida, a sua inserção no discurso e na 
civilização? 
Desde a psiquiatria clássica, passando pela psicanálise pós-freudiana até 
a psicanálise lacaniana, o autismo vem sendo objeto de vários estudos e de uma 
fecunda casuística. Das mais clássicas às mais contemporâneas abordagens 
psiquiátricas e psicanalíticas, pode-se recolher uma série de formulações sobre 
o autismo: um sintoma da esquizofrenia, uma síndrome infantil, uma fase 
primitiva do desenvolvimento, um déficit cognitivo, um fenômeno preliminar à 
psicose, uma estrutura específica, uma posição subjetiva do ser, um estilo de 
vida, etc. 
Definido primeiramente pela psiquiatria como um dos sintomas principais 
da esquizofrenia bleulerliana, o autismo tem alcançado, progressivamente, uma 
autonomia conceitual em relação à esquizofrenia desde que passou do estatuto 
de manifestação esquizofrênica precoce a uma síndrome distinta, descrita por 
Kanner na década de 40. De fato, com a progressiva separação do autismo da 
esquizofrenia, esta, até então considerada pela psiquiatria infantil clássica como 
a psicose infantil por excelência, vem sofrendo um apagamento em termos da 
sua abrangência teórica. 
A palavra autismo, proposta por Bleuler, no estudo da esquizofrenia, teve 
inspiração no autoerotismo freudiano, que descrevia uma etapa precoce da vida 
pulsional anterior ao narcisismo, precisamente, quando o próprio corpo da 
criança lhe serve de objeto libidinal. O termo bleuleniano nomeia um quadro 
clínico composto de retração do investimento libidinal do eu e redobramento 
sobre si mesmo. O corpo e sua dinâmica libidinal encontram-se, portanto, em 
pauta desde a primeira formulação sobre autismo. 
 
 
 
 
Fonte: www.opas.org.br 
Atualmente, sob o império crescente do biologicismo, é o corpo do ponto 
de vista das perturbações genéticas, neurológicas, bioquímicas, e não libidinais, 
que se tornou objeto do discurso da ciência, que prossegue determinado na 
busca de uma causa para o autismo. É preciso lembrar que “todas as hipóteses 
orgânicas que foram levantadas, nenhuma jamais se mostrou válida”5 
(STEVENS, 2008, p.13, tradução nossa). 
Para a psicanálise, a despeito da não comprovação dessas hipóteses, um 
sujeito não deixa de ser um sujeito mesmo se seu corpo porta alguma 
deficiência. Não se desconhece que os dados biológicos de cada um sejam parte 
de sua bagagem e tenham participação decisiva na constituição desse sujeito. 
“A psicanálise não supõe, nesse sentido, uma psicogênese das enfermidades 
mentais, e sim a dimensão do sujeito e do parasita da linguagem, que é algo 
bastante diferente” (LAURENT, 2007a, p.33). 
Interessa à ética psicanalítica o aparecimento junto ao autista de uma 
função subjetiva, o que implica necessariamente o corpo do falasser e uma 
invenção, quer seja na vertente da alienação delirante, quer seja na vertente do 
ato. O estatuto do autismo foi modificado por Kanner ao separá-lo da 
esquizofrenia com base no início muito precoce do distúrbio autístico, nos dois 
primeiros anos de idade, na sua evolução e no ambiente familiar das crianças 
 
 
 
autistas. Separou o autismo também da deficiência mental, devido à evidência 
de áreas segmentárias de competência dos autistas. Desse modo, o autismo foi 
elevado ao estatuto de uma constelação diagnóstica particular. 
Do ponto de vista epistemológico, Kanner oscilava entre diferentes 
posições, ora atraído pelas teorias psicanalíticas pós-freudianas, que, a exemplo 
de Margaret Mahler, problematizavam a relação mãe-criança como fator 
etiológico do autismo; ora dominado pelo biologicismo, supondo, no autista, uma 
incapacidade inata de construir o contato afetivo habitual com as pessoas. Sob 
a influência também da escola funcionalista americana, Leo Kanner descreveu, 
em 1943, a síndrome do autismo infantil precoce, isolando, como seu fator 
patognomônico, a inaptidão das crianças para estabelecer relações normais com 
as pessoas e para reagir normalmente a situações desde o início da vida. 
Os critérios de Kanner para o diagnóstico de autismo são os seguintes: 
1) solidão em grau extremo na mais tenra infância; 
2) comunicação prejudicada, a fala e a linguagem não são usadas para 
a comunicação, mutismo ou presença da linguagem ecolálica; 
3) insistência obsessiva na manutenção de mesmice, com grande 
ansiedade frente a situações novas e não familiares, e com uma preocupação 
ritualística repetitiva; 
4) fascinação pelos objetos, em contraste com desinteresse pelas 
pessoas. 
Contemporânea da tese de Kanner, porém menos difundida, surgiu, em 
Viena, em 1944, a síndrome descrita por Asperger, que também concerne ao 
autismo e cujo problema fundamental reside na limitação das relações sociais 
persistente durante toda a existência, porém com desempenho de inteligência 
superior em algumas áreas específicas. 
Há vários pontos em comum entre o autismo de Kanner e o autismo de 
Asperger: 
1) extrema solidão autística desde o início da vida; 
2) a importância dos objetos para o autista; 
3) ambos os autores acabam não fazendo objeções à inclusão do 
autismo na concepção geral da esquizofrenia. 
 
 
 
A maior diferença entre as duas síndromes diz respeito aos problemas de 
linguagem que foram mais acentuados na amostragem dos casos estudados por 
Kanner. Atualmente, já se fala em muitos autismos, e a síndrome descrita por 
Kanner não é mais a única. 
A multiplicidade de definições e explicações para o autismo leva a uma 
interrogação quanto à ressonância dos mais variados fatores na construção e 
conceituação de uma nova categoria diagnóstica, particularmente, a do autismo. 
Sabe-se que as transformações da civilização, sejam elas de caráter científico, 
social, ou econômico, exercem influência na descrição das doenças e na busca 
dos seus respectivos remédios. No artigo “Os espectros do autismo” (2011), Éric 
Laurent examina alguns dos fatores envolvidos na transformação do autismo em 
uma categoria específica. 
Na sua opinião, “Les spectres de l’autisme” o autismo enquanto categoria 
diagnóstica é uma das consequências mais marcantes da reincorporação da 
psiquiatria na medicina no final dos anos 60. A psiquiatria, que até então 
estudava os aspectos relacionais

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