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SUMÁRIO 1 OS TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO .............. 2 1.1 Leo Kanner .................................................................................. 3 1.2 Influências de Leo Kanner: .......................................................... 5 2 HANS ASPERGER ............................................................................ 6 3 OS DIFERENTES MODELOS EXPLICATIVOS DO AUTISMO ......... 7 4 AUTISMO INFANTIL .......................................................................... 9 4.1 Autismo atípico .......................................................................... 10 4.2 Síndrome De Rett ...................................................................... 12 4.3 Outro Transtorno Desintegrativo Da Infância ............................ 13 4.4 Transtorno Com Hipercinesia Associada A Retardo Mental E A Movimentos Estereotipados .......................................................................... 14 4.5 Síndrome De Asperger .............................................................. 15 5 Outros Transtornos Globais (Invasivos) Do Desenvolvimento ......... 16 5.1 Transtornos Globais (Invasivos) Não Especificados Do Desenvolvimento. ......................................................................................... 16 5.2 Tratamento ................................................................................ 19 5.3 Abordagens em equipe, com plano terapêutico singular ........... 19 5.4 Tratamento fonoaudiológico ...................................................... 23 5.5 Terapia Ocupacional ................................................................. 23 5.6 Trabalho com as famílias .......................................................... 25 5.7 Medicamentos ........................................................................... 25 6 A CRIANÇA E AS ESTRUTURAS FREUDIANAS DA PSICOSE .... 26 7 PSIQUIATRIA INFANTIL E PSICANÁLISE ...................................... 31 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 52 1 OS TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO Os transtornos invasivos ou globais do desenvolvimento (TGD) são uma categoria ampla de condições, dividida didaticamente em dois grupos: (1) os transtornos do espectro do autismo (TEA), que incluem o autismo infantil de Kanner, o autismo atípico, a síndrome de Asperger e transtornos com hipercinesia associada a retardo mental e a movimentos estereotipados; (2) outras síndromes, incluindo a síndrome de Rett e os outros transtornos desintegrativos da infância (incluindo as psicoses desintegrativas e simbióticas esquizofreniformes, e a síndrome de Heller). Sobram alguns quadros residuais, ditos não especificados, que não se encaixam adequadamente em qualquer um dos dois grupos anteriores, pois eventualmente podem ser considerados, em função de alguns sintomas, como parte do espectro autista, ou não. Geralmente esta categoria – a dos não especificados – é utilizada quando o diagóstico ainda não está completo ou não é bem definido. O espectro autista representa transtornos do desenvolvimento, envolvendo alterações qualitativas e quantitativas da comunicação (linguagem verbal e não verbal), da interação social e do comportamento (estereotipias, padrões repetitivos e interesses restritos), que geralmente tem início antes dos 3 anos de idade. Em termos etiológicos, tais alterações estão associadas a anomalia anatômica ou fisiológica do sistema nervoso central (SNC), a problemas constitucionais inatos predeterminados biologicamente, e a fatores de risco. Os transtornos invasivos do desenvolvimento ocorrem com maior frequência em indivíduos do sexo masculino (3 a 5 homens para 1 mulher). O aumento dos números relativos ao diagnóstico destes transtornos vem sendo alvo de constantes discussões, visto que tais dados refletem a possibilidade do real aumento dos casos ou de uma maior capacidade de identificação a partir da ampliação dos critérios diagnósticos. Não se pode considerar raros os autismos. O diagnóstico é eminentemente clínico e deve ser realizado a partir dos critérios da CID-10, através de anamnese (com os pais ou responsáveis legais e cuidadores), bem como da observação clínica dos comportamentos. A utilização de escalas de triagem traduzidas e validadas para a população brasileira pode favorecer a identificação precoce da suspeita destas condições, por profissionais da atenção básica, nas ações de assistência materno-infantil. A detecção precoce é fundamental para que as intervenções possam ser realizadas, principalmente ao considerar-se que a resposta positiva ao tratamento (em termos de linguagem, desenvolvimento cognitivo e habilidades sociais) é mais significativa nos casos de intervenção mais imediata. Isso se dá em função da plasticidade cerebral, assim como das experiências precoces nos primeiros anos de vida do bebê, fundamentais para o funcionamento das conexões neuronais e para o desenvolvimento psicossocial. Desse modo, as intervenções precoces conferem maior eficácia e maior economia, devendo ser privilegiadas pelos profissionais de saúde. 1.1 Leo Kanner O termo autismo foi utilizado pela primeira vez em 1911, por Bleuler, para designar a perda de contato com a realidade e consequente dificuldade ou impossibilidade de comunicação. Fonte: www.leokaneer.org Em 1943, o médico austríaco radicado nos Estados Unidos da América - Leo Kanner - observou onze crianças que passaram por sua consulta e escreveu o artigo: "Os transtornos autistas do contato afetivo" (1943). Com base nos aspectos que chamaram sua atenção, podemos dizer que ele identifica como traço fundamental do autismo a "incapacidade para relacionar-se normalmente com as pessoas e as situações" (1943, p. 20). Vamos conhecer um pouco da descrição de Leo Kanner sobre o autismo: Fonte: www.redehumanizasus.net As relações sociais e afetivas: Desde o início há uma extrema solidão autista, algo que, na medida do possível, desconsidera, ignora ou impede a entrada de tudo o que chega à criança de fora. O contato físico direto e os movimentos ou ruídos que ameaçam romper a solidão são tratados como se não estivessem ali, ou, não bastasse isso, são sentidos dolorosamente como uma interferência penosa" (KANNER, 1943). A comunicação e a linguagem: L. Kanner descreveu a ausência de linguagem (mutismo) em algumas crianças, seu uso estranho nas que a possuem, a presença de ecolalia, a aparência de surdez em algum momento do desenvolvimento e a falta de emissões relevantes. A relação com as mudanças no ambiente e a rotina: A conduta da criança "é governada por um desejo ansiosamente obsessivo por manter a igualdade, que ninguém, a não ser a própria criança, pode romper em raras ocasiões" (1943, p. 22). Memória: Capacidade surpreendente de alguns em memorizar grande quantidade de material sem sentido ou efeito prático. Hipersensibilidade a estímulos: Muitas crianças reagiam intensamente a certos ruídos e a alguns objetos. Também manifestavam problemas com a alimentação. Fonte: www.noticiasmagazine.com.br 1.2 Influências de Leo Kanner: Nos estudos de Leo Kanner, estão descritas as principais características do autismo. Entretanto, seus estudos também geraram certa confusão, além de conseqüências teóricas e práticas determinantes, nas abordagens de atendimento e compreensão das necessidades das pessoas com autismo. Até a década de 70, persiste certa confusão do ponto de vista do diagnóstico, conforme segue: O termo "autismo" já havia sido usado para referir-se à esquizofrenia, podendo postular uma correlação indevida entre os dois diagnósticos; Por não ter sido levada em consideração a idade da manifestação do quadro, outros diagnósticos poderiam ser confundidos com autismo; Estudos posteriores de Kanner reduzem as características principais do quadro ou consideram parte das características observadas como secundárias, acarretando diagnósticos com sintomas que, na verdade, não apareceriam no autismo. 2 HANS ASPERGER Poucos meses depois de Kanner, o médico vienense Hans Asperger descreveu os casos de várias crianças vistas e atendidas na Clínica Pediátrica Universitária de Viena. Asperger não conhecia o trabalho de Kanner e "descobriu" o autismo de modo independente. Publicou suas observações em 1944: "APsicopatia autista na infância". As descrições do autismo feitas por Asperger foram publicadas em alemão, no pós-guerra, e não foram traduzidas para outra língua, o que provavelmente contribuiu para prolongar o período de desconhecimento a respeito de seus estudos, até a década de 80. A seguir, apresentamos um pouco da descrição de Hans Asperger sobre o autismo: As relações sociais e afetivas: Asperger identificava como traço fundamental a limitação de suas relações sociais, considerando que toda a personalidade da criança está determinada por esta limitação. A comunicação e a linguagem: Estranhas pautas expressivas e comunicativas, anomalias prosódicas e pragmáticas. As anomalias prosódicas são alterações das propriedades acústicas da fala - ritmo e entonação, constituindo uma fala estranha nesses aspectos. As anomalias pragmáticas dizem respeito a uma comunicação restrita a significados implícitos ou a serem inferidos. Do ponto de vista da comunicação receptiva, esta anomalia representa a dificuldade de compreender um chiste ou o sentido ambíguo de palavras ou expressões. Pensamento: Compulsividade e caráter obsessivo de seus pensamentos. Comportamento e atitudes: Tendência a guiar-se de forma alheia às condições do meio. 3 OS DIFERENTES MODELOS EXPLICATIVOS DO AUTISMO Até a década de 60, o autismo foi considerado um transtorno emocional, causado pela incapacidade de mães e/ou pais de oferecer o afeto necessário durante a criação dos filhos. Isso produziria alterações graves no desenvolvimento de crianças. A formulação dessa hipótese se baseava apenas na descrição de casos, e não havia comprovação empírica. Posteriormente, essa correlação se mostrou falsa, pois estudos mostraram que não havia diferença significativa entre os laços afetivos de pais de crianças autistas e de outras crianças. Além disso, novos estudos evidenciavam a presença de distúrbios neurobiológicos. Durante as duas décadas seguintes, pesquisas empíricas, rigorosas e controladas levaram à hipótese da existência de alteração cognitiva que explicaria as características de comunicação, linguagem, interação social e pensamento presentes no autismo. Nesse período de tempo, surgiram escolas específicas para pessoas com autismo. Posteriormente, as pesquisas fundamentadas em dados estabeleceram importantes modelos explicativos. O autismo passa a ser estudado e compreendido enquanto um transtorno do desenvolvimento. Deixa de ser apontado como uma psicose infantil para ser entendido como um Transtorno Global (ou Invasivo) do Desenvolvimento. Os diferentes modelos explicativos do autismo, de 1943 aos dias de hoje, implicaram, a cada momento histórico, diferentes impactos para as famílias e para as crianças com autismo: As primeiras descrições do autismo, ao considerar o isolamento como um desejo da criança e a interferência de outra pessoa no ambiente, na rotina e na "solidão" como algo penoso, trouxeram em consequência o reforço do isolamento dessas crianças. Havia a tendência de se proteger a criança em relação a essas interferências, tanto nos espaços formais de tratamento e educação, quanto nos espaços informais; As intervenções educacionais, quando começaram a ser implementadas, ocorreram em circunstâncias ambientais artificiais, já que previam controle e redução de estímulos e atendimentos individualizados ou com outras pessoas que também apresentavam o mesmo transtorno. Se a compreensão era de que os estímulos e a abordagem social poderiam causar sofrimento, por consequência, não se oportunizou à maioria dessas crianças a exposição ao meio social; Do ponto de vista da família, por duas décadas, os pais se viram diante de uma responsabilidade que na verdade não existia. O modelo explicativo, que vinculava o transtorno autista à incapacidade afetiva dos pais, posteriormente comprovado como falso, afligia-lhes culpa e estigma social. Em decorrência desse modelo, surgiram expressões estigmatizastes como "mãe geladeira". A experiência de ter um filho com autismo, por muito tempo, então, consistia num impacto terrível do ponto de vista emocional, acarretando, muitas vezes, sofrimento e atitudes de superproteção, decorrentes do sentimento de culpa, os quais não contribuíram para uma abordagem familiar e profissional que proporcionasse a superação das dificuldades da família e da criança; A ausência da oferta de educação escolar, durante os primeiros anos de estudo do autismo, levaram as famílias a viver seus desafios e necessidades à parte das demais. Prova disso é o fato de que as primeiras iniciativas de escolarização foram patrocinadas por familiares e pais de autistas, e não pelo estado ou por profissionais e estudiosos da educação. Se, por um lado, resultou em militância das famílias, por outro, pode ter contribuído para o mito, ainda compartilhado por muitos, de que apenas quem tem uma criança com autismo na família pode saber do que essas crianças necessitam. Esse mito isentou a nós educadores de nossas responsabilidades para com essa parcela da infância. A partir desse breve histórico e de sua análise crítica, podemos dimensionar a importância do momento atual da educação brasileira para as crianças com autismo e suas famílias. A empreitada nacional, empreendida por pais e gestores no sentido de constituir sistemas de ensino inclusivos, vem retirando as crianças com autismo e suas famílias do isolamento social histórico a que foram submetidas, enquanto segregadas em escolas especiais, tornando pauta das discussões da gestão educacional a responsabilidade e os desafios para a garantia do direito dessas pessoas à educação. Fonte: www.leandroteles.com.br 4 AUTISMO INFANTIL Transtorno global do desenvolvimento caracterizado por: a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos, e b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo. Além disso, o transtorno se acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas, por exemplo fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou agressividade (auto-agressividade). Inclui: autismo infantil, psicose infantil, síndrome de Kanner, transtorno autístico. Exclui: psicopatia autista (F84.5) 4.1 Autismo atípico Transtorno global do desenvolvimento, ocorrendo após a idade de três anos ou que não responde a todos os três grupos de critérios diagnósticos do autismo infantil. Esta categoria deve ser utilizada para classificar um desenvolvimento anormal ou alterado, aparecendo após a idade de três anos, e não apresentando manifestações patológicas suficientes em um ou dois dos três domínios psicopatológicos (interações sociais recíprocas, comunicação, comportamentos limitados, estereotipados ou repetitivos) implicados no autismo infantil; existem sempre anomalias características em um ou em vários destes domínios. O autismo atípico ocorre habitualmente em crianças que apresentam um retardo mental profundo ou um transtorno específico grave do desenvolvimento de linguagem do tipo receptivo. Inclui: psicose infantil atípica, retardo mental com características autísticas (usar códigoadicional (F70-F79), se necessário, para identificar o retardo mental). De acordo com o DSM.IV, podemos descrever algumas características que podem ser manifestadas pelas pessoas com autismo. O autismo se caracteriza pela presença de um desenvolvimento acentuadamente prejudicado na interação social e comunicação, além de um repertório marcantemente restrito de atividades e interesses. As manifestações desse transtorno variam imensamente a depender do nível de desenvolvimento e idade. Os prejuízos na interação social são amplos, podendo haver também prejuízos nos comportamentos não verbais (contato visual direto, expressão facial, gestos corporais) que regulam a interação social. As crianças com autismo podem ignorar outras crianças e não compreender as necessidades delas. Os prejuízos na comunicação também são marcantes e podem afetar habilidades verbais e não verbais. Pode haver atraso ou falta total de desenvolvimento da linguagem falada. Naqueles que chegam a falar, pode existir prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversação, uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou uma linguagem idiossincrática (uso peculiar de palavras ou frases não possibilitando entender o significado do que está sendo dito). Quando a fala se desenvolve, o timbre, a entonação, a velocidade, o ritmo ou a ênfase podem ser anormais (ex.: o tom de voz pode ser monótono ou elevar- se de modo interrogativo ao final de frases afirmativas). As estruturas gramaticais são frequentemente imaturas e incluem o uso estereotipado e repetitivo (ex.: repetição de palavras ou frases, independentemente do significado, repetição de comerciais ou jingles). Pode-se observar uma perturbação na capacidade de compreensão da linguagem, como entender perguntas, orientações ou piadas simples. As brincadeiras imaginativas em geral são ausentes ou apresentam prejuízos acentuados. Existe, com frequência, interesse por rotinas ou rituais não funcionais ou uma insistência irracional em seguir rotinas. Os movimentos corporais estereotipados envolvem mãos (bater palmas, estalar os dedos), ou todo o corpo (balançar-se, inclinar-se abruptamente ou oscilar o corpo), além de anormalidades de postura (ex.: caminhar na ponta dos pés, movimentos estranhos das mãos e posturas corporais). Podem apresentar preocupação persistente com partes de objetos (botões, partes do corpo). Também pode haver fascinação por movimentos (rodinhas dos brinquedos, abrir e fechar portas, ventiladores ou outros objetos com movimento giratório). Características principais Idade de manifestação Importante para o diagnóstico diferencial Prejuízo no desenvolvimento da interação social e da comunicação. Pode haver atraso ou ausência do desenvolvimento da linguagem. Naqueles que a possuem, pode haver uso estereotipado e repetitivo ou uma linguagem idiossincrática. Repertório restrito de interesses e atividades. Interesse por rotinas e rituais não funcionais. Antes dos 3 anos de idade. Prejuízo no funcionamento ou atrasos em pelo menos 1 das 3 áreas: Interação social; Linguagem para comunicação social; Jogos simbólicos ou imaginativos. 4.2 Síndrome De Rett Transtorno neuropsiquiátrico não autístico, caracterizado por um desenvolvimento inicial aparentemente normal, seguido de perda parcial ou completa da linguagem, da marcha e do uso das mãos, com retardo do desenvolvimento craneano. Ocore em meninas, geralmente entre 7 e 24 meses. O interesse social é consdevado pela criança, mas não há desenvolvimento, nem social nem lúdico. Aos 4 anos inicia-se uma ataxia do tronco, com apraxia e, eventualmente, movimentos atetósicos. Geralmente a inteligência fixa-se no nível do retardo grave. A Síndrome de Rett foi identificada em 1966 por Andréas Rett, tendo ficado mais conhecida após o trabalho de Hagberg. Do ponto de vista clínico, a Síndrome de Rett pode ser organizada em quatro etapas, de acordo com Mercadante (2007), conforme segue: Estagnação precoce: Dos 6 aos 18 meses, caracterizando-se pela estagnação do desenvolvimento, desaceleração do crescimento do perímetro cefálico e tendência ao isolamento social. Rapidamente destrutiva: Entre o primeiro e o terceiro ano de vida, com regressão psicomotora, choro imotivado, irritabilidade, perda da fala adquirida, comportamento autista e movimentos estereotipados das mãos. Podem ocorrer irregularidades respiratórias e epilepsia. Pseudoestacionária: Entre os dois e dez anos de idade, podendo haver certa melhora de alguns dos sintomas como, por exemplo, o contato social. Presença de ataxia, apraxia, espasticidade, escoliose e bruxismo. Episódios de perda de fôlego, aerofagia, expulsão forçada de ar e saliva. Deterioração motora tardia: Inicia-se em torno dos dez anos de idade, com desvio cognitivo grave e lenta progressão de prejuízos motores, podendo necessitar de cadeira de rodas. Mesmo com a identificação do gene, os mecanismos envolvidos na Síndrome de Rett ainda são desconhecidos. Reduções significativas no lobo frontal, no núcleo caudato e no mesencéfalo têm sido descritas, havendo também algumas evidências de desenvolvimento sináptico. Características principais Idade de manifestação Importante para o diagnóstico diferencial Desenvolvimento de múltiplos déficits específicos após um período de funcionamento normal nos primeiros meses de vida. Desaceleração do crescimento do perímetro cefálico. Perda das habilidades voluntárias das mãos adquiridas anteriormente, e posterior desenvolvimento de movimentos estereotipados semelhantes a lavar ou torcer as mãos. O interesse social diminui após os primeiros anos de manifestação do quadro, embora possa se desenvolver mais tarde. Prejuízo severo do desenvolvimento da linguagem expressiva ou receptiva. Primeiras manifestações após os primeiros 6 a 12 meses de vida. Prejuízos funcionais do desenvolvimento dos 6 meses aos primeiros anos de vida. Presença de crises convulsivas. Desaceleração do crescimento do perímetro cefálico. 4.3 Outro Transtorno Desintegrativo Da Infância Características principais Idade de manifestação Importante para o diagnóstico diferencial Regressão pronunciada em múltiplas áreas do funcionamento, após um desenvolvimento normal constituído de comunicação verbal e não verbal, relacionamentos sociais, jogos e comportamento adaptativo apropriado para a idade. As perdas clinicamente significativas das habilidades já adquiridas em pelo menos duas áreas: linguagem expressiva ou receptiva, habilidades sociais ou comportamento adaptativo, Após 2 anos e antes dos 10 anos de idade. O transtorno não é melhor explicado pelo Autismo ou Esquizofrenia. Excluídos transtornos metabólicos e condições neurológicas. Muito raro e muito menos comum do que o Autismo. Também é um transtorno não autístico, caracterizado por desenvolvimento inicial aparentemente normal, seguido de perda da habilidades, em poucos meses, com perda do interesse pelo ambiente e apresentação de condutas motoras estereotipadas e repetitivas (maneirismos). Muitas vezes identifica-se uma encefalopatia. Inclui quadros de psicose desintegrativa e simbiótica esquizofreniforme e de síndrome de Heller (demência infantil). 4.4 Transtorno Com Hipercinesia Associada A Retardo Mental E A Movimentos Estereotipados Presente em crianças com retardo mental grave (de QI abaixo de 50), com retardo geral do desenvolvimento, e perturbação da psicomotricidade, da atenção e do comportamento. Tais quadros de hiperatividade não reagem a estimulantes. Características principais Idade de manifestação Importante para o diagnóstico diferencial Existe prejuízo severo no desenvolvimento da interação social recíproca ou de habilidades de comunicação verbal e não- verbal ou comportamentos, interessese atividades estereotipados. Quando tais características estão presentes, mas não são satisfeitos os critérios diagnósticos para um Transtorno Global do Desenvolvimento ou para outros quadros diagnósticos como Esquizofrenia, Transtorno da Personalidade Esquizotípica ou Transtorno da Personalidade Esquiva. controle intestinal ou vesical, jogos ou habilidades motoras. Apresentam déficits sociais e comunicativos e aspectos comportamentais geralmente observados no Autismo. 4.5 Síndrome De Asperger Transtorno de validade nosológica incerta, caracterizado por uma alteração qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada no autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Ele se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que não se acompanha de um retardo ou de uma deficiência de linguagem ou do desenvolvimento cognitivo. Os sujeitos que apresentam este transtorno são em geral muito desajeitados. As anomalias persistem frequentemente na adolescência e idade adulta. O transtorno se acompanha por vezes de episódios psicóticos no início da idade adulta. Inclui: psicopatia autística, transtorno esquizoide da infância. De acordo com o DSM.IV, as características essenciais do Transtorno de Asperger consistem em prejuízo persistente na interação social e no desenvolvimento de padrões repetitivos de comportamento, interesses e atividades. A perturbação pode causar prejuízo clinicamente significativo nas áreas social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento. Diferentemente do que ocorre no Autismo, não existem atrasos significativos na linguagem. Também não existem atrasos significativos no desenvolvimento cognitivo ou nas habilidades de autoajuda, comportamento adaptativo (outro que não a interação social) e curiosidade acerca do ambiente na infância. O Transtorno de Asperger parece ter um início mais tardio do que o Autismo, ou parece ser identificado mais tarde. As dificuldades de interação social podem tornar-se mais manifestas no contexto escolar, e é durante esse período que interesses idiossincráticos (peculiares em relação aos interesses comuns às pessoas) ou circunscritos podem aparecer e ser reconhecidos. Quando adultos, podem ter problemas com a empatia e modulação da interação social. Características principais Idade de manifestação Importante para o diagnóstico diferencial Prejuízo persistente na interação social. Desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. Tem início mais tardio do que o Autismo ou é percebido mais tarde (entre 3 e 5 anos). Atrasos motores ou falta de destreza motora podem ser percebidos antes dos 6 anos. Diferentemente do Autismo, podem não existir atrasos clinicamente significativos no desenvolvimento cognitivo, na linguagem, nas habilidades de autoajuda apropriadas à idade, no comportamento adaptativo, à exceção da interação social, e na curiosidade pelo ambiente na infância. 5 OUTROS TRANSTORNOS GLOBAIS (INVASIVOS) DO DESENVOLVIMENTO 5.1 Transtornos Globais (Invasivos) Não Especificados Do Desenvolvimento. 5.1.1.1 Diagnóstico As diretrizes do Ministério da Saúde compõem um documento de leitura imprescindível para os profissionais que estejam se iniciando nas tarefas de atendimento de transtornos invasivos do desenvolvimento infantil. A coleta da história clínica, a anamnese com os pais ou responsáveis legais e cuidadores, e o exame devem ser coerentes com os critérios da décima versão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial da Saúde. Também deve-se levar em conta a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) que, na área clínica, auxilia o modelo de atendimento multidisciplinar. Ela foca as deficiências, incapacidades e desvantagens não apenas como consequência das condições de saúde e doença. Foca-as como fatos determinados também pelo contexto do meio ambiente físico e social, por percepções culturais e atitudes, pela disponibilidade de serviços e pela legislação. É um instrumento para medir o estado funcional dos indivíduos, permitindo avaliar condições de vida e fornecer subsídios para políticas de inclusão social. O diagnóstico de transtornos do espectro do autismo é uma descrição e não uma explicação. Esta descrição é dimensional também, pois sempre se deve estabelecer o grau do problema, em um espectro que vai desde o muito discreto e leve, até condições muito intensas e graves. Sintomas e Sinais de Alerta para o Espectro Autista (de 2 a 15 meses) IDADE DESENVOLVIMENTO NORMAL SINAIS DE ALERTA 2 meses • Criança fixa o olhar; • Reage ao som; • Bebê se aconchega no colo dos pais e troca olhares (mamadas e trocas de fralda) 4 meses • Emite sons; • Mostra interesse em olhar rosto de pessoas, respondendo com sorriso, vocalização ou choro; • Retribui sorriso 6 meses • Sorri muito ao brincar com pessoas; • Localiza sons; • Acompanha objetos com olhar • Não tem sorrisos e expressões alegres 9 meses • Sorri e ri enquanto olha para as pessoas; • Interage com sorrisos, feições amorosas e outras expressões; • Brinca de esconde-achou; • Duplica sílabas • Não responde às tentavas de interação feita pelos outros quando estes sorriem fazem caretas ou sons; • Não busca interação emitindo sons, caretas ou sorrisos 12 meses • Imita gestos como dar tchau e bater palmas; • Responde ao chamado do nome; • Faz sons como se fosse conversa com ela mesma • Não balbucia ou se expressa como bebê; • Não responde ao seu nome quando chamado; • Não aponta para coisas no intuito de compartilhar atenção; • Não segue com olhar gesto que outros lhe fazem 15 meses • Troca com as pessoas muitos sorrisos, sons e gestos em uma sequência; • Executa gestos a pedido; • Fala uma palavra • Não fala palavras que não seja mama, papa, nome de membros da família Fonte: São Paulo, 2013. As alterações no desenvolvimento da criança podem ser percebidas pelos pais antes dos 24 meses. A procura por serviços especializados diminui os diagnósticos inadequados. Os sintomas e sinais de risco podem ser identificados precocemente. Sintomas e Sinais de Alerta para o Espectro Autista (de 18 a 36 meses) IDADE DESENVOLVIMENTO NORMAL SINAIS DE ALERTA 18 meses • Fala no mínimo 3 palavras; • Reconhece claramente pessoas e partes do corpo quando nomeados; • Faz brincadeiras simples de faz de conta • Não fala palavras (que não seja ecolalia); • Não expressa o que quer; • Utiliza-se da mão do outro para apontar o que quer 24 meses • Brinca de faz de conta; • Forma frase de duas palavras com sentido que não seja repetição; • Gosta de estar com crianças da mesma idade e tem interesse em brincar conjuntamente; • Procura por objetos familiares que estão fora do campo de visão quando perguntado • Não fala frase com duas palavras que não sejam repetição 36 meses • Brincadeira simbólica com interpretação de personagens; • Brinca com crianças da mesma idade expressando preferências; • Encadeia pensamento e ação nas brincadeiras (ex.: estou com sono, vou dormir); • Responde a perguntas simples como “onde”, “o que”; • Fala sobre interesses e sentimentos; • Entende tempo passado e futuro Qualquer perda de linguagem, de capacidade de comunicação ou da habilidade social já adquiridas, em qualquer idade. Fonte: São Paulo, 2013. Um diagnóstico definitivo de transtorno do espectro do autismo só pode ser firmado após os três anos de idade. Porém, os indícios e a identificaçãode tendência para os TEA aparecem cedo. Há dados importantes sobre o diagnóstico na publicação sobre a linha de cuidado em autismo, do Ministério da Saúde. Os quadros invasivos não autísticos, como a síndrome de Rett, os transtorno desintegrativos e alguns dos globais não especificados, são muito raros, mas têm bastante impacto sobre as famílias. Demandam diagnósticos diferenciais com transtornos metabólicos (mucopolisacaroidose San Filippo) e condições neurológicas (encefalite por vírus lento, epilepsia), além dos autismos (especialmente quando se observa um desenvolvimento próximo do normal nos primeiros um ou dois anos, o que ocorre em até 30% dos casos de autismo). Não existe tratamento médico resolutivo, por si, para os quadros invasivos não autísticos. Neles, as complicações neurológicas, especialmente a epilepsia, são comuns. A abordagem é intersetorial. Essas crianças funcionam no nível de grave a profundo retardo mental. A abordagem é multidisciplinar, implicando psicoeducação voltada aos pais e cuidadores. Na maioria das vezes, quando os pais de crianças com transtornos invasivos fora do espectro autista aderem a associações de pais de crianças com autismo eles ficam desapontados, porque o progresso visto em autistas não ocorre com sua criança. O amparo emocional dado pelo setor saúde, portanto, à família, pode diminuir seu sofrimento e suas dificuldades de aceitação da condição. 5.2 Tratamento 5.3 Abordagens em equipe, com plano terapêutico singular Não há uma abordagem única e insubstituível a ser privilegiada no atendimento de pessoas com transtornos globais do desenvolvimento. Os técnicos podem escolher entre várias abordagens existentes, considerando, caso a caso, sua efetividade e segurança. Em especial deve-se levar em conta a singularidade de cada caso. Um plano terapêutico singular precisará ser construído, para cada usuário, à medida que ele vai se tornando conhecido da equipe multidisciplinar. O plano terapêutico visa entender os modos de funcionamento do sujeito, das relações que ele estabelece e os impasses decorrentes. Parte do contexto real do o sujeito, das rotinas que estabelece, de seu cotidiano, do que elege, o que evita. Leva em conta a escuta da família e de outros atores importantes. Visa criar recursos e alternativas para que se ampliem os laços sociais, suas possibilidades de circulação, e seus modos de estar na vida; ampliar suas formas de se expressar e se comunicar, favorecendo a inserção em contextos diversos. Todo projeto terapêutico singular para a pessoa com transtorno do espectro do autismo precisa ser construído com a família e a própria pessoa. Deve envolver uma equipe multiprofissional e estar aberto às proposições que venham a melhorar sua qualidade de vida. O objetivo geral de um plano terapêutico singular é o de promover melhor qualidade de vida, autonomia, independência e inserção social, escolar e laboral à pessoa enquadrada no espectro autista. São objetivos específicos genéricos, num projeto: a) Identificar habilidades preservadas, potencialidades e preferências de cada paciente, bem como áreas comprometidas (o que, como, o quanto); b) Compreender o funcionamento individual de cada paciente, respeitando seus limites e suas possibilidades de desenvolvimento; c) Elaborar e desenvolver um programa individualizado de tratamento por meio da aprendizagem de novas habilidades, ampliando os repertórios de potencialidades e reduzindo comportamentos mal adaptativos ou disfuncionais; d) Desenvolver ou melhorar as habilidades de autocuidado, propiciando maior autonomia; e) Desenvolver habilidades sociais, com o objetivo de melhorar o repertório social dos pacientes para proporcionar interações sociais mais positivas. Quando necessário, desenvolver ou melhorar habilidades básicas de interações sociais, como, por exemplo, o contato visual, responder a um cumprimento por gestos; f) Melhorar a qualidade do padrão de comunicação, seja verbal ou não verbal. Alguns recursos adicionais podem ser utilizados para possibilitar a comunicação, como o uso do PECS (Picture Exchange Communication System), que permite a comunicação por meio do uso de troca de figuras; g) Reduzir ou extinguir repertórios inadequados e comportamentos mal adaptativos, que dificultam a interação social ou aquisição de novas habilidades, como agitação psicomotora, comportamentos auto ou hétero agressivos e estereotipias; h) Realizar orientações frequentes aos pais ou cuidadores de modo a inseri-los no programa de tratamento, proporcionando novas situações de aprendizagem, não apenas durante as sessões, mas tendo os cuidadores como coterapeutas, reproduzindo as orientações recebidas e possibilitando a replicação dos comportamentos adequados em outros contextos; i) Orientar, de maneira uniformizada, os demais profissionais envolvidos, tanto de saúde como de educação, no cuidado e no manejo dos pacientes. Cada fase do desenvolvimento tem suas necessidades específicas a serem respeitadas. O plano terapêutico deve ser reavaliado, periodicamente, a cada seis meses, possibilitando identificar as áreas ou os repertórios desenvolvidos e adaptar ou planejar novamente as ações. No atendimento cotidiano os profissionais geralmente se valem de tratamento clínico de base psicanalítica, de análise do comportamento aplicada, conhecida como ABA, de comunicação suplementar e alternativa (CSA), de integração sensorial, do método de tratamento e educação para crianças com transtornos do espectro do autismo (TEACCH). O método Lovaas, conhecido como Early Intensive Behavioral Intervention (EIBI) ou Intervenção Comportamental Precoce Intensiva, para crianças pequenas, vem sendo estudado e testado quanto às suas aplicações em diversos contextos. É um método norte-americano complexo, que impõe formação, de difícil acesso, aos profissionais que porventura queiram aprender a utilizá-lo. Fonte: www.communitypartnersnh.org Procedimentos comportamentalistas, de cunho skinneriano, podem ser utilizadas para trabalhar não só comportamentos, mas também a linguagem, pois o autismo gera sistemática aplicação de: a) Reforço do comportamento verbal de mando vocal aversivo (chorar ou gritar, ou outros comportamentos de evitação que podem ser incompatíveis com a aquisição de comportamentos verbais apropriados para a idade); b) Reforço do comportamento verbal de mando gesticulatório e outras formas de mandos não-vocais; c) Antecipação de necessidades da criança e consequente reforçamento de um repertório não-responsivo que impede o fortalecimento de mandos vocais e nãovocais; d) Extinção de comportamentos verbais; e) Interação entre fatores orgânicos, ou presumidamente orgânicos, e fatores comportamentais; f) Não-supressão de comportamentos disruptivos e insuficiência em estabelecer controle instrucional verbal inicial. Os acompanhantes terapêuticos, voluntários ou contratados pela família, podem ter papel social importantes em alguns casos. Há estudos em andamento no sentido de se utilizar aparelhos de alta tecnologia, como jogos e aplicativos para uso em notebooks, tablets, e até aparelhos celulares, voltados especificamente para o desenvolvimento educacional e sócio relacional de pessoas com TEA. Os acompanhamentos para pessoas no espectro autista são mais efetivos quando são realizados em longo prazo. 5.4 Tratamento fonoaudiológico Os objetivos das terapias fonoaudiológicas visam adequar as dificuldades de comunicação receptiva e expressiva. A linguagem infantil se constrói pela brincadeira, inicialmente observando a exploração lúdica espontânea e, posteriormente, incentivando-a a outras formas de brincar, de compartilhar atenção e situações. As ações ou emissões verbais que indicam tentativascomunicativas são incentivas e trabalhadas. A pessoas não verbais aplicam-se abordagens alternativas de comunicação27, como o uso de sistemas de comunicação aumentativa. As técnicas de comunicação alternativas e aumentativas são um complemento ou substituição da fala, para compensar a dificuldade de expressão. 5.5 Terapia Ocupacional Um plano de intervenção do terapeuta ocupacional leva em conta as necessidades singulares de cada pessoa e de sua etapa de desenvolvimento. Melhorar o desempenho em atividades, como alimentação, vestuário, higiene, ou, ainda, mobilidade, brincar, desempenho escolar e ensino de procedimentos de segurança são ações comuns do terapeuta ocupacional. As áreas a trabalhar no autismo são: a) Cuidados Pessoais: Alimentação – ensino passo a passo da tarefa de comer de forma independente; b) Toalete – controle de esfíncter e treino específico do uso de toalete; c) Higiene – lavar as mãos, tomar banho, escovar dentes; d) Vestuário – tirar e colocar roupas e sapatos; e) Sono – qualidade do sono e rotina na hora de dormir; f) Atividades Domésticas: arrumar a cama, guardar brinquedos, ajudar a preparar um lanche, fazer compras em loja, preparar lista de compras, conhecer dinheiro (troco, contar); g) Mobilidade: atravessar rua, pegar transporte público, solicitar ajuda quando perdido; h) Adaptação do mobiliário e do material para escrita; Coordenação motora global e fina; i) Rotinas escolares – grau de independência para tomar lanche, guardar material, brincar de forma compartilhada, utilizar o banheiro; j) Emprego: preparar adolescentes para uma atividade laborativa, sempre que possível; k) Pré-requisitos para atividades laborativas (assiduidade, pontualidade); l) Habilidades para trabalho: exigências físicas (força, coordenação, postura) e cognitivas m) (memória, resolução de problemas); n) Processamento sensorial: avaliar e intervir para melhorar o input sensorial, seja por problemas na modulação sensorial (defensividade tátil e auditiva, inquietação motora, insegurança gravitacional, intolerância e movimento), seja na coordenação (integração bilateral, sequenciamento e dispraxias, dificuldade de planejamento motor); o) Educação: Ambiente escolar – localizar a sala, ir e vir independentemente; Organização do espaço físico da sala, potencial grau de distratibilidade. 5.6 Trabalho com as famílias A abordagem familiar é um dos aspectos principais para o êxito do tratamento. Isso se dá, tanto na psicoeducação, no apoio psicológico aos pais ou cuidadores, e na instrumentalização para eles serem agentes terapêuticos. Para que os pacientes e as famílias tenham um papel ativo no seu tratamento é importante que conheçam sobre o transtorno e entendam as formas de intervenção, para aderir ao tratamento e informar melhor à equipe que os assiste sobre suas necessidades. Grupos de psicoeducação devem ser realizados para que a família possa ter contempladas suas dúvidas, entender a situação e compartilhar nas decisões do projeto de vida do paciente. Importante lembrar que, conforme o paciente esteja apto a participar dessas decisões, ele deve passar a tomá-las conjuntamente com a família e equipe terapêutica. 5.7 Medicamentos Alguns fármacos são auxiliares no tratamento de pacientes portadores de transtornos do espectro autista. Não são usados com o objetivo de cura, mas de alívio de sintomas Alguns pacientes utilizam fármacos por longo prazo. Nestes, os efeitos adversos devem ser analisados cuidadosamente durante a escolha do medicamento e na sequência das tomadas. Fonte: www.static.wixstatic.com Os neurolépticos têm efeitos importantes para abrandar sintomas psicóticos. Entre eles, a levomepromazina (para problemas graves de insônia e comportamento agitado noturno), a clorpromazina, o haloperidol e a risperidona. Em especial o haloperidol e a risperidona têm evidenciado resultados positivos, incluindo redução de agressividade, da irritabilidade e do isolamento. Seus efeitos colaterais mais comuns são a sonolência, tontura, a salivação excessiva e o ganho de peso. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), após estudo técnico, emitiu parecer técnico favorável ao uso da risperidona: Com registro ativo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a risperidona possui indicação prevista em bula para o tratamento de irritabilidade associada ao transtorno autista, em crianças e adolescentes, incluindo sintomas de agressão a outros, autoagressão deliberada, crises de raiva e angústia e mudança rápida de humor. 6 A CRIANÇA E AS ESTRUTURAS FREUDIANAS DA PSICOSE Do estudo lacaniano sobre as psicoses, na década de 50, que se concentrou, principalmente, no Seminário, livro 3: as psicoses (1955-1956) e no texto dos Escritos, “De uma questão preliminar a todo tratamento possível das psicoses” (1958), podem-se extrair contribuições bastante fecundas para a compreensão a respeito da psicose infantil. Quatro eixos principais de investigação balizaram o terceiro seminário de Lacan, a saber, o resgate da doutrina freudiana das psicoses, o diálogo com a psiquiatria clássica, a crítica à psicogênese dos fenômenos psicóticos e a elaboração desses fenômenos à luz da teoria do significante. Esses eixos de investigação, sobretudo, os dois últimos, são responsáveis por um aporte fundamental à clínica com crianças. Com base na primazia do simbólico, o seminário tem como referência clínica o caso de Schreber. Do seu relato em Memórias de um doente dos nervos (1903/1995) se depreende a importância dos fenômenos de linguagem que constituem propriamente as “estruturas freudianas das psicoses” (LACAN, 1955-1956/1985, p.186). A solução schreberiana implica essencialmente a lógica do delírio, a saber, a lógica do inconsciente, a ser legitimada e sancionada pela psicanálise. A abordagem dos fenômenos psicóticos, nesse período do retorno a Freud, pautou-se, fundamentalmente, na investigação da relação específica do sujeito com a estrutura de linguagem do inconsciente. A clínica estrutural da psicose, que tem na forclusão do Nome do Pai um dos seus pilares fundamentais, introduziu a causalidade significante da psicose, inserindo-a no campo da fala e da linguagem. Disso decorre uma retificação da causalidade deficitária da psicose, seja ela orgânica, cognitiva ou ambiental, todas essas tão caras à psiquiatria infantil e à psicologia da criança, porém avessas à ética freudiana. A concepção de que a psicose enquanto uma estrutura clínica concerne ao sujeito do inconsciente e que, por consequência, a psicose não tem idade tornou-se uma referência prevalente na prática clínica com a criança. De fato, com Lacan, uma série de formulações associadas à discussão sobre a psicose infantil ecoou no campo freudiano: 1) a psicose não tem idade; 2) a psicose é uma só, quer ela se manifeste na criança ou no adulto; 3) a criança é um analisante por inteiro. São hipóteses construídas em defesa da unidade da psicanálise, a despeito da variedade clínica das manifestações psicóticas que se recolhe da prática com a criança. Mas, ainda assim, a necessidade de elucidar os fenômenos significantes e libidinais da psicose infantil não se dissipou, visto que as formas clínicas de sua manifestação, que sempre se afastaram dos standards da psicose, vêm sendo registradas na psicanálise com crianças, desde a década de 30. Ao contrário do que ocorreu na investigação da neurose, quanto à psicose, a casuística de Freud passou ao largo do infantil, exceto na observação do episódio alucinatório do Homem dos Lobos. Em 1918, Freud publica um dos mais polêmicos de seus casos clínicos, no qual se pode destacar a resposta da criança ao encontro com a castração, que é, certamente, um índice daposição do sujeito em relação à estrutura simbólica. Um dentre os acontecimentos principais da hitória infantil do Homem dos Lobos foi o episódio alucinatório aos cinco anos de idade. Quando brincava próximo à babá, fazendo cortes com seu canivete na casca de uma árvore, para seu inexprimível terror, notou ter cortado fora o dedo mínimo da mão, que ficou pendurado. Sem sentir dor, mas com muito medo, não se atreveu a dizer nada para sua babá e foi incapaz de olhar para o seu dedo. Ao se acalmar, viu que o dedo estava inteiramente intacto. Lacan recorreu a esse fragmento do caso para ilustrar e distinguir o recalque do mecanismo psicótico da forclusão, segundo o qual “tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real” (LACAN, 1955-1956/1985, p.21). A alucinação do dedo cortado é o reaparecimento no real da castração recusada pelo sujeito. Na cena infantil descrita pelo Homem dos Lobos, chama a atenção o silêncio que se impôs sobre o acontecido, o medo de falar até mesmo com a babá, que era sua confidente. “Há aí um abismo, uma imersão temporal, um corte de experiência, depois do que resulta que não há absolutamente nada, tudo acabou, não falemos mais disso” (LACAN, 1955- 1956/1985, p.22). Lacan comenta as tendências e propriedades psicóticas do Homem dos Lobos, como se demonstrou pela curta paranoia que fez após o fim do tratamento com Freud. Que ele tenha rejeitado todo o acesso à castração, no entanto aparente na sua conduta, no registro da função simbólica, que toda a assunção da castração por um eu tenha se tornado para ele impossível, tem ligação muito estreita com o fato de que lhe tenha sucedido ter tido na infância um curta alucinação cujos detalhes extemamente precisos ele relata (LACAN, 19551956/1985, p.21). Na análise do adulto neurótico, o que Freud encontrou foi a neurose infantil, isto é, a resposta do sujeito ao encontro traumático com a castração e que o mantém ligado, em sua fantasia, à criança que ele foi. Pode-se perguntar se haveria essa continuidade histórica da psicose quando ela se manifesta na infância ou se a entrada na psicose por meio do desencadeamento não introduz uma ruptura radical na história subjetiva. O fato é que a criança psicótica apresenta-se bem distante da criança freudiana, visto que sua maior particularidade é tratar o gozo sem se servir do Nome do Pai, colocando-se fora do alcance da sua lei. É ela que desestabiliza os ideais pedagógicos e os ideais familiares ao não responder às regras previstas pelo Outro, quer seja na relação ao corpo, ao outro e, sobretudo, na relação ao gozo. Junto aos pós-freudianos, houve uma produção volumosa do ponto de vista teórico e clínico com relação à psicose infantil, a exemplo da contribuição de Winnicott, de Margareth Mahler, que será comentada mais adiante. Nenhuma delas, no entanto, pretendeu estabelecer uma articulação com as estruturas freudianas das psicoses. Destaca-se a contribuição de Melanie Klein, que, ao enfocar a clínica da relação de objeto, de uma parte, promoveu a degradação dos operadores freudianos das estruturas clínicas, a saber, o Édipo e a castração; mas, de outra parte, acabou favorecendo a abordagem da psicose infantil. A clínica kleiniana deu lugar à sensibilidade ao real da psicose infantil, como se pode notar no relato do caso Dick, nas “Contribuições à Psicanálise” (1930). Contrariando Freud, que considerava impossível manter a transferência nas psicoses, Melanie Klein incentivou os analistas a se ocuparem do psicótico. Introduziu no campo teórico uma noção para balizar as questões clínicas da transferência, a saber, a identificação projetiva como mecanismo esquizoide. Porém, concebeu uma psicose infantil generalizada, equivalente à posição esquizo-paranoide, típica das relações objetais primitivas da criança. A posição esquizo-paranoide define-se por um tipo de mecanismo de defesa responsável pela desintegração do eu, pela fantasia persecutória e a cisão entre o objeto bom e mau. Dessa maneira, a psicose kleiniana tornou-se uma espécie de passagem obrigatória para o infans, cuja travessia resultaria na normalização neurótica. Mas acreditar que todos foram psicóticos numa etapa da vida e generalizar a psicose são ações que produzem o apagamento da concepção da própria estrutura psicótica, destituindo sua lógica e sua particularidade. Fonte: www.psiquiatrarj.com.br Enfim, a potencialidade psicótica afirmada pelos kleinianos por meio da posição esquizo-paranoide não é a mesma coisa que a estrutura psicótica. De fato, a psicose na criança pode mostrar-se de modo latente ou mascarado, revelar-se em sintomas e atitudes os mais diversos e, até mesmo, mostrar-se de modo patente. Em alguns casos, a função tutelar da família acaba poupando a criança dos encontros desencadeantes, mascarando a psicose. Outras vezes, é o discurso dos especialistas da criança que cria um aparato assistencial capaz de condicionar e adaptar a criança, ao preço do desconhecimento de sua psicose. Desse modo, verifica-se o quanto os distúrbios de linguagem, que, para a psicanálise, especificam as psicoses, são frequentemente degradados em déficit cognitivo ou outros tipos de deficiência. O mesmo ocorre com os distúrbios que envolvem o corpo, tais como as descoordenações motoras, as agitações, desfuncionamento dos órgãos de nutrição e de excreção, por exemplo, quando eles não são articulados à incidência da linguagem sobre o ser vivente. Nesses casos, opta-se, com frequência, por terapias ocupacionais, fisioterapias e reeducações diversas, sem a menor consideração do sujeito, do estatuto do corpo com relação à linguagem, ao inconsciente e ao gozo. Percebe-se, sobretudo nos setores da saúde e da educação infantil, que os impasses na identificação do desencadeamento das psicoses da criança associam-se à utilização das classificações diagnósticas contemporâneas que, a exemplo, da hiperatividade, do déficit de atenção e dos chamados transtornos invasivos do desenvolvimento, contribuem para mascarar a irrupção da psicose. Muitos fatores contribuíram para mascarar as estruturas freudianas das psicoses na infância. Dentre eles, destacam-se os seguintes: a posição da psiquiatria infantil e a redução da psicose à debilidade. 7 PSIQUIATRIA INFANTIL E PSICANÁLISE Historicamente, verifica-se que diversos campos de saber resistiram ao reconhecimento do sofrimento mental da criança. Na psiquiatria, esperou-se que a infância pudesse estar ao abrigo do real da loucura, e seus fenômenos, quando reconhecidos, eram atribuídos a distúrbios orgânicos. O classicismo psiquiátrico não deu lugar à psicose infantil, que precisou aguardar o desenvolvimento do saber psiquiátrico moderno para ser diagnosticada. De acordo com Bercherie, no estudo intitulado “A clínica psiquiátrica da criança” (2001), a estrutura mental lábil e mutável da criança explicaria certo apagamento dos métodos clássicos na clínica psiquiátrica infantil. A labilidade da infância tornaria impossível definir trajetórias típicas das doenças e estruturas fixas cuja evolução estaria inscrita nos dados do seu início, conforme definição do método clínico da psiquiatria clássica. Da segunda metade do século XIX provém a primeira geração dos tratados de psiquiatria infantil, dando início à constituição de uma clínica psiquiátrica da criança, que, entretanto, não se impôs ainda como campo autônomo de investigação, pois era uma espécie de decalque da clínica e da nosologia elaboradas para o adulto. Para Bercherie, três teses foram estruturantes da psiquiatria infantil, a saber, o retardamento como único transtorno mental infantil, a loucura (do adulto) na criança, o nascimento de uma clínica pedopsiquiátrica baseada numa psicopatologia infantil. Fonte: www.paisefilhos.com.brA primeira tese não inclui a psicose infantil, a segunda é um decalque da clínica e da nosologia elaboradas para o adulto, e somente a terceira dá sustentação à noção moderna de psicose infantil. Diferentemente da clínica psiquiátrica do adulto, a clínica psiquiátrica da criança estruturou-se após a descoberta da Psicanálise, o que poderia ter provocado alguma vacilação da tese da causalidade orgânica da psicose. De fato, apenas permitiu que a esta fossem somados outros fatores causais, tais como o desenvolvimento, o ambiente familiar, a história, a personalidade. A ideia de Freud de que a causalidade psicopatológica assenta- se num conflito psíquico infantil reeditado e atualizado na vida adulta chegou a ordenar a investigação psiquiátrica. Ampliou-se, consequentemente, o campo da clínica da criança, no qual foram incluídas as doenças psicossomáticas, as manifestações afetivas patológicas, as perturbações do desenvolvimento das funções elementares (motricidade, sono, fala, etc.) e os transtornos do comportamento, além das neuroses e psicoses. De fato, a incorporação das teses freudianas à psiquiatria infantil não ocorreu sem a deformação nelas promovidas pela escola funcionalista americana. A psicopatologia infantil que proliferou é a que considerava, em primeiro lugar, uma patologia das grandes funções com expressão nos transtornos de comportamento; em segundo lugar, o papel dos conflitos emocionais no desenvolvimento; e, em terceiro lugar, os fatores constitucionais e os transtornos da personalidade que emanam das doenças físicas. Dois nomes são representativos dessa abordagem psicopatológica, Adolf Meyer, um dos fundadores da Associação Americana de Psicanálise, e Kanner, o criador do primeiro serviço de psiquiatria infantil, além de autor de um tratado psiquiátrico, prefaciado por Meyer, obra de referência nesse campo, publicada em 1935. Ambos engajados numa oposição à Psiquiatria clássica sustentaram a compreensão da doença mental enquanto uma conduta que tem uma função e um sentido em relação à história do doente, às suas capacidades psicológicas e não constituem somente o aspecto mental de uma lesão cerebral. A aliança da psiquiatria infantil nascente na década de 30 com a psicanálise do ego norte- americana e a psicologia do desenvolvimento deu lugar à investigação da psicose infantil com a produção de uma categoria clínica até então inédita, isto é, o autismo. A esquizofrenia infantil e o autismo constituíram os tipos clínicos mais pesquisados na psiquiatria infantil. Datadas desse período, existem duas teses que obtiveram influência dominante nos Estados Unidos, além de promover grande impacto junto aos demais pesquisadores, a saber, a tese sobre o autismo infantil precoce de Leo Kanner (1943) e sobre a esquizofrenia infantil de Lauretta Bender (1947). Kanner, na Universidade John Hopkins, e Bender, no Hospital Bellevue, em Nova Iorque, tiveram experiência com crianças psicóticas e desenvolveram estudos sistemáticos com elas, porém, produzindo hipóteses divergentes. Diferentemente do autismo, a esquizofrenia é uma categoria clínica originária da psiquiatria clássica, identificada por Kraepelin, com a denominação de demência precoce, em 1896, e rebatizada por Eugen Bleuler, em 1911, com o termo esquizofrenia. Para Kraepelin, a demência precoce define um agrupamento de entidades clínicas, a saber, demência precoce, catatonia e as demências paranoides. Fonte: www.folhavideira.com Enquanto Kraepelin privilegiou o critério clínicoevolutivo da doença, destacando, sobretudo, a precocidade do seu início e a cronicidade de seu curso, Bleuler privilegiou a existência de um transtorno primário, a saber, a cisão (Spaltung) das funções psíquicas, originando um sistema de funções independentes que perturbam a unidade da personalidade. Trata-se de uma dissociação das funções que concernem à inteligência, ao comportamento e ao afeto. No importante artigo sobre as psicoses, “Esquizofrenia e Paranoia” (1982), Jacques-Alain Miller reconstituiu a história desses conceitos e defendeu que a esquizofrenia bleuleniana é um conceito que testemunha a ressonância da psicanálise freudiana na psiquiatria, promovendo no material kraepeliniano uma substituição bem-sucedida de termos. O ano de 1911 foi bastante fecundo quanto ao debate sobre a esquizofrenia, pois nele apareceram três decisivas contribuições, a saber, o livro de Bleuler Demência precoce ou o grupo das esquizofrenias, o livro de Jung sobre a libido e o estudo de Freud “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (Dementia paranoides)”. Paranoia e demência precoce estiveram em questão no que diz respeito à clínica diferencial e motivou a discórdia de Freud com Jung, para quem a paranoia está construída exatamente como a demência precoce. Freud assumiu a paranoia como um tipo clínico independente e criticou o emprego do termo esquizofrenia por Bleuler, pois a esquize não constitui uma característica exclusiva dessa categoria clínica. A posição tomada por Freud no debate com Jung sobre a clínica diferencial da esquizofrenia e paranoia, a saber, explicar a parte paranoica da demência, acabou constituindo a orientação maior do enfoque psicanalítico das psicoses. É essa também a orientação de Lacan no seu estudo das psicoses na década de 50. De fato, a clínica da esquizofrenia, desde Freud, foi sendo construída em relação aos seus contrastes com a paranoia. Do lado da esquizofrenia, de modo privilegiado, estão os problemas ao nível do corpo e da língua, enquanto, que do lado da paranoia, estão os problemas da relação com o Outro e com o sentido. No livro A outra prática clínica: psicanálise e instituição terapêutica (2010), Alfred Zenoni explica que a preferência de Freud pela paranoia como modelo da psicose se deve ao fato de que, por sua estrutura de linguagem, ela afastou decididamente a loucura humana da demência. A orientação lacaniana a partir do real, que se consolidou na década de 70, com a teoria dos discursos, a teoria dos gozos, a topologia dos nós e o estudo sobre Joyce no Seminário, livro 23: o sinthoma, abriu novos horizontes para a psicanálise e para a esquizofrenia. É desde então que a especificidade do esquizofrênico destaca-se, isto é, a de um falasser para quem o corpo se torna um enigma, por “ser apanhado sem a ajuda de nenhum discurso estabelecido” (LACAN, 1972/2003, p.475). O artigo “Psicose infantil” (1975), de autoria de William Goldfarb, apresenta a história da conceituação da esquizofrenia e do autismo na psiquiatria infantil. Já em 1926, Homburger, um psiquiatra alemão, autor de um tratado de psiquiatria infantil, empregou o termo esquizofrenia infantil, retomado pelo americano Potter, oito anos depois. Os primeiros clínicos da psiquiatria infantil, como Potter (1933) e Bradley (1941), consideraram os critérios de Bleuler para o diagnóstico da esquizofrenia aplicáveis ao diagnóstico de crianças. Potter admitiu que a esquizofrenia pode surgir muito antes da puberdade, mas reconheceu que a imaturidade mental e emocional da criança, como seu estado de desenvolvimento, afetam de maneira singular a expressão sintomática da psicose. Por exemplo, acreditava que as limitações verbais e o concretismo mental da criança psicótica explicassem a relativa raridade e a simplicidade das suas reações delirantes. Com base nesses argumentos, Potter (1933) propôs um esquema para o diagnóstico de esquizofrenia infantil contendo seis critérios: 1) retração generalizada dos interesses no ambiente; 2) pensamentos, sentimentos e ações não realísticas; 3) perturbações de pensamento, manifestadas através de bloqueio, simbolização, condensação, perseveração, incoerência e diminuição, chegando esta, às vezes, ao mutismo; 4) deficiência norelacionamento emocional; 5) diminuição, rigidez e distorção de afeto; 6) alterações de comportamento acompanhadas ou de aumento da motilidade, levando a atividade incessante, ou de redução da motilidade, levando a completa imobilidade ou ao comportamento bizarro, com tendência a perseverarão ou estereotipia. Apesar do esforço de Potter para estabelecer critérios diagnósticos específicos para a esquizofrenia infantil, de acordo com Goldfarb (1975), ele pouco se afastou da definição clássica de Bleuler dos sintomas primários e secundários da esquizofrenia. Lauretta Bender (1959), de orientação francamente biologicista, discordou da tese de Kanner ao não aceitar uma subclasse específica de psicose infantil tal como a do autismo. Ao rever esse conceito, afirma que o autismo não é uma psicose tampouco indica um tipo específico de doença mental, mas representa uma fase primitiva do processo normal de desenvolvimento, que pode persistir como defesa contra a ansiedade resultante de prejuízos genéticos, cerebrais, perceptivos e sociais. A articulação que Bender estabeleceu entre autismo e esquizofrenia é a de subordinação do autismo em relação à esquizofrenia, que, para ela, constitui uma psicose essencial ou núcleo central de psicose. Fiel à orientação biologicista, Lauretta Bender definiu a esquizofrenia infantil como um distúrbio psicobiológico global na regulação da maturação de todas as funções básicas de comportamento, observadas clinicamente na infância. Trata-se de um atraso de maturação com aspectos embrionários, caracterizados por uma plasticidade primitiva em todos os comportamentos modelados nas áreas autônoma ou vegetativa, motora, intelectual, emocional e social, e cuja tendência é geneticamente determinada. O distúrbio clínico provém da descompensação resultante de uma crise fisiológica, que leva à lesão cerebral ou à desintegração de personalidade e que se acompanha dos distúrbios sintomáticos de identidade, do esquema corporal, das relações pessoais, da orientação, da linguagem e da movimentação. As expressões clínicas da esquizofrenia infantil foram classificadas por Bender em seis diferentes tipos: 1) tipo de criança pseudodeficiente com retraimento autístico ou regressivo; 2) tipo pseudoneurótico, semelhante à esquizofrenia pseudoneurótica adulta com manifestações fóbicas, obsessivo-compulsivas, histéricas e ansiosas; 3) tipo psicosssomático, com sintomas viscerais, respiratórios e alérgicos; 4) tipo pseudopsicopata com impulsividade e sintomas antissociais no período final da infância; 5) tipo caracterizado por episódios psicóticos definidos; 6) esquizofrenia latente. Lauretta Bender interessou-se, portanto, pelos distúrbios que concernem ao corpo. Ela observou e descreveu a movimentação e a resposta postural, de natureza primitiva, nas crianças esquizofrênicas. Identificou os distúrbios na movimentação padronizada, o atraso no desenvolvimento ou a falta de coordenação e a insegurança motora. Considerou uma resposta postural infantil, a “resposta de rodopio”, como marca registrada da esquizofrenia, quando presente em crianças acima de seis anos de idade. Fonte: www.reportersul.com.br Ao ser colocada em pé, de olhos fechados e braços estendidos, enquanto o observador faz uma rotação de sua cabeça em torno do pescoço, a criança esquizofrênica moveria o corpo junto, como se quisesse mantê-lo na linha da cabeça. Segundo a psiquiatra, a resposta de rodopio não é aprendida e alia-se aos impulsos de rodar, rodopiar em movimentação externa e mesmo em fantasias. Relacionadas a esses fenômenos estão a dependência corporal e a submissão física, que se expressam na forma pela qual a criança esquizofrênica se apoia no adulto ou se funde ao contorno de qualquer corpo com o qual entra em contato. A submissão motora, segundo Bender, representa a necessidade da criança psicótica de perceber um centro de gravidade estável, previsível, em face da desorganização e falta de configuração internas. A impulsividade física e a falta de coordenação também se refletem em comportamentos desastrados e caretas faciais. A percepção imprecisa do próprio corpo é um fator determinante da falta de preocupação com as secreções corporais, as extensões do corpo e a vestimenta. A atividade motora desviante e o conhecimento prejudicado do próprio corpo, enfim, todos esses fenômenos, para Bender, estão ligados às aberrações perceptivas. Ela notou, em crianças esquizofrênicas, as respostas visual- motoras primitivas do ponto de vista do desenvolvimento, entre as quais se incluem a tendência à verticalização de figuras horizontais, a reprodução precária de imagens visuais, a impulsividade motora e a distinção imprecisa de figura e fundo. Além da descrição clínica, Bender acrescentou ao diagnóstico da esquizofrenia infantil a avaliação psicométrica dos distúrbios da percepção e do esquema corporal por meio do uso de testes baseados em figuras gestálticas padronizadas e do desenho da figura humana. Como se pode verificar, embora Lauretta Bender tenha sido uma observadora cuidadosa da criança esquizofrênica, faltou a ela uma teoria do corpo e da linguagem que permitisse uma outra articulação menos biopsicologizante sobre esses fenômenos. Sem dúvida, há alguma intuição dessa psiquiatra com relação à especificidade do sofrimento esquizofrênico, ou seja, o sofrimento que advém do corpo, quando ela dá importância para os distúrbios do esquema corporal. Por estar decididamente tomada pelo biologicismo, Bender não pôde pensar o corpo, senão no âmbito da fisiologia, da anatomia e da neurologia. Acabou aliando-se à psicometria ao criar o teste psicomotor, o teste de Bender, que passou a fazer parte de quase todo processo de avaliação psicológica da criança. Trata-se de um teste psicológico empregado de modo generalizado para detectar índices de distúrbios psicomotores de ordem neurológica. Assim que a psiquiatria detectou a falta de uniformidade de critérios diagnósticos universais para a psicose infantil, privilegiou a esquizofrenia infantil como categoria clínica capaz de circunscrever o que os psiquiatras convencionaram designar como psicoses funcionais. Segundo as considerações de Goldfarb no artigo “Psicose infantil” (1975), Eisenberg (1966) propôs uma classificação etiológica das psicoses infantis, dividindo dois grandes grupos, o grupo composto de quadros clínicos causados por prejuízo da função do tecido cerebral demonstrável — psicoses tóxicas, psicoses metabólicas, psicoses degenerativas, psicoses infecciosas, psicoses disrítmicas, psicoses traumáticas, psicoses neoplásticas — e o grupo das psicoses funcionais, a saber, as que restam inclassificáveis etiologicamente, uma vez que ainda não foi possível demonstrar, nesses casos, mudanças bem definidas na estrutura cerebral. Toda patologia que restou confusa, ambígua, que não coube na classificação ordenada pela causalidade orgânica demonstrável, e que, na verdade, “representa parte mais ampla dos distúrbios psicóticos observados e tratados na maioria dos serviços psiquiátricos” (GOLDFARB, 1975, p.251) foi absorvida sob o rótulo da esquizofrenia. Na psicanálise com crianças, a contribuição maior para o estudo da esquizofrenia vem de Melanie Klein e de seus seguidores. Para alguns analistas, a referência à esquizofrenia infantil permaneceu obscura e contaminada pela visão deficitária da psicose. É o que trasmite Laing, um dos analistas que dedicou-se ao tema no livro O eu dividido, estudo existencial da sanidade e da loucura (1973). “Mais freqüentemente se fala de esquizofrenia infantil quando não se compreende muito bem o que se passa” (LACAN, 1953-1954/1983, p.124). Antes dos anos 50, a clínica da psicose infantil permaneceu um pouco sob a névoa do autismo ou da fragmentação esquizofrênica.Para a ciência, hoje, a esquizofrenia é uma doença deficitária de origem organogenética; um simples recondicionamento cognitivo seria suficiente para aproximar o esquizofrênico dos padrões de normalidade. Da psiquiatria contemporânea, aquela que se baseia nos DSM, “está eliminada toda referência ao sentido, aos significantes próprios do sujeito, ao tempo, ao inconsciente ao gozo” (LAURENT, D., 2005, p.56). Essa psiquiatria permite ao sujeito liberar-se de toda explicação causal, de todo o sentido e da fantasia que estrutura sua realidade psíquica. Sendo assim, pode-se até pensar que essa clínica implicaria um campo de operações muito mais afeitas ao esquizofrênico do que aquele proposto pela psicanálise; pois se sabe que a sua opção forclusiva o exclui de qualquer discurso, do campo do sentido, além de mantê-lo aquém do uso imaginário do significante para proteger o gozo autista. O fato é que o esquizofrênico chega ao encontro do psicanalista, talvez porque nenhum outro discurso possa acolher o trabalho psicótico de invenção, voltado, sobretudo, para a disjunção do corpo e do gozo, conforme será abordado mais adiante. A causalidade libidinal da psicose, tão valorizada por Freud, fica à margem do campo científico, que, cada vez mais, reduz os fenômenos do gozo às alterações químicas do humor. Quanto ao autismo, este constituiu verdadeiro enigma no campo de saber sobre a criança. Por rejeitar o laço social, manter-se fora do discurso e demonstrar uma grave perturbação da economia libidinal, o autista testemunha um modo de ser bastante singular. O que leva uma criança a dispensar tão radicalmente e, às vêzes, muito cedo, na vida, a sua inserção no discurso e na civilização? Desde a psiquiatria clássica, passando pela psicanálise pós-freudiana até a psicanálise lacaniana, o autismo vem sendo objeto de vários estudos e de uma fecunda casuística. Das mais clássicas às mais contemporâneas abordagens psiquiátricas e psicanalíticas, pode-se recolher uma série de formulações sobre o autismo: um sintoma da esquizofrenia, uma síndrome infantil, uma fase primitiva do desenvolvimento, um déficit cognitivo, um fenômeno preliminar à psicose, uma estrutura específica, uma posição subjetiva do ser, um estilo de vida, etc. Definido primeiramente pela psiquiatria como um dos sintomas principais da esquizofrenia bleulerliana, o autismo tem alcançado, progressivamente, uma autonomia conceitual em relação à esquizofrenia desde que passou do estatuto de manifestação esquizofrênica precoce a uma síndrome distinta, descrita por Kanner na década de 40. De fato, com a progressiva separação do autismo da esquizofrenia, esta, até então considerada pela psiquiatria infantil clássica como a psicose infantil por excelência, vem sofrendo um apagamento em termos da sua abrangência teórica. A palavra autismo, proposta por Bleuler, no estudo da esquizofrenia, teve inspiração no autoerotismo freudiano, que descrevia uma etapa precoce da vida pulsional anterior ao narcisismo, precisamente, quando o próprio corpo da criança lhe serve de objeto libidinal. O termo bleuleniano nomeia um quadro clínico composto de retração do investimento libidinal do eu e redobramento sobre si mesmo. O corpo e sua dinâmica libidinal encontram-se, portanto, em pauta desde a primeira formulação sobre autismo. Fonte: www.opas.org.br Atualmente, sob o império crescente do biologicismo, é o corpo do ponto de vista das perturbações genéticas, neurológicas, bioquímicas, e não libidinais, que se tornou objeto do discurso da ciência, que prossegue determinado na busca de uma causa para o autismo. É preciso lembrar que “todas as hipóteses orgânicas que foram levantadas, nenhuma jamais se mostrou válida”5 (STEVENS, 2008, p.13, tradução nossa). Para a psicanálise, a despeito da não comprovação dessas hipóteses, um sujeito não deixa de ser um sujeito mesmo se seu corpo porta alguma deficiência. Não se desconhece que os dados biológicos de cada um sejam parte de sua bagagem e tenham participação decisiva na constituição desse sujeito. “A psicanálise não supõe, nesse sentido, uma psicogênese das enfermidades mentais, e sim a dimensão do sujeito e do parasita da linguagem, que é algo bastante diferente” (LAURENT, 2007a, p.33). Interessa à ética psicanalítica o aparecimento junto ao autista de uma função subjetiva, o que implica necessariamente o corpo do falasser e uma invenção, quer seja na vertente da alienação delirante, quer seja na vertente do ato. O estatuto do autismo foi modificado por Kanner ao separá-lo da esquizofrenia com base no início muito precoce do distúrbio autístico, nos dois primeiros anos de idade, na sua evolução e no ambiente familiar das crianças autistas. Separou o autismo também da deficiência mental, devido à evidência de áreas segmentárias de competência dos autistas. Desse modo, o autismo foi elevado ao estatuto de uma constelação diagnóstica particular. Do ponto de vista epistemológico, Kanner oscilava entre diferentes posições, ora atraído pelas teorias psicanalíticas pós-freudianas, que, a exemplo de Margaret Mahler, problematizavam a relação mãe-criança como fator etiológico do autismo; ora dominado pelo biologicismo, supondo, no autista, uma incapacidade inata de construir o contato afetivo habitual com as pessoas. Sob a influência também da escola funcionalista americana, Leo Kanner descreveu, em 1943, a síndrome do autismo infantil precoce, isolando, como seu fator patognomônico, a inaptidão das crianças para estabelecer relações normais com as pessoas e para reagir normalmente a situações desde o início da vida. Os critérios de Kanner para o diagnóstico de autismo são os seguintes: 1) solidão em grau extremo na mais tenra infância; 2) comunicação prejudicada, a fala e a linguagem não são usadas para a comunicação, mutismo ou presença da linguagem ecolálica; 3) insistência obsessiva na manutenção de mesmice, com grande ansiedade frente a situações novas e não familiares, e com uma preocupação ritualística repetitiva; 4) fascinação pelos objetos, em contraste com desinteresse pelas pessoas. Contemporânea da tese de Kanner, porém menos difundida, surgiu, em Viena, em 1944, a síndrome descrita por Asperger, que também concerne ao autismo e cujo problema fundamental reside na limitação das relações sociais persistente durante toda a existência, porém com desempenho de inteligência superior em algumas áreas específicas. Há vários pontos em comum entre o autismo de Kanner e o autismo de Asperger: 1) extrema solidão autística desde o início da vida; 2) a importância dos objetos para o autista; 3) ambos os autores acabam não fazendo objeções à inclusão do autismo na concepção geral da esquizofrenia. A maior diferença entre as duas síndromes diz respeito aos problemas de linguagem que foram mais acentuados na amostragem dos casos estudados por Kanner. Atualmente, já se fala em muitos autismos, e a síndrome descrita por Kanner não é mais a única. A multiplicidade de definições e explicações para o autismo leva a uma interrogação quanto à ressonância dos mais variados fatores na construção e conceituação de uma nova categoria diagnóstica, particularmente, a do autismo. Sabe-se que as transformações da civilização, sejam elas de caráter científico, social, ou econômico, exercem influência na descrição das doenças e na busca dos seus respectivos remédios. No artigo “Os espectros do autismo” (2011), Éric Laurent examina alguns dos fatores envolvidos na transformação do autismo em uma categoria específica. Na sua opinião, “Les spectres de l’autisme” o autismo enquanto categoria diagnóstica é uma das consequências mais marcantes da reincorporação da psiquiatria na medicina no final dos anos 60. A psiquiatria, que até então estudava os aspectos relacionais
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