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Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS TEMAS E TEORIAS DA FILOSOFIA Autores: Celso Kraemer Melissa Probst Stamm 801 J962t Kraemer, Celso. Temas e Teorias da Filosofia / Celso Kraemer [e] Melissa Probst Stamm. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009.x; 133 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-230-6 1. Filosofia – Teoria 2. Temas em Filosofia I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Prof. Fernando Schaffer Revisão Gramatical: Profa. Iolanda Lourdes Sestrem Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci Copyright © Editora Grupo UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. UNIASSELVI – Indaial. Sou graduada em Pedagogia, com pós- graduação em Metodologia do Ensino Superior e em Supervisão, Orientação e Gestão Escolar. Atualmente sou acadêmica do Mestrado em Educação pela Universidade Regional de Blumenau. Atuo como Professora em cursos de Ensino Médio, pós-graduação. Atualmente atuo também como professora tutora interna do Curso de Pedagogia, oferecida pela UNIASSELVI. Publiquei: Professor: reprodução ou mudança? Avaliação educacional: diversos olhares; Ética e valorização da vida em Paulo Freire e cerca de 80 livros de literatura infantil publicados pela Editora Sabida e alguns pela editora Bicho Esperto, ambas de Blumenau. Melissa Probst Stamm Sou graduado em Filosofi a, com mestrado em Educação pela Universidade Regional de Blumenau e com doutorado em fi losofi a pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Atuo como professor de fi losofi a na Universidade Regional de Blumenau (FURB) há 19 anos, trabalhando nos mais diversos cursos de graduação. Também sou professor do Curso de Filosofi a da Faculdade São Luiz, de Brusque, há mais de dez anos. Atualmente sou também professor do Mestrado em Educação da FURB. Publiquei: Recordando Paulo Freire: experiências de Educação Libertadora na Escola; Ética e Antropologia; O Cortesão e o Modelo de Educação; Disciplina do Corpo; Um Estudo da História da Prostituição na Sociedade Blumenauense entre os anos de 1890/1900 - Parte I; Um Estudo da História da Prostituição na Sociedade Blumenauense entre os anos de 1890/1900 - Parte II; A Cisão da Filosofi a entre Universalismo e Singularismo durante o Século XX. Celso Kraemer Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................ 7 CAPÍTULO 1 Noções Gerais de Filosofia ......................................................... 9 CAPÍTULO 2 Raízes da Filosofia ...................................................................... 27 CAPÍTULO 3 Herança, Tradição, Transmissão: dos Estoicos a Descartes – Filosofia na Idade Média .................................... 45 CAPÍTULO 4 Filosofia do Cogito: Fundação do Sujeito do Conhecimento ..................................................... 59 CAPÍTULO 5 Kant, o Iluminismo e a Modernidade .......................................... 73 CAPÍTULO 6 A Razão no Século XIX ............................................................... 89 CAPÍTULO 7 Alternativas ao Humanismo do Século XIX............................ 103 CAPÍTULO 8 Tirania e Vigor Crítico da Modernidade .................................117 APRESENTAÇÃO A filosofia é mais do que uma disciplina a ser ministrada na escola. Ela é a forma mais bem elaborada da sabedoria humana. Tratando de muitos assuntos, desde o tema da verdade (teoria do conhecimento/epistemologia), do bem (ética/ moral), da beleza (estética), até questões mais simples, como o significado do jogo, todos interessam, no sentido de serem importantes para toda e qualquer pessoa, de qualquer idade. Mesmo que você nunca tenha lido um texto de filósofo, isso não significa que você não se envolveu com questões filosóficas. Todos nós, na medida em que somos conscientes de nossa existência como pessoas, somos obrigados a nos perguntar de onde provém tudo isso, por que eu existo, qual o sentido da existência. Na medida em que nos perguntamos essas coisas, forçosamente estamos nos colocando questões filosóficas. Nesse sentido, o presente Caderno de Estudos foi elaborado para aproximar as grandes elaborações filosóficas, dos chamados filósofos, da experiência cotidiana das pessoas. Buscamos tornar possível a você, leitor(a), encontrar suas próprias perguntas e questões presentes em nosso texto, para que você, além de perceber o quanto a filosofia está presente em sua vida, consiga ver também que a filosofia não é algo tão complicado; com um pouquinho de aplicação você verá que a filosofia já está presente em sua vida. Na execução desse empreendimento, organizamos o roteiro de estudos em oito capítulos. O Primeiro Capítulo aborda a questão da sabedoria, os tipos de uso da palavra sabedoria e os diferentes assuntos abordados pela filosofia, bem como suas divisões internas. O Segundo Capítulo mostra que através da mitologia e da religião o ser humano deu as primeiras respostas a suas questões filosóficas. Sobre esse solo mitológico constitui-se a primeira filosofia, da Physis, a partir da qual os filósofos mais conhecidos, Sócrates, Platão e Aristóteles, constituíram suas reflexões. O Terceiro Capítulo dedica-se a apresentar a filosofia dos estóicos e dos epicuristas, bem como identificar as filosofias da Idade Média, a Patrística e a Escolástica. O Racionalismo, o Empirismo e a importância do método indutivo para a ciência são expostos no Quarto Capítulo, dedicado aos séculos XVII e XVIII, importantes para a ruptura com o pensamento antigo e medieval, preparando o espírito de nosso tempo. O Quinto Capítulo demonstra as influências do Iluminismo na vida social, política e ética, bem como da Filosofia Crítica de Kant, para a finitude de nossa época. O debate acerca do modelo social da burguesia é discutido no Sexto Capítulo, no qual também se discutem o Positivismo de Comte e a dialética de Hegel e Marx. O Sétimo Capítulo fala do método hermenêutico e do método fenomenológico de Husserl, mostrando o quanto eles fazem parte do cotidiano de nossa vida. O caderno finaliza no Oitavo Capítulo, com as novas filosofias do século XX. Em função do volume, importantes filosofias, como a de Henri Bergson, Emanuel Mounier, Maurice Merlou-Ponty acabaram ficando de fora. Em compensação, conseguimos fazer uma excelente apresentação das filosofias de Nietzsche, Freud, Heidegger, Foucault e Deleuze. Convidamos você para essa aventura com o pensamento. CAPÍTULO 1 Noções Gerais de Filosofia A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender a importância das diferentes regiões temáticas da fi losofi a na vida em sociedade. Indicar de que maneira o conceito de sabedoria permite relacionar internamente a fi losofi a de vida, fi losofi a de instituições e a fi losofi a em sentido estrito. 10 Temas e teorias da fi losofi a 11 NOÇÕES GERAIS DE FILOSOFIACapítulo 1 ConteXtualização Entre as coisas mais importantes da vida, a sabedoria ocupa um lugar privilegiado. Se todos os outros bens que você conseguiu acumular podem ser subtraídos, a sabedoria, uma vez atingida, integra-se tanto ao seuser que jamais pode ser roubada. Por certo tempo, na sociedade moderna, industrial e tecnológica, teve-se a impressão de que a fi losofi a havia deixado de ser importante. Mas, como nem tudo que é importante reduz-se ao útil, um número crescente de pessoas retorna à fi losofi a por reconhecer nela a maneira mais fundamental de buscar o sentido da própria existência, atingir a justiça, a ética e compreender a totalidade. O que se entende por fi losofi a? Que relações há entre a sabedoria e a fi losofi a? De que modo a fi losofi a está presente em nossa vida? SaBedoria: FILOS SOPHOS SABEDORIA. Eis uma palavra de natureza enigmática. Não que todas as palavras e a linguagem falada, em seu conjunto, não sejam profundamente enigmáticas. Como é possível que um animal, andando em duas patinhas, começasse a dar nome às coisas? O que é, propriamente, dar nome a alguma coisa? Qual a relação entre o nome e a coisa? Talvez todos os nomes sejam uma imensa arbitrariedade. Meu nome é Joaquim, mas poderia ser qualquer outro. E se meu nome não fosse Joaquim, seria eu outra pessoa? Ou ainda, eu, que sou Joaquim, com outro nome, seria ainda o mesmo que sou (Joaquim), não sendo Joaquim? Quem eu seria, com outro nome? Veja-se que aqui já temos um PROBLEMA FILOSÓFICO e um excelente tema para o PENSAMENTO FILOSÓFICO. Continuando nosso questionamento, poderíamos ainda nos perguntar: o que é falar? Quando falamos, o que, realmente, fazemos? O que acontece conosco quando falamos? E o que acontece com o mundo quando falamos? Se não falássemos, seríamos ainda os mesmos? O mundo ainda seria o mesmo? O que Martin Heidegger quis, exatamente, dizer quando afi rmou que a linguagem é a morada do Ser (daquilo que é)? Falar realmente é apenas usar as palavras já prontas para comunicar o que vemos, sentimos, pensamos, desejamos, conforme acreditamos em meio às nossas ocupações diárias? Qual é a força da PALAVRA? Seria o falar uma maneira de CRIAR o mundo e a nós mesmos? A linguagem é apenas um instrumento para nos comunicarmos, ou ela é muito mais do que isso? Que relação ou diferença existe entre pensar, falar e SER? A relação entre estes três verbos é muito mais profunda do que imaginamos em nossa ingênua existência no mundo. Mas deixemos, por enquanto, essa questão do nome, da linguagem e do ser para mais adiante e voltemos à palavra que começou essa conversa: sabedoria. 12 Temas e teorias da fi losofi a Martin Heidegger é um dos principais fi lósofos do século XX, viveu na Alemanha e desenvolveu um grande número de conceitos fi losófi cos novos, uma metodologia nova para o PENSAMENTO FILOSÓFICO (para pensarmos fi losofi camente). Mais adiante o conheceremos melhor. Dizíamos, no início, que a palavra SABEDORIA é enigmática. Mas em que sentido é ela enigmática? Onde está o enigma da palavra SABEDORIA? Afi nal, todos conhecemos a palavra e normalmente não nos enganamos a seu respeito. “Quando sei, digo que sei, quando não sei, digo que não sei”. Quando digo “sei”, isso signifi ca que detenho: a) uma informação; b) um conhecimento; c) um saber? A qual destes três termos (informação, conhecimento, saber) a palavra sabedoria se refere? Temos aí três níveis: o nível da informação, o nível do conhecimento e o nível do saber. “Fui informado de que...” é o primeiro nível; a informação é algo que ainda permanece externa a mim, ainda não comporta uma atitude mais sistemática frente às coisas. O segundo nível, do conhecimento, já demanda um trabalho mais longo, uma mudança, uma atitude investigativa, curiosa e de elaboração da informação, tornando-a compreensível em função de suas causas e dos efeitos que a circundam. Nesse nível temos as diversas formas de conhecimento: conhecimento pela vivência (senso comum), conhecimento científi co, religioso, artístico, técnico e até mesmo o conhecimento da fi losofi a (enquanto apropriação do que existe de conhecido em fi losofi a). Mas a sabedoria responde a outro nível. Embora ela se confunda, muitas vezes, com o nível do conhecimento, ela responde à junção de dois componentes não implicados no conhecimento: o fazer e o agir. Mantenha a atenção à diferença entre fazer e agir. O fazer refere-se à dimensão técnica da atividade, distribuindo- se em uma escala que vai do nível mais rústico (“feito a facão”) até o nível mais elaborado (feito com arte). O agir refere-se à dimensão ética da atividade. Implica, por um lado, a liberdade da vontade e, por outro, a escolha correta, adequada à noção de bem. O saber defi ne-se, assim, por uma bi-frontalidade: a perfeição técnica e a perfeição ética, conjugadas na atividade humana. É a isso, propriamente, que se refere a sabedoria. Ela requer o máximo de conhecimento possível, aliado ao máximo de treino técnico possível e à melhor escolha ética possível. É o nível de excelência nas três dimensões, conhecimento, técnica e ética, que está compreendido no conceito de sabedoria. O fazer refere-se à dimensão técnica da atividade, distribuindo-se em uma escala que vai do nível mais rústico (“feito a facão”) até o nível mais elaborado (feito com arte). 13 NOÇÕES GERAIS DE FILOSOFIACapítulo 1 Mas por que isso é enigmático? Onde reside o enigma da sabedoria? Tudo seria mais simples se na raiz do problema da sabedoria não estivessem a origem, o destino e a felicidade do homem. Essas questões parecem sempre fugir, ir além, transcender qualquer conhecimento. As respostas que já foram dadas, nas diversas culturas, por diferentes personalidades, com metodologias distintas, desde a mitologia, a religião, a ciência, a fi losofi a, a poesia, a literatura, a arte em geral, são em número tão elevado que é impossível uma única pessoa, hoje, conhecer todas. E mesmo supondo que alguém as conhecesse todas, ainda assim não temos nenhuma garantia de que essa pessoa seja propriamente sábia, ou seja, que saiba qual a origem, o destino e a felicidade do homem. Uma vida sábia é, obrigatoriamente, uma vida boa (de acordo com o bem) e feliz. Antes de tudo, o que é o Bem? Mas o enigma reside também no fato de que cada um necessita fazer sua própria ginástica intelectual, refl exiva, moral, técnica e ética para aprender a ser feliz, a partir das condições que o mundo “objetivamente” nos fornece. O enigma se mostra do fato de que cada um pode ser sábio de maneira diferente; cada um necessita construir sua sabedoria: cada um deve ser sábio à sua maneira. Nisso o enigma da sabedoria se aproxima muito do enigma da arte. Nenhum conhecimento e nenhuma técnica, embora necessários, resultam naturalmente em arte ou sabedoria. Para ambas requer-se sempre algo mais, algo de próprio, uma espécie de elaboração de si, mediante a presença do espírito. A arte e a sabedoria requerem um espírito próprio, um espírito que se eleva acima do horizonte do já conhecido, do já feito ou do já sabido. Um espírito criador, de si mesmo, de sua própria perfeição e felicidade. A sabedoria é, nesse sentido, por mais enigmático que isso possa parecer, uma atitude diante de si, diante dos outros e diante do mundo. A sabedoria é uma maneira de conduzir-se no mundo, mesmo que não saibamos exatamente o que é o mundo. Talvez o mundo seja nossa própria elaboração. A sabedoria é, então, uma elaboração de si e do mundo, com os outros. Atividade de estudo Demonstre em que consiste a especifi cidade da sabedoria. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ A sabedoria é uma maneira de conduzir-se no mundo, mesmo que não saibamos exatamente o que é o mundo. 14 Temas e teorias da fi losofi a a) Filosofi a de vida Ao que já vimos anteriormente, a sabedoria é umadimensão abrangente do ser humano - ela tem suas especifi cidades, diferente da sabedoria dos deuses e a sabedoria dos animais. O homem parece situar-se a meio caminho entre os animais e os deuses, aparentando-se com uns e com os outros, embora não seja propriamente deus e nem simplesmente animal. Mas qual a relação entre sabedoria e fi losofi a? De modo bastante simples, pode-se dizer que deuses não têm fi losofi a, apenas sabedoria, direta e evidente, enquanto a fi losofi a é a sabedoria dos homens, por ser sempre incerta, relativa, “tateando” entre um universo de possibilidades que se abrem ante o pensamento. Filósofo não é sábio, no sentido estrito do termo, apenas amigo ou amante (philos) do saber (Sophia). A fi losofi a (philos + Sophia) é um amor. Amor a uma atitude mais ampla, a um horizonte mais largo do saber que nos é possível. Se não temos um saber imediato, devemos buscar, de modo mediato (através de mediações) o saber que nos é possível. É nessa busca pelo saber que reside a atitude fi losófi ca. A fi losofi a é, portanto, a busca pelo saber, que reúne a origem e a destinação (fi nalidade) de todas as coisas e de nós mesmos, aliada à noção de felicidade. Obviamente que felicidade é um conceito muito moldável, admitindo uma gama de variações possíveis, tão ampla quanto o número de pessoas (e de organizações) existentes. Mas fi losofi a é, também, o conjunto de respostas admitidas e assumidas por alguém: sua sabedoria, em sentido pessoal. O conjunto das respostas assumidas pessoalmente, sobre as questões mais importantes da existência humana, o que é o bem, o que é a liberdade, o que é a felicidade, o que é a verdade, o que é o amor, o que é Deus, qual a origem do universo, do mundo, do homem, qual a razão e a fi nalidade da existência humana, etc. é chamado de fi losofi a de vida, pois reúne a sabedoria própria de cada um. Importante notarmos que as respostas que assumimos pessoalmente não provêm de nossa natureza genética (em sentido biológico); também não provêm da atividade isolada do cérebro ou da mente “apartada” do mundo. Uma pessoa que viaja muito, conhece outros povos, outras culturas, crenças, religiões, outros hábitos alimentares, hábitos sexuais, outros gostos estéticos, etc. amplia sua sabedoria, em sentido pessoal. Igualmente, uma pessoa que lê bastante, busca informação e refl ete sobre as informações dos livros, das revistas e outros meios, também amplia sua sabedoria. Ampliar sua sabedoria signifi ca ampliar seus horizontes, abrir seu espírito para o diferente, enfrentar os dogmas e tabus pessoais, ou seja, ter uma atitude curiosa e sábia, de busca e de superação. Signifi ca, então, que não somos apenas passivos (vítimas ou privilegiados) em nossa sabedoria pessoal. Assumir uma atitude fi losófi ca ante a fi losofi a de vida torna-nos autores, artífi ces, criadores de nossa fi losofi a de vida. Se o tamanho do mundo é do tamanho de nossa sabedoria, há pessoas com um mundo pequenino, 15 NOÇÕES GERAIS DE FILOSOFIACapítulo 1 estreito, sufocado (pela ignorância) e pessoas com um mundo enorme, quase infi nito, aberto para a experimentação, para a degustação. A diferença está na atitude fi losófi ca diante do que chamamos mundo. É muito importante não pensarmos esse “tamanho do mundo” como “pessoas com ou sem dinheiro”. Há muitas pessoas com muito dinheiro, mas pobres espiritualmente, sua sabedoria é miudinha, são “sem-fi losofi a”; mas há também pessoas com pouco dinheiro, que são ricas espiritualmente, sua sabedoria é grande e seu mundo se amplia, pois tem uma atitude fi losófi ca diante do mundo. A fi losofi a de vida é, pois, uma forma de sabedoria, em consonância com as formas mais elaboradas da criação artística, cultural, teológica, científi ca ou fi losófi ca. Ela (a fi losofi a de vida) pode ser nossa prisão, mantendo-nos amarrados aos preconceitos, aos dogmas, aos tabus da cultura/sociedade, desde que nos acomodemos nas crenças que nos constituem enquanto pessoa, apenas absorvendo passivamente tais crenças. Mas a fi losofi a de vida também pode ser a condição de nossa própria liberação, de nossa autonomia, na medida em que a assumimos criticamente, buscando outras fontes de informação, leitura de outras fi losofi as além da nossa própria, meditando acerca das razões pelas quais eu penso assim, por que não penso diferente, etc. “Uma vida que não é refl etida, não vale a pena ser vivida”, já dizia o fi lósofo Sócrates, muitos séculos antes de Cristo. Atividade de estudo Diferencie o fi lósofo do sábio. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ b) Filosofi a de uma organização/empresa/grupo, etc Viver em grupo é sempre uma tarefa complexa. Se, por um lado o homem “é um animal político”, conforme Aristóteles, o que nos agrega, expondo-nos à experiência coletiva, por outro lado somos também pessoas singulares, com gostos e vontades individuais. Essa dupla experiência do ser humano, social A fi losofi a de vida é, pois, uma forma de sabedoria, em consonância com as formas mais elaboradas da criação artística, cultural, teológica, científi ca ou fi losófi ca. 16 Temas e teorias da fi losofi a e individual, é um dos grandes desafi os para a fi losofi a prática, ou seja, para a ética e a política. Admitindo-se a afi rmação de que não nascemos prontos, mas geneticamente predispostos à aprendizagem, tornando-nos pessoas pela vivência em sociedade (conforme Emanuel Mounier) ou sujeitos (conforme Michel Foucault), adquirindo da sociedade a linguagem, os modelos de pensamento, os valores, as noções morais, os hábitos, as normas e as noções básicas de estética, de verdade, etc. compreende-se melhor a noção de vida pública, na qual experimentamos mais especifi camente a vida ativa (bios politikos) ou vida contemplativa (bios theoretikos), da qual fala Hanna Arendt (2001). Mounier e Foucault são fi lósofos franceses do século XX. Veja-se tanto A Política quanto Da Alma (três livros), de Aristóteles. Nesses livros o velho e bom fi lósofo expõe muito das noções fundamentais do homem que se constitui propriamente homem vivendo em sociedade. Um grupo social pode confi gurar-se no tamanho de uma pequena empresa, de uma gigante conglomeração ou até de uma nação. Constituir-se e manter- se enquanto coletivo requer a confl uência de saberes específi cos. Tais saberes circulam entre as pessoas, moldando sua atitude, conduta, escolhas, modo de pensar. Eles sempre circulam de modo mais espontâneo, quase naturalmente, embora muitas vezes não sejam refl etidos. Outras vezes, tais saberes são objeto de pesquisa, de refl exão, de análise. Em nosso tempo, sobretudo no tocante às organizações, não faltam metodologias bastante efi cazes para fazer vir à luz a fi losofi a da empresa. Conforme se vê, a fi losofi a de uma empresa, organização ou sociedade participa do conceito mais amplo de saber que está na origem do conceito de fi losofi a. Não é descabido, portanto, falar-se da fi losofi a de uma sociedade, de uma empresa ou de uma organização. Mas deve-se prestar atenção ao fato de que isso não é a noção mais específi ca de fi losofi a, aquela atividade dos fi lósofos ou o tal pensamento fi losófi co. As metodologias que permitem conhecer (fazer vir à luz), estruturar, manipular, aplicar, desenvolver intencionalmente a fi losofi a do agrupamento social provêm das ciências sociais. São, portanto, metodologias científi cas, não Filosofi a. O vínculo entre estas fi losofi as e a Filosofi a propriamente dita é a noção de saber, de sabedoria, enquanto A fi losofi a de uma empresa,organização ou sociedade participa do conceito mais amplo de saber que está na origem do conceito de fi losofi a. 17 NOÇÕES GERAIS DE FILOSOFIACapítulo 1 conjunto dos valores, virtudes, gostos, conhecimentos teóricos e técnicos que se materializam no coletivo. Seria absurdo afi rmar-se uma independência entre as três esferas mapeadas, a fi losofi a de vida (o indivíduo), a fi losofi a de organizações sociais (o grupo) e a Filosofi a propriamente dita. Obviamente que o coletivo, o grupo exerce a primazia entre as três esferas. É da experiência coletiva que o indivíduo herda quase tudo o que ele depois chama de sua fi losofi a de vida. É também da mesma experiência coletiva que provém o material básico (Stoff) para o trabalho fi losófi co. Mas o trabalho da fi losofi a não se resume a sacralizar o “já dado” no social, conforme se verá a seguir. Atividade de estudo Diferencie Filosofi a, fi losofi a de vida e fi losofi a da empresa. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ c) Filosofi a em sentido estrito: conceito, métodos e importância da atividade fi losófi ca A afi rmação de Maurice Merleau-Ponty, de que todos somos fi lósofos enquanto pensamos, pode ser tomada de modo mais espontâneo, entendendo- se, então, que a fi losofi a é conatural ao pensamento humano, não havendo uma distinção mais profunda entre fi lósofos e não fi lósofos. O que ocorreria, nesse caso, seria de ordem mais comportamental, ou seja, o comportamento do homem, em nosso tempo, exclui de suas ocupações mais importantes a atividade de pensar, a sabedoria, contentando-se com o conhecimento científi co ou com o domínio tecnológico, não buscando mais saber por que e para que, sendo-lhe sufi ciente o como: como aumentar meus rendimentos, como ser mais efi ciente no trabalho, como me divertir, como educar, etc. sem importar-se com justiça, felicidade, saúde, bastando o direito, a diversão, a não-doença. 18 Temas e teorias da fi losofi a Maurice Merleau-Ponty foi um fi lósofo francês do século XX, com forte contribuição nas questões fundamentais do homem contemporâneo, envolto em angústias advindas do modo capitalista, tecnológico e cientifi cista de viver. Para Merleau-Ponty, deve- se restituir, na experiência coletiva, o modo artístico, refl exivo e espiritual de viver. Principais livros: A Estrutura do comportamento e Fenomenologia da Percepção. Outra forma de interpretar-se a afi rmação de Merleau-Ponty é ver, no enquanto pensamos, não algo espontâneo, mas sistemático, elaborado, intencional, só sendo propriamente fi losófi co enquanto for feito de modo adequado. Nisto a afi rmação nos revela que a potencialidade para pensar fi losofi camente pertence a todos nós, que não necessitamos de uma “nova natureza”. Já estamos dotados dessa capacidade, necessitando apenas de educação adequada, meio social propício, persistência pessoal, para exercermos o tal pensamento fi losófi co. Mas, o que entendemos por pensamento fi losófi co propriamente dito? Em que ele se diferencia do pensamento em geral? Há algo que se pode chamar especifi camente de Filosofi a? A primeira característica do pensar fi losofi camente consiste na atitude diante de si, diante dos outros, diante da verdade e do mundo. Tal atitude inicia pela curiosidade e pelo espanto, ou seja, é uma atitude inconformada com as verdades, as explicações e as crenças comuns a seu tempo. Espantar-se com o fato de “eu” existir, de pensar e, sobretudo, saber que estou pensando, saber que “estou aí”, mas sem saber ao certo de onde “eu” vim, de onde veio tudo, para que estou aqui, qual a fi nalidade de minha própria existência. O segundo passo dessa atitude é perguntar, perguntar para as pessoas comuns, para os especialistas, para os “sábios”, perguntar aos livros, à religião, à literatura, à ciência, buscar saber das respostas já elaboradas acerca dessas questões, tão simples e tão fundamentais. O terceiro passo consiste na desconfi ança. Não basta ouvir o que as pessoas e os livros me dizem. Devo questionar sobre as bases a partir das quais tais respostas foram constituídas. Talvez elas sejam respostas baseadas em crenças, em costumes, em dogmas de fé, em visões muito parciais. É espantoso o fato de que nós podemos nos enganar. Pior: nada nos assegura de que não estejamos enganados o tempo todo, acerca de tudo que confi amos ser real, verdadeiro. Colocados esses questionamentos, deve-se desenvolver maneiras de buscar respostas mais sistemáticas, detectar as fontes de erro ou engano, precaver-se, metodicamente, contra o erro ou engano, prosseguir com calma, investigando cada conceito, cada certeza, cada fundamento. A primeira característica do pensar fi losofi camente consiste na atitude diante de si, diante dos outros, diante da verdade e do mundo. 19 NOÇÕES GERAIS DE FILOSOFIACapítulo 1 É nesse sentido que a fi losofi a é um pensamento radical: duvida de tudo, até da própria existência, sem medo ou dogma; sistemático: não é um falatório generalista sobre qualquer coisa, em que cada um pode dar sua opinião. É um trabalho meticuloso, atento, criterioso, duvidando do óbvio, investigando os pontos de vista mais absurdos, estabelecendo com zelo e cuidado de método os conceitos fundamentais a partir dos quais um entendimento (novo) se torna possível; em totalidade: pontos de vista muito parciais, superfi ciais, acomodados em um como, sem mergulhar no porquê, não bastam à fi losofi a. Pensar fi losofi camente é buscar horizontes sempre mais largos e profundos. É buscar entender, por exemplo, não o funcionamento de uma célula, mas o princípio da vida. É buscar saber não se esta ou aquela ação está de acordo com a lei, mas saber o que é a justiça, e se a lei está de acordo com a justiça. Perguntar-se sobre o que é o bem, o que é a felicidade, não se este ou aquele momento me dá prazer ou alegria. O que chamamos de fi losofi a é o resultado dessa atitude e desse trabalho pacientemente feito há mais de dois mil e quinhentos anos. Atividade de estudo Em que consiste a fi losofi a propriamente dita? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 20 Temas e teorias da fi losofi a Regiões Temáticas A fi losofi a é uma das formas de saber estruturado mais antigo que existe. Os temas e problemas a que ela se propôs, nesse longo tempo, abarcam a totalidade das ações, das curiosidades, das angústias e das ideias da espécie humana. Pretender, em poucas páginas, explicar cada uma destas elaborações seria completamente impossível. Pretende-se, de modo simplifi cado, apresentar as principais divisões internas e as principais temáticas já desenvolvidas, cientes da impossibilidade de ser exaustivo oucompleto. Quando se pergunta: qual é o objeto da fi losofi a? Essa pergunta admite duas respostas diferentes. A primeira, a mais utilizada, é de que o objeto da fi losofi a é a sabedoria. A outra resposta diz que qualquer coisa pode ser objeto de investigação fi losófi ca, pois o fi losófi co não está no objeto, mas na atitude, no modo da investigação. Portanto, uma divisão interna da fi losofi a não pode seguir seus objetos específi cos, pois, na primeira resposta, evidencia-se o fato de que o objeto da fi losofi a é único, não admitindo divisão. Na segunda resposta seu objeto fragmenta-se em tantas divisões quantas são as coisas que compõem a realidade. Coisa é um vocábulo muito usado em fi losofi a, substitui as denominações mais restritivas, mantendo a dimensão de abertura e totalidade, necessárias à fi losofi a. Pode-se, ainda assim, fazer uma primeira divisão interna da fi losofi a a partir da natureza do seu objeto. Este pode ser: teórico, quando seu objeto implica prioritariamente um conhecimento; prático, quando seu objeto implica a ação ou conduta humana. Em um segundo nível pode-se fazer uma divisão seguindo os principais temas abordados em cada uma das duas regiões, a teórica e a prática. Saliente-se que nem todos os autores são unânimes com a primeira divisão. Para muitos, o conhecer e o agir são, necessariamente, inseparáveis. Para Platão, por exemplo, ninguém, que conhece o bem, escolhe praticar o mal. Mas pode-se ponderar que, uma coisa é conhecer como se faz e dispor dos meios para fazer uma bomba atômica; outra coisa é decidir fazê-la e utilizá-la. Em nosso tempo, inclusive, a ciência (conhecer) e a ética (agir) parecem não estar mais de mãos dadas, caracterizando-se como territórios independentes: o primeiro competindo exclusivamente aos cientistas; o segundo fi cando a cargo dos fi lósofos. Qual é o objeto da fi losofi a? A primeira, a mais utilizada, é de que o objeto da fi losofi a é a sabedoria. A outra resposta diz que qualquer coisa pode ser objeto de investigação fi losófi ca. 21 NOÇÕES GERAIS DE FILOSOFIACapítulo 1 a) Região teórica A expressão teórica, referindo-se a uma divisão interna da fi losofi a, signifi ca a dimensão especulativa, que busca conhecer a realidade em seus princípios fundamentais. Deve-se salientar que uma separação entre ciência e fi losofi a é bastante recente. Os primeiros sinais dessa separação se manifestam no século XVII, mas apenas no século XIX ela se efetiva, com o advento do Positivismo. Desde a antiguidade, passando pela Idade Média e o Renascimento, a fi losofi a abarca também as ciências. Deve-se salientar que não existia a fi gura específi ca do fi lósofo, especialista em fi losofi a. Tal fi gura só apareceu no século XIX, na Alemanha, onde Hegel foi contratado pela universidade como professor dessa disciplina. Filosofi a sempre foi um conceito mais abrangente. O fi lósofo estudava ciências como psicologia, história, antropologia, matemática, geometria, lógica, retórica, etc. Quase todas são hoje ciências independentes. Mesmo assim, abarcam ainda o interesse e a abrangência da fi losofi a. O positivismo é uma linha teórica da sociologia, criada pelo francês Auguste Comte (1798-1857), que começou a atribuir fatores humanos nas explicações dos diversos assuntos, contrariando o primado da razão, da teologia e da metafísica. • Ciência Com esse conceito designava-se, até o século XVIII, o conjunto dos saberes mais certifi cados. No topo da hierarquia estava a Metafísica, considerada também a ciência divina, por investigar as leis universais e imutáveis do real. A busca da metafísica é o Ser, aquilo que é por si mesmo, uno e único, origem dos entes múltiplos que nos aparecem no mundo. Ela também estuda as causas primeiras, as causas únicas das coisas múltiplas que vemos no mundo. Enfi m, ela estuda as coisas que estão para além do mundo físico, material, que vemos todos os dias. Em segundo lugar vêm as ciências chamadas particulares. São chamadas particulares pelo fato de estudarem apenas uma parte do real, como a física, a matemática, a geometria, a cosmologia, etc. Enquanto a Metafísica estuda o Ser em totalidade, as ciências particulares estudam o ser a partir de uma de suas partes. • Lógica A lógica é criada, enquanto disciplina específi ca, por Aristóteles. A lógica aristotélica passou a ser chamada de Lógica Formal, por A lógica é uma ferramenta auxiliar para que o pensamento progrida de modo correto. 22 Temas e teorias da fi losofi a dois motivos. Primeiro, porque ela se ocupa apenas com a forma do raciocínio, investigando e descobrindo as múltiplas possibilidades de equívocos ou erros do mesmo e estabelecendo um complexo conjunto de critérios para ajudar o pensamento a prosseguir com segurança, evitando que caia em erro ou contradição. Nesse sentido a lógica é uma ferramenta auxiliar para que o pensamento progrida de modo correto. A lógica não se ocupa com a investigação da realidade, apenas com a forma do raciocínio. A segunda razão de ela ser chamada de Formal é o aparecimento da lógica dialética, com Hegel, no século XIX, além de outros modelos lógicos, como a lógica discreta, a lógica das probabilidades, dos mundos possíveis, etc. • Epistemologia/teoria do conhecimento A preocupação quanto ao valor ou ao crédito do conhecimento sempre foi uma preocupação interna à fi losofi a. O fi lósofo sempre se perguntou (e continua se perguntando) sobre o fundamento a partir do qual ele afi rma certo conhecimento ou um conhecimento como certo. Conhecer sempre traz em seu bojo a pretensão da verdade. Nesse sentido, a Teoria do Conhecimento é a investigação acerca das condições sob as quais um conhecimento pode ser admitido como verdadeiro. No momento em que as ciências tornaram-se independentes da fi losofi a, no século XIX, surge uma nova disciplina (ou talvez um novo nome para uma velha disciplina), a Epistemologia. Está a seu cargo evidenciar os pressupostos, as condições e o estatuto dos princípios e dos métodos das ciências. Teoria do conhecimento e Epistemologia, em certa medida, se equivalem, sendo, muitas vezes questão de preferência ou tradição à qual se está fi liado ao preferir um ou outro nome. Quando se fala do estatuto da fi losofi a acerca da verdade, fala-se mais em Gnoseologia ou Teoria do conhecimento. Quando tal estatuto se refere à ciência, mais comumente se usa o termo Epistemologia. • Refl exão da razão sobre si mesma Uma das operações mais complexas do mundo é o que chamamos consciência. Ela consiste na operação de a mente poder pensar a si mesma. Não se quer dizer com isso que a mente, nessa operação, já conheça a si mesma, de modo evidente. A única evidência que aparece é o dado de que eu sei que existo, é um saber de si sobre si mesmo. Mas esta evidência inicial está longe de ser evidente. Não sabemos, até hoje, qual a relação entre mente e cérebro. Temos algumas noções sobre o funcionamento do cérebro, as diferentes regiões que intensifi cam sua atividade de acordo com operações mais específi cas, como, por exemplo, a fala, as emoções, as atividades intelectuais. Mas a mente continua um grande mistério, A única evidência que aparece é o dado de que eu sei que existo, é um saber de si sobre si mesmo. 23 NOÇÕES GERAIS DE FILOSOFIACapítulo 1 da mesma forma como é mistério ainda o fato de, em determinado momento de nossa história biológica, uma parte da matéria ter-se tornado consciente, ou seja, no cérebro (matéria orgânica) ter-se desenvolvido uma mente capaz de saber que ela existe. Temos muito mais perguntas do que respostas sobre esse fato. Em função disso, é muito difícil termos um conceito exato do que quer dizer RAZÃO HUMANA. Acostumamo-nos com a ideia de que somos racionais. Sabemos o que queremos dizer com conduta racional, conhecimento racional, que a ciência é uma atividade racional, que a matemática, a lógica, a fi losofi a são atividadesestritamente racionais, mas o que é a razão, nela mesma, é uma pergunta que conseguimos formular, mas a resposta parece sempre estar um pouco além de nossa capacidade de responder. O tema da razão, de sua natureza, usos e limitações ainda será tema dos próximos capítulos. b) Região “Práticas” A noção de fi losofi a prática pode, facilmente, ser fonte de mal- entendidos. Normalmente entendemos por prática coisas que têm a ver com o fazer imediato, não-refl exivo, mas que serve para agir sobre as coisas ou para usarmos. Quando se fala em fi losofi a prática quer designar-se algo diverso do ativismo imediatista. A fi losofi a prática também não se opõe propriamente à fi losofi a teórica, pois também na parte prática busca-se desvelar os fundamentos do agir humano, de sua conduta; buscam-se os princípios e as causas primeiras que possibilitam escolhas corretas, que orientam a vontade nas escolhas que somos obrigados a fazer. Se na fi losofi a teórica o conceito fundamental é a verdade, na fi losofi a prática, os conceitos fundamentais são o Bem e o Belo. O conceito de Bem é fundamento para a ética e a moral e o Belo é fundamento da Arte e da Estética. • Moral Moral é um conceito provindo do latim e designa a adequação da conduta aos costumes considerados corretos pelo grupo a que se pertence. Enquanto refl exão fi losófi ca, a moral é o estudo dos fundamentos da conduta humana, sua adequação ao que se considera O Bem ou, pelo menos, ao que a sociedade considera bom, correto. À fi losofi a cabe desvendar o que provém exclusivamente do costume, que pode ser fonte de vícios, preconceitos, injustiças, do que provém de fundamentos mais universais de justiça, direitos fundamentais, como a liberdade, etc. Se na fi losofi a teórica o conceito fundamental é a verdade, na fi losofi a prática, os conceitos fundamentais são o Bem e o Belo. 24 Temas e teorias da fi losofi a • Ética Semelhante à moral, também a ética refere-se aos costumes do éthos, termo grego que designa, inicialmente, os hábitos considerados bons, virtuosos pelo grupo social. Não há unanimidade entre os estudiosos sobre a diferenciação entre ética e moral. Para alguns, a ética é a ciência que estuda os fundamentos universais dos valores, o conceito e o fundamento do Bem, os princípios universais que delineiam o que é eticamente correto, distinguindo-o do que seria eticamente incorreto. Nesse caso caberia à moral a refl exão e os juízos acerca da conduta singular de cada pessoa frente ao grupo, cabendo a ela indicar e julgar as ações moralmente corretas e as moralmente incorretas. Para outros, moral e ética estão em um mesmo patamar, não fazendo muito sentido querer colocar uma mais acima, na investigação mais universal e a outra mais abaixo, aplicada aos casos mais singulares. Para um terceiro grupo, ainda, cabe à moral ocupar- se dos princípios e valores gerais ou universais, enquanto cabe à ética investigar a maneira adequada de a pessoa singular efetivar, em sua conduta e escolhas diárias, tais valores e virtudes gerais. • Política A política é um ramo da fi losofi a (embora na atualidade ela esteja bastante afastada da fi losofi a) que se ocupa dos princípios, dos meios e das fi nalidades da organização social, bem como das distinções conceituais entre público e privado, Estado justo x Estado injusto, as motivações, a fi nalidade da atividade política, modelos de governo, formas e regimes políticos, etc. De certa forma, a política é uma das atividades mais nobres do ser humano. Conforme já vimos, para Aristóteles, é na atividade política (tomada em sentido mais amplo, enquanto vida coletiva, espaço privilegiado para a virtude teórica e a virtude prática) que se constitui propriamente a humanidade do homem. Atualmente grande parte do que era ocupação da Filosofi a Política passou a ser campo de estudo da Ciência Política, que é uma das ciências sociais. • Estética/Filosofi a da Arte Arte, originariamente, designa toda atividade humana que resulta em um produto. Há, nesse sentido, a arte produtiva, cujo artefato resultante tem um fi m útil para as necessidades do homem, e a arte contemplativa, feita não para a utilidade, mas para a fruição, para o gosto, chamada, nesse caso, de arte estética. A arte, sobretudo no segundo sentido, é objeto de refl exão em todas as fi losofi as. Ela guarda um enigma que desafi a o pensamento fi losófi co. Ela é uma atividade sem nenhum fi m prático imediato, não corresponde a nenhuma necessidade material, nisso assemelhando-se à própria fi losofi a. Mas enquanto à fi losofi a importam a verdade, os conceitos, a arte é totalmente livre, descompromissada com a verdade, o bem, o correto. 25 NOÇÕES GERAIS DE FILOSOFIACapítulo 1 Por outro lado, a arte é um dos veículos mais poderosos para carregar mensagens intraduzíveis em outras linguagens. A poesia, o conto, o romance conseguem dizer de forma bela e encantadora coisas que a fi losofi a e a ciência se mostram bem mais limitadas em expor. A música, a pintura, a escultura, etc. são criações tão geniais que fazem parecer tímidas as elaborações da ciência e da fi losofi a. Deve-se considerar também o espantoso efeito que a arte exerce sobre o ser humano. A arte bem feita, sublime, chega a suspender no homem os juízos racionais. Como ferramenta pedagógica ou política, também a arte é muito mais poderosa que qualquer outra criação ou conhecimento humano. Não é por acaso que as campanhas políticas, muito mais do que debates honestos, são peças publicitárias artisticamente elaboradas. Estética e Filosofi a da arte são ramos da Filosofi a que se ocupam dessas questões. Atividade de estudo Diferencie fi losofi a teórica da fi losofi a prática, indicando em qual delas está situada a ciência e a razão de ela situar-se aí. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Algumas Considerações Nesse primeiro capítulo abordamos a importância das diferentes regiões temáticas da fi losofi a, buscando refl etir sobre como o conceito de sabedoria permite relacionar internamente a fi losofi a de vida, a fi losofi a de instituições e a fi losofi a propriamente dita. A fi losofi a (philos + sophia) é um amor à sabedoria, uma atitude diante de si, diante dos outros e diante do mundo. Desse modo, pode- se dizer que a sabedoria é uma maneira de conduzir-se no mundo. E, por mais que haja a distinção entre Filosofi a de Vida, Filosofi a de Instituições e a Filosofi a propriamente dita, não há independência entre essas três esferas, visto que é na experiência coletiva que o indivíduo encontra os fundamentos do que chama de A poesia, o conto, o romance conseguem dizer de forma bela e encantadora coisas que a fi losofi a e a ciência se mostram bem mais limitadas em expor. 26 Temas e teorias da fi losofi a fi losofi a de vida, e é dessa mesma experiência coletiva que provém o material básico do trabalho fi losófi co. ReferÊncias ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. CAPÍTULO 2 Raízes da Filosofia A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apontar a infl uência dos saberes mitológicos, místicos e religiosos na constituição da maneira fi losófi ca de pensar o real. Diferenciar o idealismo platônico do realismo aristotélico. 28 Temas e teorias da fi losofi a 29 RAÍZES DA FILOSOFIACapítulo 2 ConteXtualização Écerto admitir-se o princípio que afi rma a conexão entre o modo de vida efetivo de uma sociedade e o surgimento de fi losofi as específi cas. Ele se aplica até mesmo ao aparecimento de Platão, para muitos o maior fi lósofo de todos os tempos, aquele que colocou as bases para toda a fi losofi a que já se fez até nossos dias. A fi losofi a de Platão herda uma longa tradição anterior a ele, tanto da cultura grega, quanto de outras culturas, como a da Índia, do Egito, da Europa, etc. Dessa herança Platão faz propriamente nascer o que conhecemos hoje por fi losofi a. Portanto, sua fi losofi a resulta do conjunto de questões, crenças, tradições, angústias e expectativas do mundo grego. Debruçando-se sobre os desafi os e apostas do mundo de seu tempo, Platão promove uma espécie de reelaboração desse mundo e lhe dá uma nova forma. Nasce, assim, a Filosofi a e a aventura que dura até nossos dias. É esse “nascimento” da Filosofi a que será o ponto principal do presente capítulo. Mitologia/Misticismo/Religião A partir da noção de sabedoria, vista no capítulo anterior, pode-se perceber que a raiz mais profunda da fi losofi a deve remontar a formas anteriores, mais antigas de saber. Seguramente não se pode ter total segurança ao determinar qual das três formas de saber, entre a mitologia, o misticismo e a religião, é a mais antiga e serve de base para as outras. Uma das hipóteses mais aceitas é a de que a mais antiga seja a mitologia, alojando, inicialmente, o misticismo. A partir disso se teria desenvolvido a religião e, posteriormente, a fi losofi a. a) A Mitologia A partir de certo modo de se conceber o desenvolvimento dos grupos humanos primitivos, os rituais comemorativos de uma caçada, por exemplo, teriam, pela repetição, dado origem aos mitos. Lembre-se do princípio de que “quem conta um conto, aumenta um ponto”. A cada ano que a caçada era novamente celebrada, rememorava-se o relato, já celebrado no ano anterior. Ano após ano, a história da caçada era aumentada, tornada mais importante, mais “miraculosa”, quase mágica. Assim, ter-se-iam iniciado os mitos, a partir dos ritos que celebravam algum fato marcante. Com o passar do tempo, as histórias repetidas em celebrações, iam tomando formas sempre mais lendárias, até se tornarem mais que humanas, quase divinas. Na base do mito estaria, então, a repetição de uma celebração que, de início, festejava algo bem humano, nada extraordinário. Mas, com o tempo, tomava nova dimensão, se transmutava, nascendo o que hoje chamamos de mito. 30 Temas e teorias da fi losofi a A origem da palavra mito não é conhecida com exatidão. Sabe-se que remonta à língua grega (Mythos). Já no período arcaico (antes do século VIII a.C.) ela aparece, provavelmente designando a fala, enquanto testemunho, relato ou declaração, na forma de verso. Mais tarde (século VI a. C.) a palavra Logos – do verbo legein (eu falo) reúne o que se diz em prosa, os logoi (discurso), na forma descritiva ou explicativa. Gradativamente a prosa (logoi) foi substituindo o verso (Mythoi), até o ponto em que a verdade enquanto relato de fi dedignidade aos fatos é associada ao logos, discurso verdadeiro. Com isso o mito perde a força do desvelamento (Alétheia) tornando-se apenas folclore. Um primeiro iluminismo, à época clássica de Sócrates, Platão e Aristóteles (século V e IV a. C.) e um segundo Iluminismo, dos séculos XVII e XVIII d. C.) encarregaram-se de transformar o mito em folclore que se presta a fi ns literários. (DOWDEN, 1994, p.13-15). Apenas nos séculos XIX e XX é que se retoma o estudo dos mitos, com novo interesse, percebendo neles uma importância estrutural e estruturante, tanto da linguagem quanto da psique humana. Além disso se verifi ca que o mito exerce funções múltiplas na constituição e organização das sociedades humanas, no que diz respeito à atividade intelectual (explicar a origem das coisas), moral (justifi car as normas), política (respeito à hierarquia, autoridade), etc. Se a origem do mito pode ser derivada dos ritos, as motivações e a função dos mitos são bem mais complexas. Até onde os estudos antropológicos nos informam, todas as culturas humanas têm seus mitos de origem. Vejamos um exemplo, advindo justamente da cultura do povo grego: Antes de serem criados o mar, a terra e o céu, todas as coisas apresentavam um aspecto a que se dava o nome de Caos – uma informe e confusa massa, mero peso morto, no qual, contudo, jaziam latentes as sementes das coisas. A terra, o mar e o ar estavam todos misturados [...]. Deus e a Natureza intervieram fi nalmente e puseram fi m a essa discórdia, separando a terra do mar e o céu de ambos. Sendo a parte ígnea a mais leve, espalhou-se e formou o fi rmamento; o ar colocou-se em seguida, no que diz respeito ao peso e ao lugar. A terra, sendo a mais pesada, fi cou para baixo, e a água ocupou o ponto inferior, fazendo-a fl utuar. Nesse ponto, um deus [...] tratou de [...] arranjar e dispor as coisas na Terra. Determinou aos rios e lagos seus lugares, levantou montanhas, cavou vales, distribuiu os bosques, as fontes, os campos férteis e as áridas planícies, os peixes tomaram posse do mar, as aves, do ar e os quadrúpedes, da terra. Torna-se necessário, porém, um animal mais nobre [...]. Na Terra, há tão pouco separada do céu, ainda havia algumas sementes celestiais ocultas. Prometeu tomou um pouco dessa terra e, O mito exerce funções múltiplas na constituição e organização das sociedades humanas, no que diz respeito à atividade intelectual, moral, política etc. 31 RAÍZES DA FILOSOFIACapítulo 2 misturando-a com água, fez o homem à semelhança dos deuses. Deu-lhe o porte ereto, de maneira que, enquanto os outros animais têm o rosto voltado para baixo, olhando a terra, o homem levanta a cabeça para o céu e olha as estrelas. [...] A primeira mulher chamava-se Pandora. Foi feita no céu, e cada um dos deuses contribuiu com alguma coisa para aperfeiçoá-la. Vênus deu-lhe a beleza, Mercúrio a persuasão, Apolo, a música etc. Assim dotada, a mulher foi mandada à Terra e oferecida a Epimeteu. [...] [este] tinha em sua casa uma caixa, na qual guardava certos artigos malignos, de que não se utilizara, ao preparar o homem para sua nova morada. Pandora foi tomada por intensa curiosidade de saber o que continha aquela caixa, e, certo dia, destampou-a para olhar. Assim, escapou e se espalhou por toda parte uma multidão de pragas que atingiram o desgraçado homem, tais como a gota, o reumatismo e a cólica, para o corpo, e a inveja, o desrespeito e a vingança, para o espírito. [...] [tudo escapara, menos uma] a esperança. Assim, sejam quais forem os males que nos ameacem, a esperança não nos deixa inteiramente; e, enquanto a tivermos, nenhum mal nos torna inteiramente desgraçados. (BULFINCH, 2002, p. 20). Prometeu era um dos titãs, uma raça gigantesca, que habitava a Terra antes do homem. A pedido de seu irmão, Epimeteu, e com a ajuda da deusa Minerva, roubou o fogo do Carro do Sol e o entregou ao homem, que assim conquistou grande poder e independência (construir armas e ferramentas, aquecer a morada, cunhar moedas, etc.). O relato acima é muito rico. Ele expõe as diversas nuances e as funções primordiais dos mitos. Em primeiro lugar, o mito usa sempre uma linguagem metafórica. Não deve ser interpretado literalmente. Ele requer que se compreenda a simbologia de seus termos, das fi guras que aparecem. Lido literalmente, sempre aparece, em todos os mitos, um apelo ao universo mágico, ao fantástico. Mas quando se o decompõe, interpretando a função de suas metáforas, de suas alegorias, de suas analogias, de seus símbolos, o mito aparece com sua força explicativa e coercitiva. Ao mesmo tempo em que ele responde à pergunta elementar: “de onde vem tal coisa?” (o mal, por exemplo), ele também, ao dar a resposta, coage o indivíduo a certa conduta adequada à moral e às normas do grupo. A cultura grega é, entre todas as conhecidas, a mais ricano que tange à variedade e multiplicidade de mitos. É nela que o gênio criador do homem mostrou-se mais fecundo. O panteão dos gregos (o conjunto de deuses e deusas) o mito usa sempre uma linguagem metafórica. 32 Temas e teorias da fi losofi a apresentado nos mitos era tão complexo que requeria especialistas no assunto. Essa era, justamente, uma das funções do poeta: conhecer as diferentes divindades, saber para que deveriam ser invocadas, qual seu poder, seu desígnio e, com isso, orientar a conduta e as escolhas dos homens. Assim, o poeta era uma fi gura social que estabelecia a relação entre os deuses e os homens. b) O Misticismo Misticismo, segundo Fernandes, Luft e Guimarães (2003), é a devoção contemplativa; crença religiosa ou fi losófi ca que admite a comunicação oculta entre o homem e a divindade; tendência a acreditar no sobrenatural. Conforme se pode ver, o misticismo mostra-se como uma predisposição tanto para a mitologia quanto para a religião. Também para muitas fi losofi as o misticismo é fundamental. Inicialmente, em todas as culturas humanas, a crença em algo “sobrenatural” parece encontrar-se na base (no princípio) das primeiras explicações acerca da origem e do destino do homem e do mundo. Quando nos damos conta de que “de repente” a consciência se instala no homem e ele percebe que existe, que está no mundo, que é real, mas não tem nenhuma informação sobre “de onde veio”, “como chegou a existir”, por quais razões, por quais propósitos ele está aí, é compreensível que apele ao “sobrenatural”. Supõe-se que no passado, na origem de nossa humanidade, tenha ocorrido algo semelhante ao que acontece com toda criança ainda hoje. Certo dia ela, ainda pequena, dá-se conta de que existe, “está aí”. Nesse momento ela se torna uma perguntadora: “mãe, de onde que eu vim?”, “de onde vieram todas as coisas?”, “por que meu cachorro não dorme em uma cama igual à minha?”. São intermináveis perguntas que quase enlouquecem a pessoa que a acompanha em seus “primeiros passos” no mundo do “ser homem”. Prestando-se atenção, percebe-se que as primeiras respostas que damos à criança não deixam de ser mágicas. Contamos histórias, fábulas, lendas, contos, ensinamos a orar, falamos de Deus ou deuses, fadas, bruxas, etc. Estes relatos estão longe de ser inocentes “contos infantis”. Eles constituem a base de um sistema antropológico, elaborado no longo percurso de nossa história, desde as primeiras respostas que a espécie deu a si mesma até o momento em que cada um de nós vem ao mundo e se faz as mesmas perguntas. Se hoje a criança “recebe” (herda, através de nossos relatos) um conjunto de explicações “já prontas”, acumuladas historicamente, lá no início nossa espécie não dispunha de “um mundo dos adultos”, cheio de respostas a todas as nossas perguntas. É como se toda a espécie estivesse na infância, todos se fazendo as mesmas perguntas, sem livros ou histórias nas quais se pudessem buscar as respostas. Misticismo é a devoção contemplativa; crença religiosa ou fi losófi ca que admite a comunicação oculta entre o homem e a divindade; tendência a acreditar no sobrenatural. 33 RAÍZES DA FILOSOFIACapítulo 2 Mito, religião e fi losofi a nascem desse “espanto” pelo qual cada um, e toda a espécie, passa. A causa fundamental que deu origem aos mitos, às religiões e à fi losofi a é a mesma que continua a mover nosso empreendimento criador nas mais modernas ciências ou técnicas investigativas. O elemento mágico do misticismo, fortemente presente nas primeiras explicações do homem sobre a origem do mundo e de si mesmo, por um lado, faz o mundo ser mágico, encantado; dá uma razão de existir ao homem e lhe fornece um sentido, uma direção, uma destinação. Por outro lado, desvela (Alhétheia) ao homem o transcendente. O mundo tornou-se a face visível (imanente) de uma totalidade que escapa à nossa apreensão intelectual. As causas fundamentais parecem manter-se num horizonte transcendente, mais distante do que nossa visão consegue discernir. Nossa existência mundana caminha inequivocamente para a morte (fi nito), mas sabemos que em nossa morte o mundo não acaba (infi nito). Será que na minha morte, fi nitude, eu termino radicalmente de existir ou também em mim pode haver algo da infi nitude do Cosmos? Importa ainda salientar que o misticismo, enquanto certo apelo ao mágico, ao transcendente, ao “divino” não desapareceu do horizonte de nossa existência. Mesmo nas ciências mais materialistas, nos momentos em que a explicação meramente mecânica não dá conta, apela-se a ele. Veja-se o exemplo das ciências exatas, pautadas unicamente no “concreto”. Quando perguntadas sobre por que nós somos capazes de criar tais explicações (comprovadas cientifi camente) e por que devemos acreditar nelas, a resposta que recebemos é “porque somos seres racionais e a razão tem essa capacidade!”. Mas o que é ser racional? O que é a Razão? O que é capacidade racional? Não deixa de haver aí um apelo, velado, silencioso, ao misticismo, ao transcendente, ao mágico do mundo. Mas por questões políticas, de carreira acadêmica, colaboração com o sistema de produção e consumo das mercadorias, etc. que quer que todos sejamos “animais produtores (trabalho) e consumidores (diversão)”, o mundo tornou-se desencantado, materialista, mecanicista, no qual a única saída para a miséria de nossa existência parece ser a diversão, o consumo. c) A Religião Nosso primeiro contato com o religioso, despertado pela consciência, está nas respostas mágicas que os adultos nos dão às perguntas fi losófi cas sobre quem somos, etc. O segundo contato é através de alguma igreja específi ca, à qual os adultos pertencem, nos dizendo o que é o mundo e o homem. Mais tarde nos informam que as igrejas (geralmente cristãs, no caso do Ocidente) pertencem a uma religião monoteísta (o Cristianismo, no Ocidente) e que existem três grandes religiões monoteístas: Cristianismo, Islamismo e Judaísmo. A religiosidade politeísta, ou a não teísta (como o Budismo) costumam ser mantidas à margem ou totalmente ignoradas, como coisa inferior, primitiva, frente à Verdade do 34 Temas e teorias da fi losofi a Monoteísmo de NOSSA religião. Um terceiro contato com a religião incita-nos a uma busca crítica, questionando os fundamentos, a razão de ser, os dogmas, as submissões morais ou o sentido de libertação implicados na religião. Para os estudos fi losófi cos importa menos a igreja x ou a religião y. O que desperta o interesse é o fenômeno religioso e seu signifi cado antropológico como tal, seu aparecimento, seu signifi cado e sua permanência para o homem no mundo. À fi losofi a não cabe a pergunta: qual a verdadeira religião ou o verdadeiro deus, mas o que signifi ca religião, o que signifi ca deus?. Religião, em uma de suas acepções, signifi ca re-ligar. Tal sentido expressa a própria condição do homem. Não nos sentimos apenas mais um, entre outros seres biológicos, embora façamos parte da natureza, sabemos que em algum momento ocorreu uma ruptura. Nesse sentido, o re-ligar pode designar uma retomada mais intrínseca com a Natureza. Por outro lado, sabemos que não somos deuses, mas sentimos um anseio permanente de transcender, de ir mais além de nossa condição de fi nitude no mundo fi nito. Nesse sentido, o re-ligar pode designar a busca pela transcendência, pelo infi nito. Obviamente que, em nossa modernidade materialista e técnica, tais questões, como fi nito-infi nito, imanência-transcendência, etc. parecem abandonadas. Mas elas não desapareceram. Ao contrário, elas se mantêm atuais, seja na religiosidade das pessoas, nos misticismos de diversos matizes, seja nas fi losofi as que interrogam acerca do sentido de ser do homem no mundo. Assumir o fenômeno religioso de forma crítica não signifi ca simplesmente negar-se à refl exão, ao contrário; o que está em jogo, nessas discussões, é o próprio destino do homem, de cada um e de todos ao mesmo tempo. Atividade de estudosQual a relação entre ritos, mitos, religião e fi losofi a? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ o re-ligar pode designar a busca pela transcendência, pelo infi nito. 35 RAÍZES DA FILOSOFIACapítulo 2 PHYSIS/Pré-Socráticos/Sofistas A constituição da fi losofi a grega é complexa. Estudando-se as culturas ainda mais antigas, como Egito, China, Índia, etc. percebe-se que os gregos “herdaram” (acolheram) muitas infl uências desses povos. Além disso, antes do que chamamos surgimento da fi losofi a grega, há um longo período em que o “caldo cultural” para tal surgimento vai se constituindo. Nesse período, chamado Período Arcaico, os mitos (e seus lindos e longos versos), o misticismo e a religiosidade politeísta predominaram. Se, no início do fi losofar entre os gregos, há uma mudança no estilo literário dos versos para a prosa, isso não signifi ca que eles simplesmente romperam defi nitivamente com sua história e cultura. Platão, por exemplo, recolhe e utiliza mitos egípcios, indianos, entre outros já conhecidos no Período Arcaico. Os mitos, com seu misticismo e religiosidade, estão na base do pensamento fi losófi co que, enquanto modelo racional de elaboração e exposição, é especifi camente ocidental. Não signifi ca que não tenha recebido importantes contribuições de outros continentes; signifi ca apenas que o modo de elaborar as perguntas e, sobretudo as respostas, é ocidental, é europeu, é grego. O que se quer dizer, mais especifi camente, é que a fi losofi a busca causas mais prováveis ou plausíveis do que a magia do pensamento religioso-mitológico. Os primeiros fi lósofos datam do século VII a.C., nas colônias gregas. Muitos atribuem a Tales, de Mileto, o feito, ante a pergunta “de onde provém tudo?”, de haver buscado uma resposta intelectual, não tão mitológica. Sua resposta pode nos parecer ingênua e ainda um tanto mágica, diz ele: tudo é feito de água! Mas estamos há mais de dois mil e setecentos anos tentando, ainda, buscar respostas para o sentido da totalidade, numa jornada que se iniciou com esses primeiros fi lósofos. Há duas maneiras de nos referirmos a eles: fi lósofos da Physis (essa palavra pode ser traduzida por Natureza, mas não signifi ca o que entendemos hoje por esse termo, mas sim a totalidade originária, da qual tudo provém, tudo se mantém e tudo retorna) e fi lósofos pré-socráticos (anteriores a Sócrates. Alguns, classifi cados como pré-socráticos são, na verdade, contemporâneos de Sócrates, como é o caso de Demócrito de Abdera, atual Turquia). Os fi lósofos da Physis, embora abarquem um número elevado de autores, temas e abordagens específi cas, podem ser ordenados em dois grandes grupos de perspectivas: os monistas, que trabalham com a concepção de realidade única, por exemplo, Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Leucipo, Demócrito, e os dualistas, como, por exemplo, Pitágoras, Parmênides, Cleanto, Crisipo. Com o aparecimento Os primeiros fi lósofos datam do século VII a.C., nas colônias gregas. Muitos atribuem a Tales, de Mileto, o feito, ante a pergunta “de onde provém tudo?”, de haver buscado uma resposta intelectual, não tão mitológica. 36 Temas e teorias da fi losofi a da fi losofi a de Platão, os monistas fi caram quase esquecidos até o século XX, não se levando muito a sério sua investigação. Mesmo assim, conforme Onfray (2008), sua elaboração é de grande importância, pois nos oferecem uma visão completa do mundo e do homem, em devir constante, desde seus fundamentos metafísicos (uma metafísica não dualista) até os domínios da ética (uma ética da vida e da alegria – dionisíaca), da saúde e da vida feliz, a partir do ideal da época: kalós kagathós (belo e bom). A perspectiva monista, por afeito da obra de Platão, mas também dos usos que se fez do platonismo, tanto no Cristianismo quanto na racionalidade moderna, tornou-se uma espécie de fi losofi a dos vencidos, enquanto, pelo mesmo conjunto de causas políticas e intelectuais, o dualismo tornou-se uma fi losofi a dos vencedores, da qual se concebem apenas os aspectos positivos, enquanto aos vencidos restam as caricaturas mal desenhadas, “esquecidos, negligenciados”. Mas a noção de corpo, por exemplo, destes monistas assemelha-se à noção contemporânea de corpo em autores importantes como Deleuze. Os sofi stas sofrem de injustiça ainda maior, ante a “guerra” que Platão lhes declara. A história da fi losofi a muitas vezes os declara ainda pré-socráticos, mantendo a desqualifi cação, muitas vezes nem os considerando fi lósofos. O próprio termo, sofi sta, por sua polissemia, muitas vezes é associado a sofi sma, raciocínio falso, enganoso, ou a sofi sticação/sofi sticaria, enquanto um acréscimo de beleza na aparência do discurso, sutileza excessiva, com o propósito de dissimular a verdade. De acordo com Onfray (2008), enquanto Platão era da elite ateniense, tem sua própria escola, a Academia, os sofi stas eram pessoas mais comuns, “itinerantes, originários de meios modestos”, recebiam salário pelo ensino que praticavam, pois “dispunham apenas desse meio para garantir sua sobrevivência”. Não eram Cidadãos Atenienses. Protágoras, por exemplo, um dos mais ilustres expoentes dessa fi losofi a, foi carregador em um porto do Mediterrâneo. Demócrito, vendo sua inteligência, compra-o, promove-o a secretário e lhe dá condições para tornar- se fi lósofo. Enquanto Platão desqualifi ca a democracia, como um governo das massas ignorantes, argumentando em favor do governo de uma elite de sábios, os sofi stas são democráticos, defensores da igualdade de direitos. Os ensinamentos dos sofi stas, em linhas gerais, podem variar. Desde o ensino da arte de falar corretamente (boa retórica), até dicas práticas de como viver bem. Sua sabedoria contempla a imanência, a vida do homem na terra, sua fi nitude, expondo a fragilidade do intelecto, do pensamento e da linguagem no que concerne ao conhecimento de verdades universais, metafísicas, seja no sentido da moral (o Bem), da estética (o Belo), da ética e da política (a Justiça), da ciência (a Essência fundamental de todas as coisas) ou da antropologia (a origem, a razão de existir e o destino do homem). Para eles a linguagem, a política, a ética, a ciência, o sentido da vida são uma espécie da arte, que exige de nós qualifi cação, treino, criação, aperfeiçoamento, ocupação e cuidados cotidianos, sem que tenhamos delas uma verdade fi nal. 37 RAÍZES DA FILOSOFIACapítulo 2 Atividade de estudos Que relações se pode estabelecer entre os mitos, a religião e a fi losofi a? ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ SÓcrates/Platão/AristÓteles Fazer justiça a essas três fi guras, no sentido de expor por completo seu pensamento, com a importância histórica que têm, é impossível. Dos três, Sócrates é o mais controverso. Pelo fato de não haver escrito suas ideias, que preferia discutir na rua, na praça, no mercado, não se sabe exatamente quais eram seus ensinamentos. A principalfonte sobre suas ideias são os diálogos escritos por Platão, nos quais Sócrates é sempre a personagem principal, o mais sábio, o mais profundo, entre os personagens. Segundo as diversas fontes, Sócrates era pessoa simples, costumava andar descalço e debater longamente as questões fi losófi cas com as pessoas nos espaços públicos. O estilo dos textos de Platão é o diálogo. Para isso ele cria um cenário, ao que se sabe são lugares reais, com acontecimentos que efetivamente ocorreram, mas as “conversas fi losófi cas” escritas por Platão são uma forma de ele expor sua própria fi losofi a. O modo como descreve os personagens, as coisas que cada um diz, é tudo criação de Platão. Como Xenofontes, Aristófanes e Aristóteles também escrevem sobre Sócrates, percebe-se que o Sócrates dos diálogos de Platão é muito mais uma personagem das novelas (diálogos) platônicos do que uma descrição fi el do homem histórico que viveu em Atenas entre 469 a.C. e 399 a.C. 38 Temas e teorias da fi losofi a Das ideias de Sócrates pode-se destacar sua centralidade nas questões relativas à alma do homem. Aquilo que distingue o homem dos outros seres vivos é justamente sua alma. Nesse sentido, dizia que a essência (o que é essencial) do homem é sua alma. É da alma que se deve ocupar a fi losofi a. Ela deve nos ajudar a ter uma alma boa, justa e bela. Para tal deve-se buscar a sabedoria; reconhecer a própria ignorância já é o primeiro passo. Perguntar, duvidar, questionar é o segundo passo. A ocupação cotidiana com a sabedoria da alma é o caminho para uma vida bela, justa e feliz. Só sei que nada sei, este parece ter sido o lema com o qual Sócrates perseguia a sabedoria. Conhece-te a ti mesmo e cuida das coisas importantes para tua vida (cuidado de si), não enquanto esteticismo da aparência, mas como sabedoria interior, substância e dignidade do homem. O método utilizado por Sócrates, em sua busca pela sabedoria, é chamado de maieûtica, o que signifi ca fazer vir à luz a sabedoria que as pessoas têm em seu interior. Para chegar-se a ela, deve- se passar pela ironia, ou seja, ironizar, depurar-se dos saberes superfi ciais e aparentes da vida em sociedade. Ir mais a fundo, ampliar seus horizontes, abrir novas perspectivas, buscar os fundamentos do próprio saber. A segunda destas três fi guras é a que maiores infl uências deixou para a cultura ocidental como um todo e para a religiosidade (cristã e até mesmo espírita) em particular: Platão. Nasceu em Atenas, na Grécia, em 427 e morreu em 347 na mesma cidade. Foi discípulo de Sócrates, fez longas viagens, indo até o Egito, inclusive. Fundou a primeira escola (centro de estudos científi cos e fi losófi cos) da história, a chamada Academia. Era fi lho de família rica, não precisou trabalhar. Sua família também tinha tradição na política. Com Platão começa propriamente o que chamamos, no Ocidente, de Filosofi a. Ele fundou o modelo metafísico do pensamento. Toda estrutura do pensamento de Platão é dualista, ou seja, parte do pressuposto de que há duas substâncias a partir das quais o real é criado: uma substância física, sensível, e uma substância suprafísica (meta-física), suprassensível, que só é apreendida pelo pensamento. Portanto, há também dois mundos, um mundo material, que nós percebemos através dos nossos órgãos sensoriais, onde tudo está constantemente mudando, se transformando, e um mundo das ideias, que só “vemos” através do olho da mente, da alma. Neste mundo (suprassensível) estão as essências ou modelos a partir dos quais os seres materiais, animais, plantas, etc. foram feitos. Metafísica é a parte da fi losofi a dedicada ao estudo do Ser, ou seja, aquilo que as coisas são em sua essência. A Metafísica pergunta-se não se uma ação específi ca é boa, mas pergunta-se o que é o Bem, a partir do qual podemos classifi car as ações como boas ou más. Pergunta-se não sobre as partes que constituem um corpo e o modo de seu funcionamento, mas o que é, em sua Das ideias de Sócrates pode- se destacar sua centralidade nas questões relativas à alma do homem. Aquilo que distingue o homem dos outros seres vivos é justamente sua alma. 39 RAÍZES DA FILOSOFIACapítulo 2 essência, um corpo, de que modo os corpos vieram a existir, quais suas causas primeiras; qual a origem e a que se destina o homem?. Se o homem não é só um corpo, a Metafísica quer conhecer com precisão o que é a parte não física (meta-física) do homem. O homem, para Platão, seguindo o princípio de Sócrates, é feito de matéria (nosso corpo) e da substância suprassensível (nossa alma inteligente). Nossa alma não faz parte do corpo, para Platão. Ela é encarnada no corpo. Na morte ela novamente desencarna, devendo fazer o caminho de volta ao mundo superior, da ideias, onde não há matéria nem mudança, apenas beleza, perfeição. A alma vivia lá antes de encarnar. Mas, por haver-se apaixonado pelo corpo, recebeu por castigo ter que viver pelo menos uma vida prisioneira no corpo. Caso a conduta da pessoa não for adequada, a alma pode ser obrigada a reencarnar. Se, após várias reencarnações, a alma não se purifi car, através do desapego aos prazeres materiais, empenhando-se a amar a sabedoria, a justiça, o bem, a Beleza Superior, ela pode ser condenada a viver eternamente na região das sombras, sem nunca mais ver a beleza das ideias perfeitas. Pode-se perceber o quanto a fi losofi a de Platão serviu ao Cristianismo. Em grande medida nossas ideias de religião e de moral, bem como o modo como concebemos o ser humano, provêm da fi losofi a de Platão. A teoria do conhecimento de Platão (2003) também é metafísica: através dos órgãos sensoriais nós conhecemos o mundo físico que, para ele, é um mundo de sombras (veja-se a esse respeito a Alegoria da Caverna, descrita por Platão no Livro VI de A República), no qual só podemos ter opiniões sobre a aparência das coisas. O conhecimento verdadeiro, a verdadeira ciência, é puramente intelectual, provém unicamente da alma, sem nenhuma colaboração do mundo empírico. Platão era um grande matemático e acreditava (da mesma forma que Pitágoras, do qual aprendeu muito) que os números existiam realmente, bem como toda ordem matemática. A matemática, para ele, é um estágio intermediário entre nosso mundo e o mundo superior das ideias puras. As verdades, as quais a fi losofi a busca, estão acima da matemática. As principais Ideias citadas por Platão são: justiça, beleza e bondade – o Justo, o Belo e o Bem. O Bem é a ideia superior a todas as demais; ela as ilumina e as nutre, semelhante ao sol no nosso mundo. Embora todas as almas sejam oriundas do mesmo mundo suprassensível, só os que têm uma alma fi losófi ca, depois de muito exercício, longos anos de estudo e de treino da alma é que conseguem conhecer as ideias superiores. Já sabemos que Platão detestava a democracia. Agora se pode entender por que ele supõe que só os sábios (fi lósofos) devem fazer as leis e governar: só eles, depois de mais de 40 anos de estudo e treino, conhecem a Verdade, a Justiça, a O homem, para Platão, seguindo o princípio de Sócrates, é feito de matéria (nosso corpo) e da substância suprassensível (nossa alma inteligente). Nossa alma não faz parte do corpo, para Platão. 40 Temas e teorias da fi losofi a Beleza e o Bem; portanto, só eles estão em condições de administrar a cidade com justiça, cuidando para que todos os cidadãos sejam felizes. Assim, vemos que o dualismo de Platão fundamenta seu Idealismo. O idealismo de Platão mostra-se na total desqualifi cação dos dados empíricos para fundamentar o conhecimento. A verdade não resulta da experiência, ela provém unicamente das ideias da razão. Platão acredita que as Ideias realmente existem e só nelas o homem pode encontrar a Verdade que o liberta das sombras, das opiniões, da ideologia, da escravidão dos sentidos. A fi losofi a, em seu idealismo, é o culto às ideias. Para ele, a forma mais nobre, a única que realmente agrada aos deuses,
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