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OBJETIVOS: Analisar a artrite gotosa Descrever os diagnósticos diferenciais para gota Explicar a hiperuricemia CONCEITO: Gota é uma artrite inflamatória de origem metabó- lica Gota é uma artrite progressiva que começa como uma monoartrite ou oligoartrite intermitente nas ex- tremidades inferiores e pode progredir durante anos ou décadas para uma poliartrite debilitante, crônica e destrutiva envolvendo qualquer articulação perifé- rica do corpo EPIDEMIOLOGIA A hiperuricemia é muito comum nas culturas oci- dentais, com uma prevalência de até 15% a 20% em alguns estudos populacionais recentes A incidência de gota anual relatada em indivíduos com níveis séricos de urato basal de 9 mg/dL ou mais é de 4,9%, em comparação a apenas 0,5% para aqueles com níveis séricos de urato de 7,0 a 8,9 mg/dL. Vários estudos têm relatado que os homens são de três a seis vezes mais propensos a desenvolverem gota do que as mulheres e a idade tem um impacto aparente na prevalência da doença. Os homens por possuírem mais ácido úrico que nas mulheres e por não terem o fator protetor do estró- geno, como as mulheres, apresentam cerca de 95% dos casos e as mulheres 5%. Estas são mais aco- metidas no pós menopausa, devido à redução dos níveis de estrógeno. Também há acentuada variação dentro dos países, dependendo de fatores sociodemográficos outros além de sexo e idade. Houve um aumento na incidência, devido à modifi- cação dos hábitos de vida que contribuem para esta doença, como obesidade, alcoolismo, dietas, hiper- tensão arterial A hiperuricemia é caracterizada por nível sérico de urato superior a 6,8 mg/dL nos homens e nas mu- lheres. Embora a hiperuricemia seja um pré-requi- sito necessário para o desenvolvimento de gota, apenas 20% de todos os indivíduos hiperuricêmicos desenvolverão gota. Afro-americanos tem níveis mais elevados de ácido úrico em relação aos caucasianos FATORES DE RISCO Sexo masculino (7:1) Estilo de vida 1. Obesidade é um dos maiores riscos para hi- peruricemia e gota, ao reduzir a excreção de ácido úrico e aumentando a produção de purinas. 2. Ingesta aumentada de carnes vermelhas, frutos do mar e peixes, parece ter um efeito de aumento da incidência de gota 3. O aumento de ingesta de gorduras satura- das está relacionado com aumento da resis- tência insulínica, a qual reduz a excreção re- nal de urato. 4. Ingesta de bebidas alcoólicas está associ- ada com aumento de risco de gota de forma dependente da dose, independentemente do tipo de bebida alcoólica. O álcool induz hiperuricemia tanto pelo aumento da produ- ção de uratos quanto pela redução da excre- ção. 5. Consumo de café reduz o nível de ácido úrico a longo prazo, ao bloquear a ação da xantina-oxidase, além de reduzir os níveis de insulina e aumentar a sensibilidade do orga- nismo à insulina 6. Alta ingesta de vitamina C também reduziu o nível sérico de ácido úrico 7. Certas medicações podem afetar nos níveis de ácido úrico no organismo. Baixas doses de salicilato, fenofibrato, losartana e bloque- adores de canais de cálcio reduzem os ní- veis séricos de ácido úrico. Betabloqueado- res e tiazídicos aumentam níveis de ácido úrico sérico. 8. Exposição crônica ao chumbo pode causar gota mesmo em pequena monta ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA GOTA PRIMÁRIA: O ácido úrico é o produto final do metabolismo de purina nos humanos. Este possui função antioxidante, por conseguir re- mover radicais livres tão efetivamente quanto a vita- mina C, sendo o antioxidante mais abundante no corpo humano. O ácido úrico pode agir na vigilância imune, atuando como adjuvante endógeno para dis- parar a resposta imune inata e específica, ao ser li- berado por células em processo de morte celular Os níveis de urato são influenciados por vários fato- res, incluindo temperatura, pH, concentração de cá- tions, nível de desidratação e outros, que podem al- terar o risco de gota relacionado com uma elevação no nível de urato, além de explicar o porquê de ser a primeira metatarso-falangeana uma articulação co- mumente atingida (onde a temperatura é mais baixa). A quantidade de urato depende da ingesta, síntese e taxa de excreção Na maioria dos mamíferos, o catabolismo das puri- nas é levado uma etapa adiante via enzima urato oxidase ou uricase, com o produto final da purina nessas espécies sendo alantoína que é muito solú- vel. Os seres humanos perderam a capacidade de pro- duzir a enzima uricase, consequentemente, é possí- vel o acúmulo de ácido úrico. Seja ocasionado por superprodução de ácido úrico ou por menor excre- ção pelos rins, esse acúmulo causa a supersatura- ção de íon de urato no sangue e a precipitação de cristais UMS no líquido sinovial, nos tecidos moles e nos órgãos. Urato é produzido pela conversão de uma molécula muito solúvel, a hipoxantina, na menos solúvel xan- tina que, por sua vez, é convertida em ácido úrico muito solúvel por oxidações de anéis de purina cata- lisadas pela enzima xantina oxidase. A xantina oxi- dase está presente em vários órgãos, mas a maioria das atividades ocorre no fígado e no intestino. As purinas são mais abundantes em comidas e be- bidas e podem contribuir para a deposição. A grande massa vem da síntese endógena, principal- mente no fígado. Em condições normais, o excesso de ácido úrico é balanceado pela excreção renal, cerca de 2/3 do total. A secreção pelo intestino del- gado e sua consequente quebra pelas bactérias do intestino corresponde ao 1/3 restante Em razão de seu potencial para causar doença, a eliminação de urato é muito importante. A dose to- tal diária de acúmulo de ácido úrico de síntese de novo, degradação do nucleotídeo e o consumo die- tético está entre 800 e 1.200 mg/dia e é equili- brada pela excreção renal de aproximadamente dois terços da quantidade total e pela eliminação in- testinal do terço restante. Em 90% de todos os pacientes com gota, a causa deste desequilíbrio é menor excreção renal. Os res- tantes 10% dos casos de gota são causados por su- perprodução de purina ou uma combinação de su- perprodução e menor excreção. GOTA SECUNDÁRIA: Decorrente de doenças ou uso de medicamentos EVOLUÇÃO: MENOR EXCREÇÃO RENAL DE URATO: Pode ser causada: Por fatores genéticos (hiperuricemia primá- ria) Por distúrbios renais clínicos (insuficiência renal ou diminuição da filtração glomerular) Por acúmulo de ácidos orgânicos endógenos (lactato, β-hidroxibutirato, acetoacetato) Por substâncias exógenas (aspirina em baixa dose, tiazidas, β-bloqueadores, ciclos- porina, tacrolimo). Como o ácido úrico é pequeno e não ligado a proteí- nas, ele é completamente filtrado pelo glomérulo. Nas pessoas normais, aproximadamente 8 a 10% da carga filtrada é eliminada na urina. Vários transportadores tubulares renais responsá- veis por determinar a quantidade de ácido úrico fil- trado que realmente é excretada estão localizados nos túbulos convolutos proximais Tanto a reabsorção quanto a secreção ocorrem neste segmento através das ações de vários trans- portadores de ácidos orgânicos (TAOs), com o efeito residual sendo a reabsorção de cerca de 90% do ácido úrico filtrado no glomérulo. Esses TAOs também são responsáveis pela elimina- ção de outros ácidos orgânicos além do ácido úrico, assim como de muitos medicamentos comumente usados O transportador tubular mais importante para o ácido úrico é o transportador de urato 1 (URAT1). Esse transportador troca os íons urato por outros or- gânicos monocarboxilados em ambas as direções através da membrana luminal das células tubulares proximais. Esse sistema pode ser conduzido para reabsorver mais ácido úrico do lúmen tubular elevando a con- centração intracelular tubular de lactato, piruvato, acetoacetato de butirato ou os cetoácidos acetoace- tatoe β-hidroxibutirato. Certos medicamentos, quando presentes no lúmen tubular, podem deslocar o ácido úrico do transporta- dor, fazendo com que mais ácido úrico seja perdido pela urina. Esses compostos, que incluem probene- cida, losartana e altas doses de aspirina são consi- derados uricosúricos. Indivíduos com gota excretam apenas 70% do ácido úrico excretado pelos sujeitos normais em qualquer concentração sérica de uratos. Hiperuricemia também está associada a diabetes melito tipo 2 na síndrome metabólica totalmente ex- pandida. Níveis elevados de insulina, como aqueles vistos em estados de resistência à insulina, estimu- lam o trocador de sódio-hidrogênio, levando final- mente ao aumento da reabsorção de sódio em cer- tos ácidos orgânicos, incluindo o ácido úrico. SUPERPRODUÇÃO DE URATO: Em aproximadamente 10% dos indivíduos com gota, hiperuricemia é causada pela produção excessiva de ácido úrico em vez de excreção renal reduzida. Na maioria desses indivíduos, a hiperuricemia re- flete renovação celular acelerada (p. ex., doenças mieloproliferativas e linfoproliferativas, psoríase, es- tados hemolíticos crônicos e certas glicogenoses musculares) ou outras causas de aumento da de- gradação do nucleotídeo purina, como se vê com o uso abusivo de álcool ou a ingestão de frutose Alguns processos de doença primária são responsá- veis pela superprodução de uratos. Esses são os er- ros inatos do metabolismo, que resultam em au- mento da síntese de novo de purinas, como visto na superatividade da fosforribosilpirofosfato sintetase, ou na redução da recuperação de purina, observada na deficiência de hipoxantina-guanina fosforribosil- transferase (síndrome de Lesch-Nyhan) A superprodução de uratos é determinada por uma coleta de urina de 24 horas, mostrando mais do que 1.000 mg de ácido úrico INFLAMAÇÃO INDUZIDA PELOS CRISTAIS DE URATO GOTA AGUDA: A formação dos cristais de urato monossódico ne- cessita da supersaturação do urato, e dos fatores relatados No plasma, o urato torna-se insolúvel em concentra- ções de 6,8 mg/dL (408 µmol/L), com pH de 7,40 e temperatura corporal normal. Uma redução do pH ou da temperatura abaixa ainda mais o limiar de so- lubilidade. Nem todas as pessoas hiperuricêmicas formam cris- tais. Parece haver uma necessidade adicional de um “fator de nucleação” que é ainda mal definido para gota, juntamente com outros fatores locais que promovem ou inibem o crescimento de cristais. Lesões articulares prévias podem facilitar a forma- ção de cristais. Mesmo pessoas sem gota clínica po- dem ter uma concentração de cristais de urato nas articulações Cristais de UMS formam-se nas articulações e nos tecidos moles de indivíduos muito antes de apre- sentarem qualquer sintoma de gota. Eles se deposi- tam em pequenas estruturas de treliça chamadas microtophi na superfície de cartilagem e no revesti- mento sinovial. Esses microtophi crescem lentamente, mas geral- mente são estáveis desde que o ambiente ao redor não mude drasticamente com relação ao pH, con- centração de urato, ou temperatura. No momento da primeira e das subsequentes crises de exacerbações clínicas, algo muda no ambiente da articulação fazendo essas estruturas em treliça de cristal se desfazerem e eliminarem um número grande de cristais no espaço articular Na crise aguda de gota, os cristais iniciam uma ativi- dade inflamatória dependendo de múltiplos fatores, como o tamanho dos cristais, as proteínas que os envolvem e as células que os encontram primeiro. Apesar do potencial de liberação de toda esta cas- cata inflamatória, eles não ativam necessariamente a inflamação Caso haja a deposição ou a liberação dos cristais de depósitos pré-formados, há uma infiltração por neutrófilos, monócitos e macrófagos A interação com os fagócitos ocorre por dois meios: primeiro, ativam as células por meio da via conven- cional, forma estereotípica de fusão lipossomal e li- beração de mediadores inflamatórios (e que gera a imagem típica da fagocitose de cristais que é crité- rio diagnóstico da doença). O outro mecanismo envolve propriedades particulares do cristal de se envolver com as membranas celulares por perturba- ção e ligação cruzada das glicoproteínas de mem- brana no fagócito, ativando proteínas G, fosfolipase C e D, SYK quinases, quinases ERK1/ERK2, cinases c-Jun N-terminal e outras que leva à expressão de IL-8 induzida por cristais. Outras interleucinas, como a IL-1, a IL-6 e o TNF-alfa estão associados com a inflamação. Há ainda a ati- vação do sistema complemento, aumento da per- meabilidade vascular e outras prostaglandinas va- soativas A IL-1 age na iniciação e na amplificação do ataque de gota por meio do inflamossomo, um complexo de proteínas celulares que é ativado quando há a expo- sição a elementos microbianos como o RNA bacteri- ano e toxinas. A ativação deste complexo leva à liberação da cas- pase-1, que cliva a pro-IL-1β em IL-1β, agindo de forma essencial na fisiopatologia da inflamação da gota Quase sempre, a crise de gota é autolimitada, resol- vendo em uma a duas semanas. A limpeza dos cris- tais pelos macrófagos leva à inibição dos leucócitos e ativação endotelial. Isto, somado ao aumento da permeabilidade vascular e à liberação de estímulos antiinflamatórios como o aumento de corticosteroi- des endógenos e interleucinas anti-inflamatórias leva à resolução do ataque de gota. Mesmo após o ataque agudo regredir, inflamação de baixo grau persiste na articulação assintomática. É este processo inflamatório mantido e persistente que finalmente leva à destruição da cartilagem, ero- são óssea e hipertrofia sinovial se a hiperuricemia não for tratada e os cristais de UMS dissolvidos. GOTA CRÔNICA: Pacientes com gota há muitos anos apresentam mediadores inflamatórios envolvidos na inflamação aguda e da inflamação crônica, o que leva à sino- vite, erosão óssea e sinovite crônica. Os tofos se formam devido aos agregados de cris- tais envelopados por uma resposta semelhante a granuloma, com uma zona de células gigantes cir- cundadas por uma camada fibrosa. Cristais de urato levam a efeitos nos osteoblastos e causam viabilidade celular reduzida nestes tipos ce- lulares, justificando a reabsorção óssea nos sítios de localização dos tofos. Dano cartilaginoso é uma manifestação mais tardia da gota, e estudos ultrassonográficos mostram a re- lação entre os cristais e a cartilagem articular, tendo o sinal do duplo-contorno sido visualizado sobre a margem superficial da cartilagem articular, podendo representar o acúmulo dos cristais nestas locações MANIFESTAÇOES CLINICAS: HIPERURICEMIA ASSINTOMÁTICA: Termo associado com a elevação da concentração de urato sérico, na ausência de sintomas, sendo uma alteração bioquímica relativamente comum A definição de hiperuricemia não é bem clara, mas uma concentração acima de 6,8 mg/dl corresponde ao ponto de saturação do urato nos fluidos biológi- cos, quando medidos por métodos enzimáticos GOTA INTERMITENTE AGUDA: Ocorre por volta de 40 anos em homens, e mais tarde nas mulheres, dependendo da idade da menopausa. Os ataques apresentam dor impor- tante, edema e dificuldade de mobilização, com pico de inflamação ocorrendo dentro das primeiras 24 horas, e dificuldades inclusive de manter toques extremamente suaves sobre a articulação atingida, como o toque do lençol da cama. Os ataques resolvem-se dentro de poucos dias, se- guidos de descamação da pele sobre a articulação afetada. Ocorrem normalmente à noite e no início da manhã, são monoarticulares, podendo apresen- tar sinais de inflamação se estendendo além da arti- culação primariamente atingida, dando a impressão de dactilite ou celulite. Envolvimento de tornozelo, punhos, quirodáctilos ou bursa olecraniana pode ocorrer inicialmente, mas é maisraro. Em mais de 90% dos casos, a primeira metatarsofa- langeana é articulação mais atingida, sendo a ar- trite que acomete esta articulação denominada po- dagra As articulações referidas acima normalmente são atingidas nos episódios subsequentes. Os nódulos de Heberden ou de Bouchard inflama- dos podem ser a primeira manifestação da artrite gotosa. O ataque agudo pode ser ativado por qualquer fator que altere a estabilidade dos cristais no interior da articulação, como alteração do pH do líquido sino- vial, trauma articular ou quaisquer motivos que alte- rem a cristalização dos cristais. Exposição a purinas e a álcool, em especial cerveja pode estar relacio- nado com a crise, bem como a redução dos níveis séricos de urato O derramamento de cristal também pode ser indu- zido por fatores que reduzem rapidamente os valo- res de urato sérico, como alopurinol. É interessante que os fatores que causam abaixamento súbito dos valores de urato sérico têm mais probabilidade de deflagrar ataques que aqueles que elevam os valo- res de urato. ARTRITE GOTOSA CRÔNICA: Caracterizada por coleções de ácido úrico com alterações destrutivas no tecido circundante Os tofos são visíveis, palpáveis e indolores, podem estar presentes em superfícies digitais e nas ore- lhas, com coloração amarelada quando superficial- mente sob a pele. Pode se estender além das articulações, produzindo alterações das partes moles e alterações expansi- vas, ser confundido com nódulos reumatoides, oste- omielite e levar a amputações Ao exame histopatológico, os tofos apresentam rea- ção granulomatosa. São patognomônicos da do- ença, e ocorrem mais frequentemente nos dígitos, punhos, orelhas, joelho, olécrano, pontos de pres- são na ulna, no tendão de Aquiles, em nódulos de Heberden e em locais como as pirâmides renais, válvulas cardíacas e na esclera, podendo inflamar e infeccionar. NEFROPATIA GOTOSA: O paciente apresenta diferentes fases de acometi- mento renal (litíase renal – pelo aumento da secre- ção de urato – ocorre em 10 a 40% dos pacientes) até nefropatia por urato, devido à deposição de urato no interstício renal podendo levar a pielone- frite e quadros de azotemia DIAGNÓSTICO Critérios classificatórios foram desenvolvidos pelo ACR (American College Of Rheumatology) e pelo EU- LAR (European League Against Rheumatism) de forma a agrupar os pacientes em um grupo seme- lhante, e permitem que um paciente seja classifi- cado como portador de gota caso tenham sofrido um episódio de dor ou edema em uma articulação ou bursa com a presença de cristais de urato em al- guma locação ou sem a positividade do líquido, mas com sinais clínicos ou exames de imagem positivos A sensibilidade e a especificidade dos critérios são altas, atingindo 92% e 89%, respectivamente. O diagnóstico em pacientes com quadro suspeito de gota aguda, mas em quem a causa da artrite ainda é incerta deve ser feito com base em exames laboratoriais, incluindo artrocentese, com contagem celular, Gram e cultura, e exame dos cristais sob luz polarizada. É mais acurado quando cristais de uratos são vistos intracelulares sob microscopia de luz polarizada de uma articulação afetada, demonstrando cristais de birrefringência negativa. A gota pode coexistir com outra doença articular tal como artrite séptica ou pseudogota. Isso reforça a necessidade de avaliação do líquido sinovial. O diagnóstico deve ser baseado numa história clí- nica condizente e elevação dos níveis séricos de urato. No caso dos quadros crônicos, os cristais podem ser vistos em articulações previamente afetadas, em cerca de 70% dos pacientes, mesmo naqueles utilizando terapia hipouricêmica, o que permite o di- agnóstico não somente durante as crises agudas. A presença de cristais nos tofos também contribui para o diagnóstico, que pode ainda ser realizado por meio de exames histopatológico das lesões e busca de cristais de urato O líquido sinovial de pacientes com gota é caracteri- zado pela presença de cristais de ácido úrico intra e extracelular visualizados por meio de luz polarizada, apresentando birrefringência negativa, podendo ainda ser aspirados diretamente de tofos. O liquido tende a ser inflamatório, com celularidade entre 10.000 e 100.000 células e predominância neutrofílica. Os líquidos de outros locais tais como bursas tendem a ter achados semelhantes. Os exames laboratoriais podem demonstrar eleva- ção da proteína C-reativa, com velocidade de he- mossedimentação alta nos ataques agudos, acha- dos inespecíficos. Exames de imagem podem apresentar várias altera- ções: a radiografia tem sido usada para confirmar a gota suspeita, porém as imagens clássicas, como erosões em saca-bocado e margens escleróticas ocorrem mais tardiamente no processo. O ultrassom de alta frequência pode ser utilizado para avaliar pacientes com sinovites, derrames arti- culares e erosões. Cristais podem ser vistos com aparências variáveis, como o aspecto em duplo-contorno que reflete a de- posição do urato na cartilagem hialina e apresenta alta especificidade. A sinovite pode ser heterogê- nea, mas é predominantemente hiperecóica devido ao depósito de urato. A outra vantagem é a visuali- zação de depósitos tofáceos nas bursas, tendões e partes moles Para detectar doença precoce, a tomografia compu- tadorizada com dupla energia (DECT) revelou-se útil na identificação da concentração de ácido úrico em diferentes locações, como os rins e as articulações, e comparada com a punção articular, demonstrou boa sensibilidade e especificidade. A medida quanti- tativa do volume de urato pode ser avaliada TRATAMENTO: GOTA AGUDA O tratamento da gota basicamente divide-se em duas etapas: manejo da crise aguda e terapia de longo prazo. Na primeira é preponderante aliviar a dor, diminuir a inflamação e a incapacitação articu- lar e para isso são usados agentes anti-inflamató- rios; na segunda etapa o objetivo é diminuir as con- centrações de ácido úrico circulante (AUC), bem como prevenir novas crises. O tratamento da crise de gota ou gota aguda deve ser iniciado o mais precocemente possível. Para crises de baixa ou moderada intensidade (ín- dice de dor menor ou igual a 6 em uma escala de 0 a 10) que envolvem entre uma e três articulações pequenas ou entre uma e duas grandes articula- ções (defnidas como tornozelo, joelho, punho, coto- velo, quadril e ombro), a monoterapia é recomen- dada. Essa pode ser iniciada tanto com anti-inflamatórios não esteroides quanto com colchicina ou corticoste- roides. A terapia combinada está recomendada quando a dor é intensa (dor > 6 em 10), especialmente quando o envolvimento é poliarticular (≥ 4 peque- nas articulações) ou com envolvimento de mais uma ou duas grandes articulações. As seguintes opções de tratamento combinado são recomendadas: colchicina e AINE, corticosteroides orais e colchicina ou corticoides intra-articulares e qualquer uma das outras classes. O uso de corticoides sistêmicos e AINE não é reco- mendado pelo sinergismo da toxicidade gastrointes- tinal. O tratamento hipouricemiante não deve ser iniciado durante a crise aguda. No entanto, se o paciente es- tiver a tomá-lo deve continuar sem interrupção AINES: Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) consti- tuem a terapia mais usada no tratamento precoce da artrite gotosa aguda e, devido à intensidade das crises, podem ser administrados em suas dosagens máximas. Entre os AINEs comumente prescritos na gota, é tra- dicional o emprego de indometacina. Entretanto, há evidências de que qualquer AINE tem efeito seme- lhante na redução da atividade inflamatória aguda na gota. Como os pacientes com gota geralmente têm co- morbidades e as doses de anti-inflamatórios prescri- tas são altas, inibidores de bomba de prótons po- dem ser usadosa fm de prevenir danos gastrointes- tinais, como ulceração, sangramentos e perfuração. COLCHICINA: A colchicina, um alcaloide derivado de extratos do açafrão-do-prado, também é recomendada no trata- mento de primeira linha. Essa substância tem diversos efeitos já relatados, a inibição da divisão celular é o mais conhecido. No contexto da gota, essa função interfere diretamente na atividade dos neutróflos, além de inibir a forma- ção do inflamassomo NLRP3 induzida por cristais de ácido úrico. As diretrizes da ACR complementam que o trata- mento com colchicina obtém melhores resultados se iniciado em até 24 horas do início dos sintomas, não deve exceder 36 horas e permanece até que a crise seja suprimida. A administração endovenosa de colchicina é extre- mamente tóxica e não recomendada. CORTICOSTEROIDES SISTÊMICOS: Os anti-inflamatórios esteroides, ou corticosteroides sistêmicos (CS), têm diversos efeitos conhecidos na supressão da resposta inflamatória, além de regular positivamente genes para fatores anti-inflamatórios. Quanto à via de administração, essa apresenta-se bastante ampla para os corticosteroides, pode ser oral, endovenosa, intramuscular ou intra-articular. O uso oral é indicado quando há falha no tratamento com colchicina e/ ou AINEs ou quando esses não são indicados. Não há evidência de uma dose considerada ideal para esse tratamento. A administração intramuscu- lar de CS é uma opção, entretanto é limitada ao uso intra-hospitalar e também não há consenso quanto à dose a ser usada. A injeção de corticoide intra-articular após aspiração da articulação é considerada o tratamento ideal para a crise aguda de gota, pois a aspiração reduz rapidamente a dor (por diminuir a pressão intra-arti- cular causada pelo processo inflamatório) e o corti- coide, com mínima absorção sistêmica, produz mai- ores efeitos locais. GOTA INTERCRÍTICA: O tratamento a longo prazo tem como objetivo pre- venir a formação dos cristais de urato monossódico, impedindo novos ataques de gota e a redução dos tofos. A redução dos níveis de urato é mais facil- mente atingida através da união de métodos farma- cológicos e nãofarmacológicos. GOTA CRÔNICA: Ao se iniciar uma terapia de longo prazo para gota há duas metas a atingir: reduzir os níveis circulantes de urato para baixo do ponto de saturação, manter o AUC menor do que 6,0mg/ dL e prevenir a forma- ção de novos cristais de US O primeiro passo após a resolução de um episódio de artrite gotosa aguda é explicar ao paciente a na- tureza da crise e conscientizá-lo acerca da possível etiologia e das modifcações em seu estilo de vida que podem impedir que novas crises aconteçam. Assim, esses pacientes devem ser informados sobre todos os fatores de risco não modifcáveis que po- dem acelerar crises de gota, tais como idade, etnia e gênero. Quanto aos fatores de risco modifcáveis – como hi- peruricemia, obesidade, hipertensão, dislipidemia, doença isquêmica cardiovascular, diabetes mellitus, doença renal crônica, fatores dietéticos e modifica- ções abruptas nos níveis de urato –, é imprescindí- vel a orientação sobre medidas de controle, como redução da massa corporal; redução do consumo de cerveja e destilados; redução do consumo de ali- mentos ricos em purinas, como carne vermelha e frutos do mar, e redução do consumo de bebidas e alimentos ricos em frutose, como maçã e laranja O momento exato de iniciar uma ULT não é bem es- tabelecido, é consensual iniciá-la quando a gota está bem estabelecida e relativamente grave, isto é: crises recorrentes, duas ou mais por ano, ou uma crise em paciente com doença renal crônica de es- tágio 2 ou superior; presença de um ou mais tofos no exame clínico ou de imagem; dano articular ou nefrolitíase. Vários estudos apontam que, uma vez iniciada, a ULT não deve ser descontinuada, devido ao risco de recorrência da artrite aguda. INIBIDORES DA XANTINA OXIDASE: Os inibidores da xantina oxidase são drogas que di- minuem a concentração de uratos por meio da inibi- ção de sua síntese. A enzima xantina oxidase (XO) catalisa as duas últimas etapas no metabolismo das purinas em humanos: conversão de hipoxantina em xantina e de xantina a urato. Existem dois fármacos capazes de inibir essa enzima: o alopurinol e o febu- xostate A droga mais usada é o alopurinol, inibidor não es- pecífico da xantina-oxidase, deve ser iniciado em doses baixas (100 mg/dia) e aumentado em 100 mg a cada mês até a obtenção de níveis séricos de- sejáveis de ácido úrico. A dose máxima do alopurinol se situa em torno de 800 a 900 mg por dia. Tem como efeitos adversos a possibilidade de desenvolver lesões de pele e a sín- drome de hipersensibilidade ao alopurinol, com le- sões cutâneas graves e disfunção renal e hepática. A maioria dos pacientes tolera bem o alopurinol, mas podem sofrer uma crise aguda devido às alte- rações dos cristais de urato nas articulações, fato que pode ser reduzido com doses baixas de colchi- cina associada A terapia em pacientes que não toleram ou tem con- traindicações ao alopurinol deve ser com base em terapias uricosúricas, tais como a benzobromarona e a probenecida Em termos de metas, o objetivo é de manter uma concentração de urato sérico menor que 6 mg/dl e menor que 5 mg/dl naqueles pacientes portadores de tofos, de forma a melhorar a resolução dos tofos. Não se recomenda o uso de medicações redutoras de urato em crises agudas, devendo-se aguardar ao menos duas semanas para iniciar este tratamento, baseando-se no fato de que a redução dos níveis de urato num ataque agudo pode piorar a artrite. Uricosúricos são medicamentos que podem ser usa- dos em pacientes com baixa excreção renal da ácido úrico, mas não podem ser usados em pacien- tes com quadros de insuficiência renal ou em paci- entes com nefrolitíase. Principal efeito é aumentar a excreção renal de ácido úrico, isso por inibição de transportadores de ânions no túbulo contorcido proximal (URAT1), res- ponsáveis pela reabsorção de urato. No Brasil, encontramos disponível apenas a benzo- bromarona. Apesar de pouco utilizada, apresenta-se bastante efetiva na redução dos níveis de urato sé- rico naqueles pacientes hipoexcretores. Quando o paciente for considerado livre de cristais, a dose deve ser ajustada para manutenção e man- tida a monitorização. A aderência é um ponto impor- tante que deve ser abordado em todas as consul- tas, assim como a melhora dos hábitos de vida, pois se sabe que a gota está associada a outras altera- ções sistêmicas que envolvem principalmente o sis- tema cardiovascular Cecil Revista médica da UFPR – gota Objetivos: conceito: epidemiologia Fatores de risco etiologia e fisiopatologia evolução: MENOR EXCREÇÃO RENAL DE URATO: superprodução de urato: Inflamação induzida pelos cristais de urato manifestaçoes clinicas: diagnóstico tratamento: