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61 Liquens como bioindicadores da qualidade do ar na Avenida Conde da Boa Vista e Praça Oswaldo Cruz, Recife-PE Thaisa Thâmela Tavares dos Santos¹, Élida dos Santos Diniz¹, Gyslaine Cristina Nascimento de Araújo¹, Monique Janaína Tabosa Pereira¹, Gabriela Paula Morais da Silva¹, Aldenir de Oliveira Alves¹ ¹ ¹Ciências Biológicas, Faculdade Frassinetti do Recife, Av. Conde da Boa Vista, n. 921, 50060-002, Recife – PE, Brasil. E-mail: aldeoli@hotmail.com Resumo (Liquens como bioindicadores da qualidade do ar na Avenida Conde da Boa Vista e Praça Oswaldo Cruz, Recife – PE) Os liquens são considerados excelentes bioindicadores de poluição atmosférica, respon- dendo de forma específica a diversas fontes poluentes. O objetivo deste trabalho foi realizar o monitoramento de liquens presentes nas árvores da Avenida Conde da Boa Vista (ponto A) e da Praça Oswaldo Cruz (ponto B), Recife – PE. A coleta foi realizada de setembro/ 2015 a fevereiro/ 2016, demarcando todas as árvores, identificando botanicamente e observando a presença de liquens. Os liquens foram medidos e a porcentagem foi corrigida quanto à rugosidade da casca através do índice de correção, e calculando o grau de cobertura cor- rigido. Foram encontradas no total 119 árvores, das quais 79 no ponto A, pertencentes a cinco espécies; e 40 no ponto B, pertencentes a sete espécies. Relacionando as classes do grau de cobertura, obteve-se no ponto A (1,32%), considerado um deserto de liquens, com poluição muito intensa. O ponto B (16,25%) foi considerado uma zona intermediária de poluição média. Dessa forma, existe uma necessidade de conhecimento da situação ambiental das áreas de estudo, verificando o inter-relacionamento das atividades antrópicas e seus reflexos no meio ambiente. Palavras-chave: Biomonitoramento. Micota liquenizada. Poluição ambiental. Abstract (Lichens as bioindicators of air quality of Avenue Conde da Boa Vista and Square Oswaldo Cruz, Recife – PE) Lichens are considered excellent bioindicators of air pollution, responding specifically to differ- ent sources of pollution. The aim of this study was the monitoring of lichens present in trees of Avenue Conde da Boa Vista (A) and Square Oswaldo Cruz (B), Recife – PE. Data collection was conducted from septem- ber/2015 to february/2016, marking all trees, botanically identifying and noting the presence of lichens. The lichens were measured and the percentage has been fixed as the roughness of the bark through the correction index, and calculating the corrected degree of coverage. They were found in total 119 trees, including 79 at point A, belonging to five species; and 40 in section B, and belonging to seven species. Relating the classes of degree of coverage was obtained at point A (1.32%), considered a lichen desert, with very intense pollution. Point B (16.25%) was considered an intermediate zone of medium pollution. Thus, there is a need for knowl- edge of the environmental situation of the study areas, checking the interrelationship of human activities and their effects on the environment. Key-words: Biomonitoring. Environmental pollution. Lichenized mycota. 62 Introdução Poluição do ar consiste na alteração da sua composição ou de suas características, decorrentes das emissões de qualquer forma de matéria e/ou energia estranha ou não inerente a sua composição normal, tor- nando-o impróprio à saúde, ao bem-estar da comunidade, a fauna, flora e materiais, além de causar prejuízos à segurança, ao uso e ao gozo da propriedade e à economia, segundo a NBR nº. 8969 de 1985 (ABNT 1985). Os poluentes atmosféricos são substâncias que, de acordo com suas concentrações, podem degradar a qualidade do ar. Este material particulado é capaz de acompanhar o movimento dos gases atmosféricos, podendo sofrer diluição neste movimento e, assim, minimizar seu impacto no ambiente (Resolução nº 03 de 1990, CONAMA 1990). Para indicar a qualidade do ar é possível utilizar algumas espécies de organismos, que vão responder de forma específica a diferentes poluentes e são excelentes bioindicadoras de diversas fontes de poluição (Levin & Pignata 1995). Sua utilização é rápida e eficaz, de fácil implementação, baixo custo, fornece informações adicionais referentes aos efeitos sobre os organismos vivos, e a detecção das mudanças ocorridas no meio ambiente (Klumpp et al. 2011, Silva et al. 2014). Os liquens são considerados indicadores biológicos de poluição atmosférica, e são definidos como uma associação simbiótica entre algas ou cianobactérias (fotossimbiontes) e fungos (micobiontes) (Moura et al. 2012, Raven et al. 2007). Seu emprego da bioindicação, na avaliação de impacto ambiental e monitoramento da qualidade do ar ainda é pouco utilizado no Brasil, entretanto esse número vem crescendo notadamente nos últimos anos, baseando-se em estudos de campo. Sua utilização é sistemática, quantificando e qualificando as respostas de organismos vivos à poluição (Silva et al. 2014), possuindo a capacidade de absorver e reter elementos radioativos, íons metálicos e outros poluentes (Gonçalves 2007). 63 Tendo em vista a eficácia dos liquens na bioindicação da qualidade do ar, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade ambiental atmosférica através do monitoramento da densidade populacional dos liquens presentes em árvores da Av. Conde da Boa Vista e da Praça Oswaldo Cruz, Recife – PE. Material e métodos Área de Estudo Foram escolhidos dois pontos de coleta de dados: o ponto A – refere-se a toda a extensão da Avenida Conde da Boa Vista, e ponto B – Praça Oswaldo Cruz. A Av. Conde da Boa Vista,localizada nas coordenadas 8°03’29.6”S 34°53’18.4”W, é um importante logradouro do município de Recife - PE, que se inicia na Ponte Duarte Coelho e termina na Rua Dom Bosco (Figura 1). Este ponto foi escolhido pela grande quantidade de pessoas e veículos que circulam pelo local, emitindo uma grande quantidade de poluentes atmosféricos. Figura 1. Áreas de coleta de dados: Ponto A – Toda a extensão da Avenida Conde da Boa Vista, Ponto B – Praça Oswaldo Cruz, Recife – PE. Fonte: Google Maps 2016. 64 Já a Praça Oswaldo Cruz fica situada no bairro da Soledade, Recife, localizada nas coordenadas 8°03’17.6”S 34°53’29.6”W, foi escolhida por ser um ponto de encontro e espaço recorrente como concentra- ção de grandes manifestações públicas, no entanto com pouco fluxo de veículos no local (Figura 1). Coleta de dados A coleta de dados foi realizada no período de setembro de 2015 a fevereiro de 2016, totalizando seis meses. Todas as árvores utilizadas na arborização urbana, nos dois pontos de amostragem, foram demarcadas com o uso de tinta e pincel, para a realização do monitoramento, e identificadas botanicamente, quanto ao gênero e, ou espécie através da literatura pertinente. As coletas foram realizadas uma vez por mês, sendo observada a presença ou ausência de liquens na casca. Com o auxílio de uma régua milimetrada, os liquens foram medidos a uma altura de 1,5 m, e princi- palmente sobre o lado do tronco que recebe os ventos predominantes, que trazem a umidade necessária ao desenvolvimento dos liquens, seguindo a metodologia de Piqué et al. (2005). As medições foram realizadas, de preferência, sobre troncos de uma mesma espécie. Quando de es- pécies diferentes, portanto com casca mais ou menos ásperas, foi aplicado um índice de correção. É difícil o líquen se fixar sobre cascas lisas, portanto, a porcentagem observada foi corrigida quanto à rugosidade através do índice de correção (i) proposto por Troppmair (1977), visando obter a quantidade de liquens nas árvores, determinando assim, a qualidade do ar atmosférico (Tabela 1). 65 Tabela 1. Índice de correção (i) da rugosidade das espécies de árvores utilizadas na avaliação de li- quens (Troppmair 1977). O cálculo foi realizado pela fórmula [%y= (%x .100)/i], onde: %y = grau de cobertura corrigido con- forme rugosidade da casca; %x = grau decobertura lisa no tronco; i = índice de correção da espécie em estudo. De acordo com Troppmair (1988), com base nos resultados do valor da porcentagem do grau de co- bertura corrigido conforme rugosidade da casca (%y) foram obtidas as classes do grau de cobertura e classes de poluição: Classe V: grau de cobertura = 51 a 100%, zona normal, sem poluição. Classe IV: grau de cobertura = 26 a 50%, zona contestada externa, poluição fraca. Classe III: grau de cobertura = 13 a 25%, zona contestada intermediária, poluição média. Classe II: grau de cobertura = 6 a 12%, zona contestada interna, poluição alta. Classe I: grau de cobertura = 0 a 5%, deserto de liquens, poluição muito forte. A média aritmética da porcentagem de liquens corrigida para cada árvore foi utilizada na análise da poluição do ar. 66 Resultados Durante a realização da pesquisa foram encontradas 119 árvores no total, das quais 79 indivíduos ar- bóreos foram encontrados na Av. Conde da Boa Vista (Ponto A), pertencentes a cinco espécies botânicas; e 40 indivíduos para a Praça Oswaldo Cruz (Ponto B), pertencentes a sete espécies. Nesta última área, apesar do menor número de indivíduos, foram registrados um maior número de espécies, conforme mostra a tabela 2. Tabela 2. Checklist das espécies arbóreas identificadas na Avenida Conde da Boa Vista (Ponto A) e na Praça Oswaldo Cruz (Ponto B), nome vulgar e abundância. 67 A porcentagem do grau de cobertura de liquens corrigido conforme rugosidade da casca encontrada no ponto A variou entre 1,16% a 1,52%. Os meses com maior incidência de liquens foram outubro (1,52%) e novembro (1,4%). Os meses com menor porcentagem do grau de cobertura foram setembro e janeiro com 1,16% e 1,19%, respectivamente (Figura 2). A espécie com maior abundância no ponto A foi Talipariti tiliaceum var. pernambucense (Arruda) Fryxell com 30 indivíduos e apresentou uma média de 0,57% de liquens. A espécie Ficus sp., com apenas dois indivíduos, apresentou uma maior porcentagem de cobertura de liquens em todos os meses estudados, destacando-se o mês de outubro (22,4%). A espécie Senna multijuga (Rich.) H. S. Irwin & Barneby obteve a mesma média durante os seis meses de avaliação (0,07). Já Caesalpinia echinata L. foram recém transplanta- das para o local e apresentaram uma média da porcentagem do grau de cobertura dos liquens variando entre 0,19% a 0,38% (Tabela 3). Figura 2. Média geral da porcentagem do grau de cobertura corrigido conforme rugosidade para cada mês estudado na Av. Conde da Boa Vista, Recife – PE. 68 Tabela 3. Média geral da porcentagem do grau de cobertura dos liquens corrigido conforme rugosi- -dade para cada espécie, entre os meses de setembro de 2015 e fevereiro de 2016, na Av. Conde da Boa Vista, Recife – PE. Na Praça Oswaldo Cruz foi observado uma maior porcentagem do grau de cobertura de liquens, quan- do comparado com a Av. Conde da Boa Vista. Os meses de outubro, novembro e dezembro também foram os que apresentaram uma maior porcentagem, 17,57%, 17,18% e 17,2%, respectivamente (Figura 3). Os meses de janeiro e fevereiro apresentaram uma menor porcentagem, de 14,74% e 15,12%, respectivamente. 69 Neste ponto B, a espécie com maior abundância foi a Mangifera indica L. com 16 árvores, que apre- sentou em média 7,74% do grau de cobertura de liquens, seguida pela espécie Ficus sp. com 16 exempla- res, e uma média de 10,35 % de liquens. A espécie Roystonea oleracea (Jacq.) O. F. Cook., conhecida com Palmeira-imperial, obteve a mesma média durante os seis meses de coleta dos dados (90,9%), enquanto que Olea europaea L. conhecida como azeitona ou oliveira não desenvolveu nenhum líquen durante esse período de avaliação (Tabela 4). Figura 3. Média geral da porcentagem do grau de cobertura corrigido conforme rugosidade para cada mês estudado na Praça Oswaldo Cruz, Recife – PE. 70 Tabela 4. Média geral da porcentagem do grau de cobertura dos liquens corrigido conforme rugosi- -dade para cada espécie, entre os meses de setembro de 2015 e fevereiro de 2016, na Praça Oswaldo Cruz, Recife – PE. Com base nos resultados obtidos, relacionando as classes do grau de cobertura e classes de poluição, observou-se que o ponto A foi considerado um deserto de liquens, com poluição muito forte, com uma média de 1,32%. No ponto B, a média foi de 16,25%, sendo assim considerada uma zona intermediária com poluição média (13 a 25%). 71 Discussão Durante a pesquisa foi observada uma grande diferença na quantidade e frequência de liquens nos dois pontos de coleta. Na Av. Conde da Boa Vista, a quantidade de liquens nas árvores durante os meses de coleta de dados foi baixa, tendo em vista que existência dos liquens é comprometida pela poluição do ar mais intensa através de compostos lançados pelo grande tráfego de veículos, por animais que se alimentam dos liquens e pelo emprego de carbonato de cálcio (CaCO3) em seus troncos (Troppmair 1988). Outro fator que interfere na quantidade de liquens é a superfície do tronco das árvores, uma vez que os liquens se desenvolvem melhor em indivíduos que possuem troncos ásperos e rugosos, possibilitando uma maior retenção da umidade e da poeira, condições vitais para sua nutrição. Além disso, também foi possível constatar que nos meses de outubro e novembro, com temperaturas mais amenas (28-29ºC) e pouca pluvio- sidade ocorreu uma maior incidência de liquens (Figura 4). Em contrapartida, nos meses mais quentes e com maior pluviosidade houve um maior desenvolvimento de briófitas que, segundo Santos & Marcelli (2009) competem por espaços com os liquens nas árvores mais velhas. Figura 4. Dados meteorológicos (temperatura e pluviosidade) referente às médias mensais de setem- bro de 2015 a fevereiro de 2016. 72 Na Praça Oswaldo Cruz, obteve-se uma grande quantidade de liquens, devido à cobertura arbórea e o pequeno fluxo de veículos que circulam por essa área. Estas árvores que apresentam uma maior cobertura de liquens demonstram que estão em ambiente não poluído. Com base nos resultados obtidos, as áreas podem ser classificadas quanto à poluição atmosférica (Tro- ppmair 1988), e a qualidade do ar em quatro níveis como: baixo, médio, bom e muito bom, através do cálculo do índice de pureza atmosférica (IPA) (Silva et al. 2014). Dessa forma, a Av. Conde da Boa Vista é conside- rada um deserto de liquens, com poluição muito forte, e qualidade do ar é baixa. Já a Praça Oswaldo Cruz, é considerada uma zona intermediária, com poluição média, e a qualidade do ar qualidade do ar é considerada média no período de seis meses. Silva et al. (2014), em uma pesquisa realizada no Parque da Jaqueira, Pernambuco, demonstra que o parque é uma área parcialmente poluída, visto que 45% de sua área não possuem a espécie analisada quimi- camente, com predomínio de espécies crostosas, que são mais resistentes à poluição do que as foliosas ou fruticosas. No entanto, mesmo em áreas com grande quantidade de liquens é possível indicar a degradação corrente nessa área, pois o número de organismos fixos em substratos é mais resistente à poluição. Dessa forma, existe uma grande necessidade de conhecimento da situação ambiental das áreas de es- tudo, oportunizando a verificação do inter-relacionamento das atividades antrópicas e seus possíveis reflexos no meio ambiente. 73 Referências Bibliográficas ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. 1985. ABNT. NBR 8969. Poluição do Ar. Terminologia. Jul. CONAMA – Conselho Nacional de Meio Am- biente, Resolução nº03, de 28 de junho de 1990. Gonçalves, V. F. et al. 2007. Utilização de li- quens como bioindicadores da qualidade atmosférica na Cidade de Uberlândia, MG. In: Anais do VIII Con- gresso de Ecologia do Brasil. Resumo 1185, Caxam- bu – MG. Klumpp, A.; Ansel, W.; Klumpp, G. & Fomin, A. 2011. Um novo conceito de monitoramento e co- municação ambiental: a rede européia para a avalia- ção da qualidade doar usando plantas bioindicadoras (EuroBionet). Revista Brasileira de Botânica 24(4): 511-518. Levin, A. G. & Pignata, M. L. 1995. Ramali- na ecklonii as a bioindicator of atmospheric pollution in Argentina. Canadian Journal of Botany 73:1196- 1202. Moura, J. M.; Fernandes, A. L. & Silva, J. C. 2012. Utilização de liquens como bioindicadores de poluição atmosférica na cidade de Cuiabá – MT. III Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental. Goiânia/ GO. Piqué, M. P. R.; Palhares, J. 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