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*Engenheira Civil e Pós-Graduanda em Engenharia Ambiental e Saneamento Básico pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: juliafbravo@hotmail.com USINA DE RECICLAGEM DE ENTULHO COMO ALTERNATIVA NO GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL: UM ESTUDO DE CASO DA USINA URESERRA Julia Bravo* RESUMO As atividades da construção civil se destacam no ramo da indústria como uma das mais significativas para o desenvolvimento socioeconômico de um país e são responsáveis por causar impactos negativos imensuráveis ao meio ambiente em relação ao consumo de energia, matéria prima e geração de resíduos. No intuito de conciliar suas atividades com o desenvolvimento sustentável, a reciclagem tem sido amplamente discutida dentre as existentes técnicas de gestão dos Resíduos da Construção Civil (RCC) que são gerados. Nesse contexto, destacam-se as Usinas de Reciclagem de Entulho (URE), que se apresentam como uma alternativa viável na reintegração desses resíduos na cadeia de valor. Dessa forma, este trabalho busca apresentar através de um estudo de caso na usina URESERRA o processo de reciclagem dos RCC e por meio de uma metodologia qualitativa e quantitativa, serão apresentados os benefícios dessa abordagem, nos pilares ambiental, social e econômico. Palavras-chave: Resíduos. Construção Civil. Reciclagem. Usina de Reciclagem. 1 INTRODUÇÃO Desde a Revolução Industrial, o Brasil apresenta uma contínua ascensão econômica e demográfica, que somados às mudanças nos padrões de consumo da sociedade, vêm causando como consequência um aumento significativo na produção de resíduos sólidos. Esse panorama vem propiciando impactos negativos significativos de diversas formas ao meio ambiente, uma vez que não aumenta apenas a quantidade, mas também a toxidade de novos produtos; frisando assim, a importância de sua correta destinação (NOGUEIRA et al, 2018). Segundo Marques Neto (2005), o crescimento constante na geração de resíduos reflete diretamente no setor da construção civil, visto que cerca de 51% a 70% dos resíduos sólidos urbanos coletados representam Resíduos da Construção Civil (RCC). Nos municípios brasileiros nota-se a geração de uma grande quantidade de entulho demonstrando um irracional desperdício de material, tanto no processo de extração, de transporte e utilização na obra. Oliveira e Mendes (2008) destacam uma questão preocupante: a não segregação na etapa de descarte dos materiais, causando problemas ambientais, sociais, com a saúde pública e provocando a contaminação de outros materiais, que poderiam ser reciclados e reaproveitados. Tendo em vista a preservação dos recursos naturais, tornou-se imprescindível avaliar, desenvolver e solidificar novos modelos, orientados por uma racionalidade ambiental, em busca da sustentabilidade por meio de alternativas de utilização de recursos já existentes (NOGUEIRA et al, 2018). Nesse sentido, é aprovada em 2010 a Lei Federal nº 12.305 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e traz como um de seus objetivos a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. Com o propósito de aumentar a reciclagem dos resíduos da construção civil, Cardoso et al. (2014) abordam sobre a implantação de Usinas de Triagem e Reciclagem (URE) nos municípios em busca do desenvolvimento regional, uma vez que contribui para a conservação de reservas naturais de brita e areia, para a produção de agregado reciclado e na redução de áreas irregulares de bota fora (principalmente em terrenos baldios e margens de córregos e rios). Nesse sentido, com o propósito de demonstrar o processo de reciclagem de Resíduos da Construção Civil (RCC) em uma URE desde o processo de triagem até a reintegração do produto na cadeia de valor, mais especificamente os de Classe A e B, optou-se por uma metodologia de pesquisa exploratória, através de um estudo de caso, sendo este, a usina de triagem e reciclagem URESERRA. Segundo Yin (2015), o estudo de caso representa uma metodologia que compreende planejamento, análises e técnicas de coletas de dados. Ainda de acordo com o autor, seis potenciais fontes de informação podem ser utilizadas em um estudo de caso, são elas: entrevistas, registros, documentos, observação direta, artefatos físicos e observação dos participantes. Ademais, no presente estudo, também foi empregada uma metodologia quantitativa, onde foram analisados dados fornecidos pela referida empresa no tocante a entrada e a saída dos RCC, especificamente do mês de maio dos anos de 2015 e 2019; além de visitas técnicas à usina com registro fotográfico (visita realizada no dia 14 de junho de 2021), consulta de documentos e planilhas fornecidos pela empresa, mapeamento do processo logístico da rotina de industrialização dos resíduos e pesquisa bibliográfica; permitindo assim, indicar os benefícios sociais, ambientais e econômicos dessa abordagem em um caso real. Hodiernamente, o gerenciamento de resíduos das atividades desenvolvidas na empresa é norteado pelo conceito de economia circular. Segundo Leitão (2015), é fundamental uma abordagem de desenvolvimento econômico que coloque a racionalidade ambiental e econômica no centro das decisões. Surge então, a Economia Circular. Um modelo que permite refletir as práticas econômicas da atual sociedade e que se estimula no funcionamento da própria natureza, proporcionando o desenvolvimento de novas relações entre empresas, que passam a ser concomitantemente fornecedores e consumidores de materiais que são reincorporados no ciclo produtivo. Ou seja, os produtos devem ser desenvolvidos para que, após o seu ciclo de vida, sejam facilmente divisíveis de maneira a facilitar sua triagem e maximizar a reutilização e reciclagem como matéria-prima. 2 RECICLAGEM De acordo com Pinto (1999), a eminente geração de resíduos sólidos, determinada pelo acelerado desenvolvimento da economia, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, coloca como inevitável a adesão de políticas de valorização dos resíduos e sua reciclagem. Embora recente, a reciclagem dos resíduos provenientes de construção e demolição vem se destacando em meio aos gestores urbanos devido às possibilidades que apresenta com a destinação desses resíduos e a solução para o desenvolvimento de produtos a baixo custo. Segundo a Resolução do CONAMA nº 307 de 2002, a reciclagem é definida como o processo de reaproveitamento de um resíduo, depois de ter sido submetido à transformação. Souza et. al. (2008) afirma que o reaproveitamento e a reciclagem dos RCC têm se destacado como alternativas atreladas à sustentabilidade, embutindo valor econômico no material que é descartado pelas obras e serviços de engenharia. Desse modo, a condição de material valorizável é atribuída aos resíduos, ao contrário de meramente lançá-los como simples rejeito no meio ambiente. Em complemento, Tam (2009) afirma que a manufatura de novos produtos empregando RCC se configura como uma potencial colaboração para o desempenho sustentável no ramo da construção civil, uma vez que permite a diminuição significativa dos recursos naturais, geração da nova cadeia produtiva e melhoria na qualidade de vida das pessoas pela não disposição de rejeitos em aterros. 3 RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL No Brasil, a construção civil se apresenta como grande geradora de resíduos, onde os processos construtivos são essencialmente manuais e os resíduos de construção e demolição são caracterizados potenciais degradadores do meio ambiente (NAGALLI, 2014). De acordo com pesquisas realizadas pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE, 2017), no ano de 2017 os estados brasileiros recolheram aproximadamente 45,1 milhões de toneladas de resíduos da construção civil, ou seja,geração per capita de 0,6kg/hab./dia. Esses dados demonstram a necessidade e a importância da destinação correta desse tipo de resíduo, sendo esses números podendo ser ainda maiores, uma vez que a pesquisa contabiliza apenas os resíduos recolhidos pelas municipalidades, não englobando carroceiros, empresas não especializadas e empresas de coleta pirata, as quais normalmente lançam os resíduos em locais inapropriados. Saber diferenciar a gestão e o gerenciamento desses resíduos é de suma importância. Gestão é um processo amplo constituído por leis, políticas públicas e regulamentos que delimitam e direcionam o setor. Já o gerenciamento, está ligado com as atividades operacionais cotidianas dos resíduos, como a execução de obras e serviços de engenharia. Com o intuito de assegurar a correta gestão durante tais atividades, o gerenciamento de resíduos é comumente estruturado através de um plano ou programa, e costuma contemplar conteúdos relacionados ao seu planejamento, definir e delegar responsabilidades, práticas, metodologias e recursos (humanos, materiais, financeiros, temporais etc.), além de atividades de treinamento e capacitação, diagnóstico e/ou prognóstico de resíduos (NAGALLI, 2014). Considerando a demanda ambiental na questão do reaproveitamento dos resíduos gerados, Nagalli (2014) afirma que é preciso utilizar estratégias de reutilização (reaplicar um resíduo sem transformação), reciclagem (reaproveitar um resíduo), beneficiamento (quando o resíduo é submetido a operações e/ou processos para serem posteriormente utilizados como matéria-prima ou produto) ou, quando necessário, definição de seu destino. Esse assunto vem ganhando destaque e importância no cenário nacional, notadamente com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, que regulamentou o setor estabelecendo diversas obrigações às corporações e aos governantes, almejando sempre a qualidade produtiva, ambiental, e a segurança em todas as obras. Além dessa normativa, destaca-se a Resolução nº 307 de 5 de julho de 2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que estabelece critérios, diretrizes e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil, disciplinando as ações necessárias a fim de minimizar os impactos ambientais. Nesse contexto, a referida Resolução define resíduos da construção civil como Aqueles provenientes de construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, e os resultantes da preparação e da escavação de terrenos, tais como: tijolos, blocos cerâmicos, concreto em geral, solos, rochas, metais, resinas, colas, tintas, madeiras e compensados, forros, argamassa, gesso, telhas, pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações, fiação elétrica etc., comumente chamados de entulhos de obras, caliça ou metralha; (BRASIL, 2002, p.1). É significativo destacar que os resíduos oriundos das atividades de construção civil, em função de seu volume e sua constituição física, podem apresentar dificuldades com a destinação final. Resíduos dessa categoria não são aceitos em aterros sanitários convencionais e normalmente são acondicionados no meio ambiente urbano através de caçambas. Ainda que a responsabilidade pela destinação correta dos resíduos seja do gerador, seja privado ou público, conforme a resolução CONAMA nº 307 de 2002, é comum se deparar com geradores desrespeitando essa determinação, realizando a deposição desse material em vias públicas, terrenos baldios ou em beira de córregos. Além de prejudicar a saúde coletiva, os efeitos também atingem também a esfera social e econômica, uma vez que causam obstrução das redes de drenagem urbana, auxiliando para ocorrência de alagamentos e enchentes, inclusive exaustão precoce dos aterros (FIGUEIREDO et al., 2011; MÁLIA et al., 2011). 4 IMPACTOS AMBIENTAIS DOS RCC O total de processos que acompanha a construção civil colabora com relevantes impactos ambientais que degradam significativamente a qualidade do ambiente urbano. Estima- se que este conjunto de processos e ações sejam responsáveis pelo consumo de 20 a 50% da totalidade de recursos naturais disponíveis, renováveis e não renováveis (SJÖSTRÖM 1992, citado por JOHN 2001a, p.30). Segundo Young (1992), os impactos negativos decorrentes da extração de matéria prima para uso na construção civil são proeminentes. O processamento de minerais e a atividade de mineração desempenham um papel global na determinação de problemas do meio ambiente como erosão do solo, desmatamento e a poluição da água e do ar. Além disso, o setor do minério é considerado um dos maiores usuários de energia do mundo, auxiliando assim para o aquecimento global e a poluição do ar. De acordo com Schneider (2003), além dos impactos gerados pela indústria de materiais de construção e pela extração de matérias primas naturais, a indústria da construção civil (construção, reforma, demolição e manutenção) é responsável igualmente por impactos ambientais e sanitários, isso devido à produção de uma significativa massa de resíduos urbanos gerados nesse setor. Ainda segundo o autor, a disposição inadequada desses resíduos geram consequências consideráveis para o meio ambiente, tais como a poluição do solo, a degradação de paisagens, ameaça à saúde pública, poluição visual (podendo gerar impactos ocasionados ao tráfego de veículos e de pedestres) e além de colaborar na atração de resíduos não inertes que, consequentemente, tornam-se nicho ecológico de muitas espécies de vetores de patogênicos (como moscas, baratas, ratos, bactérias e fungos), que podem ser responsáveis pela transmissão de doenças respiratórias, intestinais e epidérmicas. 5 A URESERRA Fundada em 2012 e com aproximadamente 30.000m², a URESERRA é considerada pioneira como usina de beneficiamento de resíduos da construção civil do estado do Espírito Santo. Situada no município de Serra, possui como objetivo ser destaque no ramo da reciclagem de RCC, mais especificamente em resíduos Classes A e B que trata a Resolução do Conama 307; como a produção de areia industrial, brita 1 e 2, brita 0, solo brita e rachão; todos reciclados a partir da moagem de resíduos de construção. Além da reciclagem, a usina contempla também serviços de terraplenagem, transporte, demolição e locação de caçambas estacionárias para coleta de resíduos. Para efeito desta resolução, os RCC são aqueles oriundos de construções, reparos, reformas e demolições de obras de construção civil; além daqueles resultantes da escavação e preparação de terrenos. Visto isso, no caso em tela, será explicitado o processo de reciclagem de resíduos de Classe A, notadamente argamassa, concreto e componentes cerâmicos (tijolos, telhas, blocos, placas de revestimento etc.); e resíduos Classe B, especificamente o processo de reciclagem da madeira. 5.1 ANÁLISE DA LINHA DE PRODUÇÃO Os resíduos recepcionados pela URESERRA são os de Classes A e B. Aqueles classificados como Classe A passam por um processo de triagem, britagem e peneiramento para posterior comercialização. Já resíduos de Classe B (sejam eles: plástico, madeira, papel, papelão, metal, gesso e embalagem vazia de tinta imobiliária) passam por triagem para serem posteriormente comercializados. Com exceção do gesso, que no caso do tradicional, consegue ser reciclado junto aos outros materiais de Classe A; já o gesso acartonado não é possível de ser reciclado e por isso é separado em uma pilha de passivos para posterior envio aos aterros sanitários. Processo de reciclagem de resíduos classe A Na chegada dos resíduos à usina, estes são classificados em entulho (limpo, misturado ou contaminado) ou solo de escavação (limpo, misturado ou contaminado). Com relação ao entulho, o que difere o processo nessas classificações é o custo, visto a dificuldade na triagem do material, sendo o contaminado de maior custo. Já o solo deescavação, todo o processo de triagem é manual; para posterior comercialização. Ainda na fase de triagem, utiliza-se a retroescavadeira para fazer o espalhamento do material e, em seguida, a escavadeira hidráulica com rompedor realiza a fragmentação de materiais maiores de forma que fiquem em um tamanho para um tamanho que passe pelo sistema de britagem, etapa observada na Figura 1. Figura 1 - Retroescavadeira hidráulica com rompedor. Fonte: Da autora. Na próxima etapa, representada na Figura 2, realiza-se o corte do excesso de ferragem desses blocos (muitas vezes concreto protendido) por meio do trabalho manual dos operários e com auxílio de ferramentas manuais de corte. Figura 2 - Corte do excesso de ferragem. Fonte: Da autora. As figuras 1 e 2 representam o sistema de britagem onde primeiramente o material que se encontra apto para ser utilizado passará pelo equipamento de alimentação chamado de “Alimentador Vibratório”, o qual evita sobrecargas proporcionando um fluxo constante, inclusive dispõe de uma grelha para a retirada de materiais finos dando rendimento ao conjunto. Os resíduos então, através das “Correias Transportadoras” chegam ao “Britador”, sistema de britagem de resíduos classe A, permitindo a fragmentação do material. Em seguida, passam pelo “Eletroímã”, onde os metais presentes nos resíduos são removidos sem necessitar de energia elétrica. Logo depois, o material chega na “Peneira Vibratória”, equipamento que classifica os grãos triturados de acordo com sua granulometria, no caso da URESERRA, em rachão, brita 0, brita 1 e 2 e areia industrial. Por fim, estes materiais provenientes do produto final são disponibilizados à venda. É possível observar esse processo na Figura 3 e na Figura 4. Figura 3 - Esquema ilustrativo de parte do processo de reciclagem na URESERRA dos resíduos classe A. Fonte: Da autora. Figura 4 - Esquema ilustrativo de parte do processo de reciclagem na URESERRA dos resíduos classe A. Fonte: Da autora. Alimentador Vibratório Correias Transportadoras Eletroímã Britador Rachão Brita 0 Areia industrial Brita 1 e 2 Peneira Vibratória Segundo Blumenschein (2014), os resíduos de CC Classe passam por um sistema de trituração. Neste momento, os componentes se encontram misturados e os resíduos possuem pouco valor agregado. Posteriormente, tem-se a fase da granulagem, ou seja, a separação dos componentes. Ainda de acordo com a autora, dependendo do tamanho da fração, os resíduos serão classificados em areia, brita, brita corrida, pedrisco e outros, e a partir de então, poderão ser comercializados como matéria prima secundária. Atualmente, o processo de produção do solo brita na URESERRA é com auxílio da pá carregadeira onde realiza-se a mistura da brita 0, brita 1 e 2 e areia industrial, para posteriormente ser comercializado. Já os materiais que não são aproveitados no processo são encaminhados à pilha de passivos para posterior envio aos aterros sanitários licenciados. Processo de reciclagem da madeira (classe B) O processo de reciclagem da madeira se inicia com a chegada da madeira no pátio de beneficiamento, onde na etapa de separação e triagem são classificadas como sucata de madeira ou tora de madeira. Nesta fase, são removidos objetos metálicos/ ferrosos como pregos e parafusos. A sucata de madeira vai para a linha de produção de cavaco, onde as peças de madeira são dispostas na correia transportadora (Figura 5). Figura 5 - Imagens da linha de produção do cavaco. Fonte: Da autora. Os objetos metálicos são removidos (Figura 6), e posteriormente as peças são trituradas no picador e transformadas em cavaco; possibilitando a reintegração da madeira no mercado. Figura 6 – Remoção de elementos metálicos. Fonte: Da autora. Já as toras de madeira são dispostas dentro de fornos (Figura 7), formados de tijolos constituídos basicamente de água, barro e areia, edificados pelos próprios funcionários. De forma que não possuem chaminés, o controle da entrada de ar para o processo de carbonização da madeira, bem como a saída da fumaça, faz-se através de pequenas aberturas deixadas nas paredes; queimando sem presença de chamas. Figura 7 – Toras de madeira sendo dispostas no forno. Fonte: Da autora. Após aproximadamente 9 dias, a madeira já se transformou em carvão vegetal (Figura 8) e está pronto para ser vendido; sendo quatro dias para cozimento da madeira e cinco dias em processo de esfriamento. Figura 8 - Carvão vegetal pronto para ser vendido Fonte: Da autora. A madeira que não se encontra apta para ambos os processos de reciclagem apresentados, são deixadas a céu aberto por cerca de trinta meses até se transformarem em material orgânico e, posteriormente, terra vegetal para cultivo e uso na agricultura. 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO Com base em planilhas digitais disponibilizadas pela empresa, escolheu-se um mês para realizar a comparação com dois anos distintos referente ao volume de entrada e saída da usina, que no caso foi o mês de maio dos anos de 2015 e 2019. Em maio de 2015, foram recebidos cerca de 500 m³/dia de resíduos e foram comercializados cerca de 1766m³; já em maio de 2019, recebidos em torno de 1110m³ e comercializados 5502 m³. Analisando os números, em 2015, a comercialização era um pouco maior que o triplo de resíduos que entrava diariamente; já em 2019, a comercialização girava em torno de cinco vezes mais do volume de entrada à usina. De acordo com informações passadas pela empresa, essa ampliação da capacidade de recebimento e tratamento dos resíduos em um curto intervalo de tempo foi devido à constante busca por evolução dos maquinários e novas tecnologias, além do engajamento da equipe visando à expansão da capacidade de reciclagem em tempo otimizado. Hodiernamente, a maior parte dos resíduos que chegam à URESERRA são provenientes de empresas privadas, estimando cerca de 86%. Tal fato é um indicador que demonstra a carência da população com a destinação de forma correta dos resíduos de construção gerados nas pequenas obras. Segundo Paschoalin Filho & Graudenz (2012), os resíduos de construção gerados por construções de pequeno porte são de difícil controle e monitoramento, sendo frequentemente dispostos de maneira irregular em áreas inapropriadas, tais como terrenos baldios, córregos etc. Os autores complementam ainda, que os RCC quando dispostos dessa maneira irregular se constituem em grande ameaça para a saúde coletiva, posto que servem de criadouro para vetores patogênicos, inclusive acarretam a depreciação imobiliária do local onde estes foram lançados. Tal explanação corrobora com os achados da pesquisa de Frasson e Paschoalin Filho (2017), onde afirmam que, de forma geral, ainda há bastante preconceito com a utilização de agregados reciclados nas obras por parte consumidores. Os autores ratificam que existem motivos considerados entraves para o uso desses agregados nas obras, tais como a falta de normatização, cultura, qualidade dos agregados e práticas de projeto. Acrescentam ainda que também existem caminhos para a solução desses entraves, como aumentar o trabalho com a divulgação e o incentivo, a atuação dos órgãos públicos no fomento ao uso dos agregados reciclados por meio de decretos e leis, além de acrescentar a obrigatoriedade da utilização desses agregados em editais de licitação de obras públicas. Em uma apresentação desenvolvida no ano de 2021 pela URESERRA foi levantado que em 2018 o recebimento diário de material variava em torno de 800 m³ e que desse volume, 93% conseguiam ser reciclados. Atualizando essa porcentagem para o ano de 2021, esse percentual já está em torno de 96% do volume reciclado, sendo recebimento médio diário de 1300 m³. Esse valor da capacidade de reciclagem na usina em torno de 96% possibilita o entendimento de que existeviabilidade econômica para a reciclagem dos RCC como plataforma para a construção de novas técnicas de sua gestão nos ambientes urbanos; de forma a contribuir não só para o meio ambiente, mas também economicamente para a empresa. Ainda de acordo com informações fornecidas pela empresa, a autora elaborou uma planilha comparativa com alguns resíduos que a URESERRA recebe, onde elucida o valor aplicado para a destinação de resíduos em aterro sanitário em relação à destinação na URESERRA, comparando o custo com a destinação. Ressalta-se que os valores contidos na Tabela 1 foram calculados para a implantação de uma URE no norte do estado, mais especificamente na cidade de São Mateus, porém, auxiliam o entendimento. Tabela 1 - Comparação dos valores de destinação de RCC. Destinação Resíduos Aterro Sanitário Valor Destinação Resíduos URESERRA Valor Economia Prevista (%) Entulho Até R$45,00/ton Entulho Até R$15,00/ton 67% Sucata de madeira, plástico e papelão R$110,00/ton + km rodado Sucata de madeira, plástico e papelão R$25,00/ton 77% Brita 1 R$ 68,57/ton Brita 1 R$ 16,00/ton 77% Fonte: Produzida pela autora com base em documentos fornecidos pela URESERRA. Analisando a Tabela 1 é possível observar um diferencial muito expressivo entre os valores médios de destinação dos resíduos em aterros sanitários e na Usina de Reciclagem e Entulho URESERRA, onde a economia prevista varia em torno de 73% considerando a soma das três categorias de resíduos apresentadas. Os custos de disposição de resíduos em um aterro sanitário incluem custos diretos como tratamento, embalagem, transporte, licenciamento ambiental etc.; inclusive custos indiretos, tal como o desgaste da imagem da empresa em razão da sua gestão ambiental ineficiente, que pode levar a conflitos com organizações sociais e a perda de consumidores. Outro fator que pode ser determinante para o interesse em uma tecnologia de reciclagem (DESIMONE; POPOFF, 1998). Assim sendo, foi realizada a última análise em documento desenvolvido e disponibilizado pela URESERRA, representado pela Tabela 2, com foco nos agregados e na sua utilização após passarem pelo processo da reciclagem e retornando ao mercado. Tabela 2 - Uso recomendado de agregados reciclados. Resíduo Dimensão característica (mm) Uso recomendado Areia industrial 2,36 a 8,00 Aterro, base, sub-base, agregado na produção de solo brita, argamassas de assentamento de alvenaria de vedação, solo cimento, contrapisos, tijolos e blocos de vedação Brita 0 8,00 a 11,00 Fabricação de elementos de concreto, como blocos de vedação, manilhas de esgoto e pisos intertravados Brita 1 e 2 11 a 30 Fabricação de concretos não estruturais, obras de drenagens, agregado na produção de solo brita e preenchimento de vala Solo brita de 2,36 a 30 Obras de base e sub-base de pavimentos, reforço e subleito de pavimentos, além de regularização de vias não pavimentadas, aterros e acerto topográfico de terrenos Rachão 30 a 42 Utilizado em obras de pavimentação, drenagens e terraplenagem Sucatas de madeira Transformadas em cavaco, carvão vegetal ou material orgânico. Fonte: Modificada por esta autora com base em documentos fornecidos pela URESERRA. Analisando os dados apresentados, é notória a viabilidade econômica da reciclagem dos RCC em um centro urbano, visto confrontado com preços dos agregados naturais. A vantagem econômica vale tanto para o cliente quanto para a empresa que possui capacidade de reciclar quase a totalidade do que chega à URE, além de que implantando a reciclagem, consequentemente, proporciona a redução de gastos públicos com a limpeza de pontos viciados, tanto do ponto de vista logístico quanto da destinação final dos resíduos. Os benefícios da reciclagem de RCC não se limitam só na questão econômica. São diversas as vantagens e benefícios ambientais que a reciclagem desses resíduos proporciona ao meio ambiente, tais como o desenvolvimento de uma tecnologia limpa, a redução de impactos ambientais com a implementação da economia circular e a redução da extração de produtos minerais não renováveis utilizados como agregados na indústria da construção civil, aliviando a pressão destes sobre os aterros licenciados. Já no âmbito social, além da URESERRA proporcionar grande oferta de emprego aos moradores da região, possui como diferencial a busca constante pela ressocialização de detentos que se encontram em regime semiaberto, alocando-os em sua operação e contribuindo para sua reinserção na sociedade. Um dado interessante fornecido pela empresa é que de 35 funcionários operacionais no pátio, 17 deles estão em regime semiaberto e outros 5 são funcionários contratados que já cumpriram a pena e hoje fazem parte do corpo operacional da empresa, ou seja, advindos da ressocialização. 7 CONCLUSÃO Os resíduos de construção civil se configuram em um dos setores que mais gera resíduos, desperdícios e responsável pela extração de insumos do meio ambiente, configurando um grande problema a ser sanado, tanto na esfera pública quanto na esfera particular. Dessa forma, uma solução para mitigar o impacto ambiental gerado pelo setor da construção civil é a implantação de novas ferramentas de manejo e gestão desses resíduos. Dentre as ferramentas existentes, realizar o processo de reciclagem dos RCC representa uma importante solução para a sustentabilidade levando em consideração tanto os aspectos ambientais (reduzindo a necessidade de consumo de matérias primas naturais e o alívio da pressão destes sobre os aterros licenciados), quanto os econômicos (permitindo agregar valor comercial ao resíduo reciclado) e os sociais (inclusão de uma parcela de mão de obra que outrora encontrava-se excluída no mercado de trabalho). A usina de reciclagem e entulho URESERRA possui um importante papel no Plano de Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos do Município de Serra/ES, correspondendo a um exemplo de gestão sustentável dos resíduos da construção civil adotada pelo poder privado. Ressalta-se ainda que a usina recebe resíduos de classe A e B, cada um com processos específicos de reciclagem, e quase a totalidade desse volume que chega à usina consegue ser reinserido no mercado. Já aqueles que não conseguem ser reciclados ou comercializados após o processo de triagem, são destinados à pilha de passivos para posterior envio aos aterros sanitários licenciados. Através dos parâmetros apresentados, é notória a deficiência na destinação de RCC gerados por pequenas obras. Um fator que contribui para isso é a ineficiência das legislações brasileiras e penalidades mais severas para o não cumprimento de seu escopo, além da falta de políticas de fiscalização mais efetivas. Visto isso, ações de incentivo e divulgação são essenciais para que as obras de menor porte também passem a representar um volume expressivo nas usinas de reciclagem, no caso em tela, a URESERRA. Considerando uma solução para aumentar a prática da reciclagem de RCC e, consequentemente, reduzir a extração de matérias primas naturais e a destinação em aterros, uma opção seria a implantação de políticas que obriguem que em obras públicas e privadas, um percentual mínimo de agregados reciclados. Dessa forma, com o tempo, o preconceito que a população tem com a utilização desses iria se tornar uma nova cultura, desmitificando assim, a ideia primaria de que o agregado reciclado possui baixa qualidade e que não deve ser utilizado nas construções. Com isso, no decorrer do estudo, ao analisar os processos, os benefícios e relatórios de quantitativos de entrada e saída de resíduos é evidente a eficácia da aplicação da reciclagem como ferramenta de suporte neste setor, atendendo as exigências da legislação, minimizando impactos negativos ao meio ambiente, garantindo um retorno favorável às usinas que trabalham nessaárea e aos próprios clientes tanto os que vendem para a Usina quanto os que compram o produto final reciclado. Além disso, é importante ressaltar que, embora o volume reciclado seja promissor, para solucionar a redução da produção de resíduos são necessárias ações conjuntas da sociedade, inovação tecnológica e maiores investimentos em pesquisa. 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