Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................... 3 2 INTRODUÇÃO AO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ...................... 4 2.1 A educação física escolar ............................................................ 5 2.2 Os objetivos e as competências da educação física escolar ....... 9 2.3 O conteúdo da educação física escolar..................................... 11 3 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA PRÁXIS EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL 17 3.1 História e evolução da educação física no Brasil ...................... 18 3.2 Evolução didática no campo da educação física escolar .......... 21 3.3 Abordagens pedagógicas críticas da educação física escolar .. 26 3.3.1 Psicomotricidade ................................................................. 27 3.3.2 Abordagem desenvolvimentista .......................................... 28 3.3.3 Abordagem crítico-superadora ............................................ 30 3.3.4 Abordagem construtivista .................................................... 31 3.3.5 Abordagem sistêmica .......................................................... 32 3.3.6 Abordagem crítico-emancipatória ........................................ 32 3.3.7 Abordagem cultural ............................................................. 33 3.3.8 Abordagem saúde renovada ............................................... 33 3.3.9 Abordagem dos Parâmetros Curriculares Nacionais ........... 34 4 ABORDAGENS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 35 4.1 Teorias pedagógicas da educação física escolar ...................... 35 4.2 Corpo e seus sentidos ............................................................... 37 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................. 40 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 INTRODUÇÃO AO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA Fonte: https://www.cpt.com.br A escola surgiu na Europa por volta do século XII e, nos séculos XVIII e XIX, já contava com atividades de dança, jogos e ginástica, práticas que deram origem ao que hoje conhecemos como educação física escolar. No decorrer dos séculos, o papel social da escola passou por transformações, assim como a sociedade como um todo. Essas mudanças deram origem a diferentes práticas, sentidos e apropriações da educação física e da cultura corporal do movimento humano. 5 2.1 A educação física escolar Fonte: https://ineib.com.br A escola contemporânea tem suas origens no modelo de educação europeu. De acordo com Áries (1978), a escola, na Idade Média (século XII), era reservada a um pequeno número de clérigos e misturava alunos de diferentes idades, que compartilhavam um espírito de liberdade de costumes. A partir do século XV, essas comunidades democráticas passaram a acolher populações cada vez maiores e passaram a ser submetidas a hierarquias autoritárias e regras rígidas de disciplina, elementos que marcam a passagem da escola medieval para o colégio moderno. A escola foi se tornando um meio de adestrar as crianças, além de isolá-las cada vez mais do mundo dos adultos, em um período de formação moral e intelectual. Ela passou a adquirir um valor intrínseco, tornando-se condição imprescindível para a boa educação e ganhando um papel na educação da infância e da juventude em geral, tornando- se uma instituição essencial da sociedade europeia (ÁRIES, 1978). Essa instituição, “elegida” pelas sociedades europeias em meados do século XV como espaço responsável pela educação das crianças, tem ocupado, ao longo dos anos, distintos papéis, que vêm se transformando desde seu surgimento, em virtude das transformações apresentadas pela sociedade como um todo (ANTUNES, 2018). 6 Os primórdios da educação física escolar são associados pelo Coletivo de Autores (2009) às práticas corporais realizadas nas escolas europeias no final do século XVIII, que surgiam das necessidades concretas dessas sociedades. Vale lembrar que, nesse momento histórico, no contexto do continente europeu, formavam-se os estados nacionais e a burguesia, como classe social decorrente da Revolução Industrial. Assim, os primórdios da educação física na escola foram marcados por ideias nacionalistas, de fortalecimento e defesa dos estados nacionais, e higienistas, visando à disciplina, à limpeza e à organização social e, por meio disso, à saúde dos indivíduos e comunidades. A produção de corpos fortes e saudáveis era condição fundamental para a defesa da pátria, o desenvolvimento do trabalho nas fábricas e o estabelecimento do sistema econômico capitalista que se desenvolvia. Nesse período, pensadores como Guths Muths, Basedow, Rousseau e Pestalozzi defendiam a inclusão de exercícios físicos nos currículos escolares. Esse movimento se deu especialmente a partir do desenvolvimento de métodos ginásticos, como a ginástica alemã ou sueca. Esses autores tiveram o mérito de aliar ao desenvolvimento da ginástica ou educação física na escola a garantia de um espaço de respeito e consideração da área perante os demais componentes curriculares. Dessa maneira, a educação física ministrada na escola começou a ser vista como importante instrumento de aprimoramento físico dos indivíduos, que, "fortalecidos" pelo exercício físico, que em si gera saúde, estariam mais aptos para contribuir com a grandeza da indústria nascente, dos exércitos, assim como com a prosperidade da pátria (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 35) Nesse momento histórico (sécs. XVIII e XIX), desenvolveu-se também o Iluminismo, e a ciência passou a ganhar espaço nas sociedades europeias, até então dominadas pelo pensamento religioso. Diversos conhecimentos foram sendo disseminados na área das ciências biológicas, como a teoria da evolução de Darwin, que demonstrava a existência dos germes, entre outras questões que, para a época, foram revolucionárias. Assim, a educação física passou a ser valorizada como meio para o desenvolvimento da saúde física e como ferramenta para o desenvolvimento moral. No Brasil, no final do século XIX, a inserção de práticas que envolvessem esforço físico no ensino das classes dominantes recebeu forte resistência, uma 7 vez que o trabalho corporal era associado aos escravos negros. Assim, ainda que houvesse apoio do governo imperial e de parte da elite intelectual, havia forte resistência da aristocracia brasileira. Foi a Reforma Couto Ferraz, em 1851, que tornou obrigatória a educação física nas escolas do município da Corte, conforme apontam Simões et al. (2010). Nesse período, a educação física, além de ter uma perspectiva higienista, de manutenção da saúde e de corpos fortes, sofria também influência do pensamento eugenista, de “pureza da raça branca”, orientado especialmente para a esterilização de deficientes, a realização de exames pré-nupciais ea proibição de casamentos consanguíneos e da “mistura” entre brancos e negros (BRASIL, 1997). Em geral, os professores que desenvolviam as aulas de ginástica nas escolas eram militares, que traziam para o contexto escolar a disciplina e o respeito à hierarquia contidos nessa instituição. Apenas em 1939 foi criada a primeira escola civil de formação de professores de educação física (COLETIVO DE AUTORES, 2009). Simões et al. (2010) apontam que o período do Estado Novo foi o auge da militarização na escola. Após a Segunda Guerra Mundial, novos sentidos começaram a ser atribuídos à educação física escolar. Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 20 de dezembro de 1961, a educação física passou a ser disciplina obrigatória nos ensinos primário e médio (BRASIL, 1997). O Coletivo de Autores (2009) aponta que, nesse período, passou a ganhar força a esportivização na escola brasileira, perspectiva que ganhou ênfase no Brasil durante o Regime Militar. O esporte determina dessa forma, o conteúdo de ensino da Educação Física, estabelecendo também novas relações entre professor e aluno, que passam da relação professor-instrutor e aluno-recruta para a de professor-treinador e aluno-atleta. Não há diferença entre o professor e o treinador, pois os professores são contratados pelo seu desempenho na atividade desportiva (COLETIVO DE AUTORES, 2009, p. 37). Nesse contexto histórico, as olimpíadas ganharam destaque e influenciaram a cultura e a política, em um cenário de disputa entre os países envolvidos na Guerra Fria, em especial, Estados Unidos e União Soviética. Além disso, o Brasil foi campeão da Copa do Mundo em 1958, 1962 e 1970, elemento 8 usado como propaganda política e incentivo ao esporte. Nesse período, o esporte foi aproximado ao nacionalismo, e a atividade física passou a ser vista como meio para aprimorar a técnica e desenvolver a força física, cívica, psíquica e social dos alunos. Essa concepção vinha atrelada à ideologia do governo militar, de nacionalismo, integração e segurança nacional. Na década de 1980, esses pressupostos passaram a ser contestados, gerando uma crise de identidade na educação física escolar. Inicialmente, ganhou força a perspectiva que ligava a educação física ao desenvolvimento psicomotor dos educandos, o que levou a uma maior ênfase ao ensino das práticas corporais na pré-escola e da primeira à quarta série (BRASIL, 1997). Nesse período histórico, houve também a criação dos primeiros cursos de pós- graduação e a ampliação das publicações na área. As relações entre a educação física e a sociedade passaram a ganhar maior visibilidade, em especial orientadas pelas perspectivas críticas da educação, tendo como um dos principais expoentes a publicação do Coletivo de Autores, em 1992, intitulada Metodologia do Ensino da Educação Física. Ocorreu então uma mudança de enfoque, tanto no que dizia respeito à natureza da área quanto no que se referia aos seus objetivos, conteúdos e pressupostos pedagógicos de ensino e aprendizagem. No primeiro aspecto, se ampliou a visão de uma área biológica, reavaliaram-se e enfatizaram-se as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o aluno como ser humano integral. No segundo, se abarcaram objetivos educacionais mais amplos (não apenas voltados para a formação de um físico que pudesse sustentar a atividade intelectual), conteúdos diversificados (não só exercícios e esportes) e pressupostos pedagógicos mais humanos (e não apenas adestramento) (BRASIL,1997, documento on-line). No momento atual, há uma pluralidade de linhas que integram a educação física escolar, oriundas desses movimentos históricos apresentados. A principal concepção que prevalece da educação física é concebê-la a partir do prisma da cultura corporal do movimento humano, ou seja, compreender que as práticas corporais são fenômenos culturais, criados historicamente pela humanidade, com diferentes sentidos e significados. “Trata-se, então, de localizar em cada uma dessas manifestações (jogo, esporte, dança, ginástica e luta) seus benefícios fisiológicos e psicológicos e suas possibilidades de utilização como instrumentos de comunicação, expressão, lazer e cultura, e formular a partir daí 9 as propostas para a Educação Física escolar” (BRASIL, 1997, documento on- line). 2.2 Os objetivos e as competências da educação física escolar Fonte: https://www.educamaisbrasil.com.br Inicialmente (sécs. XVIII e XIV), a ginástica foi adotada para incentivar os trabalhadores das fábricas a manterem seus corpos saudáveis, com base em uma perspectiva higienista e com um forte caráter militar, uma vez que muitos dos instrutores eram formados em academias do exército. Durante o governo militar, o esporte passou a ganhar espaço em relação à ginástica, mas ainda com uma perspectiva nacionalista de desenvolvimento físico e moral. Na década de 1980, novos horizontes se abriram, ganhando espaço as perspectivas do desenvolvimento motor e das críticas à sociedade capitalista e à prática da educação física como mero treinamento. Quando a educação física passou a ser concebida como campo da cultura corporal do movimento humano, novos objetivos passaram a ser concebidos, como o foco de seu ensino na escola. Esses elementos estão compilados nos documentos que orientam a educação escolar brasileira, como nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e, mais recentemente, na BNCC (BRASIL, 2017). 10 Há três esferas fundamentais no que diz respeito ao desenvolvimento de aprendizagens e competências, que são as dimensões procedimental, conceitual e atitudinal. A dimensão procedimental diz respeito a saber fazer, o que envolve a tomada de decisões e a habilidade de executar determinado gesto ou participar de um jogo ou esporte, por exemplo. A esfera conceitual se refere a conhecer conceitos, significados, símbolos, processos históricos — enfim, refere-se aos aprendizados intelectuais que giram em torno de determinado conteúdo. E, por fim, a dimensão atitudinal diz respeito a ações, valores e normas ligadas às relações humanas. Esses três elementos são sintetizados na educação física escolar em competências que os alunos devem desenvolver, que estão descritas a seguir: Compreender a origem da cultura corporal de movimento e seus vínculos com a organização da vida coletiva e individual. Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do acervo cultural nesse campo. Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive no contexto das atividades laborais. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e preconceituosas. Identificar as formas de produção dos preconceitos, compreender seus efeitos e combater posicionamentos discriminatórios em relação às práticas corporais e aos seus participantes. Interpretar e recriar os valores, os sentidos e os significados atribuídos às diferentes práticas corporais, bem como aos sujeitos que delas participam. Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos. 11 Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer e ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde. Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, propondo e produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário. Experimentar, desfrutar, apreciar e criar diferentes brincadeiras, jogos, danças,ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo. Essas competências estão alinhadas com a ideia de desenvolvimento pleno dos indivíduos, presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação na Constituição Federal (BRASIL, 1988; 1996). Com isso, as práticas corporais são associadas a uma ampla gama de elementos, que visam ao desenvolvimento de aspectos afetivos, sociais, psicológicos, culturais e biológicos dos educandos, para o pleno exercício da vida, da cidadania e do trabalho. 2.3 O conteúdo da educação física escolar Fonte: https://www.odiariojornal.com.br Quando vistas pelo prisma da cultura corporal do movimento humano, percebe-se a importância de diversas práticas corporais serem trabalhadas na escola. Essas práticas incluem elementos criados historicamente pela 12 humanidade em diversas partes do mundo e que são acessíveis a nós, hoje, pelo processo de globalização e disseminação do conhecimento, que teve início com as migrações e hoje é promovido pelas redes de comunicação global, em especial, a internet. “Há três elementos fundamentais comuns às práticas corporais: movimento corporal como elemento essencial; organização interna (de maior ou menor grau), pautada por uma lógica específica; e produto cultural vinculado com o lazer/entretenimento e/ou o cuidado com o corpo e a saúde” (BRASIL, 2017, documento on-line). É importante ressaltar que essas práticas “[…] são aquelas realizadas fora das obrigações laborais, domésticas, higiênicas e religiosas, nas quais os sujeitos se envolvem em função de propósitos específicos” (BRASIL, 2017, documento on-line). Com um intuito didático e de facilitar a organização do currículo da educação física ao longo dos diversos anos da educação básica, essas práticas foram compiladas em seis grupos, ou unidades temáticas. São elas: brincadeiras e jogos, esportes, ginásticas, danças, lutas e práticas corporais de aventura (BRASIL, 2017). As brincadeiras e jogos são práticas que acompanham a humanidade desde seus primórdios. Elas são caracterizadas por não terem regras rígidas, podendo ter as combinações alteradas pelos indivíduos que as praticam. Ainda assim, encontram-se afinidades entre jogos praticados em diferentes lugares do mundo. Há uma série de brincadeiras que podem ser realizadas nas aulas de educação física. O pega-pega, por exemplo, pode ter inúmeras variações, como: pega-pega estrela, em que quem for pego deve ficar paralisado de pernas e braços abertos até que um colega passe por baixo de suas pernas para ser salvo; ou corrente, em que cada um dos integrantes que for pego deve dar a mão para o pegador, formando uma corrente. As brincadeiras podem ser utilizadas também como atividades introdutórias ao ensino de outros conteúdos. Por exemplo, antes de abordar o handebol, pode-se brincar de queimada, atividade que exige precisão no lançamento da bola com a mão. Ou, ainda, pode-se brincar de pega-bandeira, jogo no qual a quadra é dividida em dois, cada lado como território de um time, que deve adentrar no território adversário, pegar um objeto (bandeira) e retornar até o seu campo sem ser pego; é ótimo para trabalhar de forma introdutória aos 13 esportes coletivos o posicionamento e as funções de ataque e defesa. Jogos de oposição podem introduzir a prática das lutas, e brincadeiras cantadas ou que envolvem ritmo podem ser utilizadas para introduzir a dança. Já os esportes são práticas formais, com regras definidas e regidas por regulamentos. Usualmente, organizam-se em associações, federações ou confederações. Caracterizam-se pela oposição entre dois oponentes ou grupos adversários. Podem ser divididos em diferentes modalidades, de acordo com suas características. Marca: compara resultados de tempo ou distância (p. ex.: atletismo e levantamento de peso). Precisão: busca acertar um alvo específico (p. ex.: golfe e tiro com arco) Técnico-combinatório: analisa a qualidade do movimento (p. ex.: ginástica artística e nado sincronizado) Rede/quadra dividida ou parede de rebote (p. ex.: voleibol e pelota basca). Campo e taco: rebater a bola lançada pelo adversário (p. ex.: beisebol e críquete). Invasão ou territorial: analisa a capacidade de uma equipe introduzir ou levar uma bola (ou outro objeto) a uma meta ou setor da quadra/campo defendida pelos adversários, como o gol, a cesta ou o touchdown (p. ex.: basquetebol e rúgbi). Combate (p. ex.: judô e esgrima). Se fizermos uma comparação entre os esportes e os jogos digitais, atividades às quais a atual geração de crianças em geral tem grande exposição, veremos que esses últimos são projetados para que o jogador sempre vença — mesmo que perca o jogo, sempre há a oportunidade de retornar e tentar novamente. Já nos esportes e atividades competitivas, assim como na vida, cada tentativa é única — pode-se jogar outra vez, mas nunca o mesmo jogo. Com isso, quando bem trabalhados, têm grande potencial educativo, para auxiliar as crianças a lidarem com a incerteza e a frustração, além de também desenvolverem o trabalho em equipe, o respeito às regras e o cuidado entre os 14 colegas. É fundamental criar um ambiente que incentive o aluno a tomar cuidado com os colegas e não machucá-los, e no qual ser ético e seguir as regras do jogo, independentemente da atuação do árbitro (professor), é mais importante do que vencer. Isso gera uma postura educativa atitudinal fundamental às aulas de educação física. As ginásticas, por possuírem diferentes características, também são subdivididas em três grupos. A ginástica geral inclui atividades acrobáticas e expressivas, no solo ou em aparelhos. As ginásticas de condicionamento são voltadas para a melhora das valências físicas (força, resistência e flexibilidade). E as ginásticas de conscientização corporal são realizadas por meio de movimentos lentos e suaves, em geral integrados à respiração, com o intuito de ampliar a consciência corporal, a fluidez e a vitalidade. A dança inclui movimentos rítmicos acompanhados de música. Também possui múltiplas manifestações, como dança de salão, balé, danças de roda, street, dança do ventre etc. Já as lutas incluem disputas corporais por meio de diferentes técnicas de combate e, em algumas delas, a execução de sequências combinadas de movimentos. As artes marciais orientais incluem também um conjunto de condutas éticas, que atribuem a essas práticas um caráter de desenvolvimento humano. Essas práticas são ótimas oportunidades para que os alunos aprendam a lidar com sua agressividade, expressando-a em um espaço seguro, sem machucar os colegas ou a si mesmos. Para tanto, basta que o ambiente criado seja de colaboração e respeito e que as regras das atividades e das aulas estejam explícitas de forma clara; uma delas é não lutar fora do espaço delimitado nas aulas. Para finalizar, as práticas de aventura exploram a proeza, a incerteza e os riscos controlados na relação entre os sujeitos praticantes e o ambiente. Elas incluem práticas realizadas na natureza, como mountain bike e tirolesa, ou na cidade, como skate e parkour. Ao organizar o planejamento dessas atividades no desenvolvimento de suas aulas, o professor de educação física deve levar em conta também a orientação da BNCC quanto a quais atividades realizar em cada ano do ensino fundamental. O Quadro 1 a seguir apresenta uma síntese da organização proposta por esse documento nos anos iniciais do ensino fundamental. 15 Há uma sequência lógica na organização desses conteúdos, que vão de atividades mais simples para as mais complexas, como no caso dos esportes. Estes iniciam com esportes de marca e precisão, como as provas de atletismo, e posteriormente incluem esportes como futebol, basquetebol ou tênis, que exigem maiorhabilidade e maturidade tática. A lógica inclui também levar em conta primeiramente as atividades que estão mais próximas dos alunos, para depois introduzir as mais distantes. Por exemplo, as brincadeiras e jogos descritos no Quadro 1 partem da ideia de conhecer e compartilhar aquelas atividades que estão presentes no contexto da comunidade onde a criança reside e na região onde se encontra (estado), para que, a partir do 3º ano, amplie-se o espectro para atividades do Brasil e do mundo. O Quadro 2 a seguir traz a sequência das atividades que devem ser trabalhadas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. 16 Quanto ao ensino médio, a indicação trazida na BNCC é a de que os conteúdos trabalhados no ensino fundamental devem ser aprofundados. Atualmente, há uma ampla variedade de publicações com relação a cada uma dessas unidades temáticas ou, de forma mais específica, às práticas contidas em cada uma delas, que podem ser utilizadas pelos professores de educação física como embasamento para seu trabalho na escola. 17 3 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA PRÁXIS EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL Fonte: https://impulsiona.org.br/historia-educacao-fisica-brasil/ A história da educação física se confunde com a história da humanidade, pois todas as sociedades antigas utilizavam o movimento humano para inúmeras finalidades, seja como recurso para obtenção de alimentos, para fuga de predadores ou como forma de recreação em festividades e danças específicas. Obviamente, nas sociedades antigas não havia um tipo de pensamento ou organização a respeito do movimento humano, ou seja, este se manifestava de forma natural como parte essencial da manutenção da vida. O movimento humano foi evoluindo em conjunto com as sociedades, apresentando-se de forma marcante em alguns momentos específicos, como na Grécia e na Roma antigas, em que jogos e situações de combate, respectivamente, ganharam grande popularidade. No Brasil, em meados do século XIX, a educação física começou a ser pensada e inserida no contexto escolar. Sua evolução foi vinculada ao contexto sociopolítico das diferentes décadas, o que levou a concepções variadas sobre a forma trabalhar a educação física escolar. 18 3.1 História e evolução da educação física no Brasil De acordo com Ramos (1983), o primeiro registro sobre educação física no Brasil se dá no ano da chegada dos portugueses, em 1500. Os relatos apontam para danças e movimentos próprios dos índios ao som de gaitas tocadas pelos portugueses. É evidente que a atividade física já era muito presente na vida indígena se constituindo um meio de sobrevivência. Os povos indígenas utilizavam do movimento humano para obtenção de alimento, para proteção de seu povo e em momentos de festividades. Posteriormente, surgiu a capoeira em meio às senzalas dos escravos (RAMOS, 1983). Sendo assim, as atividades indígenas e a capoeira são consideradas os primeiros elementos da educação física no Brasil (SOARES, 2012). Contudo, vale destacar que por mais que tais práticas hoje sejam vinculadas ao campo da educação física em função da sua especificidade, na época não existia tal denominação, pois a educação física não existia como área do conhecimento. A história da educação física no Brasil enquanto componente curricular é relativamente nova; no entanto, muitas transformações podem ser observadas dentro deste breve período. A educação física foi inserida na escola no século XIX após a reforma Couto Ferraz (lei nº 630), ocorrida precisamente em 1851 (DARIDO, 2001). Este movimento sofreu grande resistência por parte das famílias dos estudantes, que não enxergavam a necessidade de atividades físicas na escola, uma vez que esta era vista como instituição de formação exclusivamente intelectual. A resistência veio principalmente das famílias que representavam a elite brasileira, pautada em ideias ainda muito vinculadas ao sistema escravocrata, em que atividades físicas vigorosas e trabalhos manuais eram realizadas pelos escravos, enquanto o trabalho intelectual deveria ser desenvolvido pela classe dominante (CASTELLANI FILHO, 1988). Tal dificuldade impôs uma lentidão no processo de inserção da educação física na escola, sendo que apenas em 1854 a ginástica passou a ser conteúdo escolar obrigatório para o primário e a dança para o secundário. Este processo foi fortemente influenciado pelo contexto educacional europeu, que inspirou as práticas corporais no ambiente escolar (BIEDRZYCKI 19 et al., 2020). O movimento de inserção da educação física na escola foi acompanhado de uma corrente intelectual liderada por pensadores como Fernando Azevedo e Rui Barbosa, que indicaram a ginástica como conteúdo, mas cuja perspectiva pedagógica era voltada para o higienismo e a defesa da moralidade (BIEDRZYCKI et al., 2020). Os métodos europeus de ginástica foram disseminados em diferentes contextos e instituições do Brasil. O método alemão foi amplamente empregado pelas forças militares, pois tinha relação direta com o nacionalismo e o preparo dos indivíduos para defender a pátria. Contudo, os pensadores da época o consideravam inapropriado para o ambiente escolar, apontando o método sueco como mais indicado, pois apresentava maior aproximação com a perspectiva médica e científica (SOARES, 2004). Posteriormente, a ginástica inglesa passou a dividir espaço com a sueca, pois incentivava um movimento de esportivização no ambiente escolar. Já no século XX, a educação física brasileira ganhou novas características, apoiadas principalmente nos métodos franceses, que tinham uma visão positivista no processo formativo dos estudantes, que deveriam ser sujeitos fortes e capazes de defender a pátria, e saudáveis o suficiente para vender sua força de trabalho (BIEDRZYCKI et al., 2020). De acordo com Darido (2001), essa concepção baseada no higienismo permaneceu vigente nas primeiras décadas do século XX, de forma que o exercício era utilizado como ferramenta para o desenvolvimento físico e moral, com grande preocupação no estabelecimento de métodos de higiene e saúde. Por mais que ainda não estivesse no controle, o militarismo tinha influência sobre as práticas corporais na escola, indicando a necessidade de formar sujeitos fortes e preparados para defender o país. Tal concepção promovia um quadro de exclusão, ao selecionar e aperfeiçoar as capacidades daqueles sujeitos que se enquadravam dentro do perfil físico atlético esperado. Darido (2001) aponta que a educação física era vista como uma disciplina prática, ou seja, não existia a necessidade de um embasamento teórico a respeito das práticas aplicadas. Em meados da década de 1940 — após a saída de Getúlio Vargas do governo —, surgiu no Brasil uma linha de pensamento pedagógico que indicava a necessidade de entender o ser humano em sua completude e, 20 consequentemente, enxergar e respeitar as características individuais de cada sujeito. Tal concepção foi denominada pedagogicista. Contudo, seus ideais não foram apoiados de maneira a superar as ideias positivistas, higienistas e militaristas, uma vez que as práticas se mantiveram inalteradas (DARIDO, 2001). É importante perceber que, apesar de o impacto da perspectiva pedagogicista não ter sido forte o suficiente para ultrapassar os métodos vigentes até então, esta serviu para implantar ideias que posteriormente se manifestaram de forma mais forte e organizadas. Esse quadro se manteve inalterado até a década de 1960. Em 1964, a ditadura militar foi instalada no país, e educação física escolar passou a ser entendida como um espaço de doutrinação do governo (DARIDO, 2001). O esporte era utilizado como ferramenta ideológica, uma vez que entendiam que a formação de atletas preparados para representar o país em competições internacionais apresentaria uma boa imagem do Brasil.Um bom exemplo é a seleção brasileira de futebol campeã da copa do mundo de 1970, que teve sua imagem, bem como a imagem dos atletas, explorada com o objetivo de atrelar o sucesso esportivo a um país em constante evolução e progresso. Na época, o presidente do Brasil era o general Emílio Médici — fã declarado de futebol —, que usou a imagem da seleção campeã como propaganda do governo militar. O movimento de esportivização aplicado durante a ditadura militar era baseado em técnicas positivistas e analíticas, ou seja, pautado em uma fragmentação de conteúdos. O trabalho didático realizado na educação física escolar era voltado exclusivamente para a prática, de forma que conteúdos de ordem conceitual eram ignorados. Esse cenário levou a um processo de exclusão dos menos habilidosos em relação às práticas esportivas, sendo que o bom rendimento era a finalidade esperada, independentemente dos meios aplicados para alcançá-la. Observando a necessidade da formação de “estudantes-atletas” e doutrinados do ponto de vista ideológico, o professor assumiu uma postura diretiva, ou seja, adotava atitude centralizadora pautada na imposição do respeito. Segundo Darido (2001), tal perspectiva era fundamental para a reprodução do modelo educativo almejado pelo governo militar, que tinha como objetivo reprimir movimentos políticos de qualquer ordem, contribuindo para a formação de indivíduos apolíticos. 21 Na década de 1980, a ditadura militar perdeu força, e, de forma a aproveitar esta oportunidade, uma série de pensadores críticos do campo da educação física escolar inicia um movimento de alteração do paradigma metodológico empregado nas aulas, o qual foi denominado como movimento renovador da educação física. Neste momento, foi instalado um amplo debate que direciona ou a prática pedagógica da educação física para a valorização do conhecimento científico e do entendimento de que os estudantes são seres humanos distintos e que cada um apresenta suas próprias experiências, potencialidades e dificuldades. Sendo assim, você pode perceber que a história da educação física brasileira é recheada de modificações quanto aos métodos pedagógicos empregados, sendo que o contexto social de cada momento foi determinante para o direcionamento da prática a ser realizada na educação física escolar. Resumindo o percurso histórico, da inserção indicada pela reforma Couto Ferraz — ainda no século XIX — até o final da década de 1920, o higienismo representava a base pedagógica e a ginástica era o conteúdo principal. De 1930 até 1945, o militarismo ganhou força e as práticas higienistas se mantiveram. Entre 1945 e 1964 surgiu a educação física pedagogicista, que perdeu força após a instalação do governo militar, em 1964, que incentivou uma educação física esportivista, voltada ao aspecto competitivo. Enfim, na década de 1980 houve o declínio do governo militar, acompanhado do movimento renovador da educação física brasileira, cujo objetivo passou a ser a formação integral dos estudantes, o que se mantém até o presente momento (BIEDRZYCKI, 2019). 3.2 Evolução didática no campo da educação física escolar A história da educação física moderna de forma geral é marcada fortemente pelas alterações globais produzidas pelo período da Revolução Industrial, iniciado no século XVIII, na Europa e marcado pelo desenvolvimento tecnológico e pela imposição de uma nova perspectiva de vida e divisão de classes. Os burgueses, donos do maquinário, empregavam os trabalhadores, que vendiam sua força de trabalho em troca de seu sustento (SOARES, 2004). Neste período histórico, conceitos que permanecem até hoje foram 22 estabelecidos, como o de turno de trabalho e tempo livre (SOARES, 2004). O corpo humano é enxergado então como uma unidade produtiva, uma peça da engrenagem industrial que tinha como objetivo entregar altas taxas de produção. Sendo assim, indivíduos saudáveis e resistentes ao trabalho eram valorizados. Neste sentido, práticas que atribuíssem ao corpo maior qualidade no trabalho eram bem-vistas, como a prática de exercícios físicos (SOARES, 2004). Este foi o pontapé para a instalação do higienismo na sociedade, o que influenciou diretamente na concepção a respeito da educação física na maior parte do mundo por pelo menos dois séculos. A educação física enquanto disciplina a ser inserida no currículo escolar chega ao Brasil sob a perspectiva higienista, como já fora apontado. No entanto, sua trajetória se iniciou e por muito tempo se manteve influenciada pelo exército (CASTELLANI FILHO, 1988). Essa combinação impôs à educação física brasileira um caráter positivista, ou seja, era composta por atividades essencialmente práticas, ignorando as outras dimensões da existência humana. A respeito dessa concepção inicial da educação física no Brasil, Castellani Filho (1988, p. 39) afirma que: [...] a Educação Física do Brasil, desde o século XIX, foi entendida como um elemento de extrema importância para forjar aquele indivíduo “forte”, “saudável”, indispensável à implementação do processo de desenvolvimento do país que, saindo da condição de colônia portuguesa, no início da segunda década daquele século, buscava construir seu próprio modo de vida. Contudo, esse entendimento, que levou por associar a Educação Física à educação do físico, à saúde corporal, não se deve exclusivamente, nem tampouco prioritariamente, aos militares. A eles, nessa compreensão, juntavam-se os médicos que, mediante uma ação colocada nos princípios da medicina social de índole higiênica, imbuíram-se da tarefa de ditar à sociedade, através da instituição familiar, os fundamentos próprios ao processo de reorganização daquela célula social. A associação entre as ideias higienistas e militaristas indicava uma configuração de educação física voltada para a formação de indivíduos saudáveis e fortes fisicamente, preparados para defender o país a qualquer custo. As práticas eram orientadas a partir de princípios anatômicos e fisiológicos, ignorando conhecimentos de ordem cognitiva, justamente para contribuir na formação de sujeitos obedientes, submissos à ordem política estabelecida na época (SOARES, 2012). Os princípios higienistas foram 23 parcialmente superados com o passar do século XX, contudo, a perspectiva exclusivamente prática das aulas de educação física na escola foi mantida até o movimento renovador da educação física (década de 1980), inclusive no período em que o pedagogicismo surgiu (1945–1964). Os métodos ginásticos oriundos da Europa indicavam uma prática docente dirigida ao educar e cuidar do corpo por meio de exercícios metódicos e analíticos. Os diferentes métodos ginásticos europeus possuem particularidades e intencionalidades distintas, o que influenciou sua forma de aplicação no cenário educacional brasileiro. A ginástica alemã, preconizada por Johann Guths Muths, tinha suas bases fundadas sobre a fisiologia e indicava que as práticas físicas deveriam ser planejadas em acordo com a composição física de cada sujeito. Uma característica muito marcante do método alemão é o nacionalismo, de forma que os exercícios deveriam ser dirigidos ao desenvolvimento da energia, da força e da destreza em prol do serviço militar em possíveis guerras (PEREIRA, 2006). As práticas da ginástica alemã eram voltadas principalmente para o desenvolvimento de músculos da porção superior do corpo, com ênfase nos membros superiores e peitorais, e os exercícios costumeiramente eram realizados em aparelhos como barras fixas e paralelas. Trazida ao Brasil por imigrantes, a ginástica alemã se difundiu e conquistou espaço nas instituições militares. Contudo, foi preterida no meio escolar por ser considerada inapropriada ao ambiente educativo (SOARES, 2004). A ginástica sueca tinha como objetivo retirar vícios da sociedade, bem como recuperar opovo arrasado por guerras e doenças contagiosas (SOARES, 2004). Os métodos aplicados eram pautados em conhecimentos científicos estabelecidos até então, com ênfase em ideias higienistas. No Brasil, a ginástica sueca foi apontada como a mais indicada para ser inserida no contexto educacional — ainda no século XIX —, uma vez que era considerada o melhor método do ponto de vista pedagógico. Os exercícios praticados eram direcionados ao desenvolvimento corporal harmonioso e completo. Não eram utilizados aparelhos durante as práticas (SOARES, 2004). Seu criador, Pher Ling, indicava que a ginástica com finalidade pedagógica deveria submeter o corpo a vontade do homem, aplicando os exercícios para aprimoramento da saúde e formação do caráter (ANJOS, 1995). 24 Os métodos alemão e sueco foram aqueles que influenciaram primariamente a prática docente da educação física no Brasil, seja em instituições militares ou escolares (SOARES, 2004). Contudo, no início do século XX, mais precisamente na década de 1920, a ginástica de origem francesa ganhou espaço, pois tinha como base tanto a formação do soldado preparado para defesa da pátria, como o do trabalhador saudável e produtivo para geração de capital (GOELLNER, 1992). Portanto, a ação docente na escola no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX era baseada na ginástica e no higienismo, o que caracterizava um processo educativo voltado para a valorização do corpo, da saúde, da moralidade, do patriotismo e do civismo. Além da prática da ginástica, a educação física foi eleita como a disciplina responsável por contribuir com a contenção de doenças infecciosas da época; no começo do século XX, houve grande migração para os centros urbanos, que não estavam preparados para receber um número elevado de pessoas. Sendo assim, este contingente populacional instalou-se em locais sem saneamento básico, o que levou a surtos infecciosos. Uma vez que a educação física sofria grande influência da biologia e da medicina, ficou responsável de ensinar hábitos de higiene e de cuidado com a saúde, com o intuito de evitar o contágio e a consequente proliferação das doenças (BIEDRZYCKI et al., 2020). Biedrzycki (2019) aponta, ainda, que as práticas higienistas na escola levaram a um processo de transferência de responsabilidade. Se o conhecimento sobre práticas e cuidados com a saúde, seja por meio de cuidados com a higiene ou pela prática de atividade física, era transmitido na escola, os próprios estudantes deveriam ser culpabilizados por situações de doença ou incapacidade física. Na década de 1930, com a emergente preocupação com possíveis guerras, o militarismo assumiu o comando da educação física brasileira, e a preocupação com a saúde individual foi direcionada para a preocupação exclusiva com a pátria. Neste período, as aulas de educação física foram ministradas por instrutores do exército, cujos objetivos eram a preparação corporal para o combate, para a guerra, a valorização do nacionalismo e o aperfeiçoamento da raça. Na década de 1940, ganhou força o movimento da escola nova, que tinha como base o respeito à personalidade dos estudantes, portanto as práticas docentes deveriam ser voltadas para o desenvolvimento 25 integral. Você pode perceber que existe uma modificação de paradigma, partindo do conceito anatômico-fisiológico para o sociocultural. Contudo, ao observar a prática pedagógica, poucas alterações foram promovidas, de forma que não houve o esperado rompimento com a organização didática apoiada nos métodos militaristas (DARIDO, 2001). Com a instalação da ditadura militar na década de 1960, uma didática voltada para a competição esportiva ganhou espaço na educação física escolar. A aula era repleta de elementos que estimulavam a repetição de movimentos técnicos, objetivando a perfeição e o alcance do alto rendimento (BIEDRZYCKI et al., 2020). Neste período, o esporte ganhou destaque e tornou-se conteúdo hegemônico da educação física escolar, como afirma Darido (2001, p. 2): Nessa época, os governos militares que assumiram o poder em março de 1964 passam a investir pesado no esporte na tentativa de fazer da Educação Física um sustentáculo ideológico, na medida em que ela participaria na promoção do país através do êxito em competições de alto nível. Foi neste período que a ideia central girava em torno do Brasil-Potência, no qual era fundamental eliminar as críticas internas e deixar transparecer um clima de prosperidade e desenvolvimento. A partir da década de 1980, emergiu um movimento contrário aos métodos didáticos tradicionais vigentes até então, sendo que a ênfase aplicada na perfeição dos movimentos e as práticas analíticas mecanicistas voltadas para busca por jovens atletas são questões duramente criticadas (BIEDRZYCKI, 2019). Este ficou conhecido como o movimento renovador da educação física escolar, que resgata algumas ideias do pedagogicismo, mas apresenta novos conceitos e possibilidades didáticas aos professores. Dentre pontos importantes a serem destacados estão a inclusão, o foco na cooperação em detrimento à competição, a formação cidadã, etc. (SOARES et al., 1992). Do ponto de vista da didática, é bastante evidente que a educação física brasileira passou por um grande processo de transição até os dias atuais, partindo de um ensino diretivo, presente do final do século XIX até a década de 1980 do século XX, para um ensino não diretivo, vigente desde então (DARIDO, 2001). O ensino diretivo é caracterizado pela centralização do processo de ensino e aprendizagem na imagem do professor, de forma que o aluno é compreendido apenas como um receptor de informações. Dentro desta 26 perspectiva didática, o professor fala e o aluno escuta, o professor indica as atividades e os alunos as realizam sem nenhum tipo de espaço para questionamentos. Já no modelo didático não diretivo, o professor atua como um mediador do conhecimento, e o aluno possui papel central no processo de ensino e aprendizagem. O estudante é entendido como um ser humano que traz consigo uma série de conhecimentos empíricos que precisam ser discutidos, contextualizados e problematizados, de forma que os métodos pedagógicos precisam ser selecionados e aplicados de acordo com as necessidades educativas observadas. Incentivadas pelo movimento renovador da educação física, abordagens pedagógicas críticas surgiram, imergindo em oposição ao modelo mecanicista tradicional até então difundido. A primeira abordagem reconhecida teve seu aparecimento no Brasil ainda no final da década de 1970, a psicomotricidade. Posteriormente, muitas outras surgiram e se difundiram, como o desenvolvimentismo, o construtivismo, a crítico-superadora, a crítico- emancipatória, a histórico-crítica, a saúde renovada, entre outras (DARIDO, 2001). Cada uma dessas abordagens apresenta princípios próprios e ideias metodológicas, contudo, todas têm em comum o comprometimento de um trabalho pedagógico voltado para a superação das práticas tradicionais. 3.3 Abordagens pedagógicas críticas da educação física escolar A educação física brasileira passou por diversas modificações quanto aos métodos pedagógicos e didáticos praticados. Existe uma transição de um ensino diretivo, pautado no professor como figura central, para o ensino não diretivo, em que o aluno é protagonista do seu processo de ensino e aprendizagem. Essa concepção progressista de educação física é iniciada durante o pedagogicismo (1945–1964, aproximadamente), contudo, torna-se dominante no contexto escolar apenas na década de 1980, com o surgimento e o fortalecimento do movimento renovador da educação física escolar brasileira. São principais abordagens pedagógicas críticas da educação física. 27 3.3.1 Psicomotricidade A psicomotricidade é a primeira abordagem a surgir em oposiçãoaos modelos tradicionais, ainda no final da década de 1970, ganhando maior força no decorrer da década de 1980. Sua proposta é voltada para o desenvolvimento integral da criança, ou seja, preocupa-se com aspectos motores, cognitivos e afetivos. Para isto, é entendido que a educação física precisa ultrapassar a concepção biológica, uma vez que o ser humano possui outras dimensões que precisam ser estimuladas e desenvolvidas (LE BOULCH, 1985). A psicomotricidade possui grande relevância no processo de modificação de paradigma da educação física escolar brasileira, pois foi um dos primeiros métodos pedagógicos aqui difundidos que compreende as crianças e adolescentes como seres humanos completos, ultrapassando a visão reducionista dos métodos tradicionais, que utilizavam práticas voltadas apenas para o desenvolvimento corporal, biológico. Darido (2001) afirma que a psicomotricidade introduziu o termo “psico” no discurso e na prática de professores de educação física, indicando um impacto direto na atuação docente. De acordo com o idealizador da psicomotricidade, o francês Jean Le Boulch (1985), esta abordagem usa os movimentos espontâneos da criança como meio educativo, oferecendo espaço para o desenvolvimento da personalidade e da afetividade. Ao chegar na escola, independentemente da idade, a criança já é uma pessoa que esteve inserida em um meio familiar com trocas afetivas, já esteve em contato com um mundo de objetos que foram explorados de diferentes formas, adquirindo um processo inicial de desenvolvimento da motricidade, da cognição e da afetividade (LE BOULCH, 2008). Nessa dinâmica de contato com as pessoas a sua volta e com o mundo material, a criança vivencia situações de prazer, felicidade, divertimento, de descontentamento, angústia, medo, sendo que essa mistura de sensações será determinante para a constituição da afetividade e da personalidade. Além disso, por meio da movimentação e da exploração será disparado um processo de autorreconhecimento corporal e ajuste ao espaço (LE BOULCH, 2008). 28 A psicomotricidade não é método exclusivo da educação física, sendo aplicada em contextos educacionais diversos. No entanto, abordando especificamente a educação física escolar, as aulas baseadas na psicomotricidade utilizaram jogos e brincadeiras que estimularam a exploração espacial e corporal, a impulsividade e a interação entre os estudantes. Portanto, do ponto de vista motor, a criança desenvolverá consciência corporal, da lateralidade, entre outros aspectos. O aspecto de imprevisibilidade e de surgimento de situações distintas será importante para o desenvolvimento da personalidade e do processo de tomadas de decisão. Por fim, a interação com outros estudantes será fundamental para o desenvolvimento da afetividade. É muito importante que o professor tenha uma intencionalidade por trás dessas atividades, ou seja, um objetivo a ser alcançado. Sendo assim, as aulas de educação física contribuirão para o desenvolvimento global e harmonioso de crianças e adolescentes. 3.3.2 Abordagem desenvolvimentista A abordagem desenvolvimentista é direcionada para crianças de 4 a 14 anos de idade e amparada nos princípios da aprendizagem e do desenvolvimento motor. A teoria indica que o movimento é o meio e o fim da educação física, sendo que o planejamento das atividades deve ser voltado para o desenvolvimento de habilidades motoras e, em complemento, para o desenvolvimento fisiológico, cognitivo e afetivo (TANI, 2008). Segundo Darido (2001), a abordagem desenvolvimentista nega o conceito de disciplina auxiliar muitas vezes associado à educação física, de forma que sua função não é auxiliar nos processos de ensino de outras disciplinas, mas desenvolver aprendizagens específicas e próprias da educação física. Os teóricos dessa abordagem deixam muito claro que a educação física tem importância pedagógica em processos inerentes ao desenvolvimento da criança e do adolescente e que suas atividades têm meio e fim em si próprios. Sendo assim, essa abordagem não tem como objetivo abordar e contextualizar problemas diversos de ordem social. Portanto, as aulas devem priorizar a aquisição de habilidades motoras compatíveis ao nível do desenvolvimento em 29 que os alunos se encontram, embora outras aprendizagens possam ocorrer simultaneamente (DARIDO, 2001). Os conteúdos aplicados devem ser compatíveis com a etapa do desenvolvimento motor em que as crianças se encontram. A proposta considera ainda o erro como parte indispensável do processo de aprendizagem, ou seja, reconhecimento do erro, bem como o entendimento de onde ele está, é fundamental para a compreensão dos ajustes necessários e, consequentemente, para o desenvolvimento da habilidade em questão (DARIDO, 2001). Para alcançar esse objetivo, utiliza-se como fundamento a taxonomia do desenvolvimento motor de Gallahue (1982), descrita a seguir. Fase dos movimentos reflexos (nascimento – 1 ano): conjunto de movimentos primitivos, involuntários e controlados subcorticalmente. Formam a base para a próxima etapa do desenvolvimento motor. Fase dos movimentos rudimentares (até 2 anos): representa os primeiros movimentos voluntários, sendo movimentos básicos e necessários para a sobrevivência. Nesta etapa serão desenvolvidos movimentos estabilizadores, como a obtenção de controle do tronco e da cabeça. Serão desenvolvidas também habilidades manipulativas e a capacidade de locomoção por meio do arrastar corporal, engatinhar e, por fim, caminhar Fase dos movimentos fundamentais (até 7 anos): a criança adquire de forma progressiva controle sobre os movimentos até atingir um estado maduro. Neste período é importante o acesso a atividades diversas, para que a criança consiga desenvolver de forma ampla seu repertório motor básico, como correr, saltar, rolar, pular, etc. Fase de movimentos especializados (após 7 anos): desenvolvimento de atividades motoras complexas, de forma que os movimentos fundamentais são combinados àqueles culturalmente determinados, com o objetivo de alcançar um refinamento no processo de execução. Em resumo, a abordagem desenvolvimentista utiliza do movimento, partindo do mais simples para o mais complexo dentro do processo de desenvolvimento e maturação biológica das crianças e adolescentes, com o 30 objetivo de alcançar um nível maduro de desenvolvimento motor (TANI et al., 1998). 3.3.3 Abordagem crítico-superadora Ao contrário da abordagem desenvolvimentista, a crítico-superadora é pautada na identificação de problemas sociais e na proposição de intervenções voltadas para a solução destes (DARIDO, 2001). A principal referência dessa abordagem no Brasil é o livro Metodologia do Ensino da Educação Física — Coletivo de Autores (SOARES et al., 1992), uma obra marcante para o fortalecimento das abordagens renovadoras da educação física na década de 1990. A abordagem crítico-superadora indica que o trabalho docente somente poderá ser planejado e executado de forma apropriada se houver uma contextualização com a realidade social, cultural, econômica e política da sociedade local e especificamente da vida dos estudantes. O resgate de conceitos históricos é fundamental (DARIDO, 2001). De acordo com o Soares et al. (1992), essa abordagem possui características próprias importantes, pois é: Diagnóstica: deve realizar leitura da realidade, gerando dados que precisam ser interpretados; Judicativa: a interpretação dos dados obtidos leva a um julgamento em que um juízo de valor será emitido; Teleológica: após o julgamento, é necessário apontar um caminho a ser percorrido para se atingir os objetivos propostos. Essa concepção pedagógica aponta, portanto, que é fundamental o educador estar atento a todos os problemas e questões da sociedade local, de forma que sejacapaz de propor projetos direcionados à sua solução. Para isto, todo educador precisa possuir uma ideia muito clara para si de modelo social ideal e, a partir deste modelo, quais os interesses de classe, os valores éticos e morais a serem defendidos e perseguidos (DARIDO, 2001). 31 3.3.4 Abordagem construtivista Esta abordagem é baseada nas ideias do biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget. O conceito-chave dessa abordagem é que o conhecimento é construído a partir da interação das crianças com o mundo a sua volta. Sendo assim, a educação física precisa oferecer para as crianças um ambiente que lhes possibilite experiências que induzam processos de ajustes direcionados ao desenvolvimento (ARAÚJO, 2020). A abordagem construtivista indica o ambiente como agente importante para o processo de aprendizagem, porém, o desenvolvimento de estruturas biológicas é determinante. Portanto, para obtenção de determinada aprendizagem, as crianças precisam possuir uma estrutura cognitiva desenvolvida em nível compatível com a dificuldade da tarefa em questão (ARAÚJO, 2020). De acordo com Darido (2001), por muitas vezes o construtivismo é aplicado à educação física de forma que oferece à disciplina um caráter auxiliar, ou seja, as atividades aplicadas serviriam de apoio para o desenvolvimento de habilidades cognitivas importantes para outras disciplinas do currículo escolar. A própria autora faz questão de confrontar essa visão que reduz a importância do construtivismo aplicado como finalidade para o desenvolvimento de conteúdos específicos da educação física (DARIDO, 2001, p. 7): Não se trata de negar o papel importante que a questão da interdisciplinaridade deve desempenhar na escola e o foco da Educação Física neste contexto, mas sim de ter em mente que a interdisciplinaridade só será positiva para a Educação Física na escola quando estiver claro para o professor quais são as finalidades da Educação Física, de modo a guardar a preocupação de introduzir o aluno às questões relacionadas à cultura corporal e guardando as suas características específicas. A proposta construtivista aplicada à educação física indica ainda a importância de valorização das experiências empíricas dos estudantes. Além disso, indica que as brincadeiras e jogos culturalmente importantes para a sociedade local são conteúdo fundamental, considerados o principal meio de ensino, pois acredita-se que enquanto joga, a criança aprende (FREIRE, 1989). 32 3.3.5 Abordagem sistêmica Esta abordagem entende a educação física como um sistema hierárquico aberto, ou seja, o professor está submetido a uma hierarquia que interfere diretamente em sua atividade docente. Por exemplo, o professor precisa adequar-se ao projeto político pedagógico da escola e responder diretamente aos líderes educacionais da instituição de ensino, sendo que estes precisam seguir normas e recomendações da secretaria municipal de educação, que por sua vez segue comandos das secretarias estaduais e do ministério da educação (BETTI, 1991). Ainda, Betti (1991) aponta que todas essas esferas governamentais e educacionais sofrem influência da sociedade. Na abordagem sistêmica, o desenvolvimento motor possui papel importante, contudo, não pode ser trabalhado de forma isolada. Os alunos precisam saber realizar determinado movimento, mas também precisam entender por que realizá-lo, quais os benefícios de realizá-lo, entre outras aprendizagens (DARIDO, 2001). A teoria compreende que, ao ensinar para os estudantes como fazer e a importância do fazer, estes estarão mais propensos a manterem uma prática física durante toda sua vida. A abordagem sistêmica possui outros princípios importantes, como o da inclusão e o da diversidade. É entendido que as aulas de educação física devem ser planejadas para que todos os alunos possam realizá-la, para isto, a diversificação de conteúdos é importante, pois oferecerá vivências variadas aos estudantes, de forma que exista maior chance de identificação com algum tipo de atividade (BETTI, 1991). 3.3.6 Abordagem crítico-emancipatória Nesta abordagem, o aluno é enxergado como o principal condutor de seu processo de ensino e aprendizagem, de forma que o professor precisa oferecer uma liberdade no primeiro contato com as tarefas propostas, a fim que o estudante faça descobertas espontâneas. Posteriormente, o professor precisa propor que seja realizada a verbalização das aprendizagens adquiridas. Neste momento é muito importante que a discussão seja conduzida de forma que os 33 estudantes exponham suas experiências, mas que tenham curiosidade e liberdade de questionar e propor soluções, caminhando de fato para um processo emancipatório (DARIDO, 2001). 3.3.7 Abordagem cultural Tem como idealizador o professor Jocimar Daólio (1995) e como princípio a ideia da inclusão por meio da naturalização do corpo humano, indicando que os corpos são semelhantes, formados pelos mesmos componentes estruturais. A teoria pondera que por mais que existam diferenças em termos de desempenho em determinadas tarefas, a educação física não deve atribuir valoração ao desempenho técnico. Na verdade, é necessária uma intervenção com ênfase na cultura atrelada àquela prática, uma vez que todo movimento humano é produto de uma cultura, ou seja, é ligado a um determinado povo e momento histórico (DAÓLIO, 1995). A abordagem cultural tem como princípio básico a alteridade. Segundo Daólio (1995), esse princípio indica que cada ser humano é único e a coletividade é plural; portanto, se faz necessário o entendimento dos estudantes a partir de suas distinções, de forma que as diferenças de desempenho técnico nas diferentes atividades não sejam enxergadas como um padrão correto ou errado de execução, mas como diferenças que existem naturalmente em um grupo de pessoas. 3.3.8 Abordagem saúde renovada Esta abordagem indica uma estratégia de ação didática com foco na perspectiva biológica, porém, em contraponto às práticas tradicionais e positivistas do século passado. A principal ideia defendida por essa abordagem é que a educação física escolar seja utilizada também como espaço de combate aos distúrbios orgânicos associados ao sedentarismo (GUEDES; GUEDES, 1994). Guedes e Guedes (1994) indicam que o estabelecimento de uma relação saudável e prazerosa com a prática de exercícios na infância e na adolescência, bem como o entendimento dos benefícios da manutenção dessas práticas em 34 termos de ganhos de saúde serão determinantes para que esses indivíduos mantenham um estilo de vida ativo e saudável no decorrer da vida (GUEDES; GUEDES, 1994). Uma ideia-chave dessa abordagem é que as aulas de educação física precisam ser diversificadas quanto aos conteúdos, porque oferecerão maior leque de possibilidades aos estudantes, aumentando assim a chance de manutenção do estilo de vida saudável. A grande crítica sofrida por essa abordagem é que a manutenção de um estilo de vida saudável depende de muitos fatores além da vontade individual, como condições de acesso a locais e estruturas físicas, condições econômicas, etc. 3.3.9 Abordagem dos Parâmetros Curriculares Nacionais Em 1997 foi publicado um importante documento para a educação nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que indicam os conteúdos e as estratégias educacionais para o ensino fundamental. A educação física recebeu um documento direcionado especificamente para sua atividade pedagógica (BRASIL, 1997). Este documento não tem a intenção de impor um novo método pedagógico, mas de auxiliar os educadores no processo de organização e estruturação dos conteúdos. Além disso, uma contribuição importante é o apontamento da formação cidadã como alvo a ser atingido, pois entende que a educação física deve contribuir para formar indivíduoscapazes de manter a prática de atividades físicas fora da escola, respeitando todos a sua volta, entendendo e valorizando as diferenças e múltiplas características sociais e compreendendo que cada pessoa faz parte da sociedade e possui direitos e deveres (DARIDO, 2001). Todas as abordagens apresentadas surgiram em contraponto ao modelo tradicional vigente no século passado. Como você pode perceber, cada uma delas possui particularidades e direcionamentos do ponto de vista da ação didática, contudo, a grande maioria concorda que o objeto de estudo da educação física na escola é a cultura corporal do movimento. A cultura corporal do movimento reúne um conjunto de temas relevantes para a educação física, o que inclui: jogos e brincadeiras, ginásticas, danças, esportes, lutas e a capoeira. 35 O professor precisa, portanto, adotar uma prática pedagógica pautada em uma ou mais abordagens pedagógicas críticas da educação física, de forma a trabalhar os conteúdos da cultura corporal do movimento em toda sua amplitude. Somente assim é possível oferecer um ambiente educativo rico em oportunidades e direcionado ao desenvolvimento integral dos estudantes. 4 ABORDAGENS PEDAGÓGICAS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA 4.1 Teorias pedagógicas da educação física escolar As teorias pedagógicas, abordagens ou concepções da educação física foram constituídas primeiramente no fim do século XVIII e no início do século XIX. Essas correntes foram muito influenciadas pelas perspectivas militaristas e também pela medicina. Nesse cenário, os exercícios realizados, organizados e sistematizados pelas forças armadas, militares, como forma de condicionamento físico e preparação física começaram a ser vistos de outra forma. Eles foram levados à massa social como propostas terapêuticas resultantes do conhecimento médico, porém com ideais pedagógicos (BRACHT, 2007). Uma das marcas da compreensão do exercício como manifestação terapêutica e direcionamento pedagógico é a construção dos modelos ginásticos. Esses modelos instrumentalizam as diversas culturas do movimento para que o aprendizado seja mais efetivo e competente. Assim, você pode perceber que o corpo é o principal alvo dos estudos do século XVIII e XIX. O início das teorizações sobre a educação física apenas de corpo, ou ainda da educação de corpo e mente, se relaciona com o surgimento das discussões que pretendem compreender a importância do corpo e seus significados no desenvolvimento. Dessa forma, o nascimento da educação física se divide em duas perspectivas distintas. A primeira prediz a ideia de que a educação física permeia a construção de corpos saudáveis e dóceis. É a educação estética (sensibilidade), que se voltava à perspectiva da política nacionalista ou a um processo de produção. Já a segunda perspectiva entende a educação física pelo 36 viés da ciência, de um ponto de vista médico-científico. Como você deve imaginar, essa noção representava infinitas possibilidades de intervenção sobre o corpo para a promoção da aprendizagem (DAOLIO, 2007). A educação física foi introduzida oficialmente na escola no ano de 1851, com a reforma de Couto Ferraz, que objetivava uma sucessão de medidas para melhorar a qualidade do ensino. Desde então, os diversos pesquisadores e autores da área da educação física discutem as teorias e abordagens de ensino dessa disciplina em diferentes períodos. Por volta dos anos 1920, a educação física era calcada na perspectiva higienista. A ideia principal dessa corrente era propagar hábitos de higiene e saúde a partir da prática do exercício físico. Assim, seu objetivo era formar um indivíduo forte, saudável e capaz de servir ao processo de desenvolvimento da nação. Depois da tendência higienista que marcou o princípio da educação física escolar brasileira, surgiu o modelo militarista. O enfoque desse modelo era o adestramento físico como maneira de preparar o indivíduo para defender o País dos perigos internos e externos. Os principais procedimentos de ensino davam conta de formar sujeitos capazes de suportar o combate e a luta para atuarem na guerra. Surge a partir daí a busca por seres fisicamente “perfeitos”. Como consequência, ocorre a exclusão daqueles considerados inábeis e incapazes. Ao longo dessa perspectiva militarista da busca pela perfeição, há o golpe militar de 1964. Como você sabe, esse foi um fato marcante e mudou mais uma vez o processo de ensino e aprendizagem no Brasil. Nessa época, os governos militares assumiram o poder do País e investiram fortemente no esporte para garantir sucesso nas competições de alto nível. Entretanto, a influência do esporte no sistema educacional foi tão incisiva que acabou por distorcer seu cunho formativo, característica fundamental para continuidade do esporte como conteúdo escolar. A partir dos anos 1980, fica evidente que a prática esportiva é predominante nas escolas. Instaura-se, portanto, a ideia tecnicista que concebia a reprodução e a cópia de habilidades apenas como treinamento e não como educação. É importante você notar que até os dias de hoje vários ambientes escolares ainda continuam priorizando a técnica de movimentos esportivos em 37 vez de promover a educação de forma integral pelo movimento. Esse fato é criticado por todos os autores da atualidade que escrevem e discutem sobre o processo formativo de ensino. Veja o que afirma Greco (2012): “Os métodos de ensino-aprendizagem dos esportes apresentam uma profunda interação com os processos de iniciação esportiva nas escolas e clubes, conforme evidenciado em propostas presentes na literatura nacional e internacional”. No final da década de 1970, surgem novos movimentos na educação física escolar na tentativa de romper com o modelo mecanicista, esportivista e tradicional. Hoje, tais modelos, por mais que sejam criticados em caráter teórico- prático, continuam sendo muito usados pelos professores que seguem as linhas de pensamento da época da ditadura militar. Também é bastante popular a perspectiva da ciência médica, que compreende as práticas corporais como treinamento e tratamento à saúde. 4.2 Corpo e seus sentidos Ao longo do tempo, o corpo, o movimento corporal e a educação corporal tomaram vários rumos e assumiram diferentes significados nas diversas discussões que foram ocorrendo. No que tange às primeiras discussões sobre a ideia de corpo e seus diversos sentidos, não podem ser deixados de lado dois autores: Maurice Merleau-Ponty e Marcel Mauss. Eles realizaram estudos relacionados a essa temática e escreveram algumas palavras muito interessantes sobre as diferentes perspectivas do corpo. De acordo com Merleau-Ponty (1971), o corpo é “[...] o veículo do ser no mundo”. Ou seja, o corpo é o instrumento que media a relação entre o sujeito e o próprio mundo. Já Mauss (1974) aponta para um corpo de significado. Esse corpo possui, além de um aspecto ou componente biológico, outro psicológico ou ainda sociológico. Afinal, seus movimentos retratam a manifestação social que se vincula a uma sociedade determinante. Anteriormente aos pensamentos desses dois autores, o corpo, por muito tempo e até o início do século XIX, foi tratado apenas pela sua concepção 38 biológica orgânica e fisiológica, não como algo constituído também pela cultura. Mais tarde, no período que vai do fim da década de 1980 à década de 1990, iniciam-se novos questionamentos sobre o movimento. Nesse sentido, entram em discussão práticas corporais, corporeidade, corporalidade, educação do movimento e educação corporal. Tudo isso a fim de entender e compreender os sentidos e as concepções do corpo. Atualmente, graças aos métodos científicos de estudos da modernidade, o corpo (também chamado de “dimensão corpórea do sujeito”) é visto com um elemento descontrolado, perturbador,que precisa ser controlado pelas instituições de forma rigorosa (BRACHT, 2005). Kunz (1994, p. 68) afirma que a cultura do movimento compreende “[...] todas as atividades do movimento humano, tanto no esporte como em atividades em seu sentido mais amplo e que pertencem ao mundo do ‘se movimentar’ humano”. Entretanto, Oliveira (1998/1999) prefere o termo “corporalidade”, pois entende que as expressões “cultura de movimento” e “cultura corporal de movimento” estão muito centradas na questão motriz. Nesse sentido, corporalidade é o conjunto de práticas corporais do homem, sua expressão criativa, seu reconhecimento consciente e sua possibilidade de comunicação e interação na busca da humanização das relações dos homens entre si e com a natureza. Dessa forma, se você analisar a escola dentro do âmbito da educação física e suas diretrizes educacionais, vai perceber que o paradigma da “educação corporal” parece ser algo acabado em si mesmo, apresentando-se de forma pífia e superficial apenas como movimento. Contudo, na verdade o movimento corporal emancipado, entendido e significado gera cultura e resgata a história do sujeito. De acordo com Faria Filho (1997), a escola deu ao corpo o sentido que acreditou ser melhor para compreender e ensinar a corporeidade, deixando assim o movimento com o significado que fosse mais adequado apenas a ela. Por fim, é necessário entender que a educação corporal não se restringe à disciplina de educação física (entendida como uma das chamadas “matérias” do currículo escolar), mas está ligada à construção de um sujeito com 39 características sócio-históricas fomentadas pela sua própria ação no mundo e pelas influências do mundo sobre ele. Dessa forma, a educação física é constituída a partir de uma visão interdisciplinar, única e com diversos significados. 40 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES D. S: H. Y. Da inovação em educação às escolas emergentes: papel social, valores e estratégias para a formação humana. 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) – Escola de Humanidades, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. ARIÈS, P. História social da infância e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1978. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 jul. 2021. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm. Acesso em: 07 jul. 2021. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp- content/uploads/2018/04/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site.pdf. Acesso em: 07 jul. 2021. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: educação física. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro07.pdf. Acesso em: 07 jul. 2021. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Editores Associados, 2009. SIMÕES, E. et al. Educação física escolar: um diálogo com sua história, desafios e possibilidades. Revista Didática Sistêmica, edição especial, p. 219-223, 2010. Disponível em: https://periodicos.furg.br/redsis/article/view/1757/944. Acesso em: 07 jul. 2021. 41 ANJOS, J. L. dos. Corporeidade, higienismo e linguagem. Vitória: UFES, 1995. ARAÚJO, C. R. P. de. Um diálogo entre Piaget, Vygotsky e Wallon sobre as categorias do desenvolvimento e aprendizagem. Revista Multidisciplinar e de Psicologia, v. 14, nº 49, p. 489–503, 2020. BETTI, M. Educação física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991. BIEDRZYCKI, B. P. et al. Metodologia do ensino da Educação Física. Porto Alegre: Sagah, 2020. BIEDRZYCKI, B. P.; OLIVEIRA JÚNIOR, L. L. de; DIONIZIO, M. História da educação física. Porto Alegre: Sagah, 2019. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental — educação física. Brasília: Ministério da Educação, 1997. CASTELLANI FILHO, L. Educação física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus, 1988. DAÓLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995. DARIDO, S. C. Educação física na escolar: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. FREIRE, J. B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo: Scipione, 1989. BETTI, M. Educação física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991. BRACHT, V. Cultura corporal, cultura de movimento ou cultura corporal de movimento? In: SOUZA JÚNIOR, M. Educação física escolar: teoria e política curricular, saberes escolares e proposta pedagógica. Recife: EDUPE, 2005. p. 97-106. BRACHT, V. Educação física e ciência: cenas de um casamento (in)feliz. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2007. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do 42 ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. BROTTO, F. O. Jogos cooperativos: o jogo e o esporte como um exercício de convivência. 1999. 209 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995. (Coleção Corpo e Motricidade). DAOLIO, J. Educação física e o conceito de cultura. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2007. DARIDO, S. C. Educação física na escola: questões e reflexões. Araras: Topázio, 1999. FARIA FILHO, L. M. História da escola primária e da educação física no Brasil: alguns apontamentos. In: SOUSA, E. S.; VAGO, T. M. (Org.). Trilhas e partilhas: educação física na cultura escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: Cultura, 1997. p. 43-58. GRECO, P. J. O conhecimento tático produto de métodos de ensino combinados e aplicados em sequências inversas no voleibol. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 129-147, jan./mar. 2012. KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994. KUNZ, E. (Org.). Didática da educação física 2. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2005. LE BOULCH, J. A educação pelo movimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980. MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: E.P.U., 1974. v. 2. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1971. OLIVEIRA, M. A. T. Existe espaço para o ensino da educação física na escola básica? Pensar a Prática, Goiânia, v. 2, p. 119-135, jun. 1998/1999. 43 TANI, G. et al. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: E.P.U., 1988.
Compartilhar