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Marco Aurélio Monteiro Pereira Maura Regina Petruski Melissa Pedroso da Silva Pereira pONTA gROSSA - pARANÁ 2010 História LiceNciATuRA em eDucAÇÃO A DiSTÂNciA TEORIA DA HISTÓRIA III UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância - NUTEAD Av. Gal. Carlos Cavalcanti, 4748 - CEP 84030-900 - Ponta Grossa - PR Tel.: (42) 3220-3163 www.nutead.org 2010 Todos os direitos reservados ao Ministério da Educação Sistema Universidade Aberta do Brasil Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processos Técnicos BICEN/UEPG. Pró-Reitoria de Assuntos Administrativos Ariangelo Hauer Dias - Pró-Reitor Pró-Reitoria de Graduação Graciete Tozetto Góes - Pró-Reitor Divisão de Educação a Distância e de Programas Especiais Maria Etelvina Madalozzo Ramos - Chefe Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância Leide Mara Schmidt - Coordenadora Geral Cleide Aparecida Faria Rodrigues - Coordenadora Pedagógica Sistema Universidade Aberta do Brasil Hermínia Regina Bugeste Marinho - Coordenadora Geral Cleide Aparecida Faria Rodrigues - Coordenadora Adjunta Myriam Janet Sacchelli - Coordenadora de Curso Roberto Edgar Lamb - Coordenador de Tutoria Colaborador Financeiro Luiz Antonio Martins Wosiak Colaboradora de Planejamento Silviane Buss Tupich Projeto Gráfico Anselmo Rodrigues de Andrade Júnior Colaboradores em EAD Dênia Falcão de Bittencourt Jucimara Roesler Colaboradores de Informática Carlos Alberto Volpi Carmen Silvia Simão Carneiro Adilson de Oliveira Pimenta Júnior Juscelino Izidoro de Oliveira Júnior Osvaldo Reis Júnior Kin Henrique Kurek Thiago Luiz Dimbarre Thiago Nobuaki Sugahara Colaboradores de Publicação Maria Beatriz Ferreira - Revisão Sozângela Schemin da Matta - Revisão Edson Gil Santos Júnior - Diagramação Colaboradores Operacionais Edson Luis Marchinski Joanice Kuster de Azevedo João Márcio Duran Inglêz Kelly Regina Camargo Mariná Holzmann Ribas cRÉDiTOS João Carlos Gomes Reitor Carlos Luciano Sant’ana Vargas Vice-Reitor P436t Pereira, Marco Aurélio Monteiro Teoria da história III. / Marco Aurélio Monteiro Pereira, Maura Regina Petruski e Melissa Pedroso da Silva Pereira. Ponta Grossa : UEPG/NUTEAD, 2010. 120p. Licenciatura em História - Educação a Distância. 1. Marxismo e História. 2. Engels. 3. Escola dos Annales. 4. Nova História. I. Petruski, Maura Regina. II. Pereira, Melissa Pedroso da Silva. III. T. CDD : 907 ApReSeNTAÇÃO iNSTiTuciONAL Olá, estudante Hoje você integra um amplo conjunto de estudantes brasileiros que optou por estudar a distância. Saiba que o número de alunos dessa modalidade cresce cada vez mais, e coloca a educação a distância (EaD) como uma importante modalidade no contexto da política permanente de expansão da educação superior em nosso país. O respaldo legal para a expansão da educação a distância no Brasil decorre do que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96 que, em seu artigo 80, faculta o emprego da educação a distância em todos os níveis e modalidades de ensino. Todavia, isso não significa perda da qualidade ou afrouxamento dos critérios para a concessão de diplomas. Ao contrário do que muitos pensam, as exigência do Ministério da Educação (MEC) para o credenciamento institucional em EaD são muito rigorosas e envolvem elevados padrões de qualidade científica, acadêmica e técnica. A UEPG é credenciada, desde 2004, para ministrar cursos superiores a distancia e isso só foi possível porque nossos projetos, programas e cursos de EaD apresentam todos os referenciais de qualidade exigidos pelo MEC. No atual contexto de oferta e expansão da educação a distância na UEPG, o objetivo maior da nossa instituição não é apenas manter, mas elevar os padrões de qualidade que sempre caracterizaram nossos cursos, sejam eles presenciais ou a distância. Saiba que você, enquanto nosso aluno, tem um importante papel no alcance desse objetivo, pois a qualidade dos cursos de EaD depende de muitos fatores, tais como infra-estrutura, recursos técnicos e tecnológicos, linguagens, mídias e outros, mas depende sobretudo do esforço e dedicação dos estudantes, que devem aproveitar todos os recursos que a instituição oferece para facilitar o seu processo de aprendizagem. Por isso, contamos com a sua dedicação, com o seu empenho, com o seu comprometimento enquanto acadêmico para fazer deste curso mais um referencial de qualidade em nossa instituição. Lembre-se que a distância geográfica não significa estar isolado, pois você é parte de uma rede colaborativa e pode interagir conosco sempre que desejar, acessando nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem ou servindo-se dos demais recursos e mídias disponíveis para nossos alunos e professores. Seja um estudante consciente, participativo e responsável e colabore para elevar o nome da UEPG e o valor de seu diploma. Sucesso e bom trabalho em mais essa etapa do curso! EQUIPE DA UEPG/UAB SumÁRiO PALAVRAS DOS PROFESSO ■ RES 7 OBJETIVOS E EMENT ■ A 9 mARx, mARxiSmO e HiSTóRiA 11 SEÇÃO ■ 1- A FOrMAçãO DE MArx 13 SEÇÃO 2- ■ A rUPTUrA COM O PENSAMENTO HEGELIANO 16 SEÇÃO ■ 3- MArx E ENGELS 19 SEÇÃO 4- ■ OS ÚLTIMOS ESCrITOS 24 mARx, eNgeLS e A HiSTóRiA 29 SEÇÃO ■ 1- O MATErIALISMO HISTórICO 32 SEÇÃO 2- ■ O CONCEITO DE MODO DE PrODUçãO 34 A eScOLA DOS ANNALeS 39 SEÇÃO ■ 1- A rEAçãO CONTrA A HISTórIA METóDICA 41 SEÇÃO 2- ■ SUrGIMENTO E TrAjETórIA DOS AnnAles 44 SEÇÃO 3- ■ AS QUESTõES TEórICO-HISTOrIOGráFICAS 46 SEÇÃO 4- ■ PrINCIPAIS ExPOENTES DA ESCOLA DOS AnnAles 50 A NOvA HiSTóRiA 65 SEÇÃO ■ 1- CONTINUIDADE OU INíCIO? 67 SEÇÃO 2- ■ A rEDESCOBErTA DAS MENTALIDADES 68 SEÇÃO 3- ■ A HISTórIA SErIAL E A CULTUrA 70 SEÇÃO ■ 4- DO SErIAL AO QUALITATIVO 71 SEÇÃO 5- ■ AS CríTICAS à novA HistóriA 73 PALAVRAS FINAI ■ S 77 REFERÊNCIAS ■ 78 NOTAS SOBRE O AUTO ■ R 83 ANEXO ■ 1- TESES CONTrA FEUErBACH 84 ANEXO ■ 2- MANIFESTO DO PArTIDO COMUNISTA 88 ANEXO ■ 3- PrEFáCIO DA CONTrIBUIçãO PArA A CríTICA DA ECONOMIA POLíTICA 118 pALAvRAS DOS pROFeSSOReS A disciplina que você iniciará agora, teoria da História iii, faz parte dos componentes teórico-historiográficos do curso de Licenciatura em História. Ela compõe um núcleo formado pelas disciplinas de Teoria da História I e II, que você já estudou, Teoria da História III, que você começará a estudar agora, e Teoria da História IV, que você estudará no próximo semestre. Nessas disciplinas são tratados temas pertinentes às concepções históricas e à escrita da história desde os primórdios da Humanidade até os dias de hoje. Esse conjunto de disciplinas se propõe a um olhar sobre a história da história, ou, melhor dizendo, a história da produção histórica nas diversas culturas humanas, com ênfase para as componentes da tradição judaico- cristã ocidental. Em teoria da História i, você analisou o percurso das concepções históricas e da escrita da História da Antiguidade até os séculos xVII e xVIII de nossa era. Em teoria da História ii, você trabalhou os percursos da historiografia europeia desde o final do século xVIII até praticamente todo o século xIx, uma conjuntura importante para a historiografia ocidental contemporânea, pois trata das origens das concepções cientificistas de escrita da história na contemporaneidade. Agora, em Teoria da História III, você analisará as duas maiores correntes historiográficas de contraposição ao cientificismo historicista e metódico do século xIx na Europa: o Materialismo Histórico de Karl Marx e Friedrich Engels, surgido em meados do século xIx, e a Escola dos Annales, de Marc Bloch e Lucien Febvre, surgida no início do século xx, com seus desdobramentos, a partir de meados do século xx, na nova História. Assim, na Unidade I será construído um panorama biográfico-teórico de Karl Marx, que articulará atrajetória de vida e militância com a produção teórica, em seus diferentes aspectos. A Unidade II tratará especificamente dos fundamentos do Materialismo Histórico, que compreende o conjunto de proposições de Marx sobre a História. Na Unidade III serão abordados o surgimento e a consolidação da chamada Escola dos Annales, movimento historiográfico surgido na França no início do século xx, com os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, e seu desenvolvimento com Fernand Braudel. Finalmente, a Unidade IV tratará da nova História, também conhecida como “terceira geração dos Annales”, que causou um grande impacto na historiografia francesa e mundial a partir do final da década de 1960, numa abordagem introdutória que será desenvolvida mais a fundo em Teoria da História IV. A proposta de abordagem do conteúdo do curso não é factualizante, mas centrada nas possibilidades de compreensão crítica das concepções históricas e da escrita da história nas diferentes manifestações historiográficas estudadas. É um curso que se funda em concepções de história e de historiografia centradas em sua dimensão cultural e social, expressão de projetos identitários, tanto externa quanto internamente a cada núcleo analisado. Os autores. OBJeTivOS e emeNTA ObjetivO Geral • Compreender as manifestações da historiografia do Materialismo ■ Histórico, do movimento historiográfico da Escola dos Annales e da Nova História a partir do estudo de seus principais expoentes e de sua produção historiográfica. ObjetivOs específicOs Compreender as dimensões conceituais, as diferentes formas e as posturas ■ político-ideológicas do Materialismo Histórico de Karl Marx e Friedrich Engels. Dialogar com as concepções de Karl Marx e Friedrich Engels sobre a História. ■ Estudar a principal reação à Escola Metódica ocorrida na França, com a ■ Escola dos Annales, de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel. Tomar contato com a ampliação do campo da escrita da história e com a ■ produção histórica da terceira geração dos Annales, conhecida também por Nova História. ementa O materialismo histórico. A Escola de Annales. Estudo de autores ■ representativos na historiografia. rOteirO de estudO SeÇÃO 1 FORmAÇÃO DOceNTe e DeSempeNHO eScOLAR marx, marxismo e História ObjetivOs de aprendiZaGem Compreender os fundamentos das ideias de Karl Marx e Friedrich Engels. ■ Tomar contato com a história de vida e com a produção de Marx e Engels. ■ rOteirO de estudOs SEÇÃO 1 - A Formação de Marx ■ SEÇÃO 2 - A Ruptura com o Idealismo Hegeliano ■ SEÇÃO 3 - Marx e Engels ■ SEÇÃO 4 - Os Últimos Escritos ■ U N ID A D E I M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 12 UNIDADE 1 13 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 12 UNIDADE 1 13 UNIDADE 1 pARA iNÍciO De cONveRSA Tentar trabalhar, mesmo que de forma introdutória, a escrita da história em Marx é um empreendimento bastante difícil num país como o Brasil, onde o alinhamento aos Estados Unidos durante a guerra fria transformou o anticomunismo, e por extensão o anti-marxismo, quase que numa instituição nacional, mesmo nestes tempos após a derrocada do “socialismo real”. Há um preconceito difuso, dentro da sociedade brasileira, contra as idéias de Marx, e esse preconceito também se dissemina nas universidades e, principalmente, nas escolas de ensino fundamental e médio. Mas as ideias de Marx constituem hoje um patrimônio intelectual da humanidade como um todo e se revelam um instrumento bastante privilegiado para a análise da estrutura das relações sociais e da natureza intrínseca das sociedades. A definição de marxismo, como tudo, aliás, que se refere à interpretação da obra de Marx, é feita de forma plural, definida pelo enquadramento político de quem a elabora. Uma boa análise sintética desse processo seria a de Eric. j. Hobsbawm, um dos maiores historiadores marxistas contemporâneos: Marx já dizia, “a propósito dos ‘marxistas’ franceses da década de 1870: ‘tudo o que sei é que não sou um marxista’” (FErNANDES, 1986, p. 10), em uma carta escrita a Engels. Essa construção diferenciada entre o pensamento de Marx e os pensamentos dos “marxistas” leva a priorizar a construção teórica do próprio Marx e de Engels nessa análise1. Assim, para uma recuperação do pensamento de Marx e Engels sobre a história, é fundamental, preliminarmente, uma breve visão sobre suas vidas e obras, como você verá nas próximas seções. O marxismo, que é ao mesmo tempo um método, um corpo de pensamento teórico e um conjunto de textos considerados por seus seguidores como uma fonte de autoridade, sempre sofreu com a tendência dos marxistas de começar por decidir o que pensam que Marx deveria ter dito e depois procurar a confirmação nos textos, dos pontos de vista escolhidos. (HOBSBAWM, 1982, p. 155.) ____________________________________________________________________________________________ 1 reproduzo aqui a distinção feita por alguns autores entre marxiano, que é o que diz respeito ao pensamento do próprio Marx, e marxista, que se refere ao pensamento de seus seguidores. M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 12 UNIDADE 1 13 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 12 UNIDADE 1 13 UNIDADE 1 SeÇÃO 1 A FORmAÇÃO De mARx Embora seja desejável não personalizar as matrizes de pensamento historiográfico, no caso de Marx e Engels isso é impossível. A própria concepção de unidade entre a teoria e a prática, que é o alicerce de seu pensamento, torna impraticável dissociar a vida da obra de Marx e Engels. Karl Marx nasceu na cidade alemã de Trier (Trèves ou Tréveres), na renânia, em 5 de maio de 1818. Foi o terceiro dos nove filhos de um advogado liberal judeu, Hirschel Marx, mais tarde (1824) convertido ao protestantismo com o nome de Heinrich, casado com Enriqueta Pressburg, descendente de uma família de rabinos. Marx estudou em Trier até o fim do liceu secundário, em 1835. No fim desse ano, mudou-se para Bonn, onde, em 1836, matriculou-se na Universidade, para estudar Direito. Na Universidade, passou a frequentar os círculos liberais de estudantes. Em 1836, ficou noivo, secretamente, de jenny Von Westphalen, jovem nobre e de alta posição social em Triers. Essa relação teve a obstinada oposição de ambas as famílias, e Marx e jenny só puderam casar-se oito anos mais tarde, em 1843. Ainda em julho de 1836, Marx matriculou-se na Universidade de Berlim, onde sua trajetória de acadêmico foi se afastando cada vez mais do Direito e se aproximando da História e da Filosofia. Foi em Berlim que Marx teve contato com o pensamento de Hegel, falecido pouco antes (1831), e que era uma espécie de ideologia oficial na Alemanha, considerado como um apoio direto ao Estado prussiano, por concluir que o Estado moderno encarnava os ideais da Moral mais objetivos e manifestava a razão no domínio da vida social. Mas, nessa época, os alvos prioritários da crítica dos liberais não estavam no Estado, e sim na Igreja e na religião. A “esquerda hegeliana” reinterpretou o pensamento de Hegel, descobrindo um Hegel secreto em oposição ao Hegel explicitado, separando o método revolucionário do sistema conservador. O pioneiro da “esquerda hegeliana”, David Strauss (1808-1874), M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 14 UNIDADE 1 15 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 14 UNIDADE 1 15 UNIDADE 1 construiu, em sua tentativa de separação da figura histórica de Cristo de sua interpretação teológica, um espaço para a retomada da tradicional lutada intelectualidade racionalista pelo direito de submeter os escritos sagrados à crítica história. Tentou, também, criar um espaço para a crítica e a transformação do pensamento de Hegel, introduzindo as sementes da crítica política. Outro expoente da “esquerda hegeliana” foi Bruno Bauer (1809- 1872), que retomou as ideias de Fichte (1762-1814) e procurou separar o desenvolvimento do Espírito humano do desenvolvimento do mundo, transferindo para a consciência de si a tarefa de determinar a história. Arnold ruge, Moses Hess e Max Stirner compunham, também, a “esquerda hegeliana”. Mas, sem dúvida, seu principal expoente foi Ludwig Feuerbach, responsável pela aglutinação de “todo o pensamento da esquerda hegeliana, formulando, de um novo ponto de vista, a mais consistente crítica da filosofia da religião e da dialética hegelianas”. (GIANOTTI, 1978, p. VII-Ix) Marx se integrou e participou ativamente das atividades da “esquerda hegeliana”. Em 1840, o Doktorclub mudou sua denominação para Clube dos Amigos do Povo e mudou também sua postura: de uma crítica idealista para uma posição de ação política de extrema esquerda. Marx continuou em posição preeminente nesse círculo. O texto de uma carta de Moses Hess a Feuerbach, em 1841, dá a medida do conceito de Marx entre os integrantes da “esquerda hegeliana”: Os «jovens hegelianos» reuniram-se num círculo, o Doktorclub [...] Marx foi imediatamente admitido no Doktorclub. Partilhava então da maior parte das idéias de Bauer. Os hegelianos de esquerda continuavam idealistas: acreditavam numa espécie de renovação do homem e da sociedade, mais do que numa revolução. Propunham- se, quando muito, fazer uma «revolução nas consciências» - e não uma revolução política. (LEFEBVRE, 1981, p. 100) O maior, o único e verdadeiro filósofo contemporâneo, o Doutor Marx, é ainda um homem muito novo. Dará o golpe de misericórdia à religião e à política medievais. Alia à mais profunda gravidade filosófica o espírito mais agudo. Imagina Rousseau, Voltaire, d’Holdbach, Lessing, Heine e Hegel unidos num só ser – digo «unidos» e não lançados em desordem – e compreenderás o que é Marx. (HESS apud LEFEBVRE, 1981, p. 101) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 14 UNIDADE 1 15 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 14 UNIDADE 1 15 UNIDADE 1 Marx concluiu seus estudos de graduação em 30 de março de 1841, na Universidade de Berlim. Em 15 de abril, apresentou à Universidade de Iena a sua tese de doutorado, Diferença entre a Filosofia da natureza de Demócrito e a de epicuro. Embora de formato e vocabulário hegeliano, a tese de Marx já apontava para novos caminhos. Esses novos caminhos começaram a se delinear já pela opção de Marx de estudar os materialistas da Antiguidade, repudiados por Hegel como, aliás, todos os materialistas. Marx, porém, viu em Epicuro um filósofo de primeira linha, que tirou a filosofia do espaço da religião e libertou o homem do medo dos deuses. Constatou, também, o modo como Epicuro enriqueceu a teoria atomística de Demócrito, que era uma concepção apenas mecanicista da natureza e do homem. Epicuro fez do átomo uma espécie de centro de energia, de força e de ação dinâmica. Era uma posição radicalmente diferente daquela assumida por Hegel, que considerava os epicuristas como preparadores, junto com os estóicos, do ceticismo, o qual, para ele (Hegel), foi o principal momento negativo da filosofia antiga. A tese de Marx rompeu com a ideia de um mecanicismo simplista na filosofia materialista. Para ele, na filosofia materialista o determinismo perdeu a sua rigidez; deu lugar ao acaso e à intervenção da vontade humana. Foi esse momento que anunciou a sua ruptura com o sistema idealista hegeliano. Dessa forma, Estavam lançadas aí as bases de superação do idealismo hegeliano, no pensamento de Marx, e o que seria o embrião do materialismo histórico e dialético, como você poderá acompanhar na Seção 2 a seguir. A dialética idealista de Hegel aplicada à história da filosofia exige uma reconsideração que a transforme. Não devemos portanto aceitá-la tal como se apresenta, nem limitarmo-nos, como os jovens hegelianos, a considerar o seu lado idealista como sendo o mais profundo, mais secreto, mais inovador. Para Marx, e segundo ele próprio, é chegado o momento de se libertar do hegelianismo e de lhe aplicar o seu próprio método. Assim como Hegel se libertou da anterior filosofia, assim a filosofia se deve libertar dele, o que não significa destruí-lo, mas sim continuá-lo: «É uma lei psicológica, que o espírito teórico emancipado em si mesmo se transforme em energia prática e, saindo do reino das sombras como vontade, se volte contra a realidade do mundo que existe sem ele». (LEFEBVRE, 1981, p. 101-102) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 16 UNIDADE 1 17 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 16 UNIDADE 1 17 UNIDADE 1 SeÇÃO 2 A RupTuRA cOm O peNSAmeNTO HegeLiANO Com a exoneração de seu amigo e “patrono” Bruno Bauer da Universidade de Bonn, acabaram-se os sonhos de Marx de seguir carreira acadêmica. Voltou-se, então, para uma militância social mais ativa. Foi desse período (1842) seu primeiro artigo, sobre a censura prussiana. Numa conjuntura em que a oposição liberal ao governo prussiano se articulava de forma mais consistente, alguns integrantes da “esquerda hegeliana” (Hess, rutenberg, etc.), com o apoio de industriais e comerciantes de Colônia, decidiram criar um jornal que unificasse a oposição: A Gazeta renana. Marx, Hess e rutenberg se tornaram os primeiros diretores do jornal. O primeiro artigo de Marx na Gazeta renana foi sobre a liberdade de imprensa. Nessa altura de sua trajetória, No nível da conjuntura europeia como um todo, pairava o “fantasma do comunismo”. Marx, que pretendia nesse momento a transformação da sociedade mantendo-se dentro da ordem dos limites constitucionais, negou, em artigo de outubro de 1842, publicado na Gazeta renana, ser comunista; “anunciou até uma crítica do comunismo – e foi para preparar esta crítica que começou a ler as obras dos teóricos franceses!”. (LEFEBVrE, 1981, p. 104) Porém, o momento de sua passagem do idealismo liberal para o materialismo revolucionário se deu concretamente nos casos dos “roubos de lenha” e dos “vinhateiros do Mosel”, muito famosos em sua época. São dois casos em que se confrontavam o direito burguês institucional e as permanências do direito consuetudinário medieval. O exercício da chefia da redação da Gazeta renana punha Marx em contato com questões concretas da realidade alemã, colocando a necessidade de articulação entre a especulação filosófica e a resposta a problemáticas concretas da vivência social. Assim, quando as questões Marx era ainda, e sobretudo, um democrata liberal e idealista; através da imprensa, dirigia-se mais ao «público» do que ao povo, para o «esclarecer» - persuadido de que fazia a história avançar apenas pelas idéias. (LEFEBVRE, 1981, p. 104) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 16 UNIDADE 1 17 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 16 UNIDADE 1 17 UNIDADE 1 dos “roubos de lenha” e dos “vinhateiros do Mosel” foram levadas à Assembleia Política renana, passaram a ser objeto de reflexão de Marx. O hábito de apanhar madeira seca nos bosques era ancestral nas comunidades camponesas alemãs, remontando ao início do feudalismo. Com a privatização da terra, esse hábito passou a ser considerado como um roubo, embora fosse fundamental para a própria sobrevivência dos camponesesno inverno. Ao apanhar a lenha seca, ou mesmo cortar lenha verde, os camponeses não conseguiam se imaginar como estando a roubar, pois faziam apenas o que era do costume. A lei, entretanto, punia severamente esses casos como se fosse roubo. O caso dos “vinhateiros do Mosel”, comunidade de pequenos produtores levados à ruína por problemas no cultivo das vinhas, era muito semelhante. Feita uma proposta de proibição da divisão das terras comunais desse grupo, para impedir sua venda, a Assembleia Política renana rejeitou-a, com o intuito de fracionar a terra e facilitar a sua venda, o que, em médio prazo, significaria a miséria absoluta daquela comunidade. Para Marx esse problema extrapolava o campo jurídico, sendo, por definição, muito mais uma questão econômica e social. Esses dois episódios balizaram um momento de ruptura de Marx com os resquícios do idealismo hegeliano ainda presentes em sua prática. Mas Marx não efetuou sua ruptura com a filosofia idealista apenas em nome da filosofia. Essa ruptura se deu como consequência de sua vivência com a realidade humana e social “concreta”, com a luta política na ação prática, passando, assim, da filosofia crítica à crítica da filosofia e à sua crítica social. Por conta da radicalização da linha política da Gazeta renana, Marx começou a ganhar notoriedade pública. Mas, em janeiro de 1843, um artigo denunciando o apoio dos políticos conservadores europeus à rússia czarista provocou o fechamento do jornal, cuja última edição Marx advogou eloquentemente a favor deles, acentuando o conflito, a contradição entre as duas formas do direito: os direitos consuetudinários das comunidades sobre as florestas e a lenha - e o direito em vigor, fundamentado no direito de propriedade absoluta. «Existe nesses costumes da classe pobre um sentido construtivo do direito; a sua raiz é positiva e legítima». A lei que pune severamente os roubos de madeira não pode passar por ser a expressão de um direito eterno e imutável, nem mesmo a expressão dos interesses do Estado. Marx via nela a expressão de interesses particulares e de abjecto materialismo. (LEFEBVRE, 1981, p. 104-105) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 18 UNIDADE 1 19 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 18 UNIDADE 1 19 UNIDADE 1 foi em 31 de março de 1843. O fechamento da Gazeta renana pode ser considerado o final da fase idealista de Marx. Esse momento significou também o início do afastamento de Marx da “esquerda hegeliana”. Com alguns outros dissidentes, ele se propôs a criar uma revista mensal, a ser editada em Paris, chamada Anais Franco-Alemães, que pretendia concretizar a articulação de uma “aliança intelectual” do pensamento alemão de esquerda com o movimento revolucionário francês. Assim, em outubro de 1843, Marx, recém-casado, mudou-se para Paris, para a instalação da revista. O primeiro e único número dos Anais Franco-Alemães foi publicado em fevereiro de 1944 e trazia dois artigos de Marx. O primeiro, intitulado A questão judaica, formulava a crítica ao judaísmo e ao cristianismo, e o outro, a Contribuição a uma Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, analisava criticamente os fundamentos idealistas da filosofia do Direito de Hegel. Também foi publicado, nesse único número dos Anais Franco- Alemães, o artigo esboço de uma Crítica da economia Política, de Friedrich Engels, que marcou o pensamento de Marx e consolidou a amizade e o início do trabalho conjunto de ambos. A conjuntura dos Anais Franco-Alemães marcou a consolidação do processo de mudança de Marx do idealismo para o materialismo. No artigo sobre a filosofia do Direito de Hegel, Marx mostra de maneira cabal o deslocamento do seu eixo de análise filosófica e prática política. Acabava para Marx a luta que empreendera apenas com as armas do espírito. Compreendeu que a arma da crítica se tornava, mais cedo ou mais tarde, uma crítica pelas armas: «A força material tem de ser derrubada pela força material, mas a teoria torna-se uma força material quando anima as massas». (LEFEBVRE, 1981, p. 105) A análise da Filosofia do Direito de Hegel, considerada como a mais pura expressão da Filosofia do Estado moderno, deveria ser feita, no entender de Marx, a partir da crítica do Estado real que lhe serve de base. Uma crítica, portanto, que deixaria de mover-se exclusivamente ao nível do discurso, para visar ao concreto, transformando- se numa política, procurando penetrar nas massas e converter-se na força social capaz de mudar a sociedade. Para Marx, o Estado alemão de sua época representava o passado dos povos modernos e a luta contra a sua opressão assinalaria, pois, o esforço geral de emancipar a humanidade de todos os laços que a alienam. O homem, ser genérico e comunitário, não poderia realizar-se cabalmente sem ultrapassar a fragmentação das classes, das nações, enfim, de todos os particularismos que criam obstáculos para o desenvolvimento de seu ser. Toda a crítica, porém, permanece M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 18 UNIDADE 1 19 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 18 UNIDADE 1 19 UNIDADE 1 inócua, diz Marx, se não atinge a raiz do próprio homem, a ele mesmo enquanto ser concreto e a sociedade no interior da qual vive e se manifesta. Em virtude do próprio desenvolvimento do Estado moderno, surge uma classe, desprovida de todos os direitos e de todos os bens, por isso, de tal modo alienada que sua liberação só pode ser feita por meio da supressão dos laços opressores da sociedade como um todo, superando assim qualquer tipo de alienação. Pela primeira vez, Marx proclamava, pois, a luta de classes como o motor da História, e o proletariado como o germe que deveria subverter a estrutura da sociedade moderna. [...] Para que não se confundisse a lógica das coisas com as coisas da lógica, Marx insistia no caráter efetivo e revolucionário do movimento operário. Contudo, ainda pensava sobre o movimento de desalienação num nível eminentemente lógico: visto que a alienação atingia agora o seu ponto máximo, haveria de transformar-se em seu contrário. A categoria de trabalho, já considerada por Hegel, não desempenha um papel verdadeiramente ativo nessa conversão. (GIANOTTI, 1978, p. XII-XIII) Mas, sem dúvida, o grande resultado concreto da atuação de Marx nos Anais Franco-Alemães foi o seu contato com Friedrich Engels, que resultaria numa profunda amizade e numa vasta produção política e teórica conjunta, como você verá na próxima Seção. SeÇÃO 3 mARx e eNgeLS A concretização da mudança no pensamento de Marx se consolidou, no entanto, após seu contato com Friedrich Engels e a parceria que ambos estabeleceram, tanto teórica quanto pessoalmente. Engels nasceu em Barmen, na renânia, no ano de 1820. Quando era estudante de filosofia em Berlim, participou de reuniões do “hegelianos de esquerda”. Em 1842, foi para a Inglaterra, para trabalhar em uma fiação de seu pai. Na Inglaterra, tomou contato com os teóricos da Economia Política inglesa e também com as condições efetivas da classe trabalhadora inglesa, a qual seria objeto de um de seus mais célebres trabalhos individuais. Em 1844, ele conheceu Marx em Paris, onde começaram uma colaboração extremamente profícua no campo intelectual, aliada a uma militância intensa nas organizações operárias da época, e que culminou numa amizade muito forte entre ambos. A participação de Engels nos Anais Franco-Alemães introduziu uma nova vertente na formação do pensamento de Marx. M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 20 UNIDADE 1 21 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U niv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 20 UNIDADE 1 21 UNIDADE 1 A crítica desenvolvida no artigo de Engels situava-se no exterior do campo da Economia Política, assentando-se numa antropologia de corte feuerbachiano. Depois de Adam Smith (1723-1790), segundo Engels, o primeiro economista a reconhecer o trabalho como fonte da riqueza, os economistas entraram numa escalada de cinismo, o último mais cínico que o primeiro. Progressivamente foram despojando o homem de suas qualidades propriamente humanas, até o ponto de Ricardo (1772-1823), chegar a privilegiar o produto em prejuízo do produtor. A Economia Política, continua Engels, é a ciência da sociedade civil, terreno em que os homens se defrontam como particulares e proprietários, mas como tal não é mais do que o lugar da alienação, onde o homem perde seu caráter essencial e genérico. Por não ter posto em causa o postulado da propriedade privada, e por não ter anteposto ao privatismo da sociedade civil a universalidade do homem, a Economia Política, segundo Engels, não consegue fazer uma crítica radical da sociedade moderna. (GIANOTTI, 1978, p. XIII-XIV) Marx também partiu, sob a influência de Feuerbach, do conceito de homem como um ser genérico, porém chegando à sociedade civil como o espaço de sua alienação. Para Marx, entretanto, a alienação Sob esse ponto de vista, Marx escreveu uma série de textos conhecidos como Manuscritos econômico-Filosóficos, publicados tardiamente, apenas em 1932. O último destaque a ser feito sobre a conjuntura dos Anais Franco-Alemães é a crítica de Marx ao “comunismo vulgar” e ao socialismo utópico. Durante 1844, Marx contatou os círculos socialistas e comunistas parisienses. Alguns intelectuais emigrados de outras partes da Europa tinham criado em Paris a liga dos Banidos, inspirados num humanismo moral e social difuso e vago. Logo uma dissidência, chefiada pelo comunista Weitling, separou-se da liga dos Banidos e se aglutinou em uma sociedade de princípios comunistas, a liga dos Justos. Weitling publicou vários artigos de tendência comunista na imprensa francesa, recebendo, inclusive, elogios de Marx. O comunismo da liga dos Justos tinha por base o comunismo ascético de algumas seitas cristãs, misturado, de maneira confusa, com as idéias socialistas utópicas de Saint-Simon, de Fourier, de Owen, de Nasce da forma de trabalho a que o sistema de produção, orientado para a posse e o mercado, submete o trabalhador. O homem produz apenas para ter o produto de seu trabalho a fim de trocá-lo por um outro. Graças à roubalheira do comércio, todos acabam se alienando. No entanto, por mais que se veja fechado no circuito de ferro da propriedade privada, o homem não deixa de carecer humanamente de produtos que estão na mão de outrem. Estabelece-se, assim, uma tensão que o projeta além da propriedade privada e o leva à desalienação. (GIANOTTI, 1978, p. XIV) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 20 UNIDADE 1 21 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 20 UNIDADE 1 21 UNIDADE 1 Proudhon. Era um comunismo passadista, voltado à ideia de uma “idade do ouro” pré-capitalista. Marx, após seu entusiasmo inicial, repudiou a Liga dos justos, vendo nela uma “prostituição universal”, uma bestialidade, um “comunismo grosseiro”. Para ele, a necessidade de nivelamento social e a oposição à propriedade privada propostos pela Liga teriam como consequência apenas o reforço à desigualdade social e a manutenção do sistema privado de propriedade. Mas suas divergências eram mais fundas: Marx definiu, assim, sua concepção de socialismo científico como a passagem do idealismo ao materialismo, completada pela passagem da utopia grosseira à sociologia científica. Ele completou, nesse momento, o ciclo de crítica às concepções que o influenciaram, com a crítica da religião, a crítica da filosofia especulativa e a crítica da política idealista (liberal), além da crítica do comunismo e do socialismo utópicos. Os Anais Franco-Alemães foram perseguidos pelas polícias da França e da Prússia. Além disso, divergências internas impediram a continuação da revista, que ficou apenas em seu primeiro número. Durante sua estada em Paris, Marx, além de contatar os movimentos, comunistas e socialistas franceses, dedicou-se ao estudo da economia política inglesa, à qual fora apresentado por Engels. A partir daí Marx e Engels produzem um fecundo trabalho conjunto. A primeira obra conjunta foi A sagrada Família; crítica de uma crítica A idéia de que a sociedade moderna traz em si as condenações de uma transformação social (realizada pela classe operária, de que é a missão histórica) quase não lhes passava pela cabeça; viam claramente o seu sentido prático e político. Chamavam-se entre si de «irmãos» e reuniam para ágapes, refeições de comunhão à maneira dos primeiros cristãos. Alguns deles eram partidários da poligamia ou da comunidade das mulheres. (LEFEBVRE, 1981, p. 112) O comunismo grosseiro não é mais que a conclusão da vontade de nivelamento, partindo de um mínimo que se imagina... É a prova da negação abstracta de todo o mundo, da cultura, da civilização; tal como a apologia do «retorno à simplicidade», ao homem «pobre», e sem necessidades, que não só não ultrapassou a propriedade privada como nem sequer a atingiu (Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844). Assim, a negação «vazia» da propriedade privada não tem nenhuma ação pratica, e até se transforma no seu oposto: a apologia, o sustentáculo da propriedade privada. (LEFEBVRE, 1981, p. 113) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 22 UNIDADE 1 23 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 22 UNIDADE 1 23 UNIDADE 1 crítica. Foi um trabalho crítico sobre a postura políticas dos neo-hegelianos e uma polêmica bastante dura com Bruno Bauer e seus irmãos Edgard e Egbert, defensores de uma política liberal elitista. Em A sagrada Família (MArx & ENGELS, [s.d.]) “preconizavam um amplo entrosamento da teoria com os operários, pois, diziam, nada é mais ridículo que uma idéia isolada de interesses concretos”. (GIANOTTI, 1978, p. xIV) Quando A sagrada Família ainda estava na gráfica, Marx foi expulso da França, em fevereiro de 1845. refugiou-se, então, em Bruxelas. Sua primeira produção na Bélgica, já em março de 1845, foram as famosas teses sobre Feuerbach (GIANNOTTI, 1978, p. 55-60), espécie de conclusão dos Manuscritos econômico-Filosóficos, de 1944: “Elas condensam-nos, expõem-nos em fórmulas breves e mais precisas, embora só definam todo o seu sentido juntamente com eles” (LEFEBVrE, 1981, p. 135). As teses configuram-se como signo definitivo da ruptura de Marx com o idealismo e a esquerda hegeliana. Seu texto completo está no ANExO I, ao final deste livro. A mudança para a Bélgica proporcionou também a Marx e Engels o momento para a realização de um balanço de suas próprias consciências filosóficas, e também um balanço das consequências da ruptura com Feuerbach. Como fruto dessa reflexão foi escrita, de setembro de 1845 a agosto de 1846, a obra A ideologia Alemã (MArx, Engels, 1987). Marx e Engels não encontraram editor para A Ideologia Alemã, e o manuscrito foi deixado de lado. Foi publicado apenas em 1932. É a obra em que há a primeira exposição do materialismo histórico Os autores da Ideologia Alemã levantam uma série de questões com relação a Feuerbach: tomar a essência genérica do homem como ponto de partida da História não é aceitar muito particular do homem isolado, tal como o vê o pensamento burguês?; essa essência genérica não se no conjunto das relações sociais em que cada pessoa se insere?; se, além do mais, essas relações são mediadas pelas relaçõesque o homem mantém com a natureza, posta assim basicamente como o lugar da prática humana, que sentido pode ter uma essência genérica do homem que não esteja vinculada ao produto do seu próprio trabalho? Para Marx e Engels, por desconhecer o caráter ativo dos objetos naturais, mediados pela prática do homem, Feuerbach caiu numa concepção especulativa sobre a naturalidade do homem, desligada da política e da história, do desenvolvimento de si próprio a partir de suas condições reais de existência. (GIANOTTI, 1978, p. XIV) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 22 UNIDADE 1 23 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 22 UNIDADE 1 23 UNIDADE 1 Metade da obra é consagrada à refutação de Stirner, teórico do individualismo anarquizante. Marx encarniçou-se contra ele, arrasou-o, mostrando que sob o «pensamento audacioso» havia um filisteu, um freqüentador assíduo dos cafés berlinenses, embrutecido pela cerveja e profundamente satisfeito com o seu egoísmo. Muito pior que Hegel, Stirner dissolve o mundo real, não em idéias, nem mesmo na «consciência», mas no seu «eu». [...] A parte dedicada a Feuerbach, verossimilmente redigida por Marx e Engels, faz uma notável exposição do materialismo histórico. «São os homens que produzem as suas representações, as suas idéias - os homens reais, activos, condicionados pelo desenvolvimento determinado das forças produtivas... A consciência é o ser consciente; o ser dos homens é o seu processo vital. Se os homens e as suas condições aparecem invertidos nas ideologias, como numa câmara escura, esse fenómeno resulta do processo histórico vital, exactamente como a inversão dos objectos na retina decorre de um processo físico». (LEFEBVRE, 1981, 139-140) O desenvolvimento das questões relativas à história em A ideologia Alemã será retomado adiante, na Unidade II. Em Bruxelas, Marx passou a fazer parte da recém-criada liga dos Comunistas, espaço que “para ele representava o primeiro ensaio de superar a contradição entre uma organização internacional e os agrupamentos nacionais em que se aglutinavam os operários”. (GIANOTTI, 1978, p. xVI) É para o segundo congresso da liga dos Comunistas que Marx e Engels escrevem o famoso Manifesto do Partido Comunista (MArx & ENGELS, 1985). As posturas do Manifesto apontavam para uma mudança radical de Marx diante da Economia Política. Essa mudança iria se explicitar mais tarde, na polêmica de Marx com Proudhon. Proudhon publicara um programa político de luta contra o O texto abre-se com uma análise da luta de classes e termina convocando os operários do mundo inteiro à união. Marx estava visando a fins precisos. O movimento comunista apresentava, antes de tudo, um caráter utópico. Reduzidos a uma pobreza crescente, conforme aumentava a riqueza da sociedade, os operários passavam a sonhar com uma sociedade sem classes, em que a abolição da propriedade privada garantiria a todos a satisfação de suas necessidades. Como imprimir a essa força utópica um cunho científico, capaz de uma crítica teórica efetiva da sociedade capitalista, que redunde num programa político? É nesse sentido que o Manifesto Comunista insiste na necessidade de substituir o programa contra a propriedade privada em geral pelo projeto da apropriação coletiva dos meios de produção, atingindo, pois, pela raiz, tanto o funcionamento do modo de produção capitalista, quanto a força de alienação do homem que vive numa sociedade desse tipo. (GIANOTTI, 1978, p. XVI-XVII) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 24 UNIDADE 1 25 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 24 UNIDADE 1 25 UNIDADE 1 capitalismo centrado no controle sobre o lucro e os juros, em seu livro A Filosofia da Miséria (PrOUDHON, 2007). Marx rebate com a publicação de A Miséria da Filosofia (MArx, 2006). Os anos na Bélgica foram de intensa atividade política para Marx. No início de 1848, porém, veio a reação. O rei Leopoldo dissolve todas as associações operárias e persegue os exilados que haviam fixado residência no país. Marx e sua esposa, depois de uma série de maus tratos por parte das autoridades, foram expulsos da Bélgica. Marx havia acertado, dentro do projeto da liga dos Comunistas, sua ida a Paris, mas no próprio processo de crescimento da luta revolucionária européia em 1848, a liga dissolveu-se. Marx volta, então, à Alemanha, passando a residir em Colônia, onde funda uma revista, A nova Gazeta renana. Mas você verá, na próxima seção, que Marx não ficaria muito tempo na Alemanha, tendo que transferir-se para Londres por causa da repressão policial. A repressão governamental não deixou que Marx permanecesse na Alemanha por muito tempo. Em péssima situação financeira, pois investira todo o seu (pouco) capital e até uma herança recentemente recebida no projeto da revista, Marx deixou Colônia e, depois de uma fugaz passagem por Paris, domiciliou-se em Londres. A fixação de Marx em Londres foi de capital importância para a sua produção intelectual. Com o movimento operário em refluxo, Marx teve espaço e tempo para produzir. Seu primeiro trabalho em Londres foi o 18 Brumário de luís Bonaparte, de 1852 (MArx, 1997), “onde analisa o Para Marx, esses são apenas fenômenos meramente superficiais da produção burguesa, que não podem ser postos em causa se não forem atingidos os próprios mecanismos de exploração postos em ação pelo capital. A análise de tais mecanismos só pode ser feita, segundo Marx, levando em consideração os resultados da Economia Política, passando em revista, de uma forma crítica, os processos de produção da mercadoria. (GIANOTTI, 1978, p. XVII) SeÇÃO 4 OS ÚLTimOS eScRiTOS M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 24 UNIDADE 1 25 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 24 UNIDADE 1 25 UNIDADE 1 golpe de Estado de Napoleão III, e o bonapartismo como uma forma de governo m que a burguesia se deixa levar quando se vê na emergência de uma crise”. (GIANOTTI, 1978, p. xVIII) O 18 Brumário foi escrito por motivos essencialmente “materialistas”. Marx estava em uma situação de absoluta penúria e escreveu o livro sobre um assunto que era destaque no momento na esperança de ganhar algum dinheiro. Porém o 18 Brumário só foi editado em Nova Iorque, com recursos obtidos graças à doação de um militante emigrado alemão anônimo a Weydemayer, amigo e colaborador de Marx na América. A situação econômica de Marx na Inglaterra era péssima. Sua família (mulher e duas filhas) e uma fiel empregada passavam por uma situação crítica. A única fonte de renda de Marx eram os dois artigos semanais que escrevia para o jornal americano new York tribune, e isso não bastava para manter uma renda regular. Sua sobrevivência foi custeada, quase que integralmente, com o auxílio financeiro constante de Engels. Em uma fase de árduo trabalho intelectual, Marx começou a realizar seu projeto de uma crítica da economia política, que só terminou em 1859, com a publicação de Para a Crítica da economia Política (MArx, apud GIANOTTI, 1978, p. 107-139). A edição do livro atrasou pela falta de dinheiro para os selos necessários ao envio do manuscrito ao editor na Alemanha. O livro, difícil, passou despercebido e incompreendido na época. Marx retomou sua militância política em 1864, quando apresentou o projeto da Associação Internacional dos Trabalhadores. Sobre a Internacional, Marx, em uma carta de 1871 a Boltas, já na crise da organização, comentava: Numa carta a Engels, Marx comenta: ‘Seguramente é a primeira vez que alguém escreve sobre o dinheiro com tantafalta dele. A maioria dos autores que escreveram sobre esse tema estava numa magnífica harmonia com o objeto de suas investigações. (GIANOTTI, J., 1978, p. XIX) Esse foi o período mais produtivo da vida de Marx; o público porém deveria esperar até 1867, quando da publicação de O Capital, para ler um texto seu. À medida que aprofundava suas investigações, Marx escreveu para si próprio uma enorme quantidade de textos, hoje reunidos em grande parte nos Esboços da Crítica da Economia Política e Teorias sobre a Mais-Valia, sendo que esse último deveria constituir o quarto volume de O Capital. (GIANOTTI, J., 1978, p. XIX) M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 26 UNIDADE 1 27 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 26 UNIDADE 1 27 UNIDADE 1 A Internacional foi fundada para substituir as seitas socialistas ou semi-socialistas por uma organização efetiva da classe operária que levasse à luta. Os estatutos primitivos, assim como a alocução inaugural, mostram-no desde o primeiro instante. Além disso a Internacional não poderia afirmar-se se a marcha da História já não tivesse despedaçado o regime de seitas. O desenvolvimento das seitas socialistas e o movimento operário real mantêm uma relação inversa constante. Enquanto tais seitas se justificam, a classe operária não está madura para um movimento autônomo. Tão logo atinja a maturidade, todas as seitas se tornam reacionárias por essência. No entanto, na história da Internacional, repete-se o que a história mostra em toda parte. O que envelheceu procura reconstruir-se e manter-se no próprio interior da forma recém-adquirida. E a história da Internacional foi uma luta contínua do Conselho geral contra essas seitas e tentativas amadorísticas que, no quadro da Internacional, procuravam se afirmar contra o movimento real da classe operária. (MARX, 1871, apud GIANOTTI, 1978, p. XIX-XX) Aquilo que Marx denominava de “seitas” eram os grupos proudhonianos franceses, os lassalianos alemães e a Aliança Democrática Socialista, de Bakunin (1814-1876), de tendência anarquista. Esses grupos representavam posições teóricas e políticas divergentes da Marx e do Conselho Geral da Internacional, e a impossibilidade de unificação entre essas tendências levou ao fim da Internacional, que ficou conhecida como Primeira Internacional. Apenas em 1867, Marx produziu o primeiro volume de o Capital (MArx, 1956, vol. 1), no qual analisou a natureza da mercadoria e a natureza do capital. É uma obra de leitura difícil, que teve bastante dificuldade de divulgação e aceitação no mundo acadêmico, embora se constituísse quase que imediatamente em referência para os movimentos políticos de esquerda. O segundo volume de o Capital, sobre a circulação dos capitais, foi publicado apenas após a morte de Marx, em 1885. O mesmo aconteceu com o terceiro volume, que discute o processo capitalista em sua totalidade, publicado em 1895 (MArx, 1956, vol. 2 e 3). Esses dois volumes foram editados por Engels, a partir dos manuscritos de Marx. Marx permaneceu em seu trabalho em o Capital até o final de sua vida. Faleceu em Londres, em 14 de março de 1883. Engels ainda continuou seu trabalho, editando o segundo e o terceiro volumes de o Capital. Em 1877, publicou o senhor e. Dühring subverte a ciência, mais tarde conhecido como o Anti-Dühring (ENGELS, 1976); em 1880 retomou alguns textos do Anti-Dühring para publicar na revue socialiste, de Paris, textos esses que mais tarde seriam editados em livro M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 26 UNIDADE 1 27 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 26 UNIDADE 1 27 UNIDADE 1 com título de Do socialismo Utópico ao socialismo Científico (ENGELS, 1981). Em 1884, publicou A origem da Família, da Propriedade Privada e do estado, que teve uma nova edição com sensíveis acréscimos em 1891 (ENGELS, 1982). Engels faleceu em 5 de agosto de 1895. Seu corpo foi cremado e as suas cinzas foram lançadas ao mar, em Eastbourne, na Inglaterra. A contribuição de Marx e Engels para a historiografia é capital para a compreensão da história, dinâmica e estrutura das sociedades, principalmente a capitalista, como você verá a seguir, na Unidade II. Parabéns! Você concluiu o estudo da Unidade I de seu curso de Teoria da História III. Nesta Unidade, você teve a oportunidade conhecer mais sobre Marx, Engels e as ideias dos dois autores sobre a sociedade e a história. Nas primeiras seções, foi possível você acompanhar a formação e a ruptura de Marx com o idealismo hegeliano e com os “hegelianos de esquerda”. Depois você viu o gradativo deslocamento das ideias de Marx para uma postura mais socialmente engajada, fundada no materialismo dialético. Acompanhou o encontro de Marx com Engels e tomou contato com a importante produção teórica conjunta de ambos. Conheceu algumas das faces da militância política de Marx, as perseguições que ele sofreu por causa de suas ideias e pôde constatar que Marx vivenciou seu postulado teórico de que não há como separar a teoria e a prática da vida social e política. Continue estudando com afinco e persevere no processo de conhecimento sobre as diferentes formas de conceber e escrever a história que temos trabalhado. Com certeza, você sentirá o resultado em sua prática acadêmica e, mesmo, em sua vida pessoal e social. Bom estudo! 1. Escreva um texto curto, de no máximo 20 linhas, sobre a relação entre a postura teórica e a militância política na vida de Karl Marx. 2. Você concorda com a seguinte afirmação de Marx: “na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade”? Explique sua concordância ou discordância. M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 28 UNIDADE 1 29 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 28 UNIDADE 1 29 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 28 UNIDADE 1 29 UNIDADE 1 M a rx , M a rx is m o e H is tó ria U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 28 UNIDADE 1 29 UNIDADE 1 marx, engels e a História ObjetivOs de aprendiZaGem Compreender os fundamentos das idéias de Karl Marx e Friedrich Engels sobre ■ a História. Tomar contato com os principais conceitos e ferramentas de análise hstórica ■ propostos por Marx e Engels. rOteirO de estudOs SEÇÃO 1 - O Materialismo Histórico ■ SEÇÃO 2 - O Conceito de Modo de Produção ■ U N ID A D E II U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 30 UNIDADE 2 pARA iNÍciO De cONveRSA Para se abordar Marx e Engels como historiadores, é preciso assumir que a confusão interpretativa existente quanto à obra de Marx e Engels se deve, no campo da história e da historiografia, provavelmente ao fato de que Mesmo que eles não se reivindicassem historiadores, o pensamento de Marx e Engels é alicerçado em uma forte base histórica. Entretanto, esse campo da história no pensamento marxiano e de Engels não foi por eles sistematizado de forma metodológica. Essa contribuição não particularizada e sem compartimentos estanques, epistemologicamente, construiu-se assim pela própria visão de Marx e Engels sobre a indissociabilidade entre teoria e prática social, esta última tomada em sua abrangência mais ampla e radical, a revolucionária. Nenhum deles desfrutou (ou ostentou) a condição de historiador. Não obstante, a orientação que infundiram à crítica da especulação filosófica, da dialética hegeliana, da economia política e do socialismo utópico os converteu emfundadores das ciências sociais (ou, como eles preferiam dizer, da ciência da história). (FERNANDES, 1986, p. 11) Ambos pensavam que a história era a verdadeira ciência ou a ciência magna entre as ciências sociais. Se tivessem de contrapor alguma ciência à física newtoniana, ela não seria a economia política (uma emanação ideológica dos interesses da burguesia), mas a história. (FERNANDES, 1986, p. 12) É possível separar, no estudo de suas contribuições empíricas e teóricas, a história da economia, da sociologia, da psicologia ou da política. Contudo, tal separação ocorre por conta dos analistas, empenhados na avaliação de sua importância para ulterior desta ou daquela disciplina. (FERNANDES, 1986, p. 12) O mesmo sucede com a relação entre teoria e prática. O critério de verificação da verdade, na pesquisa histórica, estaria na ação. Um conhecimento teórico infundado ou incompleto não permitiria introduzir mudanças revolucionárias na sociedade. Sem a dimensão histórica do papel político do proletariado na luta de classes, a ciência da história nem seria possível – não teria razão de ser ou de existir – e tampouco teria como provar a verdade e a validade de sua teoria (em sentido figurado, careceria de seu laboratório e dos meios para as experiências cruciais). Ao contrário dos modelos liberal-naturalistas de explicação nas ciências sociais, não estabeleciam um longo “intervalo técnico” entre M a rx , E n g e ls e a H is tó ria 31 UNIDADE 2 a descoberta da teoria e sua aplicação. Em sua relação ativa com a transformação da sociedade burguesa e a maturação de uma nova época histórica revolucionária, as classes operárias absorvem rapidamente, em sua prática social e política, a teoria que explica com objetividade e independência indomável a forma de constituição, desenvolvimento e dissolução dessa sociedade. (FERNANDES, 1986, p. 13) Assim, é impossível obter dos escritos de Marx e Engels uma sistematização metódica de sua teoria da história. Isso se evidencia em uma primeira leitura das suas principais obras, mas, Em concordância com o acima exposto, não se pretende aqui construir uma “teoria da história” de Marx e Engels, embora seja óbvio que seu pensamento constitui elementos de uma. Quer-se, sim, analisar o instrumental de compreensão e análise histórica que se encontra disperso e fragmentado nos seus diversos escritos. A formação de Marx se deu, como já vimos, sob influência da filosofia de Hegel, de caráter idealista, que era hegemônica na Alemanha da primeira metade do século xIx. A ruptura com o idealismo de Hegel e a trajetória de Marx rumo ao materialismo histórico tiveram seu marco inicial em seu contato, enquanto secretário da redação da Gazeta renana, com o caso dos “roubos de lenha”. Nesse momento, Marx compreendeu a real função do direito: a proteção da propriedade privada, como decorrência das “condições de existência material”. já em 1843, com a redação da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Marx demonstrou que não é o Estado que elabora a sociedade civil, mas, inversamente, é a sociedade civil que constrói o Estado. Após o estudo dos economistas políticos ingleses Adam Smith, David ricardo e Thomas Malthus, em seus Manuscritos econômico- filosóficos de 1844, Infelizmente, os intelectuais – mais precisamente os acadêmicos – marxistas, perderam muito tempo em repetições de uma sistematização do marxismo que é estéril para o enriquecimento daquela obra científica. Misturando os papéis acadêmicos com as tarefas de intelectuais de partido, deixaram à margem o que era essencial para a ciência: encetar e multiplicar as investigações originais, que usassem menos palavras como ”marxismo”, “materialismo dialético”, “contradição”, etc. (ou certas palavras rebarbativas, que não se encontram em Marx), e revelassem mais o verdadeiro espírito da análise e explicação causal subjacentes a O Capital. K. Marx e F. Engels produziram fora do mundo acadêmico e contra a corrente. [...] Eles não eram apenas escritores “engajados” e “divergentes”. Inauguraram um tipo de pesquisa histórica revolucionária, em sua forma e em seu conteúdo. (FERNANDES, 1986, p. 14) U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 32 UNIDADE 2 Marx descobre o mecanismo da alienação: «O operário está a respeito do seu trabalho na mesma relação que a respeito de um objecto estranho»; e sublinha o papel da história «que é criação do homem pelo homem através do trabalho e o confronto com o mundo». (BOURDÉ & MARTIN, 1990, p. 154) SeÇÃO 1 O mATeRiALiSmO HiSTóRicO Mas é após a publicação de A sagrada família e de A ideologia alemã que Marx constituiu os fundamentos do materialismo histórico. Foi necessária, porém, a experiência da militância política e de mais de dez anos de estudo para que ele condensasse as ideias básicas do materialismo histórico no breve Prefácio à Contribuição para a Crítica da economia Política (MArx apud FErNANDES, 1983, p. 233-234), de 1859, cujo excerto central está no ANExO II, que será abordado agora com um pouco mais de atenção. No Prefácio, Marx enunciou os conceitos fundamentais do materialismo histórico. O primeiro é o de forças produtivas, que compreende os meios de produção e a força de trabalho. Convém ressaltar que, para Marx, a importância das forças produtivas é menos pelo seu estado, do que por seu estágio de desenvolvimento, ou seja, pelo nível de seu aproveitamento na produção vida material. Diretamente ligado à questão das forças produtivas está o conceito de relações de produção, as quais são construídas no campo do social para articular a produção da vida material dentro de um determinado modo de produção. Esse conceito “remete para as relações sociais que os homens estabelecem entre si a fim de produzirem e de dividirem entre si As forças produtivas compreendem as fontes de energia (madeira, carvão, petróleo, etc.), as matérias primas (algodão, borracha, minério de ferro, etc.), as máquinas (moinho de vento, máquina a vapor, cadeia de montagem, ferramentas de todos os gêneros); ao examiná-la mais de perto, comportam também conhecimentos científicos e técnicos (por exemplo, as invenções de Lavoisier que conduzem aos fabricos da indústria química) e os trabalhadores (segundo seu peso demográfico, a sua repartição no espaço, a sua qualificação profissional). As forças produtivas não são simplesmente materiais, são também humanas. ( BOURDÉ & MARTIN, 1990, p. 154) M a rx , E n g e ls e a H is tó ria 33 UNIDADE 2 os bens e serviços”. (BOUrDÉ & MArTIN, 1990, p. 154) As relações de produção abrangem os espaços do econômico, do político, do religioso e da estrutura social, e se definem pela propriedade econômica das forças produtivas. Porém, “o binômio forças produtivas / relações de produção subjaz, em qualquer modo de produção, ao conjunto dos processos da sociedade, e não apenas ao processo econômico”. (HArrIS apud BOTTOMOrE, 1988, p. 157) As forças produtivas e as relações de produção se articulam naquilo Marx chamou de “estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política”. (MArx apud FErNANDES, 1983, p. 233) Assim, a estrutura − ou infraestrutura − econômica As relações de produção e classe alicerçam a superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. A superestrutura é mais facilmente compreensível. Ela abrange o complexo institucional das diferentes sociedades em seus diversos aspectos, principalmente naqueles relativos à organização e formas do Estado e às instituições jurídicas e políticas. Outra noção de relevo – que é de determinação mais difícil, pois Marx se refere a ela de forma bastante vaga − é a de consciência social. Diante disso, é possível interpretar a visão de Marx sobre a constituição das sociedades de duas maneiras distintas: não é, portanto, concebida como um conjunto dadode instituições, unidades produtivas ou condições materiais, mas antes como a soma total das relações de produção estabelecidas pelos homens ou, em outras palavras, das relações de classe que, entre eles, se estabelecem. (LARRAIN apud BOTTOMORE, 1988, p. 27) Entre as suas formas, é possível alinhar as expressões literárias e filosóficas, desde os tratados de Platão, Aristóteles ou Cícero, passando pelos ensaios de Kant, Voltaire ou Rousseau até os romances de Balzac, Stendhal ou Flaubert; é lícito colocar as doutrinas religiosas, quer se trate dos mitos respeitantes aos deuses gregos, do dogma da trindade na Igreja Cristã ou do sistema simbólico da franco-maçonaria; e devem classificar-se as criações artísticas, das pirâmides de Gizé e dos templos de Karnak aos quadros de Miguel Ângelo, Rafael ou Ticiano, até as esculturas de Rodin ou Zadkine. Todas estas formas de consciência social são qualificadas de «formas ideológicas. (BOURDÉ & MARTIN, 1990, p. 155) U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 34 UNIDADE 2 Em duas, ou em diversas instâncias de constituição da sociedade, o que realmente importava para Marx eram as articulações entre elas e as formas através das quais essas articulações se revelavam. A formulação do todo dessas articulações - aplicado ao estudo de uma, ou várias sociedades afins - construiria um conceito fundamental para o materialismo histórico: o modo de produção. Para Marx, “o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual”. (MArx apud FErNANDES, 1983, p. 233) No seio do marxismo, há várias interpretações sobre a natureza, a forma e até a quantidade dos modos de produção. A tendência economicista tende a reduzir diretamente todos os fenômenos que se situam ao nível da superestrutura aos mecanismos que dependem do nível da infraestrutura, ou seja, propõe uma determinação concreta da infra sobre a superestrutura. (HArNECKEr, [s.d.], p. 133 ss) Louis Althusser, em Para ler o Capital (ALTHUSSEr; rANCIÈrE; MACHErEY, 1979), apresenta uma visão diferenciada e mais fundada nas mediações entre infra e superestrutura, porém com determinação, em última instância, do econômico (BOUrDÉ & MArTIN, 1990, p. 156). já Pierre Vilar vê uma tríplice dimensão de originalidade no conceito de modo de produção: Uma primeira interpretação consiste em encarar uma espécie de bipolarização: por um lado, a infra-estrutura econômica; por outro a superestrutura ideológica; entre esses dois pólos, ligações desenham a arquitetura da sociedade. Uma segunda interpretação conduz a imaginar um escalonamento: na base, se assentam as actividades econômicas, que suportam as relações sociais, que subentendem as instituições políticas, que dão forma ao discurso ideológico; numa construção destas, nada proíbe distinguir andares intermédios. (BOURDÉ & MARTIN, 1990, p. 155-156) SeÇÃO 2 O cONceiTO De mODO De pRODuÇÃO O conceito central, o todo coerente, o objeto teórico de Marx é o modo de produção, como estrutura determinada e determinante. Mas sua originalidade não é a de ser um objeto teórico. É a de ter sido, e continuar sendo, o primeiro objeto teórico a exprimir M a rx , E n g e ls e a H is tó ria 35 UNIDADE 2 um todo especial, enquanto os primeiros esboços de teoria, nas ciências humanas, se limitavam ao econômico e tinham visto nas relações sociais dados imutáveis (a propriedade da terra para os fisiocratas) ou condições ideais a serem preenchidas (liberdade e igualdade jurídicas para os liberais). A segunda originalidade, como objeto teórico, do modo de produção é ser uma estrutura de funcionamento e de desenvolvimento, nem formal nem estática. A terceira é que essa estrutura implica o princípio (econômico) da contradição (social), contudo a necessidade de sua destruição como estrutura, de sua “desestruturação”. (VILAR apud LE GOFF & NORA, 1979, p. 154-155) E Fernand Braudel, um dos principais historiadores da Escola dos Annales, vê em Marx o construtor de um modelo de análise, embora critique o mau uso de suas ideias Braudel certamente se referia à apropriação determinista e mecanicista feita da teoria dos modos de produção por STáLIN (1979) e BUKHArIN ([s.d.]), dentre outros. Todavia, para definir modo de produção, a melhor fonte ainda é o pensamento do próprio Marx, num texto no qual, curiosamente, o termo modo de produção não aparece: Marx apresentou, inicialmente, de forma difusa, a dinâmica de sucessão dos modos de produção em A ideologia Alemã e no Manifesto do Partido Comunista (ver Anexo 2), em que ele enunciava os modos de O marxismo é uma multidão de modelos. Sartre protesta contra a rigidez, o esquematismo, a insuficiência do modelo, em nome do particular e do individual. Protestarei como ele (em estes ou aqueles matizes a menos), não contra o modelo, mas contra a utilização que dele se faz, que muitos se julgaram autorizados a fazer. O gênio de Marx, o segredo de seu poder prolongado, deve-se ao fato de que foi o primeiro a fabricar verdadeiros modelos sociais, e a partir da longa duração histórica. Esses modelos foram congelados em sua simplicidade ao lhes ser dado o valor de lei, de explicação prévia, automática, aplicável a todos os lugares, a todas as sociedades. (BRAUDEL, 1978, p. 75-76.) A forma econômica específica pela qual o trabalho excedente não pago se extorque dos produtores diretos determina a relação dominadores-dominados, tal como esta nasce diretamente da própria produção e, por sua vez, age sobre ela como elemento dominante. Aí se fundamenta toda a formação da comunidade econômica, que surge das próprias relações de produção, e, por conseguinte, a estrutura política que lhe é própria. É sempre na relação direta entre os proprietários dos meios de produção e os produtores diretos – uma relação que corresponde, sempre, naturalmente, a um dado nível de desenvolvimento dos métodos de trabalho e, portanto, da sua produtividade social – que encontramos o recôndito segredo, a base oculta de toda estrutura social. (MARX apud HIMMELWEIT, apud BOTTOMORE, 1988, p. 268). U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 36 UNIDADE 2 produção tribal, antigo, feudal e capitalista. Mais tarde, em 1858, nos Princípios de uma Crítica da economia Política, Contudo, a sua enunciação mais completa, embora sintética, se dá no texto do Prefácio (ver Anexo 3): Marx definiu aí uma questão sobremaneira importante e fundamental, que permitiu o avanço teórico em relação ao dogmatismo ortodoxo stalinista. Ele deixou aberta tanto a quantidade de modos de produção possíveis quanto a sua sequência, o que relativizava, para não dizer desautorizava, a posterior interpretação ortodoxa da limitação e da sequencialidade dos modos de produção (KIErNAN apud BOTTOMOrE, 1988, p. 137-138). As influências da produção teórica e conceitual construídas por Marx e Engels são ainda hoje apropriadas por historiadores das mais diversas correntes e matizes ideológicos, fazendo, já, parte do patrimônio teórico da historiografia contemporânea em suas diferentes acepções. A resistência ao historicismo metódico burguês alemão e francês não se dá, porém, apenas pelo materialismo histórico. Nas primeiras décadas do século xx começa paulatinamente a surgir na França uma efervescência teórica no campo das ciências sociais e da história, fundada na recusa do historicismo metódico e apontando para um fazer histórico inter e pluridisciplinar. Essa tendência, no campo da história, vai se expressar, de forma concreta e definida, pela escola dos Annales, como você verá na Unidade III a seguir. Marx fala de uma «comunidade tribal» aparecendo como a «a condição da utilização comum do solo»; e faz alusão a uma «propriedade germânica», a uma «propriedade eslava», distintas da «propriedade romana». (BOURDÉ & MARTIN, 1990, p. 157) Em grandes traços, podem ser designados, como outras tantas épocas progressivasda formação econômica da sociedade, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno. As relações de produção burguesas são a última forma antagônica do processo de produção social, antagônica, não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que nasce das condições de existência sociais dos indivíduos; as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para resolver este antagonismo. (MARX apud FERNANDES, 1983, p. 234) M a rx , E n g e ls e a H is tó ria 37 UNIDADE 2 Nesta Unidade você tomou contato com as idéias de Marx e Engels sobre a história e o processo histórico. Conheceu a visão de sociedade em infra e superestrutura proposta por Marx. Viu que para Marx a dinâmica social se dá na relação dialética entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção dentro de uma sociedade, o que gera os modos de produção. Pôde constatar que para Marx o processo histórico é um processo dinâmico, dialético, no qual o desenvolvimento das forças produtivas interage de forma não harmônica com as relações de produção estabelecidas e que isso gera um embate social que ele chama de luta de classes, que seria, para Marx, o motor da história. Você soube, também, que não há uma unidade no pensamento dos seguidores de Marx a respeito da interpretação e aplicação de suas teorias, mas que o pensamento de Marx e Engels foi muito além do espaço teórico marxista, sendo hoje um capital teórico de toda ciência social, filosofia e historiografia da Humanidade. Na próxima Unidade você conhecerá a construção de outra visão historiográfica de contraposição ao historicismo metódico: a Escola dos Annales. Ali você acompanhará o processo de ruptura com o historicismo metódico cientificista, que ocorreu na França no início do século XX, e o surgimento de uma proposta historiográfica fundada no fazer do historiador e na inter e transcidisciplinaridade da produção do conhecimento. Analisará também as ideias e a produção de alguns dos principais expoentes das chamadas primeira e segunda geração dos Annales. 1. Depois de ler o conteúdo da Unidade II, escreva um texto com a síntese dos principais fundamentos da teoria dos modos de produção que são ali tratados. 2. Depois de ler toda a Unidade II, escreva um texto em que expresse sua opinião pessoal sobre Marx e sua visão de história. E conclua o texto explicando se essa opinião é a mesma que você possuía antes da leitura. U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 38 UNIDADE 2 A E sc o la D o s A n n a le s 39 UNIDADE 3 U N ID A D E II I A eScOLA DOS ANNALeS ObjetivOs de aprendiZaGem Tomar contato com o processo de ruptura em relação ao historicismo metódico ■ cientificista na França. Conhecer o processo de criação e as diferentes formatações dos ■ Annales. Compreender as principais questões teóricas e historiográficas postas na ■ dinâmica da Escola dos Annales. Tomar contato com a trajetória teórica e a produção histórica de alguns dos ■ principais historiadores da primeira e da segunda geração dos Annales. rOteirO de estudOs SEÇÃO 1 - A Reação Contra a Escola Metódica ■ SEÇÃO 2 - ■ Os Annales SEÇÃO 3 - As Questões Teórico-Historiográficas ■ SEÇÃO 4 - Alguns Historiadores da Escola dos ■ Annales U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 40 UNIDADE 3 pARA iNÍciO De cONveRSA Olá! Seja bem-vindo à Unidade III da disciplina Teoria da História III. Aqui você terá contato com uma das mais importantes e revolucionárias correntes da historiografia contemporânea. Conhecerá a escola historiográfica que deslocou o eixo da produção histórica do campo do cientificismo da Escola Metódica e do campo ideológico do Materialismo Histórico para o espaço do fazer histórico como campo privilegiado de produção do conhecimento histórico. Essa escola, que é a chamada Escola dos Annales, surgiu na França nas primeiras décadas do século xx. Ela rompeu com as barreiras que continham a produção histórica nos estreitos limites do método histórico cientificista e afirmou a essencial natureza multidisciplinar e transdisciplinar da escrita da história. Ao longo desta Unidade, você tomará contato, na Seção 1, com o movimento intelectual de recusa e superação do historicismo cientificista da Escola Metódica, surgido na passagem do século xIx para o século xx entre pensadores de diversas ciências humanas e sociais e também entre alguns historiadores. Na Seção 2, você conhecerá a conjuntura que resultou na criação dos Annales, em 1929, por Marc Bloch e Lucien Febvre. Acompanhará, também, a trajetória da revista, suas mudanças de nome e dificuldades de manutenção até a sua consolidação no pós-II Guerra Mundial. A Seção 3 apresentará a você as principais questões teóricas e historiográficas postas pelo grupo das duas primeiras gerações dos Annales, em suas dimensões apologéticas e propositivas. E, finalmente, a Seção 4 permitirá que você tenha contato com a trajetória pessoal e com a produção daqueles que são considerados os principais expoentes das duas primeiras gerações de historiadores alinhados às propostas expressas nos Annales: Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel. Será um percurso com certeza fascinante, não apenas pelo interesse historiográfico nas ideias e nas produções do grupo dos Annales, mas também pela profunda marca que esses historiadores tiveram em suas vidas pessoais por causa de suas ideias políticas e históricas. A E sc o la D o s A n n a le s 41 UNIDADE 3 Estude com afinco, e você verá que, a partir desta Unidade, sua visão sobre a História e sobre a escrita da história será sensivelmente confrontada e influenciada pela visão dos historiadores dos Annales. Tenha um bom estudo! A conjuntura da passagem do século xIx para o século xx foi marcada, na Europa, e em especial na França, por um processo de renovação nas perspectivas e concepções nas ciências humanas e sociais. Em relação à história, esse processo se afirmava por uma série de questionamentos à hegemonia da escola metódica e de sua concepção linear, factual e política do conhecimento histórico. Surgiram várias vozes, de diversas formações, questionando o caráter e os limites da produção metódica da história. Esses questionamentos não eram de todo novos. já nos meados do século xIx, a produção de Michelet (que você já conheceu na Unidade I da Disciplina Teoria da História II) e Burckhardt (1991) sobre o renascimento apontava para uma ruptura historiográfica com a visão rankeana de História. Marx, como já foi visto na Unidade I, também propunha uma visão diferenciada de ranke e seus discípulos. Porém foi a história econômica, num primeiro momento, que encabeçou a luta contra a história política e factual. já nas duas últimas décadas do século xIx, Gustav Schmoller na Alemanha, William Cunnigham e j. E. Theodor roger na Inglaterra, Henri Hauser, Henri Sée e Paul Mantoux na França, dentre outros, estavam trabalhando com uma história econômica e num processo de contestação do “domínio, ou como dizia Schmoller, do ‘imperialismo’ da história política”. (BUrKE, 1991, p. 19) Mas essas restrições não aconteciam apenas no campo da produção histórica. SeÇÃO 1 A ReAÇÃO cONTRA A HiSTóRiA meTóDicA U n iv e rs id a d e A b e rt a d o B ra si l 42 UNIDADE 3 Os fundadores da nova disciplina, a sociologia, expressavam pontos de vista semelhantes. Augusto Comte ridicularizava o que chamava de “insignificantes detalhes estudados infantilmente pela curiosidade irracional de compiladores cegos de anedotas inúteis”, e defendia o que chamou, numa frase famosa, “uma história sem nomes”. Herbert Spencer queixava-se de que “As biografias dos monarcas (e nossas crianças aprendem pouco mais do que isso) pouco esclarecem a respeito da ciência da sociedade”. Da mesma forma Durkheim
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