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Centro Universitário de Brasília - UniCEUB Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS RICARDO AUGUSTH AXEL RODRIGUES SILVA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR AÉREO NO CASO DE EXTRAVIO DE BAGAGENS EM VOOS INTERNACIONAIS DIANTE DO JULGAMENTO CONJUNTO DO RE 636.331 E ARE 766.618 BRASÍLIA 2020 RICARDO AUGUSTH AXEL RODRIGUES SILVA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR AÉREO NO CASO DE EXTRAVIO DE BAGAGENS EM VOOS INTERNACIONAIS DIANTE DO JULGAMENTO CONJUNTO DO RE 636.331 E ARE 766.618 Projeto de pesquisa apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Orientador: Professor Ricardo Rocha Leite. Brasília 2020 RICARDO AUGUSTH AXEL RODRIGUES SILVA A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR AÉREO NO CASO DE EXTRAVIO DE BAGAGENS EM VOOS INTERNACIONAIS DIANTE DO JULGAMENTO CONJUNTO DO RE 636.331 E ARE 766.618 Projeto de pesquisa apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Brasília-DF, de de 2020. Banca examinadora: RESUMO Este trabalho tem como objetivo realizar análise da decisão exarada no julgamento conjunto do RE 636.331 e do ARE 766.618, realizada pelo Supremo Tribunal Federal. Ocasião em que ficou sedimentado o entendimento de que a responsabilidade civil do transportador aéreo internacional, assim como a delimitação indenizatória nos casos em que ocorrerem extravio de bagagem ficam regulamentadas pelo disposto nas Convenções de Varsóvia e Montreal, em prejuízo ao Código do Consumidor. De tal forma que fica clara a diminuição da defesa ao consumidor, traduzida na supressão da ampla reparação de danos presente no ordenamento jurídico nacional. De início, cabe elencar historicamente quais as normas advieram para regulamentar o transporte aéreo, expondo como cada legislação tratava da questão da responsabilidade civil. Num segundo momento, fica demonstrada a desconformidade legal entre os acordos internacionais e a legislação consumerista no que tange à responsabilidade civil dos transportadores aéreos nos casos de extravio de bagagem. Demonstra-se o entendimento o judiciário pátrio na construção de um posicionamento que não permite a limitação de indenização. Em seguida, identifica-se a argumentação trazida pelos Ministros do STF, que expõe clara diminuição do direito do consumidor, afetando a visão do amplo ressarcimento de danos no ordenamento jurídico nacional. Demonstra-se os direitos e garantias do consumidor, conforme previsão constitucional, como Direito Fundamental, observa-se a relevância do intuito da reparação integral dos danos, sustentando pela afronta aos preceitos fundamentais e constitucionais dos limites indenizatórios impostos pelas Convenções Internacionais. Ultima-se colocando em evidência a proibição do retrocesso social, princípio preterido pelo Supremo Tribunal Federal. Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Limitação de indenização. Convenção de Varsóvia. Convenção de Montreal. Defesa do consumidor. Preceito fundamental. Conflito normativo. RE 636.331. ARE 766.618. Transporte aéreo internacional. ABSTRACT This work has the objective of analyze the decision delivered in the joint trial of the RE 636.331 and the ARE 766.618, accomplished by the Federal Supreme Court. Occasion when the Court decided that the civil responsibility of the international air transporter, as the indemnity delimitation in the cases of lost luggage, are regulated by the Warsaw and Montreal Conventions to the detriment of the Consumer Law. In such a way, became clear a decrease of the consumer defense, translated in the suppression of the wide damage repair present in the national legal system. From start, it’s necessary to list which laws came to regulate the activity of the air transportation, exposing how each legislation treated the civil responsibility issue. In a second moment, it’s demonstrated the legal disagreement between the international agreements and the national consumer law in reference of the air transporters civil responsibility in cases of lost luggage. Remains demonstrated the national judiciary understanding in the construction of the positioning that don’t allows the indemnity limitation. Then, it’s identified the argumentation brought by the Ministers of the Federal Supreme Court, which exposes clear decrease of the consumer right, affecting the vision of wide damage repair in the national legal system. Remains demonstrated that the consumer rights and guarantees, according to constitutional prevision, as Fundamental Right, it’s observed the relevance of the wide damage repair purpose, sustained by the affront to the fundamental and constitutional precepts of the indemnity limits imposed by international conventions. Finally, it’s evidenced the prohibition of the social setback, principle deprecated by the Federal Supreme Court. Key words: Civil responsibility. Indemnity limits. Warsaw Convention. Montreal Convention. Consumer defense. Fundamental precept. Normative conflict. RE 636.331. ARE 766.618. International air transport. 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 7 1. O CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO E O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL AERONÁUTICO ........................................................... 10 1.1. O REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR AÉREO PREVISTO NAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE VARSÓVIA E MONTREAL 12 1.1.1 Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 1931 - Convenção de Varsóvia ............... 12 1.1.2 Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006 - Convenção de Montreal .................. 15 1.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR NA LEGISLAÇÃO NACIONAL ............................................................................................................................. 18 1.2.1 Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica ......... 18 1.2.2 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil ............................................ 20 1.3 A LEGISLAÇÃO ESPECIAL INCORPORADA E SUAS INCOMPATIBILIDADES COM O SISTEMA CONSUMERISTA: O CONFLITO NORMATIVO DIANTE DO EXTRAVIO DE BAGAGEM NO TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL ................ 20 1.3.1 O estabelecimento do Código de Defesa do Consumidor e o início das controvérsias sobre a legislação aplicável ................................................................................................ 20 1.3.2 Antinomias entre o CDC e a Convenção de Montreal: normas que dispõem acerca da responsabilidade do transportador aéreo por extravio de bagagem ................................... 24 1.3.3 As decisões dos tribunais brasileiros frente a antinomia: construção da jurisprudência na proteção ao consumidor ................................................................................................. 26 1.3.4 A decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 636.331 e do ARE 766.618 .............................................................................................................................. 29 2. INVOLUÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR NO CAMPO DO TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL ................................................... Erro! Indicador não definido.2 2.1 O LASTRO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR.......................... 33 2.2 A NATUREZA JURÍDICA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR .............. 38 2.3 A AFRONTA CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO DE INDENIZAÇÃO ............... 40 3. A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL ..................... Erro! Indicador não definido. CONCLUSÃO .............................................................................. Erro! Indicador não definido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 48 _Toc41598947 7 INTRODUÇÃO Conforme caminha a evolução da humanidade, evoluem também os meios de transporte, o transporte aéreo tornou-se um dos mais importantes meios de transporte, encurtando as grandes distâncias e, assim, proporcionando uma rápida aproximação de pessoas e mercados. O contrato de transporte aéreo nada mais estabelece a prestação de serviço por companhia aérea, que se obriga, mediante retribuição, a realizar o transporte, de um lugar para outro, pessoa ou coisa. Diante dos avanços tecnológicos, os reflexos na aviação internacional ficaram evidentes, havendo grande expansão das rotas aéreas, buscando diminuir as grandes distâncias e dificuldades de acesso a outros países, e com o objetivo de padronizar a aplicação legal em âmbito internacional, foi criada legislação aeronáutica e 1929, na Convenção de Varsóvia, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 1931. Com o passar do tempo, a Convenção passou por diversas alterações, resultando na Convenção de Montreal, de 28 de maio de 1999. Estas Convenções Internacionais elaboraram um sistema de responsabilidade limitada, a fim de diminuir a responsabilidade civil devida, assim como os valores de indenização a serem pagos pelo transportador aéreo. Essas limitações estão diretamente ligadas aos primórdios da indústria aeronáutica. O advento de novas tecnologias nas atividades das transportadoras aéreas, a Constituição Federal de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor trouxeram consigo a controvérsia quanto a aplicação das normas que previam limitação da responsabilidade civil das companhias aéreas, consequentemente o debate se estendeu para verificar qual seria a legislação a ser utilizada quando o contrato de transporte aéreo se tratar de relação de consumo. O entendimento dos tribunais nacionais, assim como o do próprio Supremo Tribunal Federal, indicava que a legislação aplicável aos contratos de serviços de transporte aéreo celebrados em território nacional, uma vez demonstrada a relação de consumo, seria o CDC. Dessa maneira, o princípio da reparação integral seria adotado em detrimento da limitação indenizatória, e até mesmo da responsabilidade civil, previstas nas Convenções Internacionais. Todavia, em que pese o entendimento sedimentado acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento conjunto do Recurso Extraordinário (RE) 636.331 e do Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 766.618, que nos casos em que houver extravio de bagagem por transportadora aérea internacional, preponderam as Convenções de Varsóvia e Montreal em detrimento ao Código de Defesa do Consumidor, invertendo o sentido da jurisprudência 8 nacional. Coube ao ter do artigo 178, da Constituição Federal de 1988 amparar e guiar a sentença exarada pela Suprema Corte. Como houve o reconhecimento de matéria de repercussão geral, criou-se novo padrão para orientar as seguintes decisões sobre a problemática, para diversos tribunais espalhados pelo país. Na contemporaneidade, onde cada vez mais existem problemas relacionados à prestação de serviços das companhias aéreas, particularmente no extravio de bagagem, a intenção deste estudo é examinar o julgado do STF e concluir se houve ofensa ao direito fundamental da proteção ao consumidor, em virtude da diminuição da reparação dos danos preconizada no ordenamento jurídico nacional. Inicialmente, cabe ao primeiro capítulo a exposição das normas, internacionais e nacionais, que tratam da problemática da responsabilidade, assim como a proposta prevista neles. Depois de bem descritos os sistemas de funcionamento da responsabilidade civil em cada legislação, será indicado o conflito normativo iniciado com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, evidenciando os dispositivos que discordam da Convenção de Montreal, no que tange à responsabilidade da companhia aérea em virtude do extravio de bagagem. Por conseguinte, deve-se elucidar o entendimento predominante no judiciário brasileiro para resolver a controvérsia e o novo paradigma imposto pelo Supremo Tribunal Federal, que legitimidade aos acordos internacionais em desvantagem ao Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo relevante alteração no instituto da reparação de danos preconizado pelo direito interno nacional. Num segundo momento, argumentos da doutrina são demonstrados para indicar pontos importantes a fim de denotar que a decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal simboliza a redução da proteção conferida pela Constituição ao consumidor. Por último, levando a consideração a importância que o constituinte concedeu ao direito do consumidor, elevando-o ao patamar de Direito Fundamental, e consequentemente salvaguardado como cláusula pétrea, cabe tratar da proibição do retrocesso social. Na realização do presente estudo será utilizado o método dedutivo, baseado na revisão bibliográfica do assunto, com a finalidade de reunir toda a teoria a ser utilizada e analisada para conclusão do raciocínio; o método descritivo na elaboração de conceitos e descrições para esclarecer a responsabilidade civil a proteção constitucional ao consumidor. Ademais, mister realizar pesquisa documental, mediante análise dos entendimentos de tribunais nacionais e comparação das legislações atinentes ao tema; e pesquisa bibliográfica, consultando trabalhos de grande relevância no âmbito do Direito Civil e do Consumidor, os 9 conteúdos normativos relacionados ao caso e artigos científicos que possuem como tema a responsabilidade civil do transportador aéreo. 10 1. O CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO E O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL AERONÁUTICO O contrato de transporte é aquele celebrado entre partes, mediante pagamento de valor, que tem como objetivo transferir bens ou pessoas de uma localidade para outra, sendo tal relação regulada pelo art. 730, do Código Civil de 2002. Portanto, no caso a ser estudado, trata- se de obrigação do transportador aéreo realizar o transporte de pessoas ou produtos do local onde estão para o respectivo destino, com o uso de aeronave. O referido negócio jurídico é espécie do gênero contrato de transporte, é bilateral, oneroso, consensual, comutativo e de adesão1. Por conter duas partes, é bilateral; como existe vantagem para os dois envolvidos, é oneroso; para sua validade e eficácia dever haver consentimento, portanto consensual; trata de serviço certo e determinado, sendo comutativo; e como as cláusulas contratuais são definidas por apenas uma das partes, o responsável pelo transporte aéreo, assim sendo de adesão. Cabe salientar que existe uma fundamental diferenciação a ser realizada logo de início. Trata-se da distinção, dentro da atividade de transporte aéreo, entre o transporte aéreo doméstico, serviço de transporte realizado dentro do território nacional, e o internacional, prestação que tem início no país, mas tem como destino outra nação. Importante distinguir os tipos de atividade, em virtude da especificidade das normas que orientam as referidas espécies de transporte. As legislações que tratam do transporte aéreo, seja nacional ou internacional, são: a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (Código brasileiro de Aeronáutica); a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor); a Lei nº 10.409, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro);o Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 1931 (Convenção de Varsóvia); e o Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006 (Convenção de Montreal). Os dois últimos são acordo internacionais recepcionados pelo ordenamento jurídico nacional. A autora Beatriz da Silva Roland2, ao tratar das normas supracitadas, faz o seguinte apontamento: No Brasil, há diplomas que regulam por vezes o mesmo aspecto e por vezes aspectos diferentes do transporte aéreo nacional e internacional. Esses diplomas também podem se encontrar no mesmo nível da pirâmide legislativa ou em níveis 1 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 3ª. Ed. SP: Malheiros Editores, 2002, p. 240. 2 ROLAND, Beatriz da Silva. O diálogo das fontes no transporte aéreo internacional de passageiros: ponderações sobre a aplicabilidade da Convenção de Montreal e ou CDC. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 99, p.39-70, maio-jun. 2015, p. 40. 11 diferentes. Algumas leis incidem sobre aspectos técnicos do transporte, outras sobre a responsabilidade civil da transportadora, outras se referem aos contratos de transporte aéreo, ou até mesmo à relação de consumo que pode haver entre transportadora e passageiro. Enfim, esses diplomas podem complementar-se ou antagonizar-se. Conforme os ensinamentos do jurista Marco Fábio Morsello3 , nas prestações de serviço de transporte em que o Brasil for o local de saída e chegada, cabe aplicação da norma nacional, no caso o Código Brasileiro de Aeronáutica, o Código Civil e toda norma que trate do tema no âmbito interno. Contudo, quando se tratar do transporte aéreo internacional a norma legítima para regulamentar será o Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 19314, a Convenção de Varsóvia. Esta, inclusive, passou por diversas alterações, até tornar-se a Convenção de Montreal de 28 de maio de 1999, recepcionada pelo ordenamento jurídico interno na forma do Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006. Entretanto, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, ocasião em que pôde- se configurar como relação de consumo o contrato de transporte aéreo, teve início uma grande controvérsia na jurisprudência e doutrina nacionais acerca da aplicabilidade legal nas relações consumeristas. De antemão, cabe ressaltar que os acordos internacionais determinaram uma limitação quanto à responsabilidade civil do transportador aéreo, particularmente no que trata de valor indenizatório, indo ao encontro do texto normativo do Código de Defesa do Consumidor. Esta limitação explica-se, nos termos de Finato5, em virtude dos elevados números estatísticos que envolviam os acidentes aéreos à época, de formas que o pagamento de valores indenizatórios em sua totalidade acarretaria grande prejuízo às companhias aéreas. A limitação imposta funciona como forma de dividir o grande risco da atividade aérea. Uma vez expostas as normas legítimas para regulamentação do transporte aéreo, necessário detalhar como cada uma delas tratava a responsabilidade civil das companhias aéreas. 3 MORSELLO, Marco Fábio. A responsabilidade civil no transporte aéreo. 2 ed. São Paulo, Ed. Atlas, 2007, p.94-96. 4 BRASIL. Decreto n. 20.704, de 24 de novembro de 1931, artigo primeiro, (1): “Aplica-se a presente Convenção a todo transporte internacional de pessôas, bagagem ou mercadorias, effectuado por aeronave, mediante remuneração. Applica-se igualmente aos transportes por aeronave effectuados gratuitamente por empresa de transportes aereos.” Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930- 1949/D20704.htm>. Acesso em: 26 maio 2020. 5 FINATO. Newton Luiz. Contrato de transporte aéreo e a proteção do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 42, 2002, p.175. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930- 12 1.1 O regime de responsabilidade civil do transportador aéreo previsto nas convenções internacionais de Varsóvia e Montreal Ao citar o jurista Octanny Silveira da Mota, a autora Claudia Lima Marques6 determina que existe em nosso direito interno, pequeno conjunto de normas dedicadas à atividades aeronáuticas, visto que os primórdios dos transportes aéreos demonstrava uma inovação tecnológica nunca antes conhecida pelo homem, e consequentemente a apuração precisa dos riscos desta atividade era praticamente impossível. Por isso, foi necessária a criação de normas que tratassem especificamente dessa nova atividade e as relações que surgiram como consequência, uma vez que o sistema de responsabilidade civil à época não viabilizava a proteção adequada aos consumidores. 1.1.1 Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 1931 - Convenção de Varsóvia No ano de 1929, em 12 de outubro, foi assinada a Convenção de Varsóvia. Tal acordo internacional foi um marco histórico, pois tratou de uniformizar regras relativas à responsabilidade civil no transporte aéreo internacional. Foi recepcionada pelo Brasil na forma do Decreto nº 20.704, de 24 de novembro de 1931. As regras da Convenção são válidas para as relações que envolvam o transporte internacional, seja de mercadoria, bagagem ou passageiros. Importante esclarecer que tal regulamentação serve para as ocasiões em que o locais de saída e chegada situados em países distintos que ratificaram o acordo internacional. Nos primeiros passos que a atividade aeronáutica dava, o número de acidentes era elevado e havia carência de aplicação de capital. Dessa forma, a Convenção de Varsóvia foi elaborada a fim de que houvesse normas que protegessem as empresas de transporte aéreo, concedendo a estas, limitação na responsabilidade civil. Ao tratar da responsabilidade civil no transporte aéreo internacional, o professor Umberto Cassiano Garcia Scramim acerca do limite indenizatório determinado, ensina: Dentre as mitigações ao dever de indenizar, encontravam-se a instituição da culpa presumida da companhia aérea em relação aos danos causados, com possibilidade de se eximir caso comprovasse que havia tomado todas as medidas visando evitá-los; a limitação ao montante indenizatório, estabelecendo que todas as ações ajuizadas, independentemente do fundamento, deveriam ater-se aos limites 6 MARQUES, Cláudia Lima. A responsabilidade do transportador aéreo pelo fato do serviço e o Código de Defesa do Consumidor – antinomia entre norma do CDC e leis especiais. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, vol. 9(1), p. 133-158, nov. 1993, p.142. 13 impostos pela Convenção, salvo culpa grave ou dolo do causador, e; a fixação de prazo prescricional de 2 anos, lapso este diminuto para os padrões da época. 7 Em que pese o limite estabelecido pela Convenção Internacional, consta também em seu texto a inviabilidade de cláusula contratual que dispense a transportadora aérea de obrigação indenizatória, sob pena de nulidade. Seguindo este entendimento, Claudia Lima Marques8 traz que por um lado, o acordo proíbe a existência de cláusulas que não permitam a indenização, ou até mesmo que tratasse de valor inferior ao previsto no texto convencionado, assim como estipula presunção juris tantum de responsabilidade do transportador aéreo. Todavia, a mesma norma impõe limitação à responsabilidade do transportador, que só era contrariada em situação atípica. O tratado traz nos artigos 17 a 30, o regime de responsabilidade civil da empresa transportadora aérea. Para o estudo deste modelo, essencial avaliar o texto do artigo 20: (1) O transportador não será responsável se provar que tomou, e tomaram os seus prepostos, todas as medidas necessárias para que se não produzisse o dano, ou que lhes não foi possível tomá-las. (2) No transporte de bagagem, ou de mercadorias, não será responsável o transportador se provarque o dano proveio de erro de pilotagem, de condução da aeronave ou de navegação, e que, a todos os demais respeitos, tomou, e tomaram os seus propostos, todas as medidas necessárias para que se não produzisse o dano. Observando o texto do acordo internacional, resta claro que somente se aborda a responsabilidade civil subjetiva, fundada na comprovação de ação que denote culpa, ou seja, quando ocorre negligência, imprudência ou imperícia. E, nestes termos, é que existe a responsabilidade do transportador aéreo. Existe uma pressuposição da culpa da companhia aérea, pertencendo a quem sofreu o dano a obrigação de evidenciar o dano, ocorrendo inversão do ônus da prova. Entretanto, o transportador pode demonstrar que todas as medidas preventivas ao dano foram tomadas e, desta forma, é dispensado da responsabilidade por comprovar que não houve culpa. O texto normativo da Convenção de Varsóvia possui rol das situações em que ocorre responsabilidade da empresa aérea. Trata o art. 17 que a empresa transportadora é responsável pela reparação do dano causado que ocasione em morte ou dano pessoal suportado pelo passageiro, quando a bordo da 7 SCRAMIM, Umberto Cassiano Garcia. A responsabilidade civil no transporte aéreo internacional de pessoas. Revista de Direito Privado, São Paulo vol. 66, p.173-197, abr.-jul. 2016. p. 177. 8 MARQUES, C. L., 1993, p.142. 14 aeronave ou durante atividades de embarque ou desembarque. O art. 18 em suas alíneas 1 e 2 determina que haverá responsabilidade do transportador pelo dano quando este se der durante o transporte aéreo, ou seja, dentro do intervalo de tempo em que as bagagens ou mercadorias permanecerem sob a guarda do transportador. Consta no art. 19 que havendo atraso no transporte de passageiros, bagagens ou mercadorias, e dele sobrevier dano, por este responderá a companha aérea. Vistas as ocasiões que responsabilizam a transportadora aérea para fins de indenização diante de dano causado, tem disposto na Convenção Internacional a regra que limita o valor indenizatório. Dispõe a norma do art. 22, alíneas 1 a 39, que existe patamar máximo para reparação do dano que for de responsabilidade do transportador aéreo. Mesmo com a revisão dos valores, a limitação estabelecida não se demonstra bastante para a devida reparação do prejuízo suportado pelo passageiro, em virtude dos variados tipos de dano, e seriedade, que podem ser alcançados. A exceção para o limite da responsabilidade imposto ocorre quando o passageiro realizar, em momento anterior ao voo, a declaração especial do valor de bagagem, condicionada ao pagamento valor aditivo e, nos termos de Marco Fábio Morsello: A responsabilidade fulcrada em patamar-limite, diante do transportador, somente se tornará integral nas hipóteses excepcionais de culpa grave (faute lourde), ou dolo daquele (art. 25), bem como diante da irregularidade ou ausência de documentos que se refiram à relação jurídico-contratual.10 Quando o agente tem intenção de promover o dano, existe dolo. Contudo, a “culpa grave” trata de conceito diverso, visto que o texto do art. 25 não possui interpretação que traduza que culpa seria essa de permitir o descumprimento dos limites de indenização previstos na norma. Destarte, coube à doutrina esclarecer a referida passagem normativa. 9 Artigo 22. (1) No transporte de pessoas, limita-se a responsabilidade do transportador, á importancia de cento e vinte e cinco, mil francos, por passageiro. Se a indemnização, de conformidade com a lei do tribunal que conhecer da questão, puder ser arbitrada em constituição de renda, não poderá o respectivo capital exceder aquelle limite. Entretanto, por accordo especial com o transportador, poderá o viajante fixar em mais o limite de responsabilidade. (2) No transporte de mercadorias, ou de bagagem despachada, limita-se a responsabilidade do transportador à quantia de duzentos e cincoenta francos por kilogramma, salvo declaração especial de "interesse na entrega", feita pelo expedidor no momento de confiar ao transportador os volumes, e mediante o pagamento de uma taxa supplementar eventual. Neste caso, fica o transportador obrigado a pagar até a importancia da quantia declarada, salvo se provar ser esta superior ao interesse real que o expedidor tinha entrega. (3) Quanto aos objectos que o viajante conserve sob os guarda, limita-se a cinco mil francos por viajante a responsabilidade do transportador. 10 MORSELLO, Marco Fábio. O Sistema de Defesa do Consumidor e sua interface com o contrato de transporte aéreo. Reflexões de magistrados paulistas nos 25 anos do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo, p.111- 132, 2015, p. 115. 15 Diversos integrantes da comunidade internacional, assim como os doutrinadores, teceram considerações discordantes com regime que previa limitação da responsabilidade do transportador aéreo. Assim sendo, iniciou-se processo de contínuas alterações legislativas no conteúdo da Convenção Internacional, sendo o resultado vigente até hoje, também objeto de estudo no presente trabalho. Paulatinamente, os valores definidos como limite, assim como a unidade monetária escolhida para mensurar tais valores foram alterados, passando a vigorar como nova unidade o Direito Especial de Saque (DES). 1.1.2 Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006 - Convenção de Montreal Conforme foram realizadas alterações (Protocolo de Haia, de 1955, da Convenção de Guadalajara, de 1961, do Acordo de Montreal, de 1966, dos Protocolos de Montreal, de 1975, e o Acordo de Malta, de 1976) que aumentaram os limites de indenização e delimitaram a análise da culpabilidade como requisito na atribuição da responsabilidade civil ao transportador, surgiu a necessidade de uniformizar as novas regras em uma só Convenção. Assim, em maio de 1999, foi celebrada a Convenção de Montreal, sendo promulgada no Brasil na data de 27 de setembro de 2006 através do Dec. 5.910 de 200611. Ilustra o caráter unificador da Convenção de Montreal o art. 5512, que expressamente assenta que o tratado prevalecerá sobre a Convenção de Varsóvia e suas posteriores alterações. 11BRASIL. Decreto nº 5.910 de 27 de Setembro de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5910.htm. Acesso em: 26 maio 2020. 12 Artigo 55. A presente Convenção prevalecerá sobre toda regra que se aplique ao transporte aéreo internacional: 1. entre os Estados Partes na presente Convenção devido a que esses Estados são comumente Partes: a) da Convenção para a Unificação de Certa Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, assinada em Varsóvia, em 12 de outubro de 1929 – (doravante denominada Convenção de Varsóvia); b) do Protocolo que modifica a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional assinada em Varsóvia, em 12 de outubro de 1929, feito na Haia, em 28 de setembro de 1955 – (doravante denominado Protocolo da Haia); c) da Convenção complementar à Convenção de Varsóvia para a Unificação de Certa Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional realizado por Quem não seja o Transportador Contratual, assinada em Guadalajara, em 18 de setembro de 1961 – (doravante denominada Convenção de Guadalajara); d) do Protocolo que modifica a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional assinada em Varsóvia, em 12 de outubro de 1929 modificada pelo Protocolo feito na Haia, em 28 de setembro de 1955, assinado na cidade da Guatemala, em 8 de março de 1971 – (doravante denominado Protocolo da Cidade da Guatemala); e) dos Protocolos Adicionais números 1 a 3 e o Protocolo de Montreal número 4, que modificam a Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia ou a Convenção de Varsóvia modificada pelo Protocolo da Haia e o Protocolo da Cidade da Guatemala, assinados em Montreal, em 25 de setembro de 1975 –(doravante denominados Protocolos de Montreal); ou 2. dentro do território de qualquer Estado Parte na presente Convenção devido a que esse Estado é Parte em um ou mais dos instrumentos mencionados nas letras a) a e) anteriores.” http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5910.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5910.htm 16 Todavia, existem situações em que o no acordo internacional tem sua aplicação preterida em relação à Convenção de Varsóvia. Conforme elucida Morsello 13 , quando o transporte internacional se der entre Nações que assinaram somente a Convenção de Varsóvia, esta será a legislação aplicável nos casos necessários. Do mesmo jeito que, quando o transporte ocorre entre Estados signatários da Convenção de Montreal, esta será a lei aplicável. Ainda nos temos do autor14, havendo necessidade de aplicação da legislação especial, quando uma das Nações houver ratificado apenas a Convenção de Varsóvia, e a outra houver assinado a Convenção de Montreal, aplica-se a Convenção de Varsóvia, posto que o novo acordo internacional determina a necessidade de que os locais de chegada e de partida sejam em Nações signatárias. Contudo, é possível que seja utilizada em relação à Nação que não tenha assinado o tratado, quando houver escala em seus limites, e os pontos de início e fim da viagem estejam localizados dentro de uma Nação signatária do acordo. Ainda que a nova Convenção Internacional tenha sido elaborada com o intuito de atualizar a legislação especial, nem todos os seus dispositivos foram alterados. Nos termos da Convenção de Montreal, existem vinte artigos, em seu terceiro capítulo, que tratam da problemática da responsabilidade civil e reiteram que, havendo prejuízo suportado pelo passageiro, seja em decorrência da perda, destruição ou extravio de bagagem ou mercadoria, assim como atraso no transporte do passageiro ou de seus bens, fica mantido a obrigação de indenizar do transportador aéreo. O pagamento de valor indenizatório de forma integral, nos termos da nova Convenção, ocorre em caso de dano-evento morte, por assumir a teoria do risco da atividade e excluir a presunção de culpa que constava no antigo acordo internacional. Porém, certas particularidades obstam a admissão da teoria objetiva. Visto que está previsto não ser possível o transportador aéreo excluir ou limitar sua responsabilidade uma vez que os danos não ultrapassem a quantia de 100.000 DES, de formas que além deste limite a companhia aérea será dispensada da responsabilidade quando provar a inexistência de culpa em sua conduta ou o terceiro causou o dano, nos termos do art. 21 da Convenção de Montreal 15 . Assim, fica clara a opção do texto normativo da Convenção de Montreal pelo regime de 13 MORSELLO, M.F., 2007, p. 417-418. 14 Ibidem, p. 418 15 Artigo 21. 1. O transportador não poderá excluir nem limitar sua responsabilidade, com relação aos danos previstos no número 1 do Artigo 17, que não exceda de 100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro. 2. O transportador não será responsável pelos danos previstos no número 1 do Artigo 17, na medida em que exceda de 100.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro, se prova que: a) o dano não se deveu a negligência ou a outra ação ou omissão do transportador ou de seus prepostos; ou b) o dano se deveu unicamente a negligência ou a outra ação ou omissão indevida de um terceiro. 17 responsabilidade da transportadora aérea em dois níveis (two-tier system)16: havendo dano que ocasione lesão corporal ou morte até o limite de 1000.000 DES, a responsabilidade será objetiva, enquanto que excedido o valor limite, haverá a responsabilidade subjetiva do transportador. Nos termos do artigo 22, alínea 1, fica imposto o limite indenizatório de 4.150 DES para danos que ocorram em virtude de atraso no transporte aéreo de passageiros. Conforme disposto no art. 1917, a empresa aérea não poderá ser responsabilizada pelo atraso quando comprovado que tomadas todas as medidas necessárias para evitar o dano ou a impossibilidade de cumpri- las, persistindo assim a responsabilidade subjetiva. Fica imposto, também, a limitação da responsabilidade da companhia aérea ao valor de 1.000 DES (aproximadamente R$ 7.141,61) por pessoa, quando houver destruição, perda, avaria ou atraso de bagagens, salvo se realizada a declaração especial do bem e efetuado pagamento de valor adicional, conforme o texto da alínea 2 do artigo 22. Visto que o transportador não pode ser dispensado da obrigação de indenizar, mesmo que demonstrada a ausência de culpa, fica caracterizada a responsabilidade objetiva. No entanto, quando a bagagem não for registrada, a responsabilidade será subjetiva, nos termos da alínea 2 do artigo 17. Ao tratar de carga transportada, ocorrendo a destruição, perda, avaria ou atraso da referida, será aplicada a responsabilidade objetiva da companhia aérea, mas esta ficará limitada ao pagamento de indenização no valor de 17 DES (aproximadamente R$ 121,41) por quilograma, excetuadas as ocasiões em que for realizada declaração especial, juntamente com o pagamento de valor suplementar, conforme o texto da alínea 3, do artigo 22. A alterações apresentadas supra foram as mais relevantes da Convenção de Montreal, recepcionada pelo Brasil na forma do Decreto nº 5.910, de 27 de setembro de 2006, no que trata da responsabilidade civil das empresas aéreas, objeto de análise do presente trabalho. Percebe- se que, apesar das mudanças trazidas na nova Convenção, permaneceu a imposição de limite indenizatório para a responsabilidade civil das transportadoras aéreas. 1.2 A responsabilidade civil do transportador na legislação nacional 16 MORSELLO,M. F., 2015, p. 120. 17 Artigo 19. O transportador é responsável pelo dano ocasionado por atrasos no transporte aéreo de passageiros, bagagem ou carga. Não obstante, o transportador não será responsável pelo dano ocasionado por atraso se prova que ele e seus prepostos adotaram todas as medidas que eram razoavelmente necessárias para evitar o dano ou que lhes foi impossível, a um e a outros, adotar tais medidas. 18 Trazidas as Convenções Internacionais que regulamentam a responsabilidade civil do transportador aéreo internacional quando do extravio de bagagem, mister demonstrar a legislação pátria que trata do referido tema, quais sejam, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 e o Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). 1.2.1 Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica A legislação aeronáutica nacional, regula as atividades de transporte aéreo doméstico, caracterizada por ter como locais de partida, intermediários e chegada, região dentro dos limites territoriais nacionais. O Código Brasileiro de Aeronáutica 18 , trata ainda que se, por motivo de força maior, a aeronave fizer escala em território estrangeiro, mas mantidos os pontos de partida e destino em território nacional, será considerado doméstico para efeitos legais, nos termos do artigo 215, caput e parágrafo único. A redação do Código Brasileiro de Aeronáutica apresenta imitação quanto a responsabilidade que tem o transportador aéreo na obrigação de indenizar, promovendo similar proteção garantida pela Convenção de Varsóvia às empresas aéreas. O artigo 256 trata de forma direta da responsabilidade do dano causado pelo transportador, tendo em seu parágrafo 1º que a empresa aérea não será responsabilizada por morte ou lesão proveniente do estado de saúde do passageiro ou por conduta que denote culpa exclusiva deste. Além disso, dispõe o artigo 257 do CBA que a limitação da responsabilidade indenizatória, da empresa aérea, no caso de morte ou lesão de tripulante, restringe-se ao valor de três mil e quinhentas Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), assimcomo no caso de atraso de voo, a indenização fica limitada ao valor de cento e cinquenta OTN. Por fim, o texto do art. 260 expõe que ocorrendo destruição, perda ou avaria de bagagem despachada ou conservada em mãos do passageiro, durante a execução do contrato aéreo, fica limitado o valor indenizatório de cento e cinquenta OTN. Claro e evidente que a legislação aeronáutica ratifica a responsabilidade limitada praticada na Convenção de Varsóvia. Todavia, o Código Brasileiro de Aeronáutica não enxerga possibilidade do transportador aéreo ser dispensado da obrigação de indenizar o passageiro, mesmo demonstrando inexistente culpa em sua conduta, adotando a reponsabilidade objetiva. 18 BRASIL. Código Brasileiro de Aeronáutica. Lei n° 7.565 de 19 de dezembro de 1986. Brasília, 1986. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm>. Acesso em 26 de maio de 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7565.htm 19 Não obstante, conforme demonstra o professor Morsello 19 que mesmo sendo adotada a responsabilidade objetiva na legislação aeronáutica nacional, existe obstáculo quando se chega aos limites de indenização previstos, e estes somente podem ser desconsiderados quando houver dolo ou culpa grave na conduta do transportador ou seus prepostos, conforme o texto do art. 248. Finalmente, cabe trazer que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento sedimentado que as disposições limitantes da responsabilidade civil, constantes do CBA, não podem ser aplicadas nas relações de consumo, pois o advento da Constituição Federal de 1988 trouxe a defesa ao direito do consumidor como preceito fundamental. 1.2.2 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil O texto constante dos artigos 730 a 756 do Código Civil de 2002, dispõe acerca da regulamentação do contrato de transporte aéreo, subdividas as normas de regulação entre transporte de pessoas e de coisas20. Em que pese haver disposição que trate do contrato que tem como objeto a prestação de serviço de transporte aéreo, ressalta-se que a redação trata apenas de orientações genéricas, deixando de aludir sobre as particularidades de cada espécie de serviço. O legislador demonstra clara intenção da possibilidade de ser aplicada legislação especial, inclusive de tratados e convenções internacionais nos contratos de transporte, conforme retratado no disposto do art. 732, que afirma “aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais.” Entretanto, necessário indicar que alguns dos dispostos no texto dos acordos internacionais, especificamente as Convenções de Varsóvia e Montreal, opõem-se diretamente ao princípio da reparação integral dos fatos, que orienta o Código Civil de 2002. 1.3 A legislação especial incorporada e suas incompatibilidades com o sistema consumerista: O conflito normativo diante do extravio de bagagem no transporte aéreo internacional 19 MORSELLO, M.F., 2007. p. 83 20 BRASIL. Código Civil. Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Brasília, 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>Acesso em 26 de maio de 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm 20 Mister indicar as normas legais legítimas para regular a atividade do transporte aéreo nacional e internacional. Importante, inclusive, demonstrar o conflito existente entre as convenções internacionais e o Código de Defesa do Consumidor, evidenciando os pontos de conflitantes no embate da norma da legislação especial e o sistema nacional consumerista no tocante a responsabilidade civil do transportador aéreo por extravio de bagagens. 1.3.1 O estabelecimento do Código de Defesa do Consumidor e o início das controvérsias sobre a legislação aplicável O propósito do Código de Defesa do Consumidor era o de promover maior harmonia e transparência às relações consumeristas, salvaguardando o atendimento das prioridades do consumidor, o respeito a sua dignidade, saúde, segurança, e a proteção de seus interesses econômicos, nos termos do art. 4º, caput, do CDC. Demonstrando, assim, a necessidade de maior assistência à parte naturalmente hipossuficiente desta relação, o consumidor, com o objetivo de garantir o equilíbrio. A ilustríssima autora Cláudia Lima Marques21 apresenta o Código de Defesa do Consumidor como uma lei de função social, que possui o mérito de positivar as novas noções valorativas orientadoras da sociedade com vistas a assegurar a realização dos modernos direitos fundamentais previstos na Constituição. A autora, traz ainda, o entendimento que as leis de função social são declaradamente de ordem pública, pois são reconhecidas a sua superioridade em detrimento da vontade do indivíduo. Nos termos da ilustre jurista, “são normas, portanto, inderrogáveis pela ação da vontade do indivíduo, a regular de maneira imperativa e imediata as questões jurídicas que tratam”.22 Tais normas, de função social, produzem grandes alterações no sistema e, naturalmente, sua aplicação acabará por conflitar com outras normas especiais, de forma que os privilégios que não mais condizem com a realidade atual sejam combatidos. Ou seja, o conflito normativo deve ocorrer, uma vez que trata de finalidade da nova lei a transformação da realidade social para melhor adequação aos tempos atuais. Tal conflito aborda o caso do CDC com as normas especiais que regulam o transporte 21 MARQUES, C. L., 1993, p.133. 22 Ibidem, p. 133. 21 aéreo internacional, pois estas trouxeram benefícios e suporte legal favoráveis às companhias aéreas, de forma clara e evidente quando avaliamos o sistema de responsabilidade imposto por estas leis. Possível que tais limitações seriam justificadas diante do pioneirismo e dos altos riscos inerentes a tal atividade, entretanto, com a evolução dos meios tecnológicos no campo da aviação civil, esta atividade alcançou elevado nível de segurança, como é cediço. Fica clara, portanto, a necessidade de advento de novas normas, tal como o Código de Defesa do Consumidor, que propõe essa nova interpretação das relações consumeristas, de direito privado em essência, de formas que sejam desfeitos quaisquer benefícios concedidos a quem não faz jus, ou não necessita. De outro lado, garantindo proteção ao sujeito hipossuficiente da relação. No que foi exposto dos textos normativos que tratam da responsabilidade civil do transportador aéreo, nenhum deles apresenta plenamente, garantia de proteção integral ao consumidor, parte mais vulnerável da relação consumerista. Inclusive, como tratado, o Código Brasileiro de Aeronáutica não trouxe regulamentação para o reconhecimento da vulnerabilidade do contratante do serviço. Desta forma, com os adventos da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor em 1990, iniciou-se a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a possível alteração de dispositivos que tratam da responsabilidade civil do transportador, abrangendo a controvérsia de qual norma seria aplicada quando o contrato de transporte aéreo internacional caracteriza relação de consumo, uma vez que o CDC garante a proteção do consumidor. No mesmo entendimento, cabe colacionar os ensinamentos de Beatriz da Silva Roland: Desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor em 1990, há grandes debates pulsantes, tanto na seara doutrinária como na jurisprudencial, sobre a legislação aplicável em sede de transporte aéreo tanto doméstico como internacional. Isso porque o CDC prevê a reparação integral do dano patrimonial e o ressarcimento por danos morais, antagonizando, assim, as disposições tanto dos diplomas do Sistema Varsóvia-Haia vigentes à época de promulgação do Código consumerista e, agora, a Convençãode Montreal de 1999.23 No que se trata da possível aplicação do CDC para regulamentar o contrato de serviço de transporte aéreo, se faz necessário evidenciar a relação de consumo com seus três elementos caracterizadores: o consumidor, o fornecedor e o produto ou serviço. Os ilustres Tartuce e Amorim 24 definem que consumidor e fornecedor seriam elementos subjetivos da relação de consumo, enquanto produto ou serviço constituiriam seu pressuposto objetivo. 23 ROLAND, B.S., 2015, p. 4 24 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 5ª ed. São Paulo: Gen/Método, 2016. p. 71 22 Conforme Antônio Herman V. Benjamim 25 é importante determinar que o transportador, seja terrestre ou aéreo, doméstico ou internacional, é o fornecedor, conforme o art. 3º, caput, do CDC26, uma vez que o transportador presta serviços, e justamente por isso, recebe a qualificação de fornecedor. Em seguida, o autor pontua que o transporte aéreo se classifica como serviço, nos moldes do § 2º art. 3.º do CDC. Importante salientar a necessidade de o referido serviço estar sendo prestado mediante remuneração. Finalmente, no que tange a configuração do consumidor, sendo este “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2.º, caput, do CDC), o autor demonstra que a caracterização não é tarefa tão simples, pois além do texto normativo trazer a “destinação final” como linha divisória entre o que é, e o que não é, produto ou serviço de consumo, traz figuras equiparadas ao consumidor. Defronte a dificuldade da definição do termo “destinatário final”, foram desenvolvidas, pela doutrina e jurisprudência, três teorias a fim de explicar quem seria o "destinatário final" de produto ou serviço citado na definição de consumidor dada pelo Código: as teorias finalista, maximalista e finalista mitigada ou finalista aprofundada. Conforme a teoria finalista, consumidor é quem de fato, e economicamente, adquire o produto ou serviço, para o consumo próprio ou de terceiro a quem o ceda sem inseri-lo novamente no mercado (destinatário final de fato) e não o emprega em um novo ciclo produtivo, ou seja, não o utiliza indiretamente no exercício da profissão ou empresa (destinatário final econômico). Para esta teoria se o produto retornar ao mercado de alguma forma, não haverá relação de consumo. No que lhe concerne, a teoria maximalista expande o conceito de consumidor. De forma que o consumidor, seja pessoa física ou jurídica, é o adquirente do produto ou serviço para si próprio ou terceiro a quem os ceda, o fundamental é o uso como destinatário final ainda que, acessoriamente, de forma ligada à sua atividade profissional, voltada ou não para o lucro. Resta claro, portanto, que apenas a destinação de fato do produto ou serviço é considerada, sendo dispensada a destinação econômica do bem ou serviço. 25 BENJAMIN, A. H., 2011, p.557. 26 Artigo 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. 23 Enfim, a teoria finalista mitigada, ou aprofundada, preocupa-se com a destinação do produto ou serviço adquirido e o porte econômico do consumidor. Desta forma, é considerado consumidor o destinatário final de fato e econômico, entretanto tal requisito é flexibilizado quando verificada a vulnerabilidade do consumidor. Importante salientar que este é o entendimento que tem sido a tendência na jurisprudência, tanto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, quanto do Superior Tribunal de Justiça. Pode-se concluir que os adeptos da teoria finalista aprovam uma aplicação mais restritiva das normas de proteção ao consumidor, já os maximalistas, defendem uma aplicação mais abrangente do Código de Defesa do Consumidor, e a teria finalista mitigada, ou aprofundada, no meio termo. Assim, aquele que como passageiro, celebra contrato de prestação de serviço de transporte aéreo com companhia aérea, não o faz em posição de igualdade econômica com o fornecedor. Ocorre justamente o contrário, se encontra o consumidor em situação de vulnerabilidade econômica, técnica e informacional, havendo necessidade de equilíbrio dentro da relação se utilizam as proteções e garantias do CDC. A relação descrita acima inicia um conflito normativo, pois os dispositivos legais que tratam do tema divergem, substancialmente, no que se trata da responsabilidade civil, particularmente quanto aos valores que devem ser pagos a título de indenização, pelo transportador aéreo quando houver danos causados. 1.3.2 Antinomias entre o CDC e a Convenção de Montreal: normas que dispõem acerca da responsabilidade do transportador aéreo por extravio de bagagem Ensina Scramim 27 que o transporte aéreo internacional de pessoas é regido por dois regramentos diversos, quais sejam, o Código de Defesa do Consumidor, pois o contrato de prestação de serviço de transporte enseja relação de consumo, e a Convenção de Montreal, diploma internacional que rege o tema e cujo Brasil é signatário. Existem diversos pontos discordantes nestes textos normativos, algo prejudicial e que traz grande insegurança jurídica. A autora Claudia Lima Marques, delimita assim as antinomias: “...são as contradições aparentes ou reais entre duas normas vigentes e de existência simultânea no mesmo ordenamento jurídico, no momento de sua aplicação a um caso concreto, contradição esta que nega a coerência interna do sistema.28 27 SCRAMIM, U.G. 2016. p. 177. 28 MARQUES, C. L., 1993, p.135. 24 Conforme Benjamim 29 somente um fragmento do Código de Defesa do Consumidor conflita com a Convenção e com o Código Brasileiro Aeronáutica, legislações que tratam do transporte aéreo: a matéria da responsabilidade civil pelos defeitos de qualidade por insegurança tidos como acidentes de consumo no caso de morte ou lesão; e por vícios de inadequação, como o atraso e danos a bagagem e cargas. Neste estudo, a prioridade é tratar da problemática que envolve as antinomias entre a Convenção de Montreal e o CDC no âmbito da responsabilidade civil do transportador aéreo diante do extravio de bagagem em transporte aéreo internacional. Uma vez celebrado contrato de transporte aéreo com inclusão de bagagem, o extravio desta, durante a prestação do serviço, configura inadimplemento de obrigação prevista no contrato por parte do fornecedor. Deste modo, extraviada a bagagem do consumidor, ficando este privado dos bens pessoal despachado, declarando ou não o seu valor, pagando ou não pelo respectivo despacho, resta causado de forma clara o prejuízo, patrimonial e extrapatrimonial. Nos temos do art. 17, alínea 2, da Convenção de Montreal, o transportador é responsável pelo dano causado em caso de destruição, perda ou avaria da bagagem registrada, desde que ocorrido a bordo da aeronave ou durante qualquer período em que a bagagem registrada se encontre sob a custódia do transportador e, do mesmo texto legal, extraímos do art. 22, alínea 2, que no transporte de bagagem, a responsabilidade do transportador nesses casos se limita a 1.000 Direitos Especiais de Saque por passageiro. Entretanto, ainda no art. 22, alínea 2, a norma traz a ressalva de que caso o passageiro tenha feito declaração especial de valor da bagagem, mediante pagamento de quantia suplementar, este valorserá o limite da indenização. Caso o passageiro não faça tal declaração, em caso de extravio, o valor indenizatório será o estipulado pela Convenção, mesmo que em sua bagagem contenham itens de valor além do limite fixado. Indo de encontro a tal dispositivo, o texto do art. 6°, incido VI, do Código de Defesa do Consumidor, dispõe que é direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, inexistindo qualquer limitação ou ressalva no referido texto. Cláudia Lima Marques 30 afirma que o CDC, ao incluir a reparação integral na lista de direitos básicos, valora a importância da reparação, como forma de reequilibrar as relações de consumo, fica caracterizado assim que a reparação de danos possui tripla função: preventiva, 29 BENJAMIN, A. H., 2011, p.560. 30 MARQUES, C.L., 1993. p. 151-152. 25 compensatória e satisfativa. Tratando, ainda, da problemática da responsabilidade, importante analisar o teor do art. 25 do CDC, ipsis literis: “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.”. Ora, inexiste dúvida no que se refere a incompatibilidade de Convenção de Montreal, ao tratar de limite de indenização, com o Código de Defesa do Consumidor. No tocante à espécie da responsabilidade civil, a Convenção de Montreal utiliza a teoria da responsabilidade objetiva com base na teoria do risco da atividade, entretanto, no artigo 17, alínea 2, dispõe que “no caso da bagagem não registrada, incluindo os objetos pessoais, o transportador é responsável somente se o dano se deve a sua culpa ou a de seus prepostos”. Em sentido contrário, o CDC define como regra a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, deformas que a aferição de dolo ou culpa é dispensável para que se logre a total reparação de danos. Conforme o disposto do art. 14 do CDC, in verbis: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Ainda acerca da responsabilidade objetiva utilizada pelo Código de Defesa do Consumidor, contribuem Eduardo Arruda Alvim e Flávio Jorge Cheim31, afirmando que a simples existência da atividade econômica no mercado, exercida pelo fornecedor, já lhe confere a obrigação de reparar o dano causado por essa atividade. Sendo assim, a responsabilidade é objetiva, independente da conduta do fornecedor, havendo ou não culpa ou dolo. Assim, nos termos do CDC, quando houver necessidade de ressarcimento por danos decorrentes da relação consumerista, o consumidor não precisa provar a culpa ou dolo do fornecedor, apenas a existência do defeito, o dano e o nexo causal entre estes. A exceção ocorre quando o fornecedor do serviço for profissional liberal, nesse caso será necessária aferição de culpa ou dolo. Demonstrados os conflitos existentes entre as disposições do Código de Defesa do Consumidor e da Convenção de Montreal acerca da responsabilização do transportador aéreo por extravio de bagagens, é necessário seguir para a análise jurisprudencial dos Tribunais 31 ALVIM, Eduardo Arruda; JORGE, Flávio Cheim. A responsabilidade civil no Código de Proteção e Defesa do Consumidor e o transporte aéreo. Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil, São Paulo, vol. 2, p. 1229/1268, out., 2011, p. 1231. 26 Nacionais frente a antinomia. 1.3.3 As decisões dos tribunais brasileiros frente a antinomia: construção da jurisprudência na proteção ao consumidor De acordo com Fernando Noronha 32 ainda antes da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, ocorria na jurisprudência majoritária uma distinção entre os “riscos do ar” e outros danos, de modo que a limitação de responsabilidade estava ligada aos “riscos de voo”, referentes a acidentes ocorridos durante o transporte aéreo, sem incluir casos como os de extravio de bagagem. Desta forma, nos casos em que houvesse dano que não tivesse relação com os chamados “riscos de voo”, aplicava-se o regime comum da responsabilidade civil. Entende o jurista que com o advento do Código de Defesa do Consumidor, naturalmente aumentaram as objeções diante do descabimento temporal da Convenção de Varsóvia, visto que existia norma legal proveniente de preocupações sociais atuais manifestadas não só nela, mas também na Constituição na qual ela estava prevista (arts. 5.º, XXXII, 24, VIII e 170, V, CF/1988). Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça atendia tais demandas com a legislação da Convenção de Varsóvia, observando o princípio da especialidade. Todavia, tal aplicação deixou de ocorrer para que fossem utilizados os preceitos normativos mais recentes, levando em consideração que, na verdade, deve-se observar o princípio da ampla reparação, responsabilizando o transportador aéreo pelo extravio de bagagem. Conforme se percebe nos julgados da Corte Superior colacionados a seguir: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRANSPORTE AÉREO.INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. 1. Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil do transportador aéreo pelo extravio de mercadoria subordina-se ao princípio da ampla reparação, afastando-se a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia. 2.Em se tratando de danos morais, torna-se incabível a análise do recurso com base na divergência pretoriana, pois, ainda que haja grande semelhança nas características externas e objetivas, no aspecto subjetivo, os acórdãos são sempre distintos. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1230663/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 24.08.2010, DJe 03.09.2010). PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. PRESCRIÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO 32 NORONHA, Fernando. A Responsabilidade civil do transportador aéreo por danos a pessoas, bagagens e cargas. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 44, p.168/184, out./dez. 2002, p. 171. 27 CONSUMIDOR. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. – A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de prevalência das normas do CDC (LGL\1990\40) em relação à Convenção de Varsóvia, inclusive quanto à prescrição. – Negado provimento ao agravo. (AgRg no REsp 1060792/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.11.2011, DJe 24.11.2011) Seguindo o entendimento Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Estaduais e do Distrito Federal também consolidaram entendimento de que nova legislação consumerista deveria prevalecer sobre as disposições das convenções internacionais quando a matéria tratasse de transporte aéreo, levando em consideração, o fundamento constitucional do Código de Defesa do Consumidor. Vejamos: AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSPORTE AÉREO (EXTRAVIO DE BAGAGEM). APLICAÇÃO DO CDC. MANUTENÇÃO DO 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO. 1- Merece ser mantida a decisão monocrática que nega seguimento ao apelo, adotando a jurisprudência dominante do STJ, que orienta que o transportador aéreo responde pelo extravio de bagagens, sendo aplicável ao caso o CDC. 2- Mantém-se o valor arbitrado para a indenização por dano moral, quando observado que a fixação atendeu a norma prevista pelo artigo 944 do CC, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (TJGO, APELACAO CIVEL 73404-51.2013.8.09.0051, Rel. DES. CARLOS ESCHER, 4A CAMARA CIVEL, julgado em 09/07/2015, DJe 1827 de 16/07/2015) CONSUMIDOR.APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. EXTRAVIO DE BAGAGEM. NORMA APLICÁVEL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. FALHA NA PRESTAÇÃODO SERVIÇO. QUANTUM INDENIZATÓRIO ADEQUADO. 1 Conforme entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal), ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando- se, portanto, ao Código Consumerista. 2. Impõe-se o dever de indenizar quando comprovado o extravio de bagagem, durante viagem internacional, ainda mais se o consumidor for privado definitivamente de seus pertences. 3. Acerca do dano moral, a concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilidade do agente opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação. 4. O valor da condenação deve estar adequado ao exame das circunstâncias do caso, da capacidade econômica do ofensor e da exemplaridade - como efeito pedagógico - que há de decorrer da condenação. Quanto ao efeito pedagógico, cabe mencionar o grande número de extravio de bagagens que ocorre no dia-a-dia dos aeroportos, causando incômodos e constrangimentos aos consumidores. Diante disso, a indenização não pode ser tão mínima que não consiga frear esses atos ilícitos que atingem a sociedade de consumo. 5. Recurso não provido. (TJDFT - Apelação Cível 0041414-97.2014.8.07.0007, Relator(a): Des.(a) Arnoldo Camanho , 4ª TURMA CIVEL, julgamento em 13/07/2016, publicação em 25/07/2016) 28 RESPONSABILIDADE CIVIL – Transporte aéreo – Voo internacional – Extravio de bagagem e subtração de objetos pessoais – Falha na prestação de serviços caracterizada – Aplicação do CDC – Inaplicabilidade da Convenção de Varsóvia, de Montreal e do Código Brasileiro de Aeronáutica – Dano material comprovado – Dano moral caracterizado – Valor fixado abaixo dos parâmetros adotados pela Turma Julgadora (R$ 1.500,00) – Valor majorado para R$ 10.000,00 – Indenizatória procedente – Recurso do autor provido – Recurso da companhia aérea improvido. Dispositivo: deram provimento ao recurso do autor e negaram provimento ao recurso da companhia aérea. (TJSP; Apelação 1078159-09.2015.8.26.0100; Relator (a): Ricardo Negrão; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 37ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/02/2017; Data de Registro: 14/02/2017) Fica claro o nascimento de corrente jurisprudencial determinando a responsabilidade civil do transportador aéreo, afastando a limitação indenizatória prevista nas convenções especiais, predominando a aplicação do CDC, garantindo a reparação integral do dano causado, independente de culpa ou dolo, permitindo a justa proteção ao consumidor, a parte mais vulnerável. 1.3.4 A decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE636.331 e do ARE 766.618 Conforme exposto supra, o entendimento dos tribunais nacionais foi de que o Código de Defesa do Consumidor é a legislação que possui prevalência no caso em que restar necessária a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, tudo previsto pela Constituição de 1988. Entretanto, a jurisprudência foi alterada em decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nª 636.331 (substituto ao Agravo de Instrumento nº 762/RJ) e do Agravo em Recurso Extraordinário nº 766.618, ocasião em que a Corte Suprema decidiu que para apurar a responsabilidade e estabelecimento das indenizações resultantes de controvérsias relacionadas a extravios de bagagem e prazos prescricionais ligados à relação de consumo em transporte aéreo internacional devem ser solucionados pelo disposto na Convenção de Varsóvia e suas posteriores alterações, em prejuízo do Código de Defesa do Consumidor33, opondo-se à jurisprudência ora consolidada pelos tribunais pátrios, das turmas do próprio Supremo e da doutrina majoritária. Percebe-se, nas duas situações, que a problemática central é a controvérsia entre qual 33 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=344530&caixaBusca=N. Acesso em: 26 maio 2020. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=344530&caixaBusca=N 29 norma deve ser aplicada nos conflitos associados a relação consumerista fundada no transporte internacional, sejam as normas provenientes das convenções internacionais ou o Código de Defesa do Consumidor. Visto que o assunto não teve uniformidade nas decisões exaradas pelas instâncias inferiores, a matéria teve repercussão geral reconhecida pelo STF, demonstrada assim a grande importância do julgamento, pois tal decisão atingiria o patamar de paradigma aos posteriores posicionamentos sobre o tema. No caso do RE 636.33134, cujo relator foi o ministro Gilmar Mendes, este foi ajuizado no Supremo pela companhia aérea Air France contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, reconhecendo a existência de relação de consumo entre as partes, determinou que a responsabilização da transportadora, no caso a obrigação de indenização pelo extravio de bagagem, deveria ocorrer conforme a norma legal consumerista, e não nos termos das convenções internacionais. O ARE 766.61835, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, foi interposto pela empresa Air Canadá contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que também decidiu pela aplicação do CDC em detrimento das convenções internacionais, e seu teor tratava da dúvida em relação ao prazo prescricional que deveria ser observado quando da ação indenizatória em desfavor da companhia área, que descumpriu o contrato. A Air Canadá postulava pela reforma da decisão indicando que o prazo prescricional correto para ação de responsabilidade civil decorrente de atraso de voo internacional seria o disposto na Convenção de Montreal, que é de dois anos, e não o do CDC, que é de cinco anos. O julgamento dos processos foi iniciado em maio de 2014, e seus respectivos relatores votaram pela prevalência das convenções internacionais em desvantagem ao CDC. Para o relator do RE 636.331, ministro Gilmar Mendes, a previsão constitucional de que os acordos internacionais ratificados pelo país devem ser observados, também deve ser analisada no caso, não sendo o único preceito constitucional a Defesa e Proteção do Consumidor. Em síntese, três aspectos basearam seu posicionamento: (a) no conflito entre o artigo 178 da Constituição Federal e o princípio constitucional de defesa do consumidor, deve prevalecer a regra; (b) a diferença hierárquica entre os textos legais conflitantes é inexistente, 34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 636331. Tribunal Pleno. Relator: Gilmar Mendes. Julgamento em 25/05/2017. 35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Extraordinário 766618. Tribunal Pleno. Relator: Luis Roberto Barroso. Julgamento em 25/05/2017. 30 devendo ser aplicados os critérios da especialidade e cronológico ao caso, sendo a Convenção de Varsóvia, além de norma especial que regulamenta o transporte aéreo, em razão de suas modificações, posterior ao CDC; e (c) as limitações tratadas na Convenção atingem somente os contratos de transporte internacionais e não obstam a reparação por dano moral. Na relatoria do ARE 766.618, o Ministro Luís Roberto Barroso, salientou que o artigo 178 da Carta Magna comanda que devem ser obedecidos os acordos internacionais que regulamentam sobre os transportes aéreos. Todavia, argumentou que os parâmetros utilizados para solução de antinomia do direito brasileiro, quais sejam, hierarquia, cronologia e especialidade não deveriam ser aplicados para apreciação dos casos, de formas que o verdadeiro critério para a solução é o disposto no artigo 178 da Constituição Federal, cujo objetivo é ode uniformizar regras, assegurar isonomia entre consumidores e impor ao país o respeito aos compromissos internacionais assumidos. Argumentou ainda que, dentre o princípio constitucional de proteção do consumidor, elencado no artigo 5º, XXXII da CF, e o texto do artigo 178, este sobrepuja aquele, pois é manifestação direta do legislador constituinte. No momento do julgamento, o ministro Teori Zavascki acompanhou o voto dos relatores. Mas, a sessão foi suspensa, pois a ministra Rosa Weber pediu vistas. O julgamento foi retomado no dia 25 de maio de 2017, ocasião em que o Plenário decidiu por maioria de votos por sedimentar entendimento de que o CDC não se aplica aos conflitos na relação de consumo em transporte internacional, devendo ser resolvidos nos termos das convenções internacionais, restando vencidos os votos dos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello. Percebemos conforme ementas: Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Extravio de bagagem. Dano material. Limitação. Antinomia. Convenção de Varsóvia. Código de Defesa do Consumidor. 3. Julgamento de mérito. É aplicável o limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia e demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem, em voos internacionais. 5. Repercussão geral. Tema 210. Fixação da tese: ‘Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor’. 6. Caso concreto. Acórdão que aplicou o Código de Defesa do Consumidor. Indenização superior ao limite previsto no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Decisão recorrida reformada, para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar estabelecido na legislação internacional. 7. Recurso a que se dá provimento. (STF, RE n. 636.331/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/05/2017) Direito do consumidor. Transporte aéreo internacional. Conflito entre lei e 31 tratado. Indenização. Prazo prescricional previsto em convenção internacional. Aplicabilidade. 1. Salvo quando versem sobre direitos humanos, os tratados e convenções internacionais ingressam no direito brasileiro com status equivalente ao de lei ordinária. Em princípio, portanto, as antinomias entre normas domésticas e convencionais resolvem-se pelos tradicionais critérios da cronologia e da especialidade. 2. Nada obstante, quanto à ordenação do transporte internacional, o art. 178 da Constituição estabelece regra especial de solução de antinomias, no sentido da prevalência dos tratados sobre a legislação doméstica, seja ela anterior ou posterior àqueles. Essa conclusão também se aplica quando o conflito envolve o Código de Defesa do Consumidor. 3. Tese afirmada em sede de repercussão geral: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor”. 4. Recurso extraordinário provido. (STF, ARE n. 766.618, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/5/2017). Fica claro que ambos relatores argumentaram pela prevalência do artigo 178 da Constituição Federal, que dispõe: Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. Mister trazer os votos dos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, pois reforçaram o fato de que as empresas de transporte aéreo internacional de passageiros realizam atividades que são classificadas como prestação de serviços, assim sendo, a relação estabelecida entre elas e os consumidores, os destinatários finais dos serviços, seria uma relação de consumo, portanto fica justificada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. O eminente Ministro Marco Aurélio, em seu voto, ressaltou que os julgados dos tribunais de instâncias inferiores não foram contrários à Constituição Federal, uma vez que utilizaram como fundamento legal o CDC. Enriqueceu tal ponto de vista o Ministro Celso de Mello, expondo que a responsabilidade civil do transportador aéreo decorrente da má prestação de serviços, com o advento da norma consumerista, por esta ficou regulada, dispensadas as outras normas que tratavam do transporte aéreo, seja nacional ou internacional. Entende o versado jurista que existe norma constitucional assegurada por cláusula pétrea dando o suporte para a proteção ao consumidor, evidenciando a eficácia jurídica prevalente ao artigo 178 da Constituição Federal, pois este trata de direito fundamental. Conforme demonstrado, findo o julgamento, o Plenário do Supremo, de acordo com os votos dos relatores, deu provimento a ambos os recursos. No Recurso Extraordinário nº 636.331, houve redução do valor da indenização pelos danos materiais ocorridos, ficando estabelecido como teto para fins indenizatórios o previsto no artigo 22 da Convenção de Varsóvia. Tal norma também prevaleceu na decisão do Agravo em Recurso Extraordinário nº 32 766.618, restando determinado que o prazo prescricional aplicável ao caso concreto é aquele previsto na Convenção Internacional incorporada ao ordenamento jurídico nacional. Finalmente, necessário ressaltar que a decisão do Supremo Tribunal Federal tratou apenas dos limites de indenização para danos materiais causados e do prazo prescricional válido para propositura da respectiva ação indenizatória, determinando como texto legal que regula tais situações a Convenção Internacional. Já o dano moral, conforme extraído do mesmo acórdão, não fica sujeito a tal limitação, não só porque no texto do artigo 22 inexiste qualquer referência à reparação por dano moral, mas também por não condizer, a delimitação, com a própria natureza do bem jurídico tutelado. 2. INVOLUÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR NO CAMPO DO TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL Conforme exposto anteriormente, em virtude da decisão do Supremo Tribunal Federal, nos casos em que houver extravio de bagagem, particularmente em voos internacionais, a responsabilidade civil do fornecedor, o transportador, pelo dano material fica limitada ao valor nos termos do artigo 22 da Convenção de Varsóvia, alterada pela Convenção de Montreal, em 2006. Desta forma, a Suprema Corte reconheceu a possibilidade de limitação da indenização de dano patrimonial, com fundamento em norma especial. Assim, foi de encontro ao entendimento dos tribunais acerca da ampla reparabilidade dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, modificando uma referência fundamental para garantia, e clareza, da reparação de danos direito pátrio. Dando continuidade ao presente trabalho, cabe expor argumentos que revelam as consequências danosas provenientes da sentença exarada pelo Supremo Tribunal Federal. Resta claro, e evidente, que houve grande prejuízo não só, à garantia de proteção destinada ao consumidor de serviços de transporte aéreo internacional, mas também ao entendimento de reparação de danos no âmbito do ordenamento jurídico nacional. 2.1 O LASTRO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR A promulgação da Constituição Federal de 1988 é um marco no que se trata dos direitos dos cidadãos brasileiros, pois garante diversas liberdades civis e impõe deveres ao Estado. O texto constitucional tratou de institucionalizar os direitos humanos no Brasil, concedendo uma 33 série de benefícios na forma de direitos extrapatrimoniais, além de demonstrar a prevalência
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