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APS-SUCESSÕES

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INTRODUÇÃO
O que é herança digital
Trata-se de bens ou direitos utilizados, publicados ou guardados em plataformas ou servidores virtuais podendo ser acessados online ou não. Estes são bens incorpóreos. São compostos de contas em canais diferentes, materiais como por exemplo, textos, áudios e vídeos.
Os arts. 79 e 103 do Código Civil 2002 dispõem sobre os bens, que podem ser classificados em espécies e subespécies. Estes, dispõem valores materiais ou imateriais. Bens jurídicos não patrimoniais, não possuem valor econômico, como a honra e a saúde por exemplo. De acordo com o Francisco Amaral:
“Em senso amplo, esse objeto pode, portanto, consistir em coisas (nas relações reais), em ações humanas (nas relações obrigacionais) e também na própria pessoa (nos direitos de personalidade e nos de família, em institutos como no pátrio poder, na tutela e na curatela), e até em direitos (como no penhor de créditos, no usufruto de direitos) (AMARAL, F. 2003).
Espécies:
Os bens são considerados fungíveis e infungíveis, o primeiro pode ser substituído por outro da mesma espécie, qualidade ou quantidade. O segundo são aqueles que não podem ser substituídos por outros da mesma qualidade, conforme disposto no artigo 85 do Código Civil.
Existem também, bens consumíveis, ou não duráveis onde o uso faz a destruição imediata do mesmo, como por exemplo, alimentos, podem ser visto no Código Civil de 2002, no artigo 86. Os consumíveis não se perdem com uso, como exemplo, casa.
Há também bens divisíveis e indivisíveis. Sendo o primeiro, como nome já diz pode ser dividido, como uma pizza. Os indivisíveis não podem ser divididos pois perderiam sua essência, conforme art.87 do Código Civil de 2002.
Os arts.89 a 91 do Código Civil 2002, dispõem sobre os bens singulares e bens coletivos. Os singulares, são aqueles que se consideram por si só. Os bens coletivos, são a junção dos bens singulares, para formar um todo homogêneo. Estes podem ser de fato ou de direito tendo em vista o art. 90 do Código Civil de 2002, que é o complexo das relações jurídicas de valor econômico de uma pessoa, como por exemplo, herança.
Bens móveis também estão dispostos Código Civil no art. 82 do Código Civil, são os bens que podem ser transportados, sem que altere a matéria ou o destino econômico.
Existem os bens móveis por natureza, que são aqueles que se movem por força próprios.
Previsto no art.83, do CC/02, consideram-se móveis, por determinação legal :
I - as energias que tenham valor econômico;
II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; 
III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
No art.79, do Código Civil 2002, os bens imóveis, são bens, que a movimentação não é possível, sem que seja destruído. Existem três tipos: os imóveis por natureza, exemplo, solo e espaço aéreo e imóveis por acessão natural, ou seja, tudo aquilo que adere naturalmente ao solo, imóveis por acessão artificial, quando a aderência de um bem ao solo é feita por meio de força humana e imóveis por determinação legal, conforme disposto no art.80, do Código Civil 2002:
I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II - o direito à sucessão aberta.
O DIREITO DOS BENS DIGITAIS
Bens digitais serão transmitidos imediatamente aos sucessores. Nesse caso, o inventariante precisa ter conhecimento técnico em informática. É necessário que haja uma legislação específica acerca desse tema, para que os sucessores não sejam impedidos de ter acesso ao patrimônio deixado.
Arquivos em nuvem, redes sociais, fotos, vídeos etc... podem ser utilizados como testamento digital, apesar desse termo ainda não ter reconhecimento no sistema jurídico brasileiro, é uma realidade cada vez mais próxima.
“Zampier, entende que os bens digitais podem compor a sucessão, pois permitir que os herdeiros adquirem a propriedade dos bens digitais é cumprir com os direitos fundamentais, bem como com os ditames sucessórios. Destaca ainda este autor que pelo instrumento do testamento, já brevemente mencionado no presente trabalho, é possível que haja disposições de características patrimoniais e existenciais”.
Entende-se que a melhor forma de garantir a aquisição dos ativos digitais sejam eles patrimoniais, existenciais ou híbridos, é pelo instrumento de disposição de última vontade.
A falta de legislação adequada, gera dificuldade, exemplo disso é a dificuldade para lidar com a questão jurídica da herança de bens digitais de caráter existencial seria o requerimento feito pelos herdeiros para ter acesso às contas pessoais do falecido, como os e-mails e as redes sociais. 
Desta forma, a melhor maneira de garantir a proteção quanto a proibição ao acesso ou mesmo dispor a possibilidade de que os bens frutos da evolução tecnológica sejam herdados, é através do testamento, pois a última vontade do falecido será observada preliminarmente, buscando atingir a determinação que melhor represente a vontade da pessoa que se findou como estabelece o artigo 1.899 do Código Civil.
LEGISLAÇÃO
No Brasil, não há legislação adequada para esse tema, porém há propostas de lei (PL) que dialogam com o tema. Sendo assim, neste item, o objetivo será apresentar tais projetos de lei e seus respectivos conteúdos e fundamentos, levantando os principais pontos positivos e negativos.
Como visto anteriormente, existem alguns projetos de lei pátrios com disposições acerca do tema herança digital, conforme a seguir pontuados.
Projetos de Lei n.º 4.099/2012 e n.º 4.847/2012:
O Projeto de Lei n.º 4.099/2012, apresentado pelo Deputado Jorginho dos Santos Mello, em 20 de junho de 2012, pretende inserir alteração no artigo 1.788 do Código Civil, no sentido de autorizar o acesso de herdeiros a arquivos digitais de falecidos.
Conforme disposto, pelo referido deputado, passaria a constar no referido artigo, um parágrafo único, com a seguinte redação: “Art. 1.788. [...] Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança.”. (BRASIL, 2012).
Durante a tramitação deste Projeto, ele foi apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sem serem apresentadas emendas. (BRASIL, 2012).
Em sua trajetória, foi apensado o Projeto de Lei n.º 4.847, de 12 de dezembro de 2012, criado por Marçal Filho, que previa, entre suas disposições, o acréscimo ao Código Civil do Capítulo II-A e artigos 1.797-A a 1.797-C, com as seguintes redações:
Capítulo II-A :
Da Herança Digital:
“Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes:
I – senhas;
II – redes sociais;
III – contas da Internet;
IV – qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.
Art. 1.797-B. Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos.
Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro:
I – Definir o destino das contas do falecido;
a) transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou;
b) apagar todos os dados do usuário ou;
c) remover a conta do antigo usuário. (BRASIL, 2012).” 
Entretanto, após apensado o Projeto de Lei n.º 4.847/2012, o qual foi recebido pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 163 cumulado com o artigo 164, parágrafo 4º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, os quais versam sobre os prejuízos da discussão no caso de existir matéria idêntica ou semelhante, cabendo o arquivamento definitivo caso a proposição seja dada como prejudicada. (BRASIL, 2012).
Este prosseguiu em tramitação, então, somente o Projeto de Lei n.º 4.099/2012, sendo aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em 2013, remetida ao Senado Federal, sendo lá arquivado em 2018, com base no artigo 332 do Regimento Interno do Senado Federal, que prevê o arquivamento dos Projetos deLei ao final da legislatura. (BRASIL, 2012).
Projeto de Lei n.º 7.742/2017:
Em 30 de maio de 2017, foi apresentado o Projeto de Lei n.º 7.742/2017, a fim de dispor sobre a destinação das contas de aplicações de internet após a morte de seu titular, acrescentando, para tal, o artigo 10-A à Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), a conter as seguintes disposições:
“Art. 10-A. Os provedores de aplicações de internet devem excluir as respectivas contas de usuários brasileiros mortos imediatamente após a comprovação do óbito.
§1º A exclusão dependerá de requerimento aos provedores de aplicações de internet, e formulário próprio, do cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive.
§2º Mesmo após a exclusão das contas, devem os provedores de aplicações de internet manter armazenados os dados e registros dessas contas pelo prazo de 1 (um) ano, a partir da data do óbito, ressalvado requerimento cautelar da autoridade policial ou do Ministério Público de prorrogação, por igual período, da guarda de tais dados e registros.
§ 3º As contas em aplicações de internet poderão ser mantidas mesmo após a comprovação de óbito do seu titular, sempre que essa opção for possibilitada pelo respectivo provedor e caso o cônjuge, companheiro ou parente do morto indicados no caput deste artigo formule requerimento nesse sentido, no prazo de um ano a partir do óbito, devendo ser bloqueado o seu gerenciamento por qualquer pessoa, exceto se o usuário morto tiver deixado autorização expressa indicando quem deve gerenciá-la. (BRASIL, 2017).”
É sabido que este Projeto de Lei versa sobre à proteção dos direitos fundamentais como privacidade e intimidade, ao contrário dos Projetos anteriormente mencionados, que preveem a transmissão automática do patrimônio virtual aos herdeiros. (BRASIL, 2012, 2017).
Vale ressaltar que algumas dessas medidas, como exclusão de contas, estão previstas nos termos de uso de algumas aplicações da internet, como o Facebook, por exemplo, apesar de não uniformizadas, razão pela qual se propõe uma positivação por meio de legislação própria.
O Projeto de Lei n.º 7.742/2017 foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que prevê o arquivamento dos projetos de lei que tenham sido submetidos à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação. (BRASIL, 2017).
Projeto de Lei n.º 5.820/2019:
O Projeto de Lei n.º 5.820/2019 trata da herança digital e inclui a possibilidade de realização de codicilo em vídeo no Código Civil, tendo sido desenvolvido pelos advogados Clodoaldo Moreira, Tiago Magalhães, Ângela Estrela e Marcos Niceas Rosa, em conjunto com o vereador Lucas Kitão.
Em outubro de 2019 a proposta foi apresentada ao Deputado Federal Elias Vaz, autor do texto na Câmara dos Deputados.
A proposta modifica o artigo 1.881 do Código Civil, que passaria a reger-se na seguinte forma:
“Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante instrumento particular, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, bem como destinar até 10% (dez por cento) de seu patrimônio, observado no momento da abertura da sucessão, a certas e determinadas ou indeterminadas pessoas, assim como legar móveis, imóveis, roupas, joias entre outros bens corpóreos e incorpóreos.
§1º A disposição de vontade pode ser escrita com subscrição ao final, ou ainda assinada por meio eletrônico, valendo-se de certificação digital, dispensando-se a presença de testemunhas e sempre registrando a data de efetivação do ato.
§2º A disposição de vontade também pode ser gravada em sistema digital de som e imagem, devendo haver nitidez e clareza nas imagens e nos sons, existir a declaração da data de realização do ato, bem como registrar a presença de duas testemunhas, exigidas caso exista cunho patrimonial na declaração.
§3º A mídia deverá ser gravada em formato compatível com os programas computadorizados de leitura existentes na data da efetivação do ato, contendo a declaração do interessado de que no vídeo consta seu codicilo, apresentando também sua qualificação completa e das testemunhas que acompanham o ato, caso haja necessidade da presença dessas.
§4º Para a herança digital, entendendo-se essa como vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais, e outros elementos armazenados exclusivamente na rede mundial de computadores, em nuvem, o codicilo em vídeo dispensa a presença das testemunhas para sua validade.
§5º Na gravação realizada para fim descrito neste dispositivo, todos os requisitos apresentados tem que ser cumpridos, sob pena de nulidade do ato, devendo o interessado se expressar de modo claro e objetivo, valendo-se da fala e vernáculo Português, podendo a pessoa com deficiência utilizar também a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ou de qualquer maneira de comunicação oficial, compatível com a limitação que apresenta. (BRASIL, 2019).” 
A justificativa do referido Projeto de Lei ressalta que uma parte do patrimônio da maioria das pessoas encontra-se nos espaços virtuais e que o direito da personalidade, como é sabido, é vitalício. (BRASIL, 2019).
Ademais, a justificativa menciona a pequena quantidade de discussões sobre o tema herança digital, necessitando, desta forma, de legislações acerca do mesmo, principalmente, no que se refere às disposições em vida, para gerenciamento e transmissão dos bens digitais após a morte de seu titular. (BRASIL, 2019).
Ainda, o mencionado Projeto traz mecanismos para a realização de testamento pelo meio digital, bem como conceitua o que seria a herança digital, não trazendo, contudo, disposições acerca da transmissibilidade ou não da herança digital aos herdeiros após a morte do de cujus. (BRASIL, 2019).
Atualmente, o referido Projeto está aguardando parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), tendo sido despachado em 26/11/2019, aguardando até hoje o referido parecer. 
HERANÇA DIGITAL EM OUTROS PAISES
O debate ganha cada vez mais força, eis que a China, grande potência mundial, aprovou no ano passado uma emenda de lei que garante ao cidadão o direito de receber a herança também em criptomoedas.
A medida, entrou em vigor em 1º de janeiro de 2021, é um marco importante para a popularização das criptomoedas no país e no mundo. A herança foi classificada como "ganhos, propriedades imobiliárias, árvores, relíquias culturais e propriedades intelectuais" pelo Código Civil chinês, criado em 1985 e nunca modificado, com a mencionada emenda de lei, determinou que a propriedade legal do falecido incluísse ativos da internet como um todo, abrangendo até mesmo contas em plataformas, itens e dinheiros virtuais em jogos, entre outros. 
Nos Estados Unidos, a Comissão de Uniformização de Leis (Uniform Law Commission - ULC) editou um documento a fim de padronizar o tratamento jurídico no âmbito dos arquivos digitais em caso de morte ou incapacidade do titular, o que resultou no Uniform Fiduciary Access to Digital Assets Act (UFADAA).
Posteriormente, mesmo após o falecimento do titular, os ativos digitais podem ser administrados pelo herdeiro, tornando permitido o acesso para gerenciar arquivos digitais, domínios na internet, moedas virtuais, dentre outros. Desta forma, a norma faz ressalvas quanto aos acessos às comunicações eletrônicas, como contas em redes sociais e e-mails, sendo necessário o consentimento prévio do titular por meio de testamento, procuração ou outro registro válido. 
A grande maioria dos estados norte-americanos aprovou a proposta de lei, vindo tal discussão também a se intensificar após a morte do jogador de basquete Kobe Bryant no início deste ano.
Salienta-se que a norma editada no ano de 2005 pelo Estado de Connecticut, que autorizou os herdeiros a acessarem o e-mail e conta pessoal do de cujus, desde que munidos com a certidão de óbito e o certificado de nomeação como procurador ou administrador de bens ou, ainda, por meio de ordem judicial.
Nessa pespectiva, o Estado de Oklahoma, em 2010, emitiuuma regra imaginando a possibilidade de encerramento das contas pessoais do falecido em qualquer rede social ou plataforma de mensagens através de procuradores ou administradores.
Na Europa, há o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (General Data Protection Regulation - GDPR), que presume a não aplicabilidade aos dados pessoais de pessoas falecidas, sendo discricionariedade dos Estados-Membros a regularização e estabelecimento destas regras.
Não obstante a legislação brasileira não progredir na mesma velocidade da tecnologia, como nos demais países, uma alternativa é a utilização dos mecanismos jurídicos para garantir a validade e eficácia das decisões, principalmente para quem elas se destinam.
A aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil, inclusive, tem representado um avanço, em que pese não dispor sobre dados de pessoas já falecidas. 
PONTOS CONTROVÉRCIOS
Em Março de 2021, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo apreciou caso relativo à denominada herança digital. 
Trata-se da Apelação Cível 1119688-66.2019.8.26.0100, de relatoria do desembargador Francisco Casconi, da 31ª Câmara de Direito Privado, julgada por unanimidade.
O caso dispõe sobre uma mãe que, após o falecimento de sua filha, passou a utilizar o perfil da jovem no Facebook com o objetivo de recordar fatos de sua vida, além de interagir com amigos e familiares, uma vez que possuía acesso ao usuário e senha da conta, fornecidos em vida pela filha. No entanto, o perfil da filha foi repentinamente excluído pela plataforma sem qualquer explicação ou aviso prévio, o que levou a mãe a procurar a Justiça.
O Tribunal negou provimento à apelação da mãe, sob o fundamento central de que, ao criar seu perfil no Facebook, a filha aderiu em vida aos Termos de Serviço e Padrões da Comunidade da plataforma, que vedam o compartilhamento de senhas e a utilização do perfil por pessoa diversa do usuário ao qual se refere.
O relator entendeu que houve violação da obrigação de "Abster-se de compartilhar sua senha, dar acesso à sua conta do Facebook a terceiros ou transferir sua conta para outra pessoa (sem nossa permissão)", que justificaria a remoção do perfil em razão de denúncia ou mesmo de ofício.
Ademais, ressaltou que a plataforma também disponibiliza em seus termos sobre a opção de, em caso de morte, os usuários indicarem um contato herdeiro para cuidar da conta transformada em memorial ou excluir a conta permanentemente do Facebook. Sendo assim, se ela não tivesse excluído a conta após o falecimento, sua conta seria transformada em memorial, as funções são limitadas e pré-definidas pelo Facebook. Diante disso, entendeu o TJ/SP que o uso da plataforma nos termos pretendidos pela mãe esbarraria em vedações contratuais.
A decisão consigna, por derradeiro, a ausência de abusividade nos termos de uso da plataforma, concluindo que "devem prevalecer, quando existentes, as escolhas sobre o destino da conta realizadas pelos indivíduos em cada uma das plataformas, ou em outro instrumento negocial legítimo, não caracterizando arbitrariedade a exclusão post mortem dos perfis. Inexistente manifestação de vontade do titular neste particular, sobressaem os termos de uso dos sites, quando alinhados ao ordenamento jurídico".
O dilema dos bens existenciais
A personalidade expira-se com a morte do sujeito sendo, por definição, intransmissível. Não há de se confundir, contudo, a personalidade em si considerada, insuscetível de sucessão, com os bens que se relacionam aos direitos da personalidade, tais como fotos, cartas, diários. Esses bens, embora carreguem consigo importantes aspectos existenciais, não se confundem com a personalidade do falecido e são passíveis de sucessão, exatamente como ocorre no mundo analógico.
Para tentar contornar a receptividade, a plataforma insere, unilateralmente e em contrato de adesão, disposições que objetivam imprimir à relação jurídica com o usuário feição personalíssima, são são obrigações de fazer infungíveis, não são passíveis de sucessão, por dependerem de atuação pessoal do de cujus.
A plataforma, resguarda o direito que é dos herdeiros, bloqueando o acesso a fotos e diálogos que devem ser entregues aos sucessores. De acordo com a estrutura da própria plataforma, a decisão acerca de aspectos relacionados a escolhas existenciais do falecido fica exclusivamente em suas mãos, e não do falecido ou, na falta de sua prévia determinação, da família. Decidem que não haverá novas solicitações de amizade pelo contato herdeiro ou remoção de amigos, mas, paradoxalmente, o contato herdeiro pode aceitar novos amigos - só não pode tomar a iniciativa. 
E mais: pode haver alteração de todas essas condições ao longo do tempo, sendo ela a verdadeira gestora do acervo digital, pois a decisão final acerca dos poderes do usuário e de seus familiares é dela.
Manifestação de vontade
A manifestação de vontade da falecida não se deu de forma livre, pois limitada à mera adesão aos termos do contrato já predefinidos pela plataforma. Daí resulta o reduzidíssimo poder de disposição dos usuários sobre o seu patrimônio digital após a sua morte, que, ou se submetem à exclusão permanente da conta, destruindo-se definitivamente todos os bens digitais a ela vinculados, ou à sua transformação em memorial, com severas limitações de acesso aos sucessores.
Não é possível escolher, não lhe sendo conferida a opção de transmitir a seus sucessores a titularidade da conta e conferir-lhes acesso irrestrito ao acervo digital. Há, em definitivo, inegável e injustificável restrição ao poder de disposição do titular.
Destaca-se ainda, duas questões sensíveis: seria a determinação de apagamento da conta disposição hereditária, a impor sua manifestação por meio de testamento ou, eventualmente, de codicilo? Ou caso houvesse, por exemplo, a necessidade de apuração de crimes, o acesso poderia ser concedido aos herdeiros ou mesmo a terceiros?
Há complexidade, a demandar do intérprete esforço hermenêutico no sentido de compatibilizar as normas existentes aos desafios impostos pelas novas tecnologias. Impõe-se verificar a concreta compatibilidade dos termos de uso das plataformas com as normas de direito das obrigações, de direito do consumidor, de direito das sucessões, e, sobretudo, com a Constituição da República.
CONCLUSÃO

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