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Fora dos Limites SEDUÇÃO PROIBIDA Livro Único Amos e Lilly D. A. LEMOYNE dalemoynewriter@gmail.com Copyright © 2019 Primeira Edição 2019 Carolina do Norte - EUA Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida por qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito da autora, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns outros usos não-comerciais permitidos pela lei de direitos autorais. Capa: Book Cover Zone #7301 Revisão: D. A. Lemoyne Diagramação digital: D. A. Lemoyne Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares, negócios, eventos e incidentes são ou produtos da imaginação da autora ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas ou eventos reais é mera coincidência. SINOPSE Lilly Ela se acostumou a ser invisível, como uma peça de decoração bonitinha a qual não se dá muito importância. Amos Ele foi criado em meio a dor e ao abuso físico. Pensou que era incapaz de confiar, até a doce irmã do seu melhor amigo entra em sua vida. A única garota para a qual não deveria olhar. Ela é luz, enquanto ele só conhece a escuridão. Ela é pureza, enquanto ele se considera imundo. Ela é amor, enquanto ele vive cada dia em busca de vingança. Amos sabe que Lilly não é para ele, mas não consegue resistir ao seu chamado inocente. No entanto, chegará o momento em que terá que optar entre deixá-la ir ou arriscar que seja arrastada de vez para as trevas do seu passado. A Deus, por me dar saúde para continuar fazendo o que eu amo. NOTA DA AUTORA: Fora dos Limites é um livro único. Decidi escrevê-lo antes de lançar o quarto livro da série Corações Intensos, Imperfeita, porque sua trama dará abertura para a o livro IV, que contará a história de Isabela e Ethan, irmão da protagonista Lilly. Foi o livro mais difícil que escrevi até agora, mas também o mais comovente. É incrível como o amor transforma as pessoas e Amos e Lilly nos mostram de forma emocionante que ele pode, se não curar, ajudar a cicatrizar as feridas do passado. Espero que desfrute dessa envolvente história de amor. Caso aprecie o livro, deixe seu comentário no site da Amazon e Goodreads. Sua opinião é muito importante. Um beijo carinhoso e boa leitura. D. A. Lemoyne PRÓLOGO Amos Há dezoito anos Eu agora sou capaz de me desligar. Basta que eu foque em um objeto ou até mesmo na parede e consigo fingir que estou de volta ao orfanato. Isso não dura muito, mas ainda assim é um alívio poder fugir por um instante que seja. Só que eles são mais fortes e me trazem de volta muito fácil. “Por favor Amos, faça ou eles serão ainda mais cruéis." “Eu não quero. Não me peça para machucar você, mamãe.” Meu rosto está sujo de poeira e lágrimas enquanto na minha cabeça imploro a Deus uma maneira de me livrar desta casa. Eu estava tão feliz quando eles foram me buscar há dois meses. Pensei que finalmente teria um lar. Já havia perdido a esperança de fazer parte de uma família, quando eles chegaram querendo me adotar. Com dez anos de idade, fica cada vez mais difícil os pais adotivos quererem você. Ainda mais quando não se é uma criança loira, de olhos claros. Minha pele morena, que a moça do orfanato diz que provavelmente vem do oriente médio, assim como meu cabelo quase preto, faz com que eu me destaque das demais crianças. Eu também sou muito alto para a minha idade e acho que as pessoas preferem crianças menores e mais parecidas com elas. Então, fiquei muito agradecido quando eles disseram que me queriam, mas a alegria não durou. A casa para a qual me trouxeram é muito bonita. Eu só tinha visto uma tão grande em filmes. Nem sabia que elas existiam de verdade. Mas foi estranho, porque apesar do segundo andar ter pelo menos seis quartos, Jonathan me colocou para dormir no porão. Na primeira vez que desci até lá, achei o lugar bem sinistro, mas agora fico aliviado quando esquecem de mim. Pelo menos assim posso fingir que vivo uma outra vida, que ele nunca me machucará novamente. A mudança de pai bonzinho para homem assustador aconteceu praticamente no dia seguinte que cheguei, mas foi piorando aos poucos. No começo, ele não me deixava comer o suficiente e pensei: tudo bem, talvez não tenham dinheiro bastante para comprar comida para nós três. Mas então as festas começaram. Uma vez, eu subi escondido e contei pelo menos trinta pessoas. Havia garçons com roupas engraçadas andando com bandejas cheias de copos e também muita comida e bebida sendo servida. Meu estômago roncou de fome, mas eu sabia que não deveria pedir. Eu já havia tentado antes. Logo que cheguei, quando eles me serviam apenas porções mínimas, eu pedi para repetir e foi a primeira vez que Jonathan me surrou. Não foi a pior surra que levei na vida. Essa já é a minha quinta ou sexta família adotiva, não me lembro direito, e eu aprendi, depois da segunda casa em que vivi, que as pessoas podem ficar com raiva da gente muito depressa. Isso me ensinou a quase não falar. Eu nunca sabia o que os deixaria furiosos, então era mais seguro ficar em silêncio. Depois de um tempo, você se acostuma com ele. A vontade de receber carinho passa, substituída pelo instinto de sobrevivência. Ser devolvido só me ensinou que as pessoas mudam de ideia rápido demais. Eles nem lhe dão uma chance de verdade. Quando você aprontam duas, três vezes, é o suficiente para que decidam que não se encaixa na família. Então, depois de já ter perdido as esperanças, mamãe Maria e Jonathan vieram e disseram que seriam meus pais. Mas hoje, após um par de meses vivendo aqui, eu daria qualquer coisa para voltar ao orfanato. Já tentei fugir uma vez, mas a surra que levei foi tão grande que não consegui andar com firmeza por dias. Ainda tenho as marcas da fivela do cinto na parte da frente da minha coxa. Os espancamentos foram aumentando até que Jonathan me fez uma proposta: ele filmaria enquanto eu surrasse mamãe Maria e isso me pouparia de apanhar. No começo eu não entendi direito. Por que eu deveria machucar uma mulher? Eu jamais havia batido em alguém, nem mesmo nos meninos que implicavam comigo no orfanato. Sempre fui maior do que eles e, apesar de não terem me ensinado isso, eu sabia que era errado ferir alguém mais fraco do que eu. Claro que eu recusei a proposta. Então ele me deixou cinco dias inteiros sem comer. A única coisa que me dava era um copo de água. Minha barriga doía de fome e eu sentia medo de dormir e não acordar. As pernas estavam pesadas e até levantar para ir ao banheiro levava muito tempo. Meu corpo cheirava mal porque ele não permitia mais que eu subisse para tomar banho, mas ainda assim não cedi. Então ela veio falar comigo. A mamãe Maria é tão bonita. Ela nunca me bateu, era sempre Jonathan ou um dos seus amigos. Ela estava chorando e me explicou que se eu não os obedecesse, ela apanharia dele ainda mais forte do que eu seria capaz de fazer. Assustado e com fome, finalmente concordei, mas fiz muito leve, apenas fingindo. Foi pior, porque Jonathan ficou louco e surrou nós dois. Eu não me importava mais comigo mesmo e rezava para que Deus me levasse para morar com os anjos, mas a mamãe Maria não era tão forte e quando vi seu rosto ensanguentado, fiz o que nunca havia feito na vida. Chorei e implorei para pararem. E então finalmente cedi. Mas a cada vez, foi ficando mais difícil me lembrar de quem eu era antes de morar com eles. No fim das sessões, mesmo machucada, ela me consolava dizendo que eu era um bom menino, mas eu não me sentia bom. Não mais. Hoje eles me entregaram um cinto com pontas afiadas e disseram que eu batesse nas costas dela. Dessa vez não somos só nós três aqui. Há pelo menos mais dez pessoas observando e mesmo que eu sinta medo de que eles maltratem ainda mais a mamãe Maria, não vou fazer isso. “Eu sinto muitomamãe, mas não posso.” Mal acabo de falar e a mão de Jonathan atinge meu rosto. O tapa é tão forte que caio sentado, mas não desvio os olhos dos dele. Eu o odeio. Se fosse nele que eu tivesse que usar aquele cinto, não pensaria duas vezes. “Garoto idiota.” Todos saem do porão, inclusive a mamãe, mas o estranho é que ela não parece com medo, e sim com raiva de mim. Levo um tempo até notar que esqueceram a porta aberta. Há pelo menos um mês eu não vou lá em cima. Eles nunca me levaram à escola ou permitiram que eu brincasse com outras crianças da rua, mas agora nem mesmo até à cozinha posso subir. Da última vez, eu peguei uma maçã porque estava com muita fome e Jonathan me chamou de ladrão. Como eu poderia ser um ladrão dentro da minha própria casa? Fazendo força para conseguir ficar de pé, me arrasto até o alto da escada. Ouço vozes e penso que vem da sala de jantar. Caminhando o mais silenciosamente possível, me escondo atrás da porta, tentando escutar o que eles estão decidindo fazer comigo, porque eu sei que não será uma boa coisa. Não há a menor chance de Jonathan não me punir por tê-lo desobedecido. E então eu escuto a risada dela. Mamãe está gargalhando. Como pode estar feliz depois de ser ameaçada? Uma sensação de mal-estar começa no meu estômago. “Esse menino já era." - a escuto dizer - “Não serve mais. Temos que conseguir outro. Se ele não pode lidar com pequenas sessões de espancamento, imagine com o que planejamos a seguir." “E o que você acha que devemos fazer?” - Jonathan pergunta e a primeira coisa que entendo é que, ao contrário do que pensei, não é ele quem está no controle da situação, mas mamãe Maria e uma raiva como nunca senti antes surge dentro de mim. Ela mentiu. O tempo todo, ela se fez passar por vítima quando na verdade, era quem planejava tudo. Gostaria de poder entrar e gritar que é uma traidora, uma mentirosa, mas não sou burro. “E então? O que você quer que eu faça?” “Livre-se dele.” - ela responde sem demora e eu sei que tenho que fugir. Não entendi o que eles quiseram dizer com livrar-se de mim, mas estou com medo e, andando o mais rápido que consigo, volto à cozinha novamente e forço a maçaneta que dá para o quintal. Não posso acreditar quando ela se abre. Em um primeiro contato com a luz do sol, meus olhos ardem, mas não tenho tempo a perder. Mais cedo ou mais tarde eles virão atrás de mim. Preciso sair daqui. Ando rápido, mas meu corpo inteiro dói. Tento me esconder atrás de uma árvore ou outra enquanto caminho para que eles não me vejam de dentro de casa. Finalmente alcanço a rua, mas minha cabeça gira. Estou fraco e acho que não conseguirei dar mais um passo. As lágrimas começam a escorrer. Eles vão me levar para lá novamente. O pensamento me deixa apavorado e prefiro ser atropelado a ter que viver mais um dia naquela casa. Com a última força que me resta, ando para o meio da rua e quando vejo um carro branco vindo, tenho certeza de que me acertará e, derrotado, caio no chão. Mas então escuto os freios e, a seguir, uma voz doce pergunta o meu nome. "Você é um anjo?” Já não sei mais o que estou dizendo. Eu não dou a mínima. Só quero dormir. “Eu posso ser seu anjo hoje, filho. Fale seu nome. Eu vou cuidar de você.” “Amos.” - finalmente capitulo - “Ajude-me. Não deixe que eles me peguem.” Capítulo 1 Lilly Dias atuais Estou tão nervosa! Senhor, isso tem que funcionar! Preciso fazer tudo direito e incomodar o mínimo possível Ethan e seu amigo. É isso ou passarei o próximo mês na casa da minha mãe e de seu marido número cinco. Pensar em ficar com eles traz calafrios ao meu corpo. Ramon faz com que eu me sinta desconfortável. Talvez seja seu modo de me olhar ou as constantes tentativas de ser amigável… não sei ao certo. O fato é que morar com meu irmão é a única opção agora. Eu não estou totalmente à vontade com isso. Ultimamente não tenho muito contato com Ethan, além dos poucos dias que passamos juntos durante minhas férias de verão. Ele também não é um fã do nosso padrasto e evita a todo custo estar em sua presença. Apesar de nossa diferença de idade - oito anos - e de sermos filhos de pais diferentes - ele é fruto do casamento número um e eu, do número três de nossa mãe - nos dávamos bem quando eu era menor. Meu irmão tende a ser super protetor, mas não me importo. De certo modo, é bom ter alguém cuidando de mim que não seja um estranho em tudo. Eu fui praticamente criada dentro de um internato só para meninas e, finalmente após concluir o ensino médio, enviada para a casa de uma prima de minha mãe em Paris para cursar os dois primeiros anos da faculdade de moda. Minhas colegas do colégio achavam que eu iria viver uma vida de sonhos. Morar em Paris e estudar moda? Qual garota não gostaria disso? Certo. Não quero ser ingrata, mas a verdade é que saí de uma prisão para outra. Michelle, a prima de mamãe, era mais conservadora do que a mais rígida das freiras do internato. Resultado? Aos vinte anos eu não sei praticamente nada da vida. Céus, a quem estou querendo enganar? Eu sequer beijei um rapaz até hoje! Nunca fui a um encontro e nem sei como me comportar no meio de pessoas da minha idade. Isso, claro, fez de mim uma estranha no meio da liberalidade da faculdade. Sem ofensas. Nada demais as pessoas serem livres em seus pensamentos e ações. Eu apenas não consigo me encaixar. Sou tímida, mas contraditoriamente, sincera. Não, espera, acho que você não entendeu. Sou muito sincera mesmo. Do tipo: não me faça uma pergunta se você não quiser realmente saber o que eu penso. Não tenho filtro entre o cérebro e a boca. Tendo a dizer a verdade e isso aparentemente não agrada muito às pessoas. Por todos esses motivos, resolvi dar um virada de cento e oitenta graus em minha vida. Literalmente. Preciso urgentemente aprender a interagir e que melhor maneira do que enfrentar o mundo sozinha? Sorrio ao lembrar de como estava nervosa ao ligar para o meu irmão. Na verdade, quando o fiz, não tinha ideia de que meus planos de independência seriam adiados por um tempo, mas o que é isso para quem esperou a vida inteira para ser livre? A conversa com Ethan vem em minha memória. Eu não sabia como ele reagiria ao pedir seu apoio, mas sua recepção acalmou relativamente minha ansiedade. “Oi, irmã caçula. Como vão as coisas na cidade luz?” “Ethan, você tem tempo para conversar comigo agora? O que eu quero perguntar pode não ser muito rápido”. “Lilly docinho, aconteceu alguma coisa?” “Não, não aconteceu nada. Eu apenas preciso falar com você.” - não adiantava tentar dourar a pílula. Ou eu dizia de uma vez ou morreria de tanta tensão. - “Eu quero voltar.” “Voltar? Você quer dizer, voltar para casa? Já falou com Nora sobre isso?” Ele não chama nossa mãe de mãe e o motivo me deixa triste ao ponto de sentir a garganta trancar. Ethan me contou que ela pediu que não o fizesse pois pareceria velha. De verdade, como uma mãe pode não querer ser chamada de mãe? É incompreensível para mim. “Não… porque eu não quero ficar lá. Já tenho vinte anos agora, o que me dá acesso ao fundo deixado por papai. Quero alugar um apartamento. Vou morar sozinha.” “Você o que? Lilly, repita porque acho que não ouvi direito.” “Sim, você ouviu perfeitamente. Tranquei o curso aqui. Já estou matriculada em uma faculdade em sua cidade, mas preciso esperar seis meses para que as aulas comecem, caso contrário terei que repetir um semestre que já cursei. Quero que você me ajude a alugar um apartamento temporariamente até que possa encontrar um lugar que eu goste.” “De jeito nenhum! Como morar sozinha? Quem cuidará de você?” “Por favor, acalme-se. Eu sou uma adulta, apesar de ser uma adulta deformada, que não sabe nada da vida.” “Nunca mais repita isso. Você não é deformada. Você é perfeita. Eu não quero que mude.” “Não, você não quer que eu cresça. Eu sinto muito pela má noticia, mas já cresci. Quero dizer, pelo menos fisicamente. E preciso de você. Por favor, não me faça ficar com ela nesse primeiro mês. Ajude-me a encontrar um apart hotel. Por favor, Biggie.”Seu suspiro mais pareceu um rugido, mas desde que ele não começou a gritar, eu estava bem com isso. “Você não está jogando limpo, abóbora.” - assim que ele disse o apelido que me deu em criança, percebi que ganhei a luta - “Tudo bem, você pode vir, mas nada de apart hotel. Ficará comigo pelo tempo que for necessário até vermos com calma essa história de morar sozinha.” “Ethan…” “Não Lilly. É pegar ou largar. Você vem morar comigo até tudo ser resolvido.” “Mas você não mora sozinho…. seu amigo… Amos, não é? Ele não pareceu simpatizar muito comigo quando nos encontramos no Natal.” “Não é pessoal. Amos não é simpático com ninguém. Isso não será um problema. Conversarei com ele hoje a noite. Quando pretende vir?” “Eu… bem… na verdade já tenho a passagem comprada para depois de amanhã.” “Confiante, não é?” - eu podia sentir um traço de humor em sua voz, mas logo em seguida ele me assustou ao xingar. “Hey, não pragueje. Isso é vulgar.” “Desculpe, mademoiselle. Não quis ferir sua educação refinada, mas é que viajo amanhã a trabalho e ficarei ao menos quinze dias fora.” “Oh….” “Calma. Vai dar tudo certo. Venha de qualquer modo. Amos pode não ser a pessoa mais carinhosa, mas é como um irmão para mim e será para você também assim que conhecê-la direito. Ele poderá cuidar de você em minha ausência.” “Eu não preciso de babá.” “Escolha suas batalhas, Lilly.” “Tudo bem, mas por favor, não o obrigue a ficar em minha cola. Já estou constrangida o suficiente por atrapalhá-los por um mês. Não preciso do ódio do seu amigo de brinde.” “Abóbora, ninguém conseguiria odiá-la. É a garotinha mais doce do mundo.” “Você pode parar de agir como se eu tivesse dois anos de idade? É embaraçoso.” “Não. Você sempre será minha abóbora. Mesmo quando estiver velha e enrugada.” “Como você pode me fazer amá-lo e odiá-lo ao mesmo tempo?” “Eu tenho um dom.” Sua risada ficou ecoando em minha cabeça muito tempo depois que desligamos o telefone. E assim, aqui estou eu, dentro de um táxi a caminho do apartamento do meu irmão para passar quinze dias sozinha com um semi desconhecido que não olhou duas vezes em minha direção na única vez em que nos vimos. Sim, meus nervos estão em frangalhos. Capítulo 2 Amos “Você não pode estar falando sério.” - urro. “Porra Amos, pare de gritar e me ouça. Que parte do ela não tem para onde ir você não entendeu?” “Claro que ela tem para onde ir. Pode ficar com sua mãe. Seja razoável, Ethan. Somos homens. Olhe a sua volta. Nossa casa parece estar preparada para receber uma freira?” - eu sei que ela não é realmente uma freira, mas quero irritá-lo tanto quanto ele fez comigo. Ethan é a única pessoa que consegue arrancar qualquer tipo de emoção de mim, ainda que na maioria das vezes, elas não sejam boas. Não, a pequena Lilly não é uma freira. E é linda. Contida. Foi a impressão que me passou na única vez em que nos encontramos, há dois anos. Ainda consigo lembrar de sua roupa recatada na noite de Natal, que em nada combinava com o brilho que via em seus olhos azuis claro nas poucas vezes em que os ergueu. Aquele brilho me prendeu durante toda a noite. E foi assustador para caralho. Nunca desejei estar com alguém fora das minhas horas passadas nos clubes de sexo. Não poderia existir mais contrastes entre nós ou melhor comparação para escuridão e luz. Até mesmo no modo como ela se vestia. Eu quase sempre estou de preto. A cor geralmente combina com meu estado de espírito. Lilly usava um vestido claro com um casaquinho azul bebê e somente brincos de pérolas como jóias. Seu cabelo, de um loiro quase branco, estava preso em um coque baixo na nuca e tive que reprimir o desejo de tirar os grampos que o prendia para sentir a textura. Ou agarrá-lo com um dos punhos enquanto a trazia até mim. Não pense nesse tipo de merda sobre ela. A garota também não parecia muito comunicativa. Suas palavras se limitavam a por favor e muito obrigada. Em meu mundo isso não é uma má coisa. Não suporto pessoas que não param de falar, ainda que não tenham nada a dizer. Além disso, criticar alguém introspectivo parece uma piada. Não sou conhecido por ser o rei da festa. Não gosto de seres humanos de um modo geral. Apesar disso, o desinteresse de Lilly por todos a sua volta, e eu incluído na lista, me irritou. Não parecia muito confortável perto da mãe, isso era lá verdade, mas quem poderia culpá-la? Nora é uma esnobe que passou a vida inteira se preocupando em dar a impressão de família perfeita. Mas eu sei melhor. A verdade é que a socialite desprezível não liga a mínima para os filhos. Ambos foram criados por empregados e quando precisaram de mais do que apenas babás, internados em colégios de elite para que pudessem ter uma educação digna da realeza. Amor? Isso é outra história. Não que eu seja um conhecedor de amor de qualquer tipo. Claro, meus pais adotivos, os definitivos quero dizer, tentaram suprir tudo o que eu não tive na primeira infância, mas não foi suficiente para me ensinar sobre o sentimento. Eles não viveram tempo o bastante para operar uma mudança real em todo o ódio que tenho guardado. Eu os perdi em um acidente de carro alguns anos após ser adotado. Tudo o que me restou foram dois anos de boas lembranças e uma imensa fortuna em fundos de investimento. Desse modo, amor para mim é somente uma palavra. As pessoas podem dizer qualquer coisa quando querem algo de você. Então, prefiro ficar com a dor. Sou um especialista nela. Nada do que possam me jogar fisicamente ou através de palavras pode me machucar. Há muito tempo deixei de me importar. A única exceção é o cara sentado ao meu lado. Ethan. Tentando manter o foco, volto a pensar na família do meu melhor amigo. Não me entenda mal, nada contra os ricos. Seria hipócrita da minha parte, já que depois que meus pais faleceram, me tornei um adolescente milionário, mas desprezo o tipo de pessoa que julga os outros com base em um sobrenome ou conta bancária. “Ela não é uma freira.” - a exasperação em sua voz me arrasta de volta ao presente. - “Você poderia parar de bancar o babaca?” “Pelo amor de Deus, Ethan. Nós sequer cozinhamos. Não temos ao menos comida em casa.” Essa é uma das minhas preocupações. A maior delas, porém, consiste em me manter afastado da tentação de descobrir por que Lilly mexe comigo. “Hey, ela esteve em um colégio interno boa parte de sua vida, mas é capaz de fazer coisas do dia a dia perfeitamente.” - seu tom me diz que o empurrei um pouco demais. “Cara, eu não duvido disso, mas realmente não me sobra tempo para cuidar de alguém, muito menos de uma adolescente. Não sei como lidar com uma garotinha.” Eu não quero ter tempo para passar com Lilly. “Lilly não é mais uma adolescente. Já tem vinte anos. Ela tem planos, Amos. Vai terminar a faculdade e quer ter seu próprio lugar, mas não vou deixar que entre no mundo adulto sozinha depois de ter passado boa parte de sua vida trancada em um colégio.” Porra! Seu argumento me pegou. Não posso imaginar a menina linda solta em uma cidade como a nossa. Ela seria uma presa fácil. E eu sei o que pode acontecer com jovens vulneráveis. Pensar nisso me traz algo amargo ao estômago. “Tudo bem.” “Tudo bem? Você concorda em olhá-la para mim enquanto estiver viajando?” “Certo. Mas não sou uma maldita babá. Vou tentar manter um olho na medida do possível, mas espero que vocês conversem sobre as regras que deseja que sejam seguidas. Não há chance no inferno de que eu vá ficar controlando-a vinte e quatro horas por dia.” - mesmo que a ideia faça meu sangue ferver - “Nem mesmo por você farei uma merda dessas.” “Não precisa se preocupar. Minha abóbora é um bebê doce e obediente. Além disso, ela não conhece ninguém aqui.” “Se você diz…” Abóbora… a ideia me traz um sorriso mental. Eu posso apostar todo o meu dinheiro que ela detestaria ser chamada assim na frente de estranhos. Como será a pequena Lilly zangada? Deve ser um espetáculo de se ver porque, a despeito da aparência de menina perfeita, seus olhos são inquietos. Tímida, possivelmente. Mas algome diz que apesar do que mostra para o mundo, mal pode esperar para viver. Sim, eu a observei durante toda a festa de Natal. Morda-me. Estava entediado até a alma e a única coisa que me fez permanecer firme a noite inteira foi ter prometido dar apoio moral ao meu amigo. E eu sempre cumpro minhas promessas. Não teve nada a ver com o fato da loirinha de olhos de céu me ignorar quando estou acostumado a não fazer esforço algum para chamar a atenção feminina. Além disso, gosto de mulheres, não de meninas. Tenho vinte e nove anos. E para completar, é irmã do Ethan. E nem vou entrar na questão da minha obsessão por controle. Ou de como gosto do sexo duro e selvagem. A garota praticamente cresceu com freiras, pelo amor de Deus! Mais proibida impossível. Totalmente fora dos limites. Não que eu esteja interessado. Estou bem com o sexo ocasional com mulheres escolhidas a dedo. Mulheres que anseiam em se submeter e não me causam qualquer tipo de emoção além do orgasmo. Capítulo 3 Amos Estou há quase quinze minutos olhando para o laptop sem conseguir me concentrar. A conversa com Ethan voltando a toda hora. Apesar de tentar duro me convencer de que a chegada de Lilly não fará a menor diferença, a ideia de tê-la aqui por um mês está fodendo com a minha cabeça. Ela foi a única garota até hoje que me chamou a atenção sem que eu estivesse procurando por sexo. Eu não tenho relacionamentos. Não acho que seja capaz de manter um. Posso não ter tido qualquer envolvimento afetivo ao longo da vida, mas sei que confiança é fundamental para que uma relação a dois sobreviva e não acho que eu consiga acreditar em uma mulher. Aliás, em qualquer pessoa. Ethan é a única exceção além dos meus pais adotivos - os últimos, os que me salvaram de mais de uma maneira - e não penso que minha humanidade possa ir além disso. Então por que ela não sai da minha cabeça? Eu deveria estar concentrado em minha missão. Para isso vivi até aqui. Vingança. Quando iniciei a caçada por Jonathan e Maria, eu tinha a convicção de que quando os punisse pelo que me fizeram, poderia finalmente deixar o passado para trás. Duas coisas equivocadas com esse pensamento: não há como esquecer o passado. Quanto mais escavo a vida dos dois bastardos, mais ódio brota dentro de mim. E não é só isso. Ir atrás deles foi como abrir a caixa de Pandora. Descobrir que o que aconteceu comigo foi só a ponta do iceberg me fez perder qualquer esperança nos seres humanos. O mundo é podre, assim como boa parte das pessoas que vivem nele. E agora eu sei que se não tivesse fugido, provavelmente estaria morto. Depois que minha última mãe me socorreu, a casa foi invadida por policiais, mas de alguma forma Jonathan e a mulher conseguiram se evadir. Somente anos mais tarde eu descobri que minha vida havia sido um paraíso perto do que acontecia nos outros cômodos. Adolescentes e crianças eram mantidos trancados, sexualmente abusados e então subitamente desapareciam. Quando a polícia chegou, havia pelo menos um deles acorrentado em cada quarto. Todos com os corpos severamente maltratados e em diferentes estágios de desnutrição. Também foram encontrados vídeos caseiros com os mais depravados tipos de perversões feitas contra as crianças. Levou anos até que eu pudesse rastrear os dois protagonistas dos meus pesadelos e quando enfim os alcancei, o que descobri me fez ter certeza de que eu precisava dar um fim naquilo. Tráfico de crianças é o seu negócio. Algo muito maior do que jamais supus. Uma organização poderosa que envolve políticos, celebridades e policiais. Pessoas que pagam alto pelo prazer de abusar e torturar indefesos. Escória, piadas de seres humanos que se acham acima do bem e do mal. Repito a cada dia que sou dono de mim mesmo e que o que eles fizeram não me marcou, mas quando os pesadelos ocasionalmente voltam, a sensação de não estar seguro é impossível de combater. Tento convencer-me de que superei, mas no fundo sei que ainda existe um garoto apavorado e emocionalmente vulnerável em mim. Quase me enlouquece admitir que eles me modificaram. Eles apagaram minha capacidade de sentir. Eu não tenho empatia ou pena dos outros. Não é esse o motivo que me faz caçá-los, mas um absolutamente egoísta: a certeza de que enquanto estiverem soltos, não terei paz. Eu nem espero mais qualquer tipo de felicidade. Se pudesse apenas relaxar, não olhar o tempo todo por cima do ombro, já seria um ganho. Não tenho medo, mas mesmo com meu um metro e noventa e cinco e cem quilos, ainda há em mim um resquício do garoto que apanhou e sentiu fome. A criança que foi obrigada a surrar uma mulher para sobreviver e, ainda que essa mesma mulher fosse uma aberração, eu não posso apagar o fato de que fiz aquilo. Aprendi o quão longe sou capaz de ir se o que está em jogo é a minha vida. E isso me faz tão monstro quanto eles. Gosto de pensar que atualmente eu não seria capaz de ferir alguém - não, corrigindo - de ferir alguém inocente, mas não posso ter certeza. Não há como medir quanto de ódio ainda resta em mim. A única pista é que gosto de uma foda dura e muito possivelmente com um pouco de dor. Não me importo de receber ou infligir e por isso minhas parceiras são selecionadas em um clube exclusivo para pessoas com os mesmos gostos. Não faço questão de ver seus rostos e não quero saber seus nomes. Tudo o que preciso delas é prazer. Depois que acaba, não fico um minuto sequer por perto. Não busco intimidade e esse é um dos motivos de nunca foder com a luz acesa. Desse modo posso esquecer que são pessoas com uma vida fora dali e me concentrar apenas em seus corpos. Capítulo 4 Lilly O táxi está cada vez mais perto da casa de Ethan, segundo mostra o GPS, e não há como adiar: preciso enviar uma mensagem a Amos para que autorize o porteiro a me deixar entrar. É tarde e não quero ficar com a mala do lado de fora do prédio até que algum funcionário o chame. Meu irmão me deu o código do elevador para a cobertura e tentou me persuadir a permitir que Amos me pegasse no aeroporto, já que ele embarcou para a África do Sul hoje pela manhã, mas fui firme. De jeito nenhum faria seu amigo sair de casa tão tarde para me buscar. Provavelmente já tem motivos suficientes para me detestar. Nervosa, vejo que mais um minuto se passou. Com as mãos trêmulas, digito. Boa noite. É a Lilly. Meu irmão pediu que eu enviasse uma mensagem quando estivesse chegando. Acho que em um minuto o táxi me deixará aí. Não esperava que ele respondesse tão rápido e quando a tela do celular acende, tomo um susto. Amos: Okay. Okay? Isso é tudo? Onde está sua educação? Se restava alguma dúvida de que não sou bem- vinda, a mensagem esclareceu a questão. Amos: você precisa de ajuda com as malas? Nem que elas pesassem uma tonelada, senhor mau-humorado. Suave, Lilly. Um mês. Você só precisa aguentar por um mês. Não, muito obrigada. É apenas uma mala. Uns segundos mais e ele retorna a resposta odiosa. Amos: Okay. Cada vez menos confiante, desço do táxi e imediatamente um porteiro uniformizado vem até mim. “Senhorita, permita-me.” “Boa noite. Obrigada…” - olho o seu crachá - “senhor Jacob.” “Meu prazer, senhorita.” Tentando firmar as pernas, penso no que me espera na cobertura. Por que Ethan teve que viajar a negócios justo agora? Não seja um bebê, Lilly. Bem… tecnicamente, Amos não é um estranho se considerarmos o aceno de cabeça que me deu na noite de Natal. Tudo bem, talvez eu também não tenha sido a miss simpatia, mas estava nervosa. Ele é absolutamente intimidante. E não sorri. E é grande. Tipo um gigante. Naquela época eu não fazia faculdade e não tinha contato com muitos homens e certamente, nenhum…. não consigo encontrar palavras para descrevê-lo mesmo agora. Somos tão opostos fisicamente quanto duas pessoas podem ser. Ele é alto, alto de verdade, enquanto eu faço o tipo mignon em meu um metro e sessenta. Tudo bem, eu confesso: tenho um metro e cinquenta e oito. Sua pele é de um tom de douradoescuro, como se passasse muito tempo ao sol, mas meu irmão disse que sua ascendência provém do oriente médio, de modo que aquela cor bonita é natural. Eles se conheceram no internato em que Ethan esteve até os dezessete anos e são amigos desde então. Apesar disso, nunca frequentou nossa casa além da festa de Natal há pouco mais de dois anos. Seu cabelo, negro e um pouco comprido na época, alcançava os ombros. Lembro da minha mãe comentar com uma de suas amigas que ele parecia um selvagem. O que discordo totalmente. Ele é assustador sim, mas absolutamente lindo. Quero dizer, a parte que pude ver, já que ele nunca esteve perto o suficiente. Apesar de desejar, não pude olhar mais detidamente pois ele parecia que iria morder alguém a qualquer momento e aquilo me inibiu. Já dentro do elevador, tomo algumas respirações tentando me acalmar, enquanto digito o código que dará acesso ao apartamento. Meu estômago dá voltas. Talvez eu não esteja preparada para isso, afinal. Interagir com estranhos, morar em uma cidade nova… será que foi um erro mudar minha vida tão radicalmente? Antes que possa encontrar uma resposta, a porta se abre e a pessoa que será meu companheiro de apartamento, está de pé a minha frente. Capítulo 5 Amos Olho o celular pela terceira vez em menos de cinco minutos. Nenhuma mensagem. Estou começando a ficar preocupado. Qualquer coisa que signifique minimamente a perda do controle da minha rotina me deixa louco. Acalme-se, idiota. Ela não é sua para cuidar. Inferno, por que diabos Ethan não quis que a buscasse no aeroporto? Não seria nada demais comparado a ele me obrigando a tê-la como hóspede durante um mês. Então por que a frescura sobre não pegá-la? Não percebe como é perigoso para alguém com sua aparência tomar um táxi tarde da noite? Estou ansioso e isso me irrita para caralho. Essa não é minha merda para resolver, então por que a agitação? O telefone acende. Lilly: Boa noite. É a Lilly. Meu irmão pediu que eu enviasse uma mensagem quando estivesse chegando. Acho que em um minuto o táxi me deixará aí. Formal. A pequena Lilly está fazendo valer os milhares de dólares investidos em sua educação. Sim, sou um bastardo ranzinza. Okay. Merda. Isso não foi justo com ela. Provavelmente precisará de ajuda com as malas. Ando até o interfone da cozinha para previnir o porteiro de sua chegada e digito novamente. Você precisa de ajuda com as malas? Lilly: Não, muito obrigada. É apenas uma mala. Ou a pequena Lilly ficou forte nos últimos dois anos ou minha resposta curta a chateou. Eu apostaria na segunda opção e resolvo cutucá-la um pouco mais. Okay. Passados alguns minutos, o interfone toca para avisar que ela está subindo. Nosso apartamento é o único no andar, mas eu e Ethan fizemos questão de instalar um segundo código de segurança para que quem quer que saia do elevador precise digitá-lo antes de entrar. Não gosto de portas destrancadas ou nada que me dê a sensação de vulnerabilidade. Abro-a e fico esperando. Novamente a ansiedade me pega. O que diabos há comigo? Penso na menina que conheci há dois anos e tento juntar aquela imagem mental à descrição que Ethan me deu dela agora. Faculdade de moda? De alguma maneira me surpreende que ela deseje concluir os estudos. Sim, chame-me de preconceituoso, mas a pequena miss perfeição que eu vi naquele Natal parecia pronta para seguir a carreira da mãe, o que consiste basicamente em ser uma esposa-troféu para um milionário. Não gosto de imaginá-la se tornando uma nova Nora. É horrível pensar que aquela garota linda possa se transformar em uma cadela cruel como a mulher que a gerou. Os pensamentos são interrompidos pelo barulho do elevador enquanto meus olhos buscam impacientemente sua ocupante. Porra! Com toda certeza do inferno, ela não é mais uma adolescente. Lilly era bonita há dois anos… mas agora? Foda-me! Linda para caralho. Os cabelos que ansiei para sentir naquele Natal caem soltos desordenadamente pela frente da camiseta. Longos e com ondas. Tão brancos como me lembrava e cheios. Ela é pequena. Não apenas comparada a mim. É uma coisinha de aparência frágil e a pela translúcida lhe dá um ar meio etéreo. Seu rosto, em formato de coração é decorado por lábios rosados e cheios. Minha pulsação acelera e sei exatamente o motivo. Ela está me despertando. Não, a verdade é que isso já havia acontecido desde a primeira vez que a vi. A luz vinda dela é um ímã para a minha escuridão. Evito os olhos em um primeiro momento e continuo meu passeio por seu corpo. Veste jeans surrados, sem bainha e alguns rasgos na altura da coxa. A camiseta de alça, rosa clara, molda seu torso, deixando o contorno dos seios tentadoramente visível. Ela é delicada, mas absolutamente sexy. Seu aspecto atual em muito pouco lembra a jovem que encontrei no passado. Mas então agora está cursando moda em Paris. É óbvio que conviver com pessoas de sua idade sem a supervisão das freiras a mudaria. Já não parece mais uma garota como antes. Tudo nela grita mulher. Quão experiente será? Tem namorado? Frequenta festas? Preocupado com o rumo que minha mente está seguindo, enfim busco seus olhos. Diabos! São ainda mais incríveis do que recordava. De um tom de azul tão claro que mais parecem lentes de contato. Seus olhos mexem comigo. Desde a primeira vez que a vi, me irritava quando ela os desviava. Desejei que os mantivesse em mim até que eu lhe dissesse o contrário. Ela obedeceria? Eu poderia ensinar-lhe a obedecer. Caralho, devo estar ficando louco! Essas são ideias totalmente impróprias para ter sobre a irmã do meu melhor amigo. Ela também não me olha diretamente no momento. Não. Está me verificando. Posso ver a agitação dominando seu pequeno corpo. Sua respiração é errática enquanto seu olhar sobe. Será que entende o quanto é transparente? Lilly está me avaliando como uma mulher faria com um homem por quem se sente atraída e por mais errado que seja, isso desperta meu tesão. Ela é a irmãzinha do Ethan, Amos. Tento segurar o pensamento, mas a beleza muito próxima a mim torna isso cada vez mais difícil. Quando nossos olhos por fim se bloqueiam, ela não os desvia como da primeira vez que nos encontramos. Ao contrário, encara abertamente como um servo preso a faróis. “São amarelos como os de um gato.” É a primeira vez que Lilly se dirige a mim desde que nos conhecemos. Passado o choque inicial, antes que possa impedir, um sorriso se forma. E eu nunca sorrio. “E você também pode sorrir.” - fala, como um eco dos meus próprios pensamentos. O que é isso? A garota é sempre tão aberta com desconhecidos? Meu humor muda e volto a fixar a expressão de distanciamento usual. Não é possível que não tenham lhe ensinado a ser mais cautelosa ao redor de estranhos. Com esse tipo de beleza e tal aura de inocência, será uma alvo fácil. Sim, eu adoro foder e tive um monte de sexo em minha vida, mas sempre com mulheres que sabiam aonde estavam se metendo. Jamais com alguém tão doce como o anjo loiro aqui comigo. No entanto, a maioria dos caras não sentiria remorso em iludir uma garota inexperiente se quisesse levá-la para cama. Arrependimento me pega de surpresa quando noto que minha mudança de humor a fez corar e baixar aquelas duas lindas pedras preciosas. Por que isso é importante? A facilidade com que eu consigo assimilar cada uma de suas reações é desconcertante. Eu não costumo prestar atenção suficiente nas pessoas para me preocupar com seus sentimentos. Apesar disso, não quero intimidá-la. A ideia de que sinta medo de mim é desagradável demais e para tentar remediar ter agido como um idiota, ensaio uma piada. “Eu posso, mas não conte a ninguém.” “Hein?” A cabeça se move novamente para me olhar. A boca entreaberta de espanto e a pureza de seu rosto me desarmam totalmente. Pigarreio para tentar limpar a garganta subitamente seca. “Você disse que eu posso sorrir. Eu posso, mas isso é um segredo que guardo à sete chaves.” Finalmente parece notar que estou brincando e seu corpinho relaxa. Os braçosque haviam envolvido sua frente soltam-se e um tímido sorriso começa a surgir. Puta que o pariu! Trejeitos e sorrisos nunca me chamaram a atenção em uma mulher. O meu interesse é principalmente no que seu corpo pode me oferecer sobre prazer. É o máximo de intimidade que eu me permito. Mas agora entendo o que Ethan quis dizer com ela ser um doce bebê inocente. São perfeitas palavras para descrevê-la. Seria ótimo se eu pudesse vê-la como uma irmãzinha também, mas o que minha mente sabe ser certo e o meu corpo quer são coisas completamente diferentes. Porque a pequena Lilly, a despeito de todo ar de pureza, é muito mulher. Em uma olhada rápida, você verá uma garota linda, com um corpo delicioso. Mas há também toda uma energia vibrando dentro dela e que atua em mim como o encontro de dois fios desencapados. Sua ingenuidade é irresistível ao meu desejo por controle. Você poderia fazê-la sua. - uma voz ecoa no fundo da mente - Moldá-la de acordo com suas necessidades. Porra, eu preciso me manter longe. Tenho que conseguir uma maneira de não ficarmos sozinhos até que Ethan retorne. Não sou talhado pela impulsividade. A expressão perder a cabeça não é comigo. Gosto de pensar antes de tomar decisões. Ser meticuloso antes de agir, em minha profissão, é uma questão de sobrevivência. Nesse momento, porém? Foda-se! Sou todo instintos e eles me ordenam para tomá-la. Mas sei que não devo. Ela é a inocente irmã do meu amigo. Da única família que me resta. “Hum… eu sou boa em guardar segredos.” - diz, dando um passo em direção ao apartamento e fazendo com que suor brote pelas minhas costas. - “Você realmente não corre o risco de ser exposto.” Sinto que deveria recuar, mas meu corpo se nega a ouvir a mente e estendo a mão, trazendo-a até mim. O mais fodido de tudo? Lilly não hesita por um segundo sequer. A maciez de sua pele é um contraste contra minha aspereza. Nós somos opostos em quase tudo e talvez seja justamente isso o que me deixa tão atraído por ela. A mão está gelada e a cubro para aquecê-la. “Obrigada.” Tentando minorar seu efeito em mim, dou de ombros. “Não é nada demais. Suas mãos estão frias.” Ela se aproxima mais um passo e minha pulsação torna a enlouquecer. “Não, eu quero dizer, obrigada por me aceitar aqui e por não ficar bravo por eu ter vindo. Estava tão nervosa.” Eu sou mesmo um imbecil. Em meu egoísmo, em nenhum momento parei para pensar o que seria para Lilly morar com dois homens, sendo que um desses - eu - só tinha estado com ela por poucas horas há anos e sem nenhum tipo de interação. Mas vamos ser justos. Quando é que eu já me preocupei em ferir os sentimentos de alguém? Na maioria das vezes até esqueço que as pessoas podem sentir. “Hum… você é a irmã de Ethan… e Ethan é família, então você….” - não sei explicar a razão, mas sinto necessidade de me justificar. “Eu não sou sua irmã.” Caralho, ela não está tornando isso mais fácil. Eu sei que você não é minha irmã, linda. Todo o meu corpo sabe que não temos parentesco algum. Percebo que suas próprias palavras a espantaram porque dá um passo para trás, soltando-se. Perder seu toque me exaspera. “Não, você não é.” - confirmo o óbvio. - “Venha. Eu vou cuidar de você.” O que - porra - acabei de dizer? Vou cuidar de você? Se eu tiver um pingo de inteligência, me manterei tão longe dela quanto possível. Capítulo 6 Lilly Estou envergonhada por ter falado sobre seus olhos, mas a verdade é que, por mais que eu tente, não sei manter meus pensamentos para mim mesma. Quando era adolescente, culpei a imaturidade, mas hoje sei que não é bem assim. Simplesmente não consigo me impedir de dizer o que penso. Principalmente se estou nervosa. E nesse momento em particular uma onda de excitação percorre meu corpo, como se eu tivesse dado duas voltas seguidas em uma montanha-russa radical. Não consigo desviar os olhos de Amos. Estou inquieta e esperando o que fará a seguir. E então ele sorri. Ele sorri. Quero dizer, claro que todas as pessoas sorriem, mas a memória dele tão indiferente em nossa casa no Natal fixou um quadro em minha mente. “E você também pode sorrir.” Tudo bem, Lilly. Você agora se superou, rainha do óbvio. Após a verborragia descontrolada, seu rosto se fecha. Intimidada até a raiz dos cabelos, forço meu olhar para baixo. Agora não sei o que fazer para reverter a situação. Ainda estamos de pé na porta do apartamento e por um momento de loucura imagino que ele me mandará procurar um hotel. “Eu posso, mas não conte para ninguém.” “Hein?” - ouvi-lo quase me dá um infarto, mas a voz parece divertida e não consigo entender como conseguiu passar de quente a frio e então novamente a quente nessa velocidade. “Você disse que eu posso sorrir. Sim, eu posso, mas isso é um segredo que guardo à sete chaves.” Ah, ele está brincando. “Hum… eu sou boa em guardar segredos.” - minto, porque todos nós já sabemos quão mal eu lido com pensamentos, sejam eles impróprios ou não - “Você realmente não corre o risco de ser exposto.” É como se tivéssemos brigado e feito as pazes em segundos. Fragilizada e imprudente, vou para mais perto dele. Por que Amos me fascina desse modo? Sim, eu estive a maior parte da vida em um colégio de freiras, mas já vi centenas de homens bonitos nos corredores da faculdade, pelo amor de Deus! A necessidade de contato não foi apenas o medo de que me mandasse para um hotel ou para minha mãe, mas que me afastasse dele. O que é bem estranho. Estou acostumada a ser sozinha. Freiras não são exatamente abertas a conversas. Até conhecer Martina Oviedo, há cerca de três meses, eu nunca havia tido uma amiga. Ela é uma escritora de romances e noiva de um príncipe de verdade. É linda e extrovertida, o que me faz pensar o que viu em mim para querer ser minha amiga. Apesar de adorá-la, só convivemos nos últimos meses em que morei em Paris e não foi o suficiente para matar minha sede por amizade. Sinto sua falta. Foi ela quem me incentivou a finalmente me libertar do domínio de Nora. A mão de Amos se estende, me esperando e ansiosa, entrego a minha. Seu polegar faz movimentos circulares na minha pele, causando arrepios. “Obrigada.” “Não é nada demais. Suas mãos estão frias.” - ele soa blasé e dói um pouquinho, mesmo que eu não saiba explicar o porquê. Paradoxalmente, vou ainda para mais perto. Calor. Preciso do calor dele. “Não, eu quis dizer, obrigada por me aceitar aqui e por não ficar bravo por eu ter vindo. Estava tão nervosa.” “Hum… você é a irmã de Ethan… e Ethan é família, então você….” “Eu não sou sua irmã.” Oh, meu Deus! Eu não deveria ter dito isso. Com a frase pela metade já percebi a ideia que passaria. Quero que um buraco se abra no chão agora para que eu possa me esconder. Lutando contra a necessidade por ele, recuo. “Não, você não é. Venha. Eu vou cuidar de você.” E eu quero que seja verdade. Que Amos cuide de mim. O quão louco é isso, uma vez que estou mudando a minha vida justamente para conseguir caminhar sozinha? Muita coisa para pensar de uma vez só, Lilly. Passinhos de bebê. Capítulo 7 Lilly Amos me deixa no quarto e depois de passar algumas instruções básicas sobre o funcionamento do apartamento, se despede rapidamente. Posso não saber muito sobre homens, mas fiquei com a impressão de que ele queria fugir para bem longe. Provavelmente eu falei demais. Ele não parece ser o tipo de cara que aprecia intimidades de qualquer tipo e agora estou constrangida. Gostaria de ser mais experiente para poder conversar sobre algo que o interessasse. Triste, balanço a cabeça. Mude sua mente, garota. Ele é tão inalcançável quanto o sol. Conformada, abro a mala para pegar um pijama. Estou cansada demais para arrumar minhas coisas agora. ◆◆◆ Acordo com a luz do sol se infiltrando pelas cortinas. Pego meu celular e vejo que já são mais de dez horas da manhã. Acho que nunca dormi tanto. Eu custei um pouco a pegar no sono a noite passada. Foram muitas emoções para processar em um só dia. Apenas a mudança de Paris para cá já seria o bastante para me pôr agitada,agora una isso a compartilhar um apartamento com um deus moreno e sexy. Apenas pare, Lilly! Ele é um amigo e somente isso. Na verdade, ele é amigo de Ethan e meu por tabela. Ethan! Meu Deus, esqueci de dar notícias como havia prometido. Abrindo meu messenger vejo que há duas dele: Ethan: “Lilly, chegou bem? Não tínhamos combinado que avisaria quando estivesse em casa?” Ethan: “Lilly, estou assumindo que chegou cansada demais para me ligar e só por isso não mandarei a guarda montada atrás de você. Espero notícias.” Ai, ele deve estar aborrecido. Meu irmão não é muito de escrever, apesar de sua tendência controladora, e duas mensagens com alguns minutos de diferença me dizem que ouvirei um sermão. Fico em dúvida sobre ligar ou digitar, mas não faço a menor ideia de que horas são na Africa do Sul agora, então decido pelo texto. “Hey Biggie, sinto muito não ter avisado. Realmente estava cansada ontem. Cheguei bem.” Em menos de dois minutos a tela do celular acende. Ethan: “Só por isso vou perdoar. Sei que chegou bem. Já falei com Amos. Como estão as coisas entre vocês?” E agora, o que respondo? Dizer que o amigo dele quase me causa combustão espontânea não é uma opção, certo? “Bem. Ele foi um ótimo amigo.” Infelizmente. Ethan: “Eu temia que pudesse haver desconforto entre vocês e estou contente que tenham se entendido. Aproveite o dia, irmãzinha.” “O mesmo para você.” Decido tomar um banho e depois fazer uma lista detalhada dos meus próximos passos até finalmente me mudar para um apartamento só meu. Eu adoro listas do que fazer. Elas sempre me ajudaram a organizar a mente inquieta e de quebra, me distrairá da minha mais recente obsessão: Amos. Capítulo 8 Amos Dormi muito pouco. Apenas cochilos curtos. Eu geralmente não preciso de muitas horas de sono, mas necessito de algumas e agora estou me sentindo exausto. Ontem eu fiz algo que nunca havia feito: corri do que estava me pondo em desequilíbrio. Eu não sou de fugir do que quer que seja, mas ficar perto de Lilly estava mexendo com a minha cabeça. Minha vida geralmente segue em linha reta: quero, planejo, conquisto. Mas com ela a história é outra. Como se não bastasse ser a irmã caçula do meu melhor amigo, Lilly é um raio de sol frente a minha escuridão e não posso trazê-la para meu mundo de cores feias. Ela representa tudo o que eu não deveria desejar. Sua pureza é a antítese da minha vida permeada de maldade. Ela merece alguém melhor. Frustrado, vou à cozinha pegar um café. Meu celular está em cima da mesa e há duas chamadas perdidas de Ethan. Merda. Encho uma xícara e, sem saída, ligo para o meu amigo. “E aí?” “Foda, por que demorou a ligar de volta? Minha irmã chegou bem? Aquela criança é muito avoada. Esqueceu de mandar mensagem. Estava ficando louco.” Criança? Decida-se amigo. Em um momento diz que ela não é uma adolescente e agora a chama de criança? Não, isso não. Lilly é doce, linda, inocente, mas definitivamente não é uma criança. “Respondendo a sua pergunta: são apenas sete horas da manhã aqui. E sim, ela está bem. Dormindo.” "Ah, graças a porra. Você não sabe como me arrependi de ter concordado com sua ideia maluca de não permitir que você a apanhasse no aeroporto.” O que? “Foi ela que pediu isso?” “Pediu não, exigiu. Disse que se eu o obrigasse a buscá-la, morreria de vergonha.” “Você não deveria ter concordado. Nós dois mais do que ninguém sabemos a quantidade de doentes à solta por aí.” “Eu sei, cara. O problema é que ela sempre me dobra. Minha irmã é uma pequena feiticeira.” - suspira, resignado. “Como estão as coisas por aí? - pergunto para desviar o foco da minha irritação. Ela não deveria correr riscos. “Tudo certo. Estamos com mais de trinta homens à postos. Só a elite. E a resistência tem com eles mais de cento e cinquenta de seus melhores soldados.” “Tome cuidado, de qualquer maneira.” - resmungo, mal-humorado porque ele não precisava se expor. “Sempre, papai.” - debocha. No começo nós dois íamos a campo. Eu nunca dei a mínima para as mortes que presenciei. Eles eram a escória humana. Mas em algum momento, Ethan decidiu que sou melhor armando estratagemas. Quando saía para as operações, não me importava se voltaria para casa ou não. Sei que foi por isso que ele me pediu para parar. Da última vez fui esfaqueado e estava perdendo muito sangue, mas continuei indo para cima do cara e acho que aquilo assustou meu amigo. A ausência de medo da morte, quero dizer. Ele não faz a menor ideia de como, no passado, eu ansiei por ela. “Mantenha-se vivo.” - ironizo, mas nós dois sabemos o quão sério estou falando - “Agora deixe de ser uma dor na bunda e permita que termine meu café em paz.” “Sim, ranzinza. Vá tomar seu café e se possível com um quilo de açúcar para adoçar seu temperamento.” “Babaca.” “Cretino.” E sem qualquer aviso, desligamos. É assim que somos, mas apesar disso, eu morreria por ele. ◆◆◆ Chego em casa prometendo a mim mesmo que irei até ela somente para dar boa noite, mas já ouviram aquele ditado que diz que de boas intenções o inferno está cheio? Verdadeiro para caralho. Assim que estou na porta do seu quarto, a primeira coisa com que me deparo é o formato do seu traseiro tentador vestido em um shorts e inclinado para mim enquanto ela luta para suspender sua mala. “Hey.” - cumprimento porque ela parece totalmente alheia a minha presença. Lilly se sobressalta e o movimento a faz cair de bunda no chão. Em dois passos estou nela e, a despeito do firme propósito anterior de não tocá-la, pego-a no colo. “Desculpe, eu não quis assustá-la.” Os nossos rostos estão muito próximos e não é medo que vejo agora. Porra! Sei que deveria soltá-la imediatamente, mas a sensação do corpo pequeno junto ao meu é boa demais e me permito segurá-la só mais um pouco. “Amos.” Ela parece sem fôlego, mas nada relacionado com a queda. Lilly está excitada com o nosso contato e sua reação torna ainda mais difícil me afastar. Apesar disso, aprendi a controlar qualquer tipo de impulso desde pequeno e mantendo a expressão em branco, finalmente a coloco de volta em seus pés. “Precisa de ajuda?” - pergunto, já de novo com minha máscara de pouco caso habitual. “Eu queria desfazer a mala e ficar pegando as coisas do chão dá muito trabalho.” - responde, se desculpando. Sinto que nós dois estamos lutando para mostrar que a proximidade física de há pouco não nos afetou, o que faz de ambos, grandes mentirosos. “Deixe-me ajudá-la com isso.” - tento soar indiferente. “Eu agradeceria.” - devolve formal, como se estivesse experimentando usar as mesmas cartas que eu, o que irracionalmente, me irrita para caralho. Para disfarçar o aborrecimento, viro-me e começo a erguer a bagagem. Capítulo 9 Lilly Ele levanta a mala como se fosse nada e olhando os músculos delineados de suas costas, posso apostar que facilmente a carregaria em um braço e eu no outro. A ideia me fez bufar ao tentar conter o riso. “O que há de errado?” - Amos se vira com a testa franzida. “Nada. Apenas pensando em quão ridiculamente forte você é. Eu devo ter perdido uns dez anos de vida ao levar minha mala até o carro quando estava indo embora de Paris.” “Ninguém a ajudou?” “Hum… não. Michelle não ficou muito contente por eu querer ir embora e não estava em casa para se despedir quando saí.” Dizer que não ficou contente é um eufemismo. Eu escutei sua conversa com minha mãe na noite anterior à partida, quando disse que eu estava cometendo um erro ao deixar sua casa pois acabaria virando uma libertina como as moças de hoje em dia. Ela não poderia estar mais enganada. Não é liberdade sexual o que eu anseio. Espera. Posso corrigir isso? Eu pensava que não era liberdade sexual o que eu queria, mas agora meus hormônios estão enlouquecidos pelo gigante a poucos passos de mim. Mas falando sério, o que eu realmente quero é viver. Poder acordar tarde em um domingo e tomar café apenas ao meio-dia se me der vontade, ao invés de ter que ir para à missa das sete horas da manhã.É poder ter o meu estúdio dentro de casa e me levantar no meio da noite para colocar minha criatividade no tecido ou no papel sem alguém dizendo que devo apagar a luz. O processo criativo não é linear. Ideias surgem quando você menos espera e às vezes, deixar de colocá-las em prática significa perdê-las. Amos senta na cama e me encara. Como se estivesse hipnotizada, caminho até ele. Em princípio para indiferente, mas então pega minha mão, trazendo-me para o meio das suas pernas. Estou tremendo. Sinto seu olhar queimar cada pedaço do meu corpo inexplorado. E eu quero mais. Desejo toda sua força assustadora e dominante. “Michelle é a prima de sua mãe?” Estamos tão próximos que posso sentir seu calor. “Sim, mas ninguém acreditaria.” “Sente-se.” - ele manda, apontando seu lado na cama e eu acato sem piscar - “Como assim?” “Você conhece Nora, certo?” - vejo que seus olhos se ampliam um pouco ao me ouvir dizer o nome da minha mãe do mesmo modo que Ethan faz, mas a verdade é que comecei a chamá-la assim como uma forma de não deixar meu irmão tão desconfortável e acabei por me acostumar. - “Agora imagine uma madre superiora em seu pior momento. Essa é Michelle.” “Então você foi de um colégio de freiras para a casa de uma freira?” “Basicamente isso. Parece o início de uma piada ruim, mas é só a história da minha vida.” - apesar das palavras, sorrio. “Você não saía em Paris? Tipo boates, barzinhos, coisas normais na sua idade?” “Coisas normais na minha idade? Porque você é um idoso, né?” - sorrio outra vez. Nada pode ser mais absurdo do que Amos se considerar velho. “Idoso? Chegando lá. Estou quase com trinta.” - ele finge indignação, mas posso ver que está se divertindo - “Você entendeu o que eu quis dizer. Na sua idade as garotas geralmente estão no auge da animação para festas e… rapazes.” “Ah, sim…” - falo sem jeito - “Não, acho que perdi isso. Não sou de beber álcool, a não ser uma taça de champanhe que Nora me permitia provar em determinadas ocasiões e também nunca fui a festas de gente da minha idade.” - enfatizo o gente da minha idade usando dois dedos de cada mão imitando aspas. “Mas não sentiu falta?” “Realmente não. Quando eu estava no internato, ouvia minhas colegas contarem histórias de suas férias: namoros e coisas do gênero, mas quando finalmente saí, não gostei muito do que vi.” “Michelle não permitia que se divertisse?” “Sim, também havia isso, mas de verdade acho que simplesmente não me encaixo.” É natural falar com Amos. Ninguém até hoje perguntou se eu sou feliz do modo como minha vida segue. Apesar de estar um tanto envergonhada por mostrar em primeira mão como sou sem vivência, é tão bom ter alguém com quem dividir. Mesmo meu irmão sempre agiu comigo de maneira condescendente, como quando alguém fala com uma criança. Amos não. Ele está prestando atenção a cada palavra, fazendo perguntas, realmente envolvido e isso só faz aumentar a atração que sinto. Capítulo 10 Amos É uma menina em corpo de mulher. Delicada e obediente. Tão fodidamente doce que quero me perder em seu mel. Ela me fascina e aterroriza ao mesmo tempo. Quando peguei a mala, a ideia era ir embora logo em seguida, e no entanto, aqui estou à beira do precipício, desafiando-o. Lilly é linda e não consigo acreditar que seja real. Eu sou um cara vivido e nunca me deparei com uma mulher que não fizesse joguinhos ou tentasse seduzir. Mulheres podem mentir com a mesma facilidade com que respiram, mas ao invés disso, Lilly ri de si mesma o tempo todo, se autodepreciando e me prendendo em sua teia. A sensação é ver um daqueles filhotes de felinos que ficam roçando em nossas pernas para expressar necessidade de carinho. Só comigo é tão acessível? Não gosto da ideia dela ficar confortável com caras em geral. Quantas pessoas lá fora não tentarão se aproveitar de sua inocência? E se em algum momento eu não puder estar por perto para protegê-la? Porra! Não irei por esse caminho. Ela não é minha. É responsabilidade de Ethan. Eu não sou um cara bom e não faço qualquer esforço para disfarçar minha indiferença pela humanidade, mas ela não parece fazer caso do perigo, como uma criança que se aproxima da jaula de um leão sem saber o quão perto está de ser devorada. Eu a quero. Eu preciso de sua pureza como do ar que respiro. Bebo cada palavra enquanto ela narra sua vida com a prima da mãe em Paris. Ouvir Lilly compartilhar sua solidão, traz conforto para a minha própria e fico puto quando de repente ela se fecha, afastando o olhar. Preciso dos seus olhos em mim. “O que houve?” “Nada.” “Por que deixou de me olhar? Você não deve fazê-lo quando conversamos.” - falo antes que possa me parar. Sua respiração está pesada e espero que diga que eu não tenho direito de exigir o que quer que seja, mas como uma deliciosa tentação, ela explode minha mente quando concorda com doçura. “Tudo bem. Não acontecerá novamente.” - porra - “Eu só fiquei um pouco sem jeito por falar sem parar. Não sei o tipo de conversa que está acostumado a ter. Quero dizer… você deve falar com um monte de mulheres e eu queria saber o que o agrada.” Jesus Cristo, ela não faz ideia do que está dizendo e eu deveria deixar passar, mas não consigo. “Você quer aprender o que me agrada, pequena?” Ela está atraída pela minha escuridão, enquanto eu quero sua luz. Quão fodido é isso? “Eu quero.” Ainda que por poucos segundos, eu oscilo pela primeira vez na vida, encarando-a, em dúvida sobre o que fazer. Mas então me obrigo a racionalizar. “Você não está pronta para descobrir.” “Mas…” “Eu disse não, Lilly.” Preciso sair daqui. Estou esticando toda a minha contenção em respeito a sua inocência. Ela não imagina o que acaba de oferecer. E nem a quem. Ainda assim, é como levar um soco no estômago quando vejo-a se encolher. “Não precisa ter medo de mim.” Ela me olha confusa, mas não recua. “Eu não tenho. Sei que você não me faria mal.” “Como pode estar certa? Nós pouco nos conhecemos.” - me irrito novamente - “Preste atenção no que vou dizer: não confie em estranhos. Nunca, está ouvindo?” Porra, de onde vem tanto descontrole? Ela só precisou de dois dias para foder com a minha cabeça. “Sei disso.” - diz com meiguice. Não é o que quero dela. Preferia que me mandasse para o inferno ao invés de se transformar no mais incrível sonho que eu pudesse ter. “Prometo ser cuidadosa, mas não estava falando de qualquer um. Somente de você. Você não me machucaria.” Oh, porra! Viro as costas para sair do quarto antes que perca a cabeça de vez. Rápido demais. Estamos acelerados demais. Eu sou errado para ela em todos os sentidos. Não deveria sequer considerar a possibilidade de fazê-la minha, mas Lilly me põe fora do eixo. Nada de pensamento lógico por aqui. Apenas ela. “Prometo não usar isso contra você.” “O que?” “Ahn… Ethan diz que eu não jogo limpo e que sei que ele faz tudo o que eu quero porque me ama.” - se atrapalha - “Não que eu esteja dizendo que você me ama… ou que vá fazer o que eu quero… ou que eu quero que você faça alguma coisa.” - caralho, ela é maravilhosa - “Eu… acho que vou tomar um banho.” Completa, levantando de um salto, com o rosto rubro. As palavras saem entrecortadas pelo embaraço. “Sim, banho parece bom.” - juro, falei isso sem nenhuma maldade, mas ela ofega e é como um tiro direto no meu pau - “Você está com fome?” - disfarço. “Não.” - e então completa, meio sem jeito - “Quero dizer, posso fazer companhia se você quiser.” “Eu já comi.” - minto porque parece uma boa ideia manter um pouco de espaço entre nós - “Descanse. Amanhã provavelmente desejará explorar a cidade.” - falo e a seguir fico parcial a respeito. De uma certa forma, é essencial me manter longe até decidir o que farei com ela, mas ao mesmo tempo não a quero solta por aí. Foda-me! A confusão na minha cabeça geralmente fria e regrada traz à tona o pior de mim e, sem me despedir, saio do quarto. Capítulo 11 Lilly Até conhecer Amos, eu achava que meu irmão era o cara mais difícil do mundo de se decifrar. Vocêolha para Ethan e não faz a menor ideia do que está pensando, mas agora meu gigante lindo ganhou por vários corpos de vantagens no quesito mistério. O que acaba de acontecer? Em um momento, ele parecia estar gostando de ficar comigo e, sem querer ser convencida, até atraído. No seguinte, me virou as costas como se eu fosse nada. Gostaria de ligar para Martina e contar sobre isso. Talvez ela pudesse me dar umas dicas. Sou inexperiente, não cega. Sei que um cara como ele não passa tanto tempo com uma garota se não estiver interessado. Amos não parece ser do tipo que é amigo de mulheres. Acho difícil que alguma resistisse a agarrá-lo, a começar por mim mesma. Bom, vou tentar ficar fora do seu caminho. De jeito nenhum vou fazer a pirralha grudenta e apaixonada como a protagonista de uma das histórias que Martina escreveu. Ela é muito boa no que faz. Consegue transmitir no papel, com suas mocinhas, exatamente as dúvidas que passam pela minha cabeça. E como bônus, seus livros são quentes. Senhor! Lembro de um em que o cara amarrava a garota à cama e ficava horas lhe dando prazer. Não sei de onde Martina tira tanta imaginação. Não tenho ideia do que seria um conceito mais profundo de prazer, já que é complicado tentar explorar o próprio corpo em um colégio interno e após, morando com alguém que não respeitava qualquer noção de privacidade como Michelle, mas em breve terei meu próprio lugar e poderei investir nisso com mais calma. Ou… eu poderia conseguir alguém para me ensinar. Não, não alguém. Ele. Doce Senhor, pensar em Amos fazendo todas aquelas coisas que li causa uma incêndio em meu corpo. Apesar disso, estou firmando um pacto comigo mesma que se ele não der mais pista, não o incomodarei. Essa dança só funciona se for a dois, Lilly. Sacudindo a cabeça, caminho para o banheiro me perguntando se deveria ter mentido e dito que estava com fome. Seria mais uma oportunidade de ficar perto dele. Bom, agora não tem jeito, mas se amanhã ele repetir o convite, aceitarei. Capítulo 12 Amos Afaste-se. Não há a menor chance disso acabar bem. Ela não é para você. Tenho repetido essa frase desde que a deixei. Inferno, eu posso lidar com isso! Com o passar dos dias, seu encanto vai diminuir. Vou me acostumar com a sua presença e então poder seguir com a vida sem o risco de destruir minha relação com meu único amigo. Ethan sabe tudo sobre minha vingança e nenhum cara gostaria de ver a irmã caçula envolvida comigo. Nunca cheguei perto de algo sequer parecido a um relacionamento. Mulheres para mim só servem como alívio às tensões do corpo. E então há Lilly. Por mais que eu me esforce, não consigo encaixá-la em uma categoria. Ela parece boa demais para ser verdade. Seria fácil se eu pudesse agir com ela da mesma forma que faço com as outras, mas eu intuo que mesmo se Ethan não existisse, Lilly nunca seria um encontro de uma noite. Impossível provar aquela inocente sedução apenas uma vez. Jesus Cristo, ela quase me matou quando disse que queria aprender a me agradar. Claro, ela que não tem a menor noção do que eu gosto e duvido que se realmente soubesse poderia lidar com isso, mas de qualquer maneira suas palavras mexeram com meus desejos mais secretos. Seria uma viagem deliciosa poder mergulhar fundo na nossa atração e ver aonde isso nos levaria, mas sei que ela está destinada a alguém melhor. Um homem que não tenha tanto ódio e dor em sua bagagem. Não me permitirei macular um anjo, mas principalmente, não vou desviar minha atenção do meu projeto. Foram anos rastreando o grupo de traficantes de crianças e adolescentes e agora que estou muito próximo de cercá-lo, não posso me dar ao luxo de perder o foco. Não há lugar para a luz ou bondade em meu caminho. Eliminar Jonathan significa poupar muitas vidas do mesmo inferno pelo qual eu passei. Não sou iludido ao ponto de achar que terminarei com o mal, mas ao menos vou exterminar uma célula dele. Amanhã tenho uma reunião com minha equipe de elite. Eles não atendem nossos clientes regulares, só lidam com sequestradores de altos funcionários do governo, terroristas e traficantes de armas. Você jamais encontraria seus currículos em uma plataforma de empregos. A maioria não teria dinheiro suficiente para pagá-los. Todos provêm das forças especiais do exército, assim como Ethan e eu. Eles foram escolhidos a dedo para missões específicas como a que meu sócio está no momento na África do Sul. Fomos contratados para organizar a deposição de um ditador em um país vizinho. Sabemos que um banho de sangue ocorrerá, mas isso será necessário pelo bem da maioria. Esse homem mutila jovens em frente a seus pais. Espanca e estupra mulheres diante de suas famílias, sejam elas de que idade forem. Isso só mostra que a organização de Maria é apenas uma gota no oceano de barbaridade que é a porra do mundo. Minha cabeça dói e o quarto parece superaquecido. Será que a merda do ar condicionado não está funcionando? Pela milésima vez me reviro na cama sem conseguir qualquer tipo de conforto. Minha mente já repetiu vezes sem conta a conversa com Lilly. Não sei como agir. Diabos! Ethan viajará por quinze dias. Não acho que eu seja tão forte ao ponto de me manter longe dela. A têmpora lateja de dor, mas me recuso a tomar qualquer remédio como forma de autopunição. Barulhos vindo do corredor captam minha atenção. Primeiro penso se tratar do ar central, mas ao chegar à porta do meu quarto, percebo que são gemidos. Na verdade, mas se parece com o som de alguém ferido, choramingando. Meu corpo se põe em alerta e corro até o quarto que Lilly ocupa. A cama está vazia e um suor gelado começa a escorrer por mim. Os sons continuam e tomo o caminho de onde acho que vêm. O banheiro. Será que se sente mal? Está machucada? As luzes estão apagadas e não consigo vê-la, mas continuo seguindo os gemidos. Encontro o interruptor e pela primeira vez em anos, experimento dor emocional. Ela está no chão, os joelhos dobrados colados ao tronco e o rosto coberto de lágrimas. Os olhos estão fechados e se arrasta de costas, afastando-se da entrada do banheiro. “Lilly?” - tenho medo de fazer um movimento brusco e perturbá-la. Parece aterrorizada. - “O que está fazendo?” Sua cabeça se move de um lado para o outro. “O armário. Eu preciso chegar ao armário. É seguro lá.” Jesus Cristo, ela está tendo um pesadelo! Só então percebo que ainda dorme. Apesar de falar, os olhos permanecem fechados. Chego até ela e agacho-me. “Hey, você está segura.” “Não! Tenho que chegar ao armário… por favor… estou com muito medo. Não quero ficar aqui.” Parece indefesa como uma criança de colo. É o suficiente. “Não, amor. Você não precisa ir até lá. Eu estou aqui para protegê-la. Ninguém pode lhe fazer mal. Seu Amos está aqui.” “Amos?” “Sim querida, sou eu.” “Amos…” Seus soluços me fazem perceber que ainda há humanidade em mim. Suavemente toco seus cabelos e murmuro palavras de carinho. Aos poucos, as lágrimas cessam e a respiração regulariza. “Anjo, eu vou pegar você agora, tudo bem? Vamos voltar para o quarto.” Ela não pesa nada. Seu corpo está trêmulo e ao invés de deitá-la, sento na cama com ela em meus braços. “Amos.” “Sim, amor. Estou bem aqui com você.” - continuo acariciando seu cabelo, mas no momento não sei qual dos dois tento acalmar. “Você vai ficar comigo?” “Quer que eu fique?” “Sim. Não vá. Não me deixe.” “Então não irei a lugar algum.” Capítulo 13 Lilly Acordo muito cansada. Parece que levei uma surra emocional. A lembrança da noite anterior volta, apenas para ser imediatamente substituída por outra. Eu tive um pesadelo. Não me lembro de muita coisa, mas sei que chorei. Aos poucos, as memórias retornam. Amos me segurando. Ele cuidou de mim. Lembro-me de pedir-lhe para que ficasse. Não estou com vergonha. Os pesadelos são meus companheiros há anos e me assustam de verdade. Não me desculparei por isso. No entanto, com sua saída súbita do meu quarto após me ajudar com a mala, vou tentar manter as coisas mais formais entre nós.Estou meio enamorada por ele e temo confundir atenção com afeto. Amos é tão sexy. Sigo para o banheiro para escovar os dentes pensando no que devo fazer hoje. Deus, eu nem acredito que não preciso dar satisfação a ninguém. Quero ir a uma loja que pesquisei na internet e que vende tecidos incríveis. Fica a uns dez minutos de táxi. Ainda não decidi se comprarei um carro. Quero dizer, primeiro vou ter que tomar aulas. Não sei dirigir e essa é apenas uma das minhas deformações. Também gostaria de me matricular em uma academia. Será que Amos jantará em casa? Eu poderia preparar algo. Ou isso seria colocar a carroça na frente dos bois? Não quero que ele pense que estou tentando me espalhar. A ideia de reencontrá-lo me deixa feliz e triste ao mesmo tempo. Ainda sinto-me acanhada da cena embaraçosa do quarto, mas preciso agradecer por ter ficado comigo durante a noite. Deus, estou fazendo uma confusão. Tomo um banho rápido e resolvo pular o café da manhã. Posso comer algo na rua. Cumprimento o porteiro que está conversando com uma ruiva linda. “Dona Sofia, pode deixar que receberei seu material.” “Muito obrigada. Eu não estarei aqui para assinar.” “Fique tranquila.” “Bom dia.” - falo, me dirigindo aos dois ao mesmo tempo. A garota vira e acho que nunca vi olhos verdes tão bonitos. “Bom dia.” - sua voz é suave e estranhamente destoa de toda a vivacidade de sua aparência - “Meu nome é Sofia.” - oferece a mão. Imediatamente gosto dela. Amo pessoas que não esperam que eu tome à frente da ação. Quando é assim, na maioria das vezes acabo ficando isolada. Não sei socializar. “Oi, eu sou Lilly. Acabo de me mudar.” - digo de uma só vez, porque quando começo a falar, ninguém me segura. “Seja bem-vinda, Lilly. Eu também estou morando aqui há pouco tempo. Quem sabe não podemos sair para um café qualquer dia desses?” “Eu adoraria. Não conheço ninguém na cidade além do meu irmão e o amigo com quem ele divide o apartamento.” Conversamos mais um pouco e trocamos telefones. Conhecer Sofia talvez tenha sido um sinal de que as coisas ficarão bem. Eu sempre fui um tanto supersticiosa, buscando explicação para os fatos mais corriqueiros da vida. Sorrindo, abro o aplicativo do táxi. ◆◆◆ O dia passou voando entre as lojas que eu queria visitar. Agora estou andando distraída pelos corredores da seção de livros de moda da livraria quando percebo um cara lindo me observando. Ele tem a pele clara, mas o cabelo é negro como a noite e sua altura e corpo chamam instantaneamente a atenção. Olho para trás para ter certeza de que é comigo. Quando torno a me virar, está gargalhando e eu não tenho a menor dúvida de que é de mim. “Eu pensei que não era para mim que estava sorrindo.” - falo antes que consiga me parar. Senhor! “Diga que esse cabelo é tinta ou começarei a odiá-la em cinco segundos.” Começo a rir porque é impossível não me render ao seu charme e afetação. Ele é definitivamente gay. “Sinto muito, mas é de verdade.” O rapaz se aproxima e eu estendo a mão, mas ao invés de pegá-la, me dá dois beijos no rosto. “Theo Argyros.” “Você é grego.” - falo. “Só metade. Sou filho de um. Minha mãe é inglesa.” - ele sorri - “E você é…” “Lilly.” - e corrijo rapidamente - “Lillyana Ross, mas todos me chamam de Lilly.” Ele acena com a cabeça. “O mesmo aqui. Se algum dia você me chamar de Theodoro, a amizade acaba.” Eu gosto dele. É tão aberto. Penso em como sou sortuda. Qual é a chance de se conhecer duas pessoas tão legais quanto Sofia e ele no mesmo dia? “E o que você está fazendo perdida aqui, Lilly? Já são quase oito e meia. Seus pais não estão preocupados?” Eu reviro os olhos porque a despeito da sua melhor tentativa, as palavras saem cheias de sarcasmo. “Já sou grandinha. Estava procurando livros para meu curso.” “Você faz moda?” - ele fala com um entusiasmo contagiante. “Sim, estou indo para o quinto semestre. Estudei os dois primeiros anos em Paris.” - assim que explico, penso que Amos ficaria louco por eu estar dando tantas informações logo de cara a um estranho, mas agora não há como engolir as palavras. “Paris? Eu me formei em moda lá.” “Você é estilista?” “Produtor.” “Incrível.” - agora sei porque sua imagem me prendeu de primeira. Suas roupas parecem que foram feitas exclusivamente para ele. Combinam com sua personalidade esfuziante como uma segunda pele. “Theo, eu não tenho pais me esperando, mas realmente preciso ir ou meu irmão ficará louco. Acabei de perceber que a bateria do meu celular descarregou.” Lamento de verdade porque gostaria de passar um pouco mais de tempo com ele. “Espera, pode me dar seu telefone? Prometo que não sou um pervertido e nem nada do tipo.” Eu o avalio rapidamente. Confio em minha intuição e ela me diz que ele é uma boa pessoa. Sorrindo, pego seu celular para gravar meu número. Capítulo 14 Amos Volto do trabalho tentando me convencer de que mudar de ideia sobre ir a boate que frequento uma vez por semana para escolher minha parceira de sexo da vez não tem nada a ver com Lilly, mas isso é uma mentira fodida. Mal posso esperar para vê-la novamente. A sensação é tão forte que é como se correntes elétricas estivessem debaixo da minha pele. Não vou pensar sobre isso agora. Por uma noite, vou me permitir manter a prudência trancada. Abro a porta e a escuridão que me recebe faz com que entenda rapidamente que ela não está. Olho o relógio. Nove horas e ainda não chegou? Mesmo sabendo ser inútil, percorro todos os cômodos. A irritação é quase incontrolável. Foda-me, estou ficando louco enquanto tento organizar minha mente. Mando várias mensagens para seu celular, mas não obtenho resposta. Puto para caralho agora, ligo o laptop e rastreio seu smartphone. Não me importo se ela me odiará por isso. Sua segurança é prioridade. A tela mostra que a última localização é em um shopping center a pouco mais de quinze minutos daqui. Estou andando de um lado para o outro na cozinha como um leão enjaulado. Pensei em fazer o jantar para tentar consertar meu comportamento com ela na noite passada. E também queria falar do pesadelo. Eu sei o suficiente sobre medo para compreender que o que teve não foi somente um mau sonho. Lilly estava apavorada. Mas antes de tudo, nós teremos uma conversa séria sobre ela não desaparecer do meu radar nunca mais. Isso se não tiver acontecido algo. Porra! Onde ela está? O sentimento de impotência é o pior dos venenos em meu sangue. Estou a ponto de ligar para um dos meus homens e iniciar uma busca, quando ouço a porta da sala se abrir. Tomo algumas respirações antes de ir encontrá-la porque não quero correr o risco de agir como um selvagem, mas meu temperamento leva a melhor e saio a sua caça caminhando em linha reta para o quarto. “Onde você estava?” Ela se vira com a mão no peito e o rosto pálido. “Jesus Cristo! Agora posso ter certeza de que não sou cardíaca. Você quase me matou de susto, Amos.” “Responda, Lilly.” Ela olha com cautela - o que é inteligente de sua parte porque estou mantendo minha fera interior presa a muito custo. “Em uma livraria.” O sentimento de alívio não dura. Não há livros em suas mãos. “Sozinha?” “O que é isso, Amos?” Invado totalmente seu espaço pessoal, mesmo sabendo que é uma coisa estúpida a se fazer. “Diga.” Ela puxa o ar algumas vezes. As bochechas estão coradas e parece ansiosa. “Estava com um rapaz que eu conheci.” - confessa enquanto uma possessividade assassina me impede de pensar, mas antes que eu faça qualquer insanidade, ela põe a mão no meu peito - “Ele é gay.” Suas palavras me acalmam instantaneamente, mas continuo irritado. Eu nunca perco o controle, mas estava prestes a sair à procura de um fodido rival imaginário. A adrenalina da preocupação com sua segurança aliada ao ciúme me faz jogar o bom senso para o alto e me aproximar da minha tentação loira um pouco mais. Seguro seus cabelos no punho como desejei fazer desde a primeira vez em que a vi. “Nunca mais suma assim.” Esse é o momento em que ela deveria correr, mas ao invés, parece tentar tirar mais do toque, o que
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