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A vergonha como mediador moral e suas bases neurobiológicas

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO
RIO DE JANEIRO
JOÃO PEDRO BRITTO CELESTINO
A VERGONHA COMO MEDIADOR MORAL E SUAS BASES
NEUROBIOLÓGICAS
RIO DE JANEIRO
2021
I. Introdução
A temática das emoções é mais complexa do que se apresenta em primeiro
momento. A indagação: “O que é uma emoção” foi escrita propriamente desta maneira pelo
filósofo e psicólogo americano William James, como título de um artigo que produziu para a
revista Mind, há cerca de cem anos atrás.
As emoções apresentam-se como uma das formas mais relevantes de
comunicação humana, essencialmente por meio da expressão facial, promovendo a interação
entre os indivíduos.
Segundo António Damásio, médico neurologista português, pode-se classificar as
emoções em três categorias dessemelhantes: as emoções de fundo, as emoções primárias e as
emoções secundárias, também tratadas como emoções sociais. Na gama de emoções
secundárias, deparamo-nos com a emoção que é objeto da presente pesquisa, a vergonha.
A Bíblia retrata a vergonha como a essência e a consequência da queda de Adão.
Em hebraico, Adão é equivalente à espécie humana, simbolizando todos os seres humanos. A
Bíblia insinua que Adão estava insatisfeito com o seu ser. Ele desejava ser mais do que era,
mais do que humano. Ele deixou de aceitar suas limitações fundamentais. A Bíblia incute que
a gênese da escravidão humana, ou seja, o pecado original, é o desejo de sermos diferentes,
de sermos mais do que humanos. Em seu desejo, Adão desejava um falso eu e isto
provocou-lhe sua destruição. Depois de Adão alienar seu verdadeiro ser, ele se escondeu. “E
chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás?” E Adão respondeu: “Ouvi a
tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi” (Gênesis, 3:9-10). Antes da
queda, “o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam” (Gênesis, 2:25).
Quando escolheram ser diferentes do que eram, ficaram nus e envergonhados.
A vergonha regula as relações interpessoais e intrapessoais; pode ser
compreendida com um dos sentimentos mais relevantes, sendo a vergonha a base da
experiência do indivíduo para com o mundo. Não obstante a vergonha seja reconhecida desde
a época de Adão e Eva, somente nos últimos vinte anos averiguaram-se proeminentes
esforços por ordem da investigação científica na compreensão de sua natureza e do seu papel
na vida humana.
A vergonha é uma das emoções autoconscientes mais intensas, exercendo um
papel fundamental na patologia, desenvolvimento e autorregulação. Além de uma emoção
autoconsciente, a vergonha também é uma emoção de natureza moral. É autoconsciente uma
vez que envolve a autoavaliação da personalidade e caráter, e moral uma vez que,
aparentemente, desempenha um papel funcional no favorecimento das atitudes e
comportamento moral. Com o passar do tempo reconhece-se nesta emoção um papel social e
de autorregulação elementar, mas os relatos quanto a sua funcionalidade reguladora e impacto
motivacional, divergem-se. Um panorama defende que a motivação encontra-se
negativamente associada à vergonha , entretanto, um outro panorama defende a utilidade
desta emoção e as suas vantagens para com as organizações ao motivar os colaboradores até
estes atingirem um ótimo nível de performance. Desta maneira, por exemplo, a promoção de
metas corporativas, valores, o encorajamento de lealdade e obrigação para com a organização
e equipe, podem ser atingidos pelo foco na promoção, mas também por meio da ênfase nas
consequências e custos da incapacidade de se atingir tais objetivos.
Vista por muitos psicólogos como uma emoção dolorosa e lastimante, que traz
profundas consequências a nível comportamental e psicológico, a vergonha foi precisada
como sendo uma emoção inóspita relacionada com sentimentos de inferioridade e uma visão
do self danificada, reconhecida pela confusão de pensamento, inabilidade de falar e
ruminação, ou, simplesmente, como “um sentimento disforme e feio”. A primeira
predisposição do indivíduo perante esta emoção é sair de si mesmo, evitar a vergonha e
esconder-se dos outros. Muitos teóricos descreveram os efeitos comportamentais negativos
resultantes da vergonha ligando experiências crônicas da vergonha como depressão, baixo
autoestima, redução de empatia e ansiedade social. Tais efeitos trazem um leque de questões
que dizem respeito à funcionalidade da vergonha, tendo em vista que os teóricos das emoções
assumem, em geral, que estas são funcionais, na perspectiva de que promovem o
comportamento que promovem efeitos positivos para com o indivíduo ou comunidade.
O objetivo desta pesquisa é descrever, por meio de revisões bibliográficas, quais
os mecanismos neurobiológicos associados à vergonha, bem como sua relevância como um
sentimento fundamental para o funcionamento psíquico e compreensão da moralidade
humana, demonstrando o papel da vergonha na constituição da personalidade humana.
II. Conceptualização do sentimento da vergonha
As emoções podem ser vistas primeiramente como sendo estados interpessoais,
tais como os sentimentos, estados de excitação de ativação de padrões motores, assim como
estados de interação que englobam o sujeito e objeto e a relação entre eles. As emoções
refletem-se numa área essencial da vida humana, incluindo-se de forma tão frequente no
nosso dia-a-dia que se torna dispensável qualquer definição para compreendê-las. Contudo, a
nível científico, é essencial a construção de uma base teórica, na qual se torne possível o
debate acerca de seus estudos e resultados.
Segundo António Damásio, as emoções podem ser classificadas em: emoções de
fundo, emoções primárias e emoções secundárias (sociais). Entre as emoções secundárias
situa-se a vergonha. A vergonha regula as relações interpessoais e intrapessoais, sendo
compreendida como a base da experiência de um indivíduo para com o mundo. Embora a
vergonha seja reconhecida desde a época de Adão e Eva, somente nos últimos vinte anos
averiguaram-se esforços quanto à investigação científica na compreensão de sua natureza e da
sua função na vida humana. Os estudos a respeito do sentimento da vergonha vem se
estabelecendo, principalmente entre os pesquisadores da psicologia do desenvolvimento e da
personalidade, como sendo fulcral para a constituição de teorias mais completas e integradas
acerca do desenvolvimento humano.
Julga-se que o biólogo britânico Charles Darwin foi o pioneiro no estudo
científico da vergonha nos seres humanos. “O rubor é a mais especial e mais humana de todas
as expressões”, principia Darwin o 13º capítulo de “The expression of the emotions in man
and animals”, dedicando grande atenção a idiossincrasia da espécie humana de se ruborizar,
propondo o termo “blushing” para qualificar a vergonha. Certos macacos ficam carminados
de raiva, contudo, nenhum animal é capaz de corar como o homem, exclusivamente por
impressionabilidade de seu espírito. Segundo Darwin a vergonha seria a emoção mais
intrínseca e mais humana dentre todas as emoções, sendo o seu surgimento decorrente de dois
elementos: a reflexão sobre nós mesmos de determinada característica de aparência pessoal e
o pensamento do que terceiros pensam sobre nós. As investigações de Darwin, bem como de
outros autores que aprofundaram as discussões sobre a temática, demonstraram que a
vergonha pode se refletir sobre o corpo do sujeito, consoante da situação em que surge, seja
na quebra de uma relação interpessoal ou numa exposição pública. A título de exemplo,
dentre as consequências relatadas por sujeitos que vivenciaram o sentimento da vergonha,
temos em destaque o ato de corar as faces (blushing), a dor, a vontade de desaparecer, de se
tornar imperceptível. A psicologia não deu muita importância à investigação de Darwin.
Entende-se que os movimentos teóricos vinculados à psicanálise e à psicologia cognitiva, pela
força que exerceram neste século na área da psicologia, têm sua parcela de responsabilidade
pela pouca importância dada à investigação psicológica da vergonha: a psicanálise, devido a
seu criador, Freud,que relegou a vergonha a um segundo plano, ou melhor dizendo, ao
abordar a ocorrência deste sentimento era para imputar a questões de sexualidade e/ou
exposição corporal pública, não considerando-a um sentimento fundante para as ações
morais; tratando-se da psicologia cognitiva, que vem dominando as atenções das ciências
psicológicas na últimas décadas, observa-se a priorização dos aspectos racionais da razão
humana e acaba por subordinar à razão o papel dos sentimentos e das emoções, que,
geralmente, são observados como componentes meramente biológicos da ação.
Na psicologia, quando não considerada, a vergonha é, geralmente, tratada com um
sentimento que se relaciona à culpa, contudo, inúmeros trabalhos vigentes demonstram que,
ainda que por muita das vezes esses dois sentimentos possam se manifestar em conjunto, são
distintos e não podem ser confundidos.
Michael Lewis em um de seus trabalhos mais recentes e mais significativos
acerca da temática, “Shame: the exposed self”, identifica a vergonha como uma emoção
secundária, junto da inveja, ciúme, empatia, embaraço, orgulho e culpa, tendo em vista que
estes sentimentos envolvem uma consciência de si. Contrariamente, sentimentos como raiva,
tristeza, alegria, surpresa, desgosto e medo são identificados como emoções primárias, pois
não solicitam introspecção ou auto-referência. Para Lewis, a vergonha é um sentimento
básico para a constituição do self, envolvendo uma auto-reflexão que se baseia em valores
pessoais e nos valores de terceiros. O fracasso na tentativa de atingi-los condicionará o sujeito
a um estado que poderá fazê-lo experienciar ou não o sentimento, consoante da objetivação
de sua reflexão. Lewis ainda classifica a vergonha dentro de uma categoria denominada
“self-conscious emotions”, pois seu aparecimento está envolvido na elaboração de processos
cognitivos complexos, assim como a noção do self e a avaliação global do que o sujeito faz de
si. Para sentir vergonha é necessário que o indivíduo compare sua ação a fim de descobrir se
esta contraria ou não algum referencial próprio ou de terceiros que lhes sejam significativos.
Este fato requer uma tomada de consciência objetiva, assim como uma complexa avaliação
sobre sua ação.
Esse caráter cognitivo da vergonha vinculada ao self faz com que ela possa surgir
seja da interpretação pessoal negativo realizada pelo indivíduo para si mesmo em uma
situação em que está envolvido, seja de situações positivas em que seu Eu é exposto
publicamente, como por exemplo, no caso de receber aplausos de uma plateia. Segundo
Elizabeth Harkot-de-La-Taille, a vergonha é resultante de um fazer do sujeito envergonhado
concernente à projeção de uma imagem de si. Em sua tese, “Ensaio semiótico sobre a
vergonha”, ela afirma que as bases da vergonha são:
“Um sujeito tem um simulacro existencial, isto é, faz projeções de si num
imaginário de confiança e relaxamento; dentro de seu simulacro existencial, ele
constrói para si uma imagem que considera representá-lo, uma imagem com a qual
se identifica e se confunde. Desliza, portanto, do parecer para o ser, imagem e
sujeito constituindo um mesmo e único valor. Ter uma imagem de si não significa ter
um modelo fixo a imitar, como o “bom aluno”, ou o “bom escoteiro” -
excepcionalmente, pode assim acontecer -, mas um conjunto de projeções do sujeito
negociadas em função de sua interação com seu microuniverso socioletal, num
constante reformular de seu simulacro existencial. De posse de uma imagem de si,
uma circunstância inesperada, caracterizada como um evento disfórico, vem
arrancar o sujeito de seu estado de confiança relaxada: percebe que o modo como
se vê mostra-se em desajuste com o modo como se vê visto. Como imagem e sujeito
se confundem, o sujeito reconhece não ser o que pensava ser e teme o juízo dos
outros, uma vez que sua nova e indesejada representação é a imagem que os outros
têm ou podem vir a ter de si. Está formada a base para a vergonha” (p. 20).
A definição empregada acima por Harkot-de-La-Taille orienta a autora a
apreender que a vergonha se configura no encontro de dois sentimentos: exposição e
inferioridade. A inferioridade, traduzindo a relação do sujeito para com a imagem que se
acreditava capacitado de projetar, manifesta-se de diversas maneiras: pelo rebaixamento de si,
pela humilhação e pela desonra, causadas por opiniões negativos de terceiros para com a sua
imagem projetada; e por meio da indignidade, experienciada a partir de uma auto-sanção
negativa imposta pelo sujeito a si mesmo. A exposição é sentida quando o sujeito é visto por
alguém que ele legitima, e possui dois paralelos: a consciência da visibilidade do indivíduo
legitimado e a vulnerabilidade, resultante da ação de submissão a imagem projetada ao juízo
de outrem.
Desta forma, para Harkot-de-La-Taille, a vergonha se instaura no encontro da
inferioridade experienciada quando a imagem projetada pelo sujeito depara-se aquém da “boa
imagem” que o sujeito tem para si, com a visibilidade da exposição desta imagem para o
indivíduo legitimado.
Estas reflexões demonstram que a vergonha pode ser compreendida como um
sentimento interpessoal e intrapessoal, orientada em função da consciência do olhar do outro
sobre nós. O sentimento de vergonha advém do fato de nos fazermos objeto do olhar, da
escuta e do pensamento dos outros. Contudo, isso não exclui a característica interna deste
sentimento, representado, a título de exemplo, pelo fato do sujeito ser capaz de se
envergonhar mesmo estando sozinho, resultando de reflexões sobre suas ações pessoais que
contrariam seus princípios e a imagem que se tem de si.
O olhar do outro pode ser real ou imaginário, de um único indivíduo ou coletivo,
guiando muitas das ações cotidianas, relativo a valorização que é atribuída a este outro. Essa
valoração é referente ao sentimento de identificação que foi constituído com as outras pessoas
e/ou com o grupo social ao qual se pertence, e aos seus ideais de conduta. Para esse
sentimento emergir desta maneira, é necessário uma relação interpessoal considerável, ainda
que seja imaginária, quando a pessoa poderá sentir-lá mesmo na ausência do público, pelo
fato de se encontrar internalizada. A vergonha estaria afeiçoada a controles externos do
próprio sujeito.
Fica claro a natureza reguladora da vergonha, não somente nas relações
interpessoais, mas também nas relações intrapessoais, do sujeito para consigo mesmo, de ser
objeto para si e para outros.
Os humanos experimentam emoções morais desde os dois anos de idade. O início
desta habilidade coincide com o desenvolvimento de processamentos de autoavaliação,
incluindo a capacidade de distinguir-se dos outros. Eles podem ser positivos ou negativos,
como a vergonha, e a maioria destas emoções podem ser consideradas “pró-sociais”, pois
tendem a promover comportamentos sociais adaptativos. Emoções negativas de autocensura
com valências negativas, tal como foi evidenciado com a vergonha, são particularmente
importantes para o funcionamento social, sendo cruciais para o desenvolvimento e
manutenção das relações interpessoais porque atuam como reguladores sociais importantes,
incentivando um equilíbrio entre os anseios do indivíduo e os direitos e necessidade dos
outros. A desregulação na experiência dessas emoções pode acarretar em problemas de saúde
mental. A título de exemplo, foi sugerido que a experiência excessiva de emoções de
autocensura (vergonha e culpa) pode ter consequências particularmente adversas no domínio
dos transtornos de humor e ansiedade, tal como a depressão.
Embora muitas pesquisas tenham sido realizadas investigando os correlatos
neurais das emoções básicas (como por exemplo, raiva, medo, tristeza e felicidade), poucas
pesquisas foram empregadas para investigar a base neural da experiência das emoções morais
negativas, como a vergonha.
Quatro estudos funcionais relataram especificamente a ativação cerebral
relacionada à vergonha: três utilizando imagens por ressonância magnética funcional (fMRI)
em população saudáveis (Michl et al.,2014; Roth et al., 2014; Wagner et al., 2011) e um
observando pacientes que sofriam de Transtorno Depressivo Maior em remissão (Pulcu et al.,
2014). Michl et al. utilizou um paradigma envolvendo a apresentação de frases sucintas
destinadas a evocar a vergonha e outras emoções. Roth et al. e Wagner et al. usaram uma
tarefa de evocação auto bibliográfica na qual os participantes foram instruídos a lembrar de
eventos pessoais que provocassem a vergonha, assim como outras emoções. O resultado
destes estudos serão abordados no próximo tópico.
III. A neurobiologia da vergonha
Nos estudos mencionados, a vergonha em comparação com uma condição neutra
foi associada ao aumento da ativação em áreas pré-frontais, incluindo o córtex pré-frontal
dorsolateral (Michl et al., 2014; Roth et al., 2014), o córtex pré-frontal ventrolateral (Roth et
al., 2014) e o córtex pré-frontal dorsomedial (Michl et al., 2014; Wagner et al., 2011). Foram
registrados aumentos na ativação do córtex temporal inferior anterior, córtex temporal médio
anterior (Wagner et al., 2011), córtex temporal superior anterior (Michl et al., 2014 e córtex
insular anterior (Michl et al., 2014; Roth et al., 2014; Wagner et al., 2011). Além disso,
Wagner et al. descobriram que a vergonha estava associada ao aumento da ativação em
regiões parietais, incluindo o giro angular e pré-cuneiforme, enquanto Michl et al. e Roth et
al. relataram a ativação no córtex cingulado posterior e envolvimentos subcorticais, incluindo
o giro parahipocampal e os gânglios da base. Aumentos na atividade cerebral também foram
relatados em áreas sensório-motoras (Michl et al., 2014; Roth et al., 2014), no córtex visual
(Michl et al., 2014; Wagner et al., 2011) e no cerebelo (Michl et al., 2014; Roth et al., 2014;
Wagner et al.; 2011). Roth et al. relataram que a vergonha está associada com a diminuição da
atividade do córtex parietal superior e do giro supramarginal.
Três estudos compararam a vergonha a outra emoção negativa (básica ou moral),
em populações saudáveis (Michl et al., 2014; Pulcu et al., 2014; Wagner et. al., 2011), po´rem
apenas dois destes estudos relataram alguma ativação significativa associada a vergonha
(Michl et al., 2014; Wagner et. al.,2011). Wagner et. al. relataram um aumento da ativação do
córtex motor primário ao comparar a vergonha com a tristeza, contudo, nenhum efeito
significativo foi relatado ao se comparar a vergonha com a culpa. Michl et al., por outro lado,
encontraram um aumento da ativação, para a vergonha em comparação com a culpa, do
córtex pré-frontal dorsolateral, do córtex insular anterior, do córtex cingulado anterior dorsal,
do córtex cingulado posterior e de áreas subcorticais, incluindo o córtex parahipocampal e o
mesencéfalo anterior dorsal.
Não obstante a neuroimagem atual sobre a vergonha em indivíduos saudáveis
ainda seja profundamente limitada, é perceptível que, dentre os quatro estudos apresentados,
um investigou os correlatos neurais de diferenças individuais na vergonha e reportou uma
correlação positiva de classificação de desagrado para testes de vergonha com o córtex da
ínsula posterior, sinal de vergonha versus culpa em indivíduos saudáveis (Pulcu et al., 2014).
No que concerne aos resultados de estudos de populações psiquiátricas, Pulcu et
al. examinaram a vergonha em participantes remitidos de TDM (Transtorno Depressivo
Maior), utilizando um paradigma baseado em um roteiro que consiste em afirmações que
descrevem ações contrárias aos padrões sociais/morais, exigindo que os participantes
qualifiquem seu nível de desagrado com a experiência. Ao olhar para os efeitos da vergonha
(vergonha > testes de culpa com base na classificação pós-varredura individual), apenas o
grupo com TDM remetido, a vergonha apresentava-se associada a ativação da amígdala
direita e do córtex da ínsula posterior direita, enquanto no grupo de controle não foram
relatados efeitos significativos (Pulcu et al., 2014).
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