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Pesquisa & Prática Pedagógica III Currículo Mozart Pereira da Silva Neto Mozart Pereira da Silva Neto Pesquisa & Prática Pedagógica III Currículo Sumário 1 Currículo; Página 06 2 A historiado curriculo Página 11 3 O currículo e seussentidos teóricos Página 18 4 A críticada crítica Página 26 5 A noção de competência e a organização curricular Página 40 6 Cenárioplural Página 49 EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 4 Ementa Como se dão as práticas curriculares nas escolas? Qual a preparação dos Professores para o atendimento às diretrizes para a educa- ção básica? O objetivo do presente trabalho é apresentar reflexões acerca da ação pedagógica no que concerne ao currículo escolar. Buscar-se-á dar destaque ao debate sobre as tendências, as características e os desa- fios que marcam a oferta de serviços educacionais, assim como a ação dos educadores especializados. Objetivo Geral Promover reflexões acerca das perspectivas curriculares embasando-se em teóri- cos da educação crítica e pós-crítica. Refletir como se pautam as relações de poder e identidade e como essas relações validam e caracterizam os conhecimentos ensinados nos espaços escolares. Objetivos Específicos Analisar as teorias educacionais da organização curricular, no que se refere aos aspectos históricos, políticos e pedagógicos. Examinar o currículo como política cul- tural: prática de exclusão, processo de dominação, narrativa racial e étnica, política de gênero e de sexualidade. Discutir as formas de organização curricular como mecanismos que articulam for- ças de poder a formas de saber, ao constituir modalidades de subjetividades e instau- rar políticas da diferença. Propor situações de pesquisa, estudo, análise e problematização do currículo a partir dos contextos escolares locais. Contribuir para formas de planejamento que incluam a problemática da diferença no currículo escolar. Construir um projeto de pesquisa EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 5 Introdução As políticas e práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e interferência, bem como a necessidade de um argumento competente sobre as ações que acontecem no campo curricular, não legitimam mais reduções, pulverizações e concepções acríticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história das perspec- tivas e ações curriculares, que os educadores entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas, que hoje definem de forma potente a qualidade e a natureza das opções formativas e educa- cionais. Não temos dúvida, que hoje, pelas vias da sua capacidade de organização da educação, os atos de currículo (MACEDO, 2007) podem contribuir, em muito, para definir destinos individuais e horizontes socioeducacionais. Enquanto construção social, o currículo se configura na educação contemporânea, como um dos mais poderosos dispositivos educacionais. Nestes termos, o estudo do currículo passa a ser uma parte da teoria formativa que ultrapassa o mero domínio de um tema/instrumento educacional. É, em realidade, uma maneira de, pela forma- ção sociopedagógica, compreendermos como a educação do presente e suas políticas concebem, organizam, implementam, institucionalizam e avaliam os conhecimentos, configurados por conteúdos técnicos, éticos, políticos, étnico-culturais e estéticos elei- tos como formativos. Assim, as questões curriculares devem ser debatidas pela sociedade civil organiza- da, na medida em que um “currículo educativo”, ideia defendida neste texto, deve es- tar direcionado para o bem comum social, pleiteando e aprendendo criticamente com a diferença, envolvendo comunidades interessadas. Antes mesmos de pensarmos em aplicar modelos curriculares como remédios universais para as diversas formações, ou verdades excessivas, pensemos nas pessoas e nas necessidades educativas dos seus grupos de fato, nos contextos culturais, nas demandas e problemáticas do mun- do do trabalho e da produção, possibilitando que as práticas curriculares sejam, em realidade, construídas por processos intercríticos, e os atos de currículo transforma- dos, em atos de justiça curricular. As verdades excessivas, os silenciamentos, as exclusões, as irresponsabilidades com os conhecimentos e aprendizados socialmente relevantes, tão presentes na his- tória moderna e contemporânea do currículo, precisam dar lugar a uma concepção e ação curriculares socialmente implicadas na construção de uma cidadania construída na participação autêntica de toda a sociedade. Foi neste sentido que os curriculogistas críticos, sensíveis diante da forte função so- cioeducacional do currículo, perguntaram: o que faz o currículo com as pessoas? Ao fazerem essa pergunta, começaram uma revolução que, esperamos hoje, ultrapasse os muros dos interesses meramente burocráticos e acadêmicos e se transforme num ato político e de trabalho árduo em favor da radical democratização da educação de qualidade entre nós. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 6 1 Curriculo CONCEITO O CURRICULO vem da raiz latina CURRERE, que significa CAMINHO, TRAJETÓRIA, PERCURSO, onde o mesmo finaliza por si duas ideias principais: Uma de sequência ordenada, outra de noção de totalidade de estudos. AINDA SE DESTACA: Os substantivos CURSUS (carreira, corrida) e CURRICULUM que, por ser neutro, tem o plural CURRICULA. Significa “carreira”, em forma figurada. Daí derivam ex- pressões como cursus forenses, carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades funcionais públicas, sucessiva e progressivamente ocupadas. O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e outras, como linguagem universi- tária. A palavra curriculum é de uso mais tardio, nessas línguas. Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta mesma língua, se utiliza, a partir de 1824, o termo curriculum com o sentido de um curso de aperfeiçoa- mento ou estudos universitários, traduzido também pela palavra course. Somente no século XX, a palavra curriculum migra da Europa para os Estados Unidos. Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir de 1920, já se tenha orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da Segunda Guerra Mundial que vão aparecer às primeiras formulações. Cremos ocorrer isto pelas razões arroladas que dizem respeito ao desenvolvimento da tecnologia, umas das características marcantes da modernidade inaugurada por Galileu, a qual passa por Descartes, madurece com Newton e se expande definitivamente com a era in- dustrial. A partir da era industrial se faz a produção de sentido atual do currículo, fenômeno que se estabelece definitivamente no pós-Se- gunda Guerra Mundial (BERTICELLI, 1999, p. 163). EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 7 Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo tardou a se configu- rar. Segundo considerações de Jean-Claude Forquin (1966), os teóricos da reprodu- ção, na elaboração da crítica da cultura escolar, tratam das questões curriculares de forma apenas indireta. Silva (1999, p. 21), a propósito, nos diz que a emergência do currículo como campo de estudo está estreitamente ligada a processos tais como a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a formação de disciplinas e departamentos univer- sitários, a institucionalização de setores especializados sobre currículo na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas especializadas. Este autor aponta que a própria emergência da palavra curriculum, como modernamente conhecemos, está ligada à organização das experiências educativas. Faz-se necessário ressaltar que é na literatura estadunidense que o termo surge para designar um campo especiali- zado de estudos. Foram talvez as condições associadas com a institucionalização da educação de massas que permitiram que o campo de estudosdo currículo surgisse nos Estados Unidos, como um campo profissional especializado. Estão entre essas condições: a formação de uma buro- cracia estatal encarregada dos negócios ligados à educação; o estabe- lecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; a extensão da educação escolarizada em níveis cada vez mais altos de segmentos cada vez maiores da população; as preocupações com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das suces- sivas ondas de imigração; o processo de crescente industrialização e urbanização (SILVA, 1999, p. 22). Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um terreno prático, socialmen- te construído, historicamente formado, que não se reduz a problemas de aplicação de saberes especializado desenvolvido por outras disciplinas, mas que possui um corpo disciplinar próprio”, no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que o co- nhecimento curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio – aqui designado por ‘Teoria e Desenvolvimento Curricular’ - que se situa nos âmbitos teórico e prático do conhecimento educativo.” Inspirado nesse trabalho de compreensão é que nos sentimos instados a elaborar uma certa noção de currículo via um esforço de distin- ção relacional, implicado às nossas opções político-educacionais. Assim, compreende-se o currículo como uma “tradição inventada” (GOODSON, 1998), como um artefato socioeducacional que se configura nas ações de conceber, selecionar, produzir, organizar, institucionalizar, implementar, dinamizar saberes, conhecimentos, atividades, competências e valores, visando uma formação, configu- rada por processos e construções constituídos na relação com conhecimento eleito como educativo. Enquanto uma construção social, e articulado de perto com outros processos e procedimentos pedagógico-educacionais, o currículo, como qualquer artefato educa- cional, atualiza-se – os atos de currículo - de forma ideológica e, neste sentido, veicula “uma” formação ética, política, estética e cultural, nem sempre explícita (âmbito do currículo oculto), nem sempre coerente (âmbito dos dilemas, das contradições, das ambivalências, dos paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito das derivas, das trans- gressões), nem sempre sólida (âmbito dos vazamentos, das brechas) . É, nestes ter- EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 8 mos, que vive cotidianamente enquanto concepção e prática, a reprodução das ideo- logias, bem como permite, de alguma forma, a construção de resistências, bifurcações e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como um produto das relações e das dinâmicas interativas, vivendo e instituindo poderes. Neste movimento, cultiva “uma” ética e “uma” política, ao fazer e realizar opções epistemológicas, pedagógicas, ao orientar-se por determinados valores. Essas reali- dades estarão sempre presentes nas políticas de sentido dos curricula, emanam das práticas que os constituem e das práticas constituídas por eles; afinal, o currículo é, para nós, o principal artefato de concepção e atualização das formações e seus inte- resses socioeducacionais. Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como um documento (a matriz) onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo, o desenho orga- nizativo dos conhecimentos, métodos e atividade em disciplinas, matérias ou áreas, competências etc.; como um artefato burocrático pré-escrito. Não perspectivam o fato de que o currículo se dinamiza na prática educativa como um todo e nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do documento por si só não permitem elucidar. O fato é que professores e educadores em geral, nos seus cenários formati- vos, atualizam, constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, relacionalmente, tendo como seu principal objetivo a formação e seus processos de interpretação e veiculação, daí sua inerente complexidade. Há uma costura, uma forma de tecer a formação, cuja compreensão não é possibilitada por um documento apenas; por mais que a matriz e a proposta curricular, digam muito sobre o currículo, sua concepção e prática. É nestes termos que o currículo se atualiza como um fenômeno complexo se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios, nos estudos dos alunos e dos profes- sores, sua vida não se encerra nas mãos e na cabeça daqueles que concebem a matriz curricular, que também é um ato de currículo, mas não-absoluto. Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear que a perspectiva “dura” de currículo cultiva, que argumentamos o quanto este artefato concebido como trajetória e itinerá- rio, se transforma numa forma de poda das possibilidades criativas, das experiências aprendentes que emergem dos “sítios de pertencimento simbólico” (ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação. Neste argumento, a ideia de currículo se mostra vivenciar também nas experiên- cias formativas as interações bifurcantes, os devaneios e as errâncias criativas (MA- CEDO, 2002). É assim que pode ser entendido o currículo, como um complexo cultural tecido por relações ideologicamente organizadas e orientadas. Como prática potente de signifi- cação, o currículo é, sobretudo, uma prática que bifurca. Neste sentido, não se pode conceber o currículo como prática de significação sem realçar seu caráter generativo, inventivo. Como tal, no seio do currículo, constituindo-o, os significados, os sentidos trabalhados, a matéria significante, o subsídio cultural, são sempre e continuamente retrabalhados. “São traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados, redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo de transforma- ção” (SILVA, 1999, p. 13). Em termos políticos, faz-se necessário ressaltar, como nos alerta Silva (1999), que há uma tensão constante entre a necessidade de delimitar o significado e a rebeldia, EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 9também permanente, do processo de significação. É aqui que o conservadorismo está sempre presente com o enfrentamento da tendência do significado ao deslizamento, à disseminação, ao vazamento, à transgressão e à traição. É fato que a prática introduz elementos e problemas significativos sobre e a partir dos quais se faz necessário refletir em termos coletivos. Faz-se necessário perceber que o currículo indica caminhos, travessias e chegadas, que são constantemente re- alimentados e reorientados pela ação dos atores/autores da cena curricular. Neste mesmo veio, é necessário dizer que tal atitude vai de encontro a qualquer processo de homogeneização curricular, que tende a criar certa névoa de generalização, sacri- ficando a visão das situações curriculares específicas e suas singularidades. As polí- ticas e ações curriculares precisam nutrir-se de uma mirada clínica, ou seja, um olhar focado nos movimentos singulares dos cenários socioeducacionais. Neste aspecto, necessário se faz tomar a cultura e o currículo como relações de poder. Mais precisamente: é necessário entender que as relações de poder configu- ram os processos de significação, e é aqui que o currículo tem um papel político de extremo compromisso com uma outra ética, com uma outra política que não seja a do alijamento, tampouco do corporativismo disciplinar. É assim que as lutas por significado não se resolvem no terreno epistemológico- -formativo apenas, mas em muito no terreno político, ou seja, no terreno das relações de poder. Luta por significado é luta por recursos de poder. Um poder que, da nossa perspectiva, levando em conta a compreensão do que seja o campo do currículo, re- quer do educador a capacidade de nocionar bem, de explicitar bem, para saber lidar. Um compromisso sociopedagógico ineliminável da formação e dos formadores de educadores. Neste âmbito, Goodson traz uma discussão significativa, inspirado nas discussões de Michael Young sobre o currículo como fato e o currículo como prática. [...] ao focalizar a definição pré-ativa de currículo escrito como algo constitutivona criação de um currículo, não estou querendo especificamente promover um con- ceito exclusivo de ‘currículo como fato’. Todo conceito progressivo de currículo (e de criação de currículo) teria de trabalhar com o currículo realizado na prática como um componente central. Todavia, a crença absoluta nas propriedades de transformação do mundo que o currículo como prática possa ter, é, penso eu, insustentável [...] uma visão assim é estimulada pelo atual estágio de subdesenvolvimento do nosso modo de entender o currículo pré-ativo. Entender a criação de um currículo é algo que deveria proporcionar mapas ilus- trativos das metas e estruturas prévias que situam a prática contemporânea (GOOD- SON, 1998, p. 21). Na lucidez das reflexões de Goodson, encontra-se a preocupação que fez brotar parte das formulações deste texto, ou seja, a atual e intensa confusão/dispersão que atinge a compreensão da noção de currículo e o prejuízo formativo que envolve esse fato, com uma inquietação marcante entre as pessoas que precisam atuar política e pedagogicamente com as questões curriculares de fato. São comuns, por parte de estudantes e/ou educadores em formação, colocações como: “afinal, me informem sobre a especificidade do currículo, e como deverei compreender o que seja isso! ”; “currículo é política, é cultura, é poder, é complexo, mas, até agora, não sei dizer bem o que é realmente”. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 10 COMPLEMENTO DE ENSINO 1. SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 2. Entrevista com Edgar Morin – Programa Roda Viva, “TV E”, agosto de 2005, distribuição. O autor toca em vários pontos importantes para dis- cutirmos a questão da formação e do currículo no mundo contemporâneo, a partir da teoria da complexidade que desenvolve. FILMOGRAFIA Mr. Holland: adorável professor! – com mais de duas horas de dura- ção, o filme traz a trajetória de um homem que viveu como professor uma experiência formativa (in)tensa. Com Richard Dreyfuss, que vive o perso- nagem Holland, um pai, professor, músico, maestro, compositor. ATIVIDADES 1. Caracterize, a partir da leitura do texto e das discussões públicas so- bre currículo, sua importância no contexto educacional atual. 2. Reconstrua, a partir de debates com grupos de colegas, a concepção de currículo assumida pelo texto. 3. Indique o que pode distinguir e caracterizar o currículo, em meio a outros temas educacionais. Ou seja, de que trata o currículo como tema e como prática educacional? 4. Por que, partindo da argumentação do texto, o currículo precisa ser bem-conceituado não só pelas organizações e trabalhadores educacionais, mas, também, pela sociedade civil como um todo? 5. O que você entendeu quando se sintetiza no texto a ideia de que o currículo tem a ver com o conhecimento escolhido como formativo? EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 11 2 A historia do curriculo Preocupados em discutir a perspectiva disciplinar como orientação curricular, his- toriadores do currículo argumentam que já no período clássico grego podemos per- ceber indicativos dessa perspectiva. Nesse período, havia uma preocupação evidente em construir a formação através da organização dos conteúdos por áreas distintas. Gallo argumenta, enquanto filósofo do currículo que, em A República e As Leis, Pla- tão concebia a construção do homem da Grécia Clássica nessa perspectiva. Assim procedeu Platão em A República e nas Leis, ao idealizar o extenso e demora- do plano de estudos em que deveria se basear a formação dos guardiães, fornecendo uma base comum a todos os cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos; sucedendo- -se: a educação infantil, dos três aos cinco anos, composta de jogos, cantos e fábulas; seguida, entre os sete e os dez anos, pela aprendizagem das letras – a leitura e a escrita – e pela introdução da aritmética e a geografia, cujo estudo se prolonga até os 16 anos, acrescido da poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, que, como educação do corpo, estão presentes desde o início, são complementadas por exercícios militares e pelas artes marciais. A esse ciclo – com o qual se completa a formação geral ou básica da maioria - sucede, para os se que revelaram mais aptos, uma propedêutica mate- mática centrada na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na harmonia (PINHAÇOS DE BIANCHI, 2001, p.146-147, apud GALLO, 2004, p. 39). Vê-se também, na antiguidade grega e romana, que essa inspiração vai sofrer uma dupla reorganização: com a denominação de trivium, organizam-se as áreas da gra- mática, da retórica e da filosofia; com a denominação de quadrivium, organizam-se as áreas da aritmética, da geometria, da astronomia e da música. Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média, juntamente com a imposição de um conhecimento mediado predominantemente pela fé e se prolonga no iluminismo. Convencidos de que o mundo não poderia ser abarcado na sua tota- lidade pela compreensão humana, para os educadores clássicos a saída era dividir o conhecimento em áreas. 2.1 O CURRÍCULO MODERNO O currículo como nós conhecemos e experimentamos predominantemente, na sua versão moderna, portanto, consolidou- se na virada do século XIX para o século XX, em torno de um círculo coerente de saberes, bem como de uma estrutura didá- tica para sua transmissão, desaguando no conceito de enciclopédia, como uma certa “educação geral”. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 12 Para o professor António Nóvoa, por exemplo, apesar de todas as inovações que ocorreram ao longo do século XX, esse círculo e essa estrutura mantiveram-se relati- vamente estáveis e se revelam incapazes de responder às novas necessidades educa- tivas. Goodson (1998) nos diz, ademais, que o termo currículo, como uma maneira de organizar e controlar os ideários da formação vai surgir a partir da escola calvinista entre escoceses e holandeses. É interessante este aspecto histórico do currículo, pelo fato de que, já nos seus primórdios, o currículo como conhecemos hoje, cultivava sua função de controle, dado importante para as elaborações dos teóricos críticos. No contexto educacional dos Estados Unidos do início do século passado, os es- tudiosos do currículo ligados a uma concepção tecnicista de currículo, queriam ver o currículo ser concebido e praticado tal qual se organiza a empresa e a fábrica, orienta- das pelas ideias da administração científica da época. Precisar os objetivos e obter, pe- las ações minuciosamente conhecidas e fragmentadas, a eficiência e a eficácia trans- formou-se no método eleito e no caminho aceito científica e academicamente, para se obter a formação relevante para o contexto americano emergente. O currículo passou a ser gerenciado como uma mecânica, tamanha era a força das ideias deterministas de causa e efeito que operavam a concepção da formação e do próprio currículo como seu mais importante mediador. As experiências da psicologia experimental da época, pautadas no valor da eficiên- cia das aprendizagens por procedimentos e processos condicionantes, forjam a inten- ção de um certo gerenciamento do aprendizado no seio do currículo, onde o controle dos conteúdos e objetivos pré-fixados, orientavam toda a organização pedagógica. Essa hegemonia se consolida, apesar de as ideias fincadas nos ideários democráti- cos já fazerem parte do contexto das discussões estadunidenses sobre a organização das formações. É assim que a aliança do econômico com o técnico-científico predomina sobre os ideários de uma educação pautada em princípios da democracia liberal, concebida naquela época e naquele contexto. O currículo vai refletir isso até hoje, apesar de as contradições estarem muito mais presentes no desenvolvimento do próprio campo e das práticas. Numa tentativa de dar mais visibilidade ao movimento histórico do currículo, Pa- checo (1996, p. 22) argumenta que Ralph Tyler, o mais importante dos discípulosde Bobbitt, dando continuidade a uma conferência realizada em Chicago, em 1947, com o intuito de delimitar o campo curricular e de abordar teoricamente o ensino, publica, dois anos depois, conjuntamente com Virgel Herrick, Toward Improved Curriculum Theory. Quiçá, segundo Pacheco, não retirando a importância das obras de Bobbitt e Dewey, o grande marco da especialização curricular, ao salientar a necessidade de uma teoria sobre currículo. Importante configuração elucidativa nos traz Terigi (1996, p.163). Segundo a dis- tinção ternária dessa autora, podemos nos reportar à origem do currículo a partir de três enfoques, segundo três autores diferentes: - se curriculum é a ferramenta pedagógica de massificação da sociedade industrial, achare- mos sua origem nos Estados Unidos, em meados do século, como a encontra Díaz Barriga, ou ainda um pouco antes, na década de 1920; EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 13 - se é um plano estruturado de estudos, expressamente referido como curriculum, podemos achá-lo pela primeira vez em alguma universidade europeia, como propõe Hamilton; - se é qualquer indicação do que se ensina, podemos chegar, como Narsh, a Platão e, talvez, até antes dele. 2.2 A CRÍTICA ENTRA NA HISTÓRIA DO CURRÍCULO Quanto às teorias críticas do cur- rículo, corporificadas na segunda metade do século passado, Tomaz Tadeu da Silva (1999), na sua rele- vante e formativa obra introdutó- ria sobre o movimento teórico do campo do currículo, argumenta que essas teorias efetuam uma comple- ta inversão nos “fundamentos das teorias tradicionais” desse campo de reflexão das problemáticas edu- cacionais. Para Silva, os modelos como o de Ralph Tyler – que percebe o currícu- lo como um artefato neutro, inocen- te e desinteressado - não estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimen- to ou, de modo mais geral, à forma social dominante. É neste contexto que a concepção formalista de currículo, que Tomaz Tadeu da Silva chama de Inspirados nesta perspectiva da organização da for- mação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como modernamente conhecemos hoje, dando-lhe a feição de um arte- fato comprometido com os ideários científicos e administrativos do iní- cio do século XX. “Tradicional”, vai tomar o status quo como referência; privilegiando, acima de tudo, o fa- zer técnico no âmbito das práticas e reflexões curriculares. Outrossim, o que costumasse chamar de teoria crítica em currí- culo carrega um movimento que vai desde as reflexões que vinculam as concepções e os atos de currícu- lo à dinâmica de produção da ló- gica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica capitalista como uma cultura que se reproduz na escola. Os quais o conceito de hegemonia e resistência dinamiza o entendimento de que são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta no campo con- traditório das relações de poder no currículo. Nesta perspectiva, a Teoria Crí- tica da Escola de Frankfurt, desen- volvida através de uma visão de oposição clara à cultura de massa e à tecnificação alienante da socie- dade moderna e à razão iluminista, vai desempenhar também um papel estruturante significativo na consti- tuição da atitude crítica, principal- mente através do pensamento de Adorno, Horkheimer e Benjamim. É justamente Henri Giroux, emé- rito teórico crítico do currículo, quem primeiro vai refletir essas in- fluências, de forma mais densa, nos seus trabalhos em currículo, falan- do de uma “pedagogia das possibi- lidades”. Tomando de empréstimo a noção de “esfera pública” em Ha- bermas, Giroux vai argumentar em favor de um currículo como “esfera pública democrática”. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 14 Fora do contexto marxista, que toma categorias objetivas de classe como forma de compreender a dinâmica reprodutivista da educação pelas relações de produção e culturais surgem os ditos “reconceptualistas”, nos Estados Unidos - William Pinar, principalmente, acompanhado de Joel Martins no Brasil - que, utilizando-se da feno- menologia e dos instrumentos de uma hermenêutica crítica, passam a denunciar o aspecto burocrático-administrativo do currículo como meio de controle pelas noções de eficiência e controle. Os “reconceptualistas” reivindicam, por via das influências de filósofos como Dil- they, Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty, uma visão de currículo pautada no reco- nhecimento de que somos seres de subjetividade e que construímos o conhecimento de forma intersubjetiva, trazendo para a cena da compreensão do currículo a impor- tância da linguagem e da intersubjetividade. Neste sentido, o ator/autor aprendente não deve ser olhado como um “idiota cultural” (H. Garfinkel), ou seja, um ser sem capacidade de sistematizar e compreender bem as realidades em que vive, encerrado nas burocracias que concebem e instituem o currículo. O intercâmbio entre “reconceptualistas” e neomarxistas, nos Estados Unidos, pas- sa a ser dificultado pela não possibilidade de praticarem uma certa visão epistemo- lógica multirreferencial de suas compreensões. Faz-se necessário dizer que todas as duas correntes, mesmo que nascidas de pressupostos diferentes, guardem uma in- tenção clara de desreificar a burocracia e as formas de relação estabelecidas pelos atos de currículo nas sociedades capitalistas, bem como exercem uma clara atitude de inconformismo com as consequências desse tipo de organização para os segmentos sociais não hegemônicos. É entre os denominados “Novos Sociólogos da Educação” na Inglaterra que vai se tentar uma articulação entre as teorias de base sociointeracionista e de inspiração neo- marxista. Madam Sarup, Peter Woods, Nell Keddie, Geoffrey Esland e Basil, Berstein são os principais nomes. O principal arquiteto dessa corrente, Michael Young, toma uma orientação mais estruturalista, centrando-se na preocupação em refletir as cone- xões entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder. É central para a analítica de Young a pergunta: por que a algumas disciplinas se atribui mais prestígio do que a outras? No momento, um dos projetos de Young tem sido o de construir o que ele denomina de uma “teoria crítica do aprendizado”, expresso na sua obra “O Currículo do Futuro. ‘ Da nova sociologia da educação’ a uma teoria crítica do aprendizado (YOUNG, 2000). 2.2.1 RUMO A UMA CRÍTICA AOS EXCESSOS EXPLICATIVOS DO CURRÍCULO Em parte, este é o conjunto de sentidos que antecede e afeta o forte e plural movimento crítico-multi- cultural que impacta as reflexões e ações críticas em currículo hoje. Em termos contemporâneos, também nos encontramos discutin- do as potencialidades educativas e políticas do que se está chamando abordagens pós-formais, pós-críti- cas e pós-estruturalistas em currícu- lo, as quais, articuladas a uma pers- pectiva crítica ampliada, e ligadas EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 15 às pautas teóricas e agendas propositivas multiculturais e desconstrucionistas que hoje circulam no mundo, essas visões vão possibilitar uma maior ampliação partici- pativa no que concerne à reflexão do campo curricular; desestabilizam a linearidade de análise e propostas e tentam colocar uma última pá de cal nas perspectivas hierar- quizantes e prometeicas que configuram historicamente as compreensões e práticas do currículo. Polêmicas, algumas dessas abordagens são muitas vezes acusadas de serem por demais textualistas, localistas e apolíticas, porquanto, em geral, desprezam as aná- lises que valorizam os processos sociais de totalização que estruturam a sociedade e configuram o currículo e sua dinâmica. Entretanto há de se afirmar a pluralidade dessas posições, onde habitam também, por exemplo, 2.3. O CURRÍCULO NO BRASIL No caso da história do pensamento curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002, p. 13) explicitam que as primeiras preocupaçõescom o currículo no Brasil datam dos anos 20. Apenas na década de 80, com o início da democratização do Brasil e o enfraque- cimento da Guerra fria, a hegemonia do referencial funcionalista norte-americano foi abalada. Nesse momento ganharam força no pensamento curricular brasileiro as ver- tentes marxistas. Enquanto dois grupos nacionais – pedagogia histórico-crítica e pedagogia do oprimido – Disputavam hegemonia nos discursos educacionais e na capa- cidade de intervenção política, a influência da produção da língua inglesa se diversificava, incluindo autores ligados à Nova Sociologia da Educação inglesa e à tradução de textos de Michael Apple e Henri Giroux. Essa influência não mais se fazia por processos oficiais de transferência, mas sim subsidiados pelos trabalhos de pesquisadores brasileiros que passavam a buscar referências no pensamento crítico. Esse processo menos direcionado de integração entre o pensamento curricular brasileiro e a produção internacional permitia o apareci- mento de outras influências, tanto da literatura de língua francesa quanto de teóricos do marxismo europeu (LOPES; MACEDO, 2002, p. 13-14). Conforme Lopes e Macedo (2002, p. 16): No fim da primeira metade da década de 1980, a tentativa de compreensão da sociedade pós-industrial como produtora de bens simbólicos, mais do que bens ma- teriais, começa a alterar as ênfases até então existentes. O pensamento curricular co- meça a incorporar enfoques pós-modernos e pós-estruturais, que convivem com as discussões modernas. A teorização curricular passa a incorporar o pensamento de Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Esses enfoques constituem uma forte influência na década de 1990, no entanto, não podem ser entendidas como um dire- EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 16 cionamento único do campo. As teorizações de cunho globalizante, seja das vertentes funcionalistas, seja da teorização crítica marxista, vêm se contrapondo a multiplicida- de característica da contemporaneidade. Tal multiplicidade não vem se configurando apenas como diferentes tendências e orientações que se inter-relacionam produzindo híbridos culturais. Dessa forma, o hibridismo do campo parece ser a grande marca do campo no Brasil na segunda metade da década de 1990. Dentro do esforço de marcar historicamente o campo curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002) vão destacar os estudos do grupo liderado por Antônio Flávio Morei- ra, na medida em que esse pesquisador buscou repensar o conceito de transferência, estudando o desenvolvimento do campo na década de 1990, tanto no que concerne ao pensamento curricular quanto focalizando o ensino de currículo em universidades do Rio de Janeiro. Segundo as autoras, recentemente, o grupo liderado por Moreira tem buscado analisar como a temática do multiculturalismo tem penetrado na produção brasileira de currículo, trabalhando fundamentalmente com o conceito de hibridismo e introduzindo preocupações com a discussão sobre identidade. Mesmo reconhecendo que o hibridismo de diferentes tendências vem garantindo um maior vigor ao campo, Lopes e Macedo observam uma certa dificuldade na de- finição do que vem a ser currículo. Para além da preocupação epistemológica, para nós, essa questão se transforma numa séria preocupação político-pedagógica, como argumentamos anteriormente, até porque a dificuldade da definição vem amplamen- te por um descompromisso em distinguir bem, como consequência da aprendizagem aprofundada e relacional. Compreendemos, a partir dessa perspectiva, que é a crítica multirreferencializada enquanto intercrítica, e sua pertinência compreensiva, heurística e política, desvincu- lada do excesso iluminista, enquanto exercício dialógico e descentrado de re-existên- cia, quem potencializa a elucidação solidária e a edificação de realidades curriculares, onde a mutualidade eticamente orientada deve aparecer como um valor formativo principal na relação com o conhecimento e as formações a serem desenvolvidas (MA- CEDO, 2005). ATIVIDADES 1. Por que o currículo não é um tema educacional novo? 2. Quais as características trabalhadas pelo texto do currículo moderno? 3. Discuta com seus colegas as características da disciplina como princi- pal organizadora do currículo moderno. 4. Elenque e discuta com seus colegas as necessidades de superação da disciplina como única possibilidade de constituição dos currículos con- temporâneos. 5. Caracterize o movimento crítico do currículo e suas principais carac- terísticas. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 17 LEITURA COMPLEMENTAR 1. GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio Brunetta. Petró- polis: Vozes, 1998. 2. LOPES, A. MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In: Lopes, A; Macedo; E. (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002, p. 13-54. 3. http://www.mundoeducacao.com.br/educacao/o-curriculo-na-educacao-in- fantil.htm 4. http://www.espacoacademico.com.br/096/96nery.htm Filmografia Sociedade dos Poetas Mortos – Direção de Peter Weir, o filme mostra-nos como se realiza uma formação simbolicamente violenta numa escola americana da metade do século XX. Neste contexto desenvolve-se no filme a história do professor John Keaten, que tem como princípio uma educação radicalmente dialógica e a constituição de atos de currículo para a autonomia. São profundas e comoventes as contradições e con- sequências existenciais que o enredo do filme nos oferece, enquanto possibilidades reflexivas para um currículo por possibilidades autorizantes. As cenas nos permitem ainda, analisar as formas de avaliação que emerge das práticas curriculares mostra- das. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 18 3 O currículo e seus sentidos teóricos A própria configuração do mundo contemporâneo, junto a uma nova ética da re- lação com os saberes, o conhecimento científico e a formação, que vêm fazendo com que o estudo e as práticas curriculares se transformem num tenso e sedutor campo de inovações e debates. Se nesse movimento temos a oportunidade ímpar de mudar a história extrema- mente hierarquizante, excludente, rígida e fragmentária que marcou a ação pedagó- gico-curricular, temos, na mesma proporção, um hercúleo compromisso político, éti- co e pedagógico de instituirmos percepções, políticas e práticas capazes de assegurar a responsabilidade com uma aprendizagem consistente e qualificada, que garanta competência e formação cidadã conectada aos grandes desafios que a contempora- neidade se nos apresentam. 3.1 A DISCIPLINA: FOCO E PROBLEMÁTICA É visto um verdadeiro ataque às lógicas disciplinares que secular- mente organizam os CURRICULA. Já está claro o quanto a perspectiva disciplinar fragmentou o currículo, bem como organizou nossa maneira de perspectivar o mundo, de forma predominantemente antinômica, bipolar, portanto. Aprendemos a olhar a realidade em muito por essa lógica, separamos muitas vezes o inseparável, porque a disciplina nos ensinou assim. Desta forma, num mundo que experimenta tamanho processo de escolarização, nunca tivemos tão expostos às lógicas curriculares, predominantemente fragmentárias. Essa realidade nos diz da responsa- bilidade do currículo por aquilo que pensamos e fazemos nesta conjun- tura histórica. Por mais relacional que sejam as emergências da disciplina científi- ca e da disciplina curricular, é bom distinguir as dinâmicas das suas construções. Essas dinâmicas nos pedem compreensões mais aprofundadas, tanto histórica quanto epistemolo- gicamente. Entre os estudiosos do currículo já existe uma compreen- são de que a disciplina escolar não é uma tradição monolítica, portanto não é única, tendo como espelho a disciplina acadêmica ou científica. Segundo Lopes e Macedo (2002, p. 80) “não se trata de uma ‘tradução’ de um corpo de conhecimentos para o nível escolar. Ao contrário, a disciplina escolar é construída social e politicamente, de forma contestada, fragmentada e EAD / FACULDADEDO MACIÇO DE BATURITÉ 19 em constante mutação. ” Esse argumento nos diz de uma inteligibilidade da lógica disciplinar que tem muito a ver com o institucional escolar e acadêmico, suas caracte- rísticas materiais e ideológicas. Por outro lado, não se pode negar uma identificação socialmente construída entre a disciplina escolar e a disciplina científica, mesmo que aquela seja ainda hoje identi- ficada, predominantemente, como uma tecnologia de organização curricular. É bom pontuar, que essa realidade não pode retirar a análise da lógica e ação disciplinares de uma vinculação com um contexto mais amplo, onde a distribuição dos saberes está imbricada à reprodução social e seus interesses tácitos ou explícitos. Para Macedo e Lopes (2002, p. 83) “A organização disciplinar do currículo funciona, assim, como um arquétipo (grifo nosso) da compartimentação do conhecimento na sociedade moder- na”. Para Veiga-Neto: As disciplinas modernas ‘ funcionam como códigos de permissão e interdição’ (Elias, 1989, p. 529) e, nesse sentido, funcionam quais uma matriz de fundo. É justamente aí que se articulam a discipli- naridade moderna dos saberes com a disciplinaridade moderna dos corpos... (1999, p. 14). Com esse pensamento é visto que a prática disciplinar e sua força simbólica cons- tituem-se numa estrutura significativa para dificultar as iniciativas não-disciplinares. Nesses termos, a nossa hipótese é que as práticas disciplinares por muito tempo ain- da guiarão as concepções e implementações curriculares. Ou seja, o currículo oculto disciplinar dirá, durante um tempo significativo, como devemos organizar as nossas formações, por mais que reconheçamos o importante e construtivo movimento relacional não-disciplinar que habita hoje o argumento epis- temológico e formativo e, por consequência, as práticas curriculares. O que nos parece ainda importante enfrentar, no que concerne à lógica disciplinar, é a ideia positivista de que a disciplina representa a própria realidade a ser conhecida por um processo de transmissão de verdades perenes, ou que a disciplina é a última fronteira do conhecimento a ser veiculado sobre essa mesma realidade. É preciso des- tituir esse poder veiculador da disciplina, para que possamos multirreferencializar o currículo e torná-lo lugar da solidariedade epistêmica, face à heterogeneidade irre- dutível das experiências curriculares e formativas e a necessidade histórica de consti- tuirmos múltiplas justiças curriculares. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 20 3.2 A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR Fazendo uma leitura crítica de como a disciplina fragmentou para “conhecer de forma clara e distin- ta”, essa perspectiva vem propor a superação dessa fragmentação, ar- gumentando e criando dispositivos, onde as disciplinas são chamadas a dialogar, a se interfecundar no in- tuito de melhor compreender mui- tas das realidades, que hoje, pelas suas complexidades, revelam-se impossíveis de serem explicitadas e resolvidas por visões pautadas na perspectiva monodisciplinar. Neste caso, cada disciplina, a par- tir da sua concepção epistemológica e pedagógica, oferece a sua contri- buição e se abre à contribuição de outras disciplinas. Para se chegar a este ideal, vários são os dispositivos didático-peda- gógicos que possibilitam a interação e a elaboração desejada, enquanto processo de interconhecimento: o trabalho pedagógico com projetos, o ensino por problemas e por pro- blematização; por temas geradores etc. São dinâmicas pedagógicas que fazem as disciplinas confluírem in- terativamente. Para alguns curricologistas mais voltados para uma perspectiva onde a diferença e não a identidade aparece como parte priori na cons- tituição curricular, a interdisciplina- ridade é um ideário pedagógico que cultiva a utopia de alcançar uma certa unidade perdida, constituída na esperança de que, na reunião dialógica de várias disciplinas, se consiga um objetivo formativo uni- ficado. Há que se pontuar, entretanto, que a polissemia nesta discussão é considerável. Existem perspectivas interdisciplinares que não vão nes- ta direção, visam atingir compre- ensões mais relacionais, sem, entre- tanto, vislumbrarem a constituição de unidades fixas e fundadas numa pretensa totalização ou unificação dos conhecimentos. Temos que destacar, que a perspectiva inter- disciplinar é uma releitura crítica da lógica disciplinar que organiza a educação. Com algumas superações, a in- terdisplinaridade traz consigo, dia- leticamente, a necessidade de se levar em consideração, ainda, a dis- ciplina. 3.3 A PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR Essa elaboração tem, na realidade, a intenção de colocar a perspectiva da transdis- ciplinaridade em um outro lugar, diferente da necessidade de se alcançar, por coerên- cia uma compreensão unificante, como algumas análises pretendem colocar. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 21 Vejamos por exemplo, o segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”, redi- gida por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu (1994, p. 2). Ademais, o que se percebe de forma enfática é que a origem desse pensamento não emerge de uma epistemologia desvinculada da ne- cessidade de enfrentarmos os desafios que a modernidade tardia se nos apresenta. Nestes termos, o que os pensadores da transdiscipli- naridade almejam é o enfrentamento ético-político, epistemológico e formativo das questões humanas e planetárias que em larga escala atingem as pessoas, suas sociedades e ecologias, e que a lógica dis- ciplinar não absorve nem alcança. Violência, intolerância, destruição do ecossistema, fazem parte dos desafios que clamam por um olhar transdisciplinar, e que não descarta o multirreferencial no segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”. Jacques Ardoino (2001, p. 549), o principal pensador do conceito de multirreferen- cialidade, inspirado na heterogeneidade irredutível e na pluralidade como fundante da formação e da educação, fala de uma “Transdisciplinaridade não homogeneizado- ra”, ao participar da rica coletânea coordenada por Edgar Morin com o título de: “A religação dos Saberes”: Querer unir os saberes (tema dessa jornada) não acarreta o desen- volvimento de uma transdisciplinaridade homogeneizadora, mas leva, isso sim, a situá-los com precisão uns em relação aos outros em função de suas alteridades históricas, antropológicas e epistemoló- gicas (sem por isso, excluir suas possibilidades de alteração mútua) ... Georges Lerbert retoma, a propósito da transdisciplinaridade, o tema bachelardiano de uma poética da ciência. O conjunto torna as- sim, para nossa inteligência, uma unidade relativamente autônoma, superior ou não à organização anterior de que provém (por exemplo, o fenômeno biológico, o ser vivo, em relação à sua materialidade físi- co-química), mas conservando também em sua memória os traços de sua heterogeneidade constitutiva. É este salto qualitativo, e apenas ele, que vai atestar a passagem de um paradigma a outro... A unida- de e a diversidade devem então reencontrar-se, conciliadas no seio de uma unitas multiplex. Ao falar de uma nova transdisciplinaridade Morin (2002, p. 52) argumenta: Para promover uma nova transdisciplinaridade precisamos de um paradigma que, certamente, permita distinguir, opor, mas que, tam- bém, possa fazê-los co- municarem-se entre si, sem operar a redução... que conceba os níveis de emergência da realidade sem reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais... consideremos os três grandes domínios da Física, Biologia e Antropossociologia. Como fazer para que eles se comuniquem? Sugiro que essa comunicação seja feita em circuito. Primeiro movimento: é preciso enraizar a esfera antroposso- cial na esfera biológica, porque somos seres vivos, animais sexuados, verte- brados, mamíferos, primatas. De modo semelhante, é preci- so enraizar a esfera viva na physis, porque, se a organização viva é original em relação a toda organização físico-química, ela é tambémEAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 22 uma organização físico-química, saída do mundo físico e dependente dele. Operar o enraizamento não implica operar nenhuma redução: não se trata de reduzir o humano a interações físico-químicas, mas se reconhecer os níveis de emergência dessas interações... é preciso também, nesse movimento, enraizarmos o conhecimento físico e bio- lógico numa cultura, numa sociedade, numa história, numa humani- dade. Em termos curriculares, da nossa perspectiva, não é necessário transformar a perspecti- va transdisciplinar numa imposição totalizante, mas reconhecer o seu potencial elucidativo e formativo, na medida em que essa perspectiva não quer fornecer fórmulas pragmáticas de um pensamento, mas mobilizar a cooperação e a elaboração de saberes para compreender a partir do que é produzido pelas interações entre eles, sem desprezar as especificidades. Um currículo transdisciplinar trabalha com as sínteses possíveis, com as relações possíveis, porque contextuais, históricas e políticas, sínteses essas requeridas pelas problemáticas huma- nas e seus desafios. A transdisciplinaridade busca, na realidade, aquilo que o próprio Morin chama de Unitas Multiplex, a unidade na multiplicidade, não como uma unidade fixa, somatório perfeito, mas algo que como um complexo contenha a singularidade e se constitua no e com o plural; com e no movimento, realizando diferentes configurações. A narrativa que se segue é emblemática do conteúdo epistemológico, formativo e político que a transdisciplinaridade moriniana almeja. Sem tentar pensar em tudo isso quando bebemos uma taça de vinho, é necessário religar, as- sim como reconhecer nosso lugar no universo. Tornamo-nos relativamente estrangeiros nesse universo. Somos diferentes dos animais pela consciência, pela cultura e por nossa vontade de conhecer. Queremos assim, tentar construir uma sociedade um pouco menos inumana, funda- mentada em relações um pouco menos ignóbeis (EDGAR MORIN, 2002, p. 67-68). 3.4. AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO Ao fazerem a crítica às visões tecnicista e classista de currículo, veiculadas por Bobbitt e Tyler, os teóricos críticos liderados, prin- cipalmente, por Michael Apple e Henri Giroux, curricologistas ame- ricanos, vão indagar sobre o que é que o currículo faz com as pessoas, antes mesmo de se interessarem so- bre como se faz o currículo. Essa mudança ideológica faz com que a crítica implemente a constru- ção de uma outra concepção de cur- rículo, agora desvinculada de qual- quer perspectiva neutral, ou seja, vinculada a ideias de que os CUR- RICULA são opções formativas que trazem consigo ideologias e formas instituintes de poder pautadas na opção de formar para legitimar e perpetuar as relações de classe es- tabelecidas pelas sociedades capi- talistas, sem que isso, muitas vezes, esteja explicitado. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 23 Assimilando a ideia de que o currículo reproduz a sociedade, sua estrutura e di- nâmica, seja em níveis classistas, seja em níveis de outras formas de hierarquização, como as exclusões étnico-raciais, por exemplo, a crítica curricular denuncia também o processo de homogeneização veiculado pelo currículo, em favor dos grupos hege- mônicos e suas cosmovisões. Reivindica enfaticamente que as formações assumam a preparação para uma competência política capaz de desvelar as injustiças e, via o ato educativo, afirmar políticas justas, tomando como referência a heterogeneida- de da sociedade. Formação socialmente justa e aprendizagem com e pela diferença constituem as pautas que sintetizam a proposta curricular crítica. Aqui a formação é, em muito, a construção de um senso crítico construído a partir de uma compreensão radical do que seja histórica e socialmente as ideologias das sociedades capitalistas e suas políticas de configuração. Esse conjunto de argumentos tem sua inspiração inaugurada, podemos dizer, pe- los trabalhos de Apple, nos Estados Unidos. Apple toma como ponto de partida os elementos centrais da crítica marxista da sociedade. A dinâmica da sociedade capita- lista gira em torno da dominação de classe, da dominação dos que detêm o controle da propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem apenas sua força de trabalho. Para este raciocínio há uma clara conexão entre a forma como a economia está organizada e a forma como o currículo está organizado. Em Apple, por outro lado, essa ligação não é uma ligação de determinação simples e direta. A preocupação em evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vínculos entre produção e educação segue o seu pensamento desde seus primeiros escritos. Para esse currico- logista, não é suficiente postular um vínculo entre, de um lado, as estruturas econô- micas, de outro, a educação e o currículo. Esse vínculo é mediado por processos que ocorrem no campo da educação e do currículo e que são aí ativamente produzidos; é mediado pela ação humana, enfim. Nas elaborações críticas de Apple, o importante é se perguntar por que se ele- gem determinados conhecimentos como importantes e outros não. Trata-se de saber: quais interesses orientaram a seleção desses conhecimentos e a concepção do currí- culo? Quais são as relações de poder envolvidas nesse processo que resultou nesse currículo particular? Para Apple, as ideologias presentes no que ele chamou de conhecimento oficial, distribuído pela escola, é o interesse central de uma teoria crítica do currículo. Para tanto, se apropria de forma densa, dos argumentos sobre o poder nas relações educa- tivas, assim como do conceito de hegemonia tal como formulado por Antonio Grams- ci, de onde se pode fazer uma leitura da dinâmica da reprodução social e da resistên- cia nos cenários curriculares. Um outro pensamento do campo curricular crítico se configura a partir das obras de Henri Giroux. Tratando o currículo como política cultural, inspirado pelos filóso- fos da Escola de Frankfurt como Ardorno, Horkheimer e Marcuse, Giroux critica em toda a sua obra a racionalidade técnica e utilitária curricular, assim como o habitus positivista do currículo moderno. Reivindica que o campo do currículo não pode deixar de tentar compreender as práticas curriculares via uma análise histórica, ética e política. Segundo Silva (1999, p. 53), “é no conceito de resistência [...] que Giroux vai buscar as bases para desenvolver uma teorização crítica, mas alternativa, sobre a pedagogia e o currículo”. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 24 Influenciado de perto pelas ideias de Paulo Freire, a partir das noções de liberta- ção e ação cultural, Giroux vai atrelar a pedagogia e o currículo ao campo da cultura, mais precisamente ao campo de uma política cultural, diria mesmo da cultura politi- zada, mostrando que a emergência do currículo se configura num campo de disputa de significados. Nasce, desse veio argumentativo, a ideia dos “professores como inte- lectuais transformadores” e de uma “ pedagogia de possibilidades emancipatórias”. Necessário pontuar que Apple e Giroux mantêm um diálogo contemporâneo teó- rica e politicamente importante com as pautas do argumento pós-moderno em cur- rículo, naquilo que, aceitando a crítica das metanarrativas vindas dessa perspectiva, apontam também as dificuldades de uma análise histórica, ausente nesses aportes teóricos, e o excessivo textualismo que configura suas interpretações da realidade. Nos Estados Unidos, com Peter McLaren, e no Brasil, com Antônio Flávio Morei- ra, a perspectiva crítica vai se conjugar com um aporte multicultural que, sem abrir mão de uma leitura inconformada, face às injustiças vividas pela educação forjada pelo ideário liberal- capitalista, demonstra a necessidade de uma análise cultural do currículo, na medida em que entendem com Giroux, por exemplo, que a luta por sig- nificados é uma luta por recursos no campo político- educacional. ATIVIDADES 1. Para você qual é o papel das teorias do currículo e sua importância? 2. Por que a disciplinase constituiu um elemento teórico importante para teoria do currículo? 3. Como você caracterizaria a teoria crítica explicitada neste primeiro bloco? 4. Qual a sua principal contribuição à teoria do currículo? LEITURA COMPLEMENTAR APPLE, M. Ideologia e currículo. Tradução de Maria Cristina Monteiro. São Paulo: Brasiliense, 1982. , Educação e poder. Tradução de Maria Cristina Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. MACEDO, R. S. Currículo, diversidade e equidade: luzes para uma educação in- tercrítica. Brasília: Liber Livro; Salvador: EDUFBA, 2007. , R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2009. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 25 Filmografia A Casa dos Espíritos – com direção de Bille August, é baseado no romance de Isa- bele Allende. A formação aparece aqui como um fenômeno que se atualiza em perso- nagens singulares, mas marcados por uma época histórica caracterizada por saberes conservadores violência social e corrupção, vividas no Chile dos anos 1920 aos anos 1970, anos em que a América Latina mergulha num profundo e violento obscurantis- mo político e o presidente Salvador Allende é deposto por um golpe militar. Ao lado disso, percebe- se a construção socioexistencial através de saberes e de uma formação pela contradição, pela transgressão, pela transcendência e emancipação de persona- gens que cultivam a utopia de um mundo social e existencialmente melhor, através de um “currículo” vivido no movimento global da vida. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 26 4 A crítica da crítica No seio do que se está denominando, no campo do currículo, de teorias pós-crí- ticas, encontra-se o multiculturalismo como um movimento que toma a diferença como sua característica fundante. É fato que o movimento multicultural tem vários matizes. Vai desde um multi- culturalismo, onde não se prioriza a análise das forças que imprimem legitimações e oficialidades culturais, tomando a cultura como algo fora da dinâmica política das relações de poder, como algumas correntes americanas que se inspiram na visão libe- ral ou humanista, até perspectivas que, ao politizarem o debate sobre a diversidade cultural, preferem não desatrelar a análise da emergência dessa diversidade das dinâ- micas das relações de poder. É assim que entram no campo curricular, argumentando a favor do estudo e das práticas curriculares, nas quais a cultura aparece como um movimento de relações, levando em consideração a luta por significados como algo presente e determinante do tipo de educação “distribuída” é legitimada. Percebem que a referência do multiculturalismo liberal a uma humanidade comum deve ser rejeitada por fazer apelo a uma essência, a um elemento transcendente, a uma carac- terística fora da sociedade e da história (SILVA, 1999, p. 86). Vale salientar, que a perspectiva crítica do multiculturalismo cultiva duas ver- tentes: uma concepção denominada de pós- estruturalista e outra que poderia ser chamada de “materialista”. Na visão pós-estruturalista, o fundante é a análise da diferença enquanto expressão do ser-no-mundo, do ser-com-o-outro. Neste sentido, a diferença é sempre uma relação. Minha diferença existe na medida em que o outro existe; assim, não se pode ver a diferença como coisa absoluta, é um conceito eminen- temente relacional, portanto. Ademais, a diferença, nesta perspectiva se configura a partir de relações de poder. São as relações de poder que fazem com que a ‘diferença’ adquira um sinal, que o ‘diferente’ seja avaliado negativamente relativamente ao ‘não-diferente’. Inversa- mente, se há sinal, se um dos termos da diferença é avaliado positivamente (o ‘não- -diferente’) e o outro, negativamente (o ‘diferente’), é porque há poder (SILVA, 1999, p. 87). Como esta abordagem coloca o discurso no âmbito da produção da própria re- alidade cultural e suas dinâmicas de relação de poder, é acusada de um excessivo textualismo, na medida em que põe o discurso no centro da produção da diferença. Na perspectiva multicultural crítica, implicada com uma visão materialista e ins- pirada no marxismo, os determinantes econômicos - estruturais são vistos como me- diadores potentes da produção da diferença e da desigualdade social, e por consequ- ência das relações culturais. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 27 Para os multiculturalistas críticos, em termos curriculares, é preciso perceber que o currículo pode estar legitimando através da seleção dos seus conteúdos, atividades e valores, determinadas visões de mundo e de cultural, em detrimento de outras. Historicamente, isso é fácil de perceber entre nós, quando se constata uma verda- deira negação perversa das histórias do negro, do índio, das mulheres, das pessoas advindas de culturas não-oficiais. Muitas vezes, são identificados por uma história secundária, subvalorizada, ou uma cultura “menor”, meros protagonistas epifenô- menais do processo histórico e cultural da sociedade. Podemos identificar na obra de Peter McLaren uma significativa e valorosa contribuição a essa perspectiva. Para Silva (1999, p. 88), [...] um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois, a ensinar a tole- rância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de assimetria e desigualdade. Nesta perspectiva a diferença aparece sempre colocada em questão, portanto cons- tantemente tensionada. O desafio de se implementar uma formação, onde o fundan- te seja a diferença, não impede nem descarta o ideário de uma educação igualitária em termos daquilo que Robert Connell chama de “justiça curricular”. Aliás, esse é um dos grandes desafios das políticas e práticas do campo educacional: implementar uma educação que possibilite as pessoas ascender a uma cidadania plena de direitos e condições de dignidade social, sem homogeneizar ou pasteurizar suas singularida- des. Para nós, é possível uma educação que construa o acesso à dignidade social, que viabilize as condições para essa dignidade, via um currículo que trabalhe a partir de e com a diversidade. Não temos dúvidas de que o currículo moderno é recheado de grandes narrativas teóricas, ou mesmo, que o currículo, em geral, é uma metanarrativa com marcantes características de um artefato educacional não-problematizado. É neste veio que o argumento pós-moderno entra no campo curricular de forma significativa. Estamos longe de vivenciar um currículo problematizado desde a sua origem. Em geral, o currículo é a expressão de uma imposição de especialistas, burocratas ou acadêmicos, que terminam por impor modelos e concepções, com uma grande má vontade de radicalizar democraticamente a experiência da concepção, da organização e da im- plementação dos curricula. É aqui que a perspectiva pós-moderna acha a sua brecha interpretativa e crítico-propositiva em termos das políticas e práticas curriculares. Em realidade, o pós-modernismo é um conjunto de perspectivas que abrange os campos estético, político e epistemológico que começa nos meados do século XX, e tem sua configuração no questionamento dos princípios e pressupostos do pensa- mento social e político estabelecidos a partir do iluminismo. Trata-se de um movi- mento antiessencialista. Nessa esteira de argumentos, o pós-modernismo analisa pautas educacionais como o currículo, a pedagogia, a didática como saberes fincados solidamente na perspecti- va moderna. É nestes termos que desenvolve uma desconfiança potente em relação às pretensões totalizantes, generalizantes do conhecimento. A base generalizante do conhecimento moderno fê-lo edificar-se enquanto “grandes narrativas”, “narrativas mestras”, pautadas na vontade de controle e com o objetivo de se chegar a uma so- EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 28 ciedade pura e perfeita, sonho do ilu- minismo, dizem os pós-modernos. É assim que a própria noção de pro- gresso é questionadana medida em que se torna algo inevitável. Essa tendência do pensamento moderno trabalhar com categorias essenciais, ou seja, não submetidas às alterações e às contradições histó- ricas e culturais, leva o movimento pós-moderno a criticar as “funda- ções” do pensamento moderno. É as- sim que se torna também uma pers- pectiva antifundacional. Sua crítica ao sujeito autônomo, centrado e so- berano é virulenta, assim como à teo- ria crítica, que fala em nome de uma atitude educacional emancipadora, libertadora. O pós-modernismo des- confia dessa emergência prometeica da teoria crítica no campo educacio- nal. Para o pensamento pós-moderno o currículo, enquanto uma invenção moderna, baseado em certezas es- táveis, com características lineares, sequencial, estática, binária, onde se valoriza fundamentalmente a esta- bilidade e a ordem das coisas e das pessoas, é um exemplo emblemático de um artefato moderno. Diz-se, por- tanto, que o movimento pós-moder- no vem desestabilizar a teoria crítica, propondo a inauguração de uma pe- dagogia pós-crítica. Nesse contexto, parece haver uma incompatibilidade entre o currículo existente e o pós-moderno. O currí- culo existente é a própria encarnação das características modernas. Ele é linear, sequencial, estático. Sua epis- temologia é realista e objetivista. Ele disciplinar é segmentado. O currículo existente está baseado numa separação rígida entre ‘alta’ cultura e ‘baixa’ cultura, entre co- nhecimento científico e conhecimen- to cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capitalista e do estado-nação. No centro do currícu- lo existente está o sujeito racional, centrado e autônomo da moderni- dade (SILVA, 1999, p. 115). Uma discussão fecunda e am- pliada sobre a emergência do dis- curso pós-moderno no âmbito do campo curricular é encontrada nos trabalhos de Moreira (1997) e Silva (1993). Neste movimento de crítica da crítica do currículo o pensamento pós- estruturalista vai falar também do currículo. Para Silva, por exem- plo, não se pode falar propriamente de uma teoria pós-estruturalista do currículo, “mas há certamente uma ‘ atitude’ pós-estruturalista em mui- tas das perspectivas atuais sobre currículo” (1999, p. 112). Esse autor nos diz que, Cleo Cherryholmes, es- tudioso pós-crítico norte americano, foi um dos primeiros a desenvolver de forma explícita uma perspectiva pós-estruturalista na área dos estu- dos sobre currículo, acompanhado das elaborações de Thomas Popke- witz teórico dos estudos culturais, inspiradas no filósofo francês Mi- chel Foucault. O que caracteriza de forma mar- cante as análises pós-estruturalis- tas é a ideia de que o significado é socialmente construído e vive de forma ineliminável, a incerteza e a opacidade. O significado, portanto, não é pré-existente, mas culturalmente edificado, bem como se dinamiza nas relações de poder ao qual está implicado ou implica. Afirma-se, assim, que o significado é social- mente definido. Foucault e Derrida são chamados a inspirar a ideia da EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 29 inseparabilidade da conexão poder e saber. Assim, onde há saber, há poder, inspira- ção foucaultiana. Avesso aos binarismos, esse movimento questiona e desconfia justamente dos bi- narismos de que é feito o currículo: branco/preto; masculino/feminino; velho/novo; teoria/prática; heterossexual/homossexual; mente/corpo; objetividade/subjetivida- de etc. Poderíamos dizer que o pós-estruturalismo é uma perspectiva nitidamente desreificadora do currículo que temos, tanto em termos de forma quanto de conte- údo. Numa outra construção pautada na rebeldia face ao processo de colonização opressor que subjuga as culturas não-europeias, a teoria pós-colonial lança seu olhar para currículo, reivindicando a inclusão das formas culturais que refletem a expe- riência de segmentos cujas identidades culturais e sociais são marginalizadas pela identidade ocidental hegemônica. Para o pós-colonialismo há um “cânon ocidental” que atravessa os CURRICULA e que acabam por legitimar a história dominante dos europeus. Em realidade, a análise pós-colonial quer nos mostrar que os processos de domi- nação são processos fundamentados em alianças com o capitalismo, com a lógica judaica cristã, com a cultura europeia branca e com o aparato técnico-militarista que o Norte fabricou com interesses imperialistas. A colonização se dá por essa aliança, na qual o outro aparece representado como um ser que necessita de “civilização”, “privado de cultura”, ou tem uma cultura inferior. Marginalizado cultural, o outro “não-civilizado” precisa ser incluído. Esse projeto teve, desde o início, uma importan- te função educacional e pedagógica. Uma discussão sobre a questão da inclusão no cenário educacional brasileiro a partir dessa perspectiva seria muito importante para se problematizar o ranço etnocêntrico da política de sentido que orienta as ideias e ações neste âmbito. É importante salientar que a teoria pós-colonial evita formas de análise que pers- pectivam o processo de dominação cultural como uma via de mão única. Interpreta essa dinâmica como uma complexa relação de poder onde se vislumbram transfor- mações mútuas, sem com isso deixar de mostrar as relações assimétricas de opres- são daí advindas. Traduções, mestiçagens, reexistências, são construções forjadas por sujeitos em relação, culturas em relação, realidades que, obviamente, não retiram do cenário analítico pós-colonial as questões políticas e éticas. Muito pelo contrário, as relações culturais só são vistas a partir de uma politização do cultural. Analisar o currículo sob as tensões da pluralidade cultural; fazê-lo viver ética e politicamente os processos interculturais inerentes a qualquer experiência educativa; mobilizá-lo para se tornar um artefato aprendente em termos socioculturais, parece- -nos ser decisões que podem apontar na direção de um processo de descolonização de suas formas e conteúdos inerentes à concepção moderna de currículo, que há muito se atualiza via um processo excludente e recheado de etnocentrismos eurocêntricos. Neste sentido, o olhar pós-colonial é um fecundo analisador. Atravessando as ditas teorias pós-críticas em currículo, temos a contribuição dos estudos culturais. Na obra denominada “Introdução aos Estudos Culturais”, Matte- lart e Neveu (2004, p. 35) dizem que os “estudos culturais”, antes um conjunto de pes- quisas dispersas entre o mundo universitário marginal e a nova esquerda britânica, conhecerá, a partir de 1980, uma considerável densidade e expansão. Segundo esses autores, os trabalhos produzidos, que depois receberão o rótulo de estudos culturais, EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 30 começam a se estender para pensarem as questões de gênero, de etnicidade, o conjun- to de práticas de consumo etc. Cita-se, por exemplo, os estudos de Marc Augé como estudos que podem ser caracterizados por esse viés de pesquisa. Com Augé, vamos ter acesso à pesquisa de uma “antropologia dos mundos contemporâneos” que se aventura no metrô, nos parques de diversão, nos aeroportos, nos “não-lugares”. Para Mattelart e Neveu, os “estudos culturais” serão levados pela dinâmica de seu sucesso, que se traduzem, em particular, por uma inflação de revistas, livros, manu- ais, pela criação em um número crescente de países de departamentos de estudos culturais. Esses estudos conhecerão novas inflexões, que se traduzem na incessante expansão de território, o qual passa a englobar objetos até então tratados por diversas ciências sociais e humanas: consumo, moda, identidades sexuais, museus, turismo, literatura. Os defensores mais clássicos dessas pesquisas reivindicam o estatuto de uma “an- tidisciplina”. O termo marca a recusa de divisões disciplinares, de especializações, a vontade de combinar as contribuições e os questionamentos advindos de saberes cru- zados, a convicção de que a maioria dos desafios do mundo contemporâneoganha ao ser questionado pelo prisma do cultural. Essa desconstrução de uma herança de pesquisa abre caminho para o último obje- tivo: compreender as metamorfoses da noção de cultura na última metade do século XX, questionar tanto os modos em que a cultura funciona na época da globalização como os riscos de uma visão da sociedade reduzida a um caleidoscópio de fluxos culturais que leve a esquecer que nossas sociedades também são regidas por relações econômicas, políticas, uma armadura social que não se reduz nem às séries de televi- são de grande sucesso, nem ao impacto dos reality shows (MATTE- LART; NEVEU, 2004, p. 17). Tendo Raymond Williams como um dos pesquisadores mais importantes no ce- nário britânico dos “estudos culturais”, o que vamos verificar é uma orientação para que a cultura seja vista como um campo relativamente autônomo da vida social, sem perder de vista que a cultura é um campo de produção de significados, no qual os diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciadas de poder, lutam pela imposição de seus significados a sociedade mais ampla. “É neste sentido um campo contestado de significação” (SILVA, 1999, p. 134). Além dos autores já evidenciados nessa nossa discussão, são significativos, nesse campo dos estudos culturais relacio- nados ao currículo, os trabalhos de Sandra Corazza (2002) e Marisa Vorraber Costa (2002). 4.1 TENSÕES ENTRE CRÍTICOS E PÓS-CRÍTICOS Ao avaliarem que a teoria crítica, nascida das tensões modernas, ainda constitui uma potência significativa para explicitar e instrumentalizar o pensamento politi- camente responsável diante da presente configuração social, política, econômica e educacional, Michael Apple e Dennis Carlson (2000) dialogam com vigor, mas sem qualquer arrogância acadêmica, com as pautas do pensamento pós-moderno. EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 31 Ao se implicarem num diálogo tenso e elucidativo, tomando como objeto de análise as elaborações pós-modernas sobre a incerteza, os autores argumentam que, até certo ponto, todos os tempos são incertos, pois o desenvolvimento cultural nunca permanece imóvel. Para Apple e Carlson, inspira- dos nas posições gramscianas, há que ressaltar que as perspectivas pós-modernas e pós-estruturalistas acabam por cultivar dualidades en- tre o velho e o novo, que dificultam perceber tanto continuidades quan- to descontinuidades no interior das categorias “moderno” e “pós-mo- derno”. É preciso ter em mente que as múltiplas tradições críticas em edu- cação têm raízes na cultura moder- na tanto quanto as têm os modelos econômicos conservadores de edu- cação. Em vez de abandoná-las pôr as considerar ultrapassadas, essas tradições precisam ser relidas, em consistências com os novos insig- ths teóricos e à luz das correntes do desenvolvimento cultural [...] em segundo lugar, alguns discursos pós-modernistas posicionam-se em oposição a toda análise estruturalis- ta ou materialista, e como resultado tendem a ver a realidade social e o processo de ensino como mais aber- tos do que realmente são a uma re- escrita a discursiva (APPLE; CARL- SON, 2000, p. 13). Reconhecendo que todos esses movimentos multifacetados que es- tão desestabilizando os modos es- tabelecidos de conduzir a pesquisa em educação e a compreensão das questões de currículo, os autores percebem potenciais democráticos e progressistas nesses movimentos, mas, ao mesmo tempo, reivindicam uma conceituação radical daquilo que queremos dizer, por exemplo, com os termos “público” e “interes- se público”. O que nos parece significativo nessas tensões é percebermos que, mais do que nunca, o currículo deve ser desconfigurado, rasurado, na medida em que a desfocalização da aprendizagem, hoje, nos remete para outros cenários, outros atores/ autores curriculares, outras expe- riências que, de longe, não corres- pondem às formas convencionais de implementar o aprendizado e a formação. Criticando o excessivo textualis- mo e abstracionismo das elabora- ções teóricas pós-modernas e pós- -estruturalistas, Apple e Carlson continuam apelando para a noção de uma política de redistribuição e de reconhecimento, como saídas para aquilo que imaginam ser as antinomias insulares que basilaram as interpretações curriculares mo- dernas. Por outro lado, para Apple e Carlson, assim como as teorias neo- marxistas correram o risco de torna- rem-se a voz da academia masculi- na, branca, as teorias pós-modernas podem ser, paradoxalmente, facil- mente capturadas pela intenção da nova classe média de engajar-se em uma política de mobilidade e de status no interior da academia [...] (APPLE; CARLSON, 2000, p.16). EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 32 4.2 A PERSPECTIVA RIZOMÁTICA O filósofo do currículo Sílvio Gallo (2004) nos traz a elaboração da perspectiva de um currículo rizomático. Fazendo críticas ao modelo disciplinar e unificante; que, até o momento, permanece como orientação hegemônica para se conceber o currículo, Gallo nos mostra como a concepção, nascida com René Descartes, da Árvore dos Saberes, nos remete para uma visão de unicidade do conhecimento. A imagem car- tesiana nos leva a perceber a árvore através de três subdivisões: as raízes representa- riam o mito como conhecimento originário; o tronco representaria a filosofia, dando consistência e sustentação para totalidade; os galhos, por sua vez representariam as disciplinas científicas subdivididas em diversos ramos. A busca de uma visão da in- teireza estaria na imagem da árvore. Identificando a visão interdisciplinar e transdisciplinar como visões que se apro- priam da imagem da árvore, a perspectiva rizomática quer destituir qualquer ex- pectativa totalizante. Percebe nestas visões propositivas do currículo o desejo de se chegar a uma realidade única. Neste veio, Gallo faz sua crítica pontual às ideias de Edgar Morin: Em termos de currículo não há religação dos saberes a ser perse- guida, pois não há como religar o que nunca esteve ligado. Ao con- trário, o que precisamos buscar são formas de diálogo na diferença, diálogo na multiplicidade, sem a intenção de reduzir os diferentes ao mesmo, ao uno (GALLO, 2004, p. 43). Mas a crítica da perspectiva rizomática é propositiva em relação ao currículo. Ou seja, ela propõe um currículo rizomático. Na sua crítica à disciplina, esta visão cria uma imagem onde a disciplina, identificada na árvore dos saberes, produz fragmen- tação e busca uma unidade perdida. Com o rizoma as coisas se passam de maneira distinta. Sua imagem remete para uma miríade de linhas que se engalfinham, como num novelo de lã emaranhado pela brincadeira do gato. Ou talvez essa não seja a melhor imagem; um rizoma é promis- cuidade, é mistura, mestiçagem, é mixagem de reinos, produção de singularidades sem implicar o apelo à identidade. Se pensarmos o currículo como rizoma e não como árvore, as disciplinas já não seriam gavetas que não se comunicam, mas tenderiam a soar como linhas que se misturam, teia de possibilidades, multiplicidade de nós, de conexões, de interconexões [...] a imagem do rizoma por sua vez, implica um currí- culo como sistema aberto e múltiplo, isto é, não um currículo, mas muitos currículos. Não um mapa, mas muitos mapas. Não um percurso, mas inúmeros percursos. E sempre com pontos de partida e pontos de chegada distintos. O que não inviabiliza encontros, mas, ao contrário, os possibilita, os promove, os estimula (GALLO, 2004, p. 45-46). Para este autor o currículo como rizoma, é um desmonte de qualquer simulacro de unidade que nos é imposto. Mas o que seria um rizoma para Deleuze e Guattari? EAD / FACULDADE DO MACIÇO DE BATURITÉ 33 Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e radículas. Os bulbos, os tubérculos são rizomas... Até os animais o são, com todas as suas funções de habitat, de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura... Há rizoma quando os ratos deslizam uns sobre os outros. Há o melhor e o pior
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