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GESTÃO EM PROGRAMAS E PROJETOS SOCIAIS Professor Dr. Edson Marques Oliveira GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; OLIVEIRA, Edson Marques. Gestão em Programas e Projetos Sociais. Edson Marques Oliveira. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. Reimpresso em 2021. 180 p. “Graduação - EaD”. 1. Gestão. 2. Projetos. 3. Sociais. 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0581-3 CDD - 22 ed. 361 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Mincoff Direção de Mercado Hilton Pereira Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo Gerência de Produção de Conteúdos Gabriel Araújo Coordenador de Conteúdo Maria Cristina Araujo de Brito Cunha Qualidade Editorial e Textual Daniel F. Hey, Hellyery Agda Design Educacional Giovana Cardoso Iconografia Isabela Soares Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Matheus Felipe Davi Revisão Textual Pedro Afonso Barth Daniela Ferreira dos Santos Cintia Prezoto Ferreira Ilustração Marcelo Goto Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Diretoria Operacional de Ensino Diretoria de Planejamento de Ensino Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além dis- so, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza- gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO R Professor Dr. Edson Marques Oliveira Pós-doutorado em ciências sociais pela Universidade de Coimbra (UC/2015), Portugal. Pós-doutorado em Administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR/2015). Doutor em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp/2004). Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP/1996). Bacharel em Serviço Social pela Faculdade Paulista de Serviço Social (FAPSS/1989). Certificado Internacional de Coach e Trainer Coaching pela Lambent do Brasil e Neurocoaching pelo IBC, Brasil. Professor associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), no curso de Serviço Social. Membro Grupo Gepec e coordenador Grupo Gesicur da Unioeste. Ganhador do Prêmio Ethos-Valor de Responsabilidade Social Empresarial e Sustentabilidade edição de 2007. SEJA BEM-VINDO(A)! Caro(a) aluno(a), sou o Prof. Edson Marques Oliveira, seja bem-vindo(a) à disciplina Ges- tão de Programas e Projetos Sociais. Preparei este material com o intuito de apresentar a você os principais conceitos e elementos que envolvem a gestão social (o planejamen- to, a organização, a direção e controle) na elaboração de planos, programas, projetos e serviços na área social. Esse conhecimento é de fundamental importância, visto que é a forma em que o trabalho profissional do assistente social se materializa e se diferencia do trabalho de um leigo e um amador. Essa tarefa envolve vários fatores, tais como: pessoas, organizações, recursos, meio am- biente, tecnologias e vários problemas a serem resolvidos, demandas que são reivindi- cadas, entre outros. O que torna essa tarefa complexa, mas, também, muito gratificante, estimulante e desafiadora, pois exige imaginação e muita criatividade quanto ao exer- cício prático de valores tão preciosos, como ética, solidariedade, cooperação, participa- ção e, sobretudo, objetividade, além da promoção de uma ação concreta, inovadora e transformadora. Considerando essa importância e complexidade é que preparei esse nosso estudo de forma a explicitar os principais conhecimentos que você poderá usar em sua prática profissional e ser bem-sucedido em suas ações. Espero, também, que, a partir da leitura das unidades, você possa saber apresentar e concretizar ações que possam, de fato, fa- zer valer o seu preparo como profissional, que tem como principal foco ler a realidade criticamente, e iralém disso. Isso é, intervir e modificá-la juntamente com os atores que, dessa realidade, fazem parte. Por isso, veremos cinco unidades. Na Unidade I, faremos uma análise a partir de três configurações, a saber: contexto, organizações e pessoas. O objetivo dessa análise con- figurativa é perceber que o ato e processo de gestão de programas e projetos sociais envolvem vários fatores, que são advindos dos mais diversos setores e dimensões da vida em sociedade. Isso é, fatores culturais, políticos, organizacionais, em que as ações estão inseridas. Além disso, os fatores comportamentais, interesses e modos de opera- cionalização ligados ao estilo de liderança, de recursos, entre outros elementos que in- fluenciam o processo da gestão social, de modo geral e dos planos, programas, projetos e serviços de modo específicos. Na Unidade II, apresento os principais elementos conceituais e as principais caracterís- ticas do processo de Gestão Social e suas derivações, principalmente no tocante aos conceitos que se diferenciam, como administração e gestão, bem como as diferenças e semelhanças de processo nos tipos e esferas de organizações e de poder, notadamente, primeiro, segundo e terceiro setor. Na Unidade III, veremos os elementos de inovação social e os modelos de projetos so- ciais que se apresentam na atualidade, bem como destacar como a lógica do empreen- dedorismo social vem influenciando o processo de elaboração de gestão de projetos na área social, tanto pública, privada e na sociedade civil organizada. APRESENTAÇÃO GESTÃO EM PROGRAMAS E PROJETOS SOCIAIS Na Unidade IV, considerando os demais tópicos vistos, apresento a configuração da gestão e estruturação para elaboração de planos, programas, projetos e serviços so- ciais, detalhando aspectos que vão desde seu planejamento até sua avaliação, nas dimensões tanto, políticas, econômicas como técnicas. Também saliento a lógica de organicidade necessárias para a boa gestão desta atividade. E finalizando, na Unidade V, fechamos essa disciplina com uma reflexão e uma pro- posição. A reflexão é relacionada aos desafios da intersetorialidade que, devido aos processos de descentralização de ações e as novas configurações organizacionais, bem como os elementos que interferem no campo da gestão social, precisam ser observados. Também apresento um exemplo prático de projeto em forma de estu- do de caso para que se tenha um modelo real que foi elaborado e executado por assistentes sociais e serve como referência real do que pode ser feito em uma visão e perspectiva socioempreendedora. E a proposição é, em linhas gerais, olhar a prática do assistente social no campo da gestão de programas e projetos sociais como um artífice do design social, ou seja, assim como um artífice, construir sua arte, usando a cabeça e o corpo. Assim, também devemos ancorar o trabalho de desenhar, exe- cutar e avaliar programas e projetos, pois cada projeto é único e digno de atenção e esforço específico, como vamos mostrar ao longo das aulas. Com isso, espero que esse conteúdo e a forma como ele está sendo apresentado, possa contribuir não só para uma formação técnica consistente, mas também de uma visão humana integral e integrada e profundamente crítica e, sobretudo, pro- positiva, frente à complexidade e desafios do campo social no cenário da sociedade do século XXI. Ótimos estudos! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO DA GESTÃO SOCIAL 15 Introdução 16 Por uma Visão e um Pensar mais Dialógico do que Dialético 17 O Paradigma Predominante no Campo da Gestão e Análise de Configurações: Pragmático, Sistêmico e Crítico 23 Configuração Contexto: Eixos de Contextualizadores que Influenciam no Processo de Gestão na Atualidade 32 Configuração Pessoas: Elementos que Minam o Bom Pensar e a Gestão de Planos, Programas, Projetos e Serviços no Campo Social 36 Configuração Organizações: Velhos e Novos Arranjos Sócio-Organizacionais 39 Considerações Finais 44 Referências 46 Gabarito UNIDADE II CONCEITUAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO DE GESTÃO SOCIAL 49 Introdução 50 Importância e Consonância da Área e Atividade Administrativa no Serviço Social 51 Administração ou Gestão? 60 Gestão Social ou Gestão do Social? SUMÁRIO 10 63 Elementos Básicos e Funções da Gestão 68 Considerações Finais 73 Referências 75 Gabarito UNIDADE III INOVAÇÃO SOCIAL, MODELOS DE PROJETOS SOCIAIS E INFLUÊNCIA DO EMPREENDEDORISMO SOCIAL 79 Introdução 80 Inovação Social 82 Influência da Lógica do Empreendedorismo Social como Inovação Social 84 Mudança na Lógica de Elaboração e Gestão de Projetos na Perspectiva do Empreendedorismo Social 99 Um Modelo de Gestão Social Integral e Integrado 102 Considerações Finais 108 Referências 110 Gabarito UNIDADE IV GESTÃO E ESTRUTURAÇÃO DE PLANOS, PROGRAMAS, PROJETOS E SERVIÇOS SOCIAIS 113 Introdução 114 Plano Conceitual da Estrutura de Projetos SUMÁRIO 11 123 Modelos de Estrutura de Projetos 133 Estratégia Básica para Elaboração e Gestão de Projetos e sua Aplicação na Prática do Assistente Social 138 Considerações Finais 143 Referências 144 Gabarito UNIDADE V DESAFIOS DA INTERSETORIALIDADE NO PROCESSO ESTRATÉGICO DE GESTÃO DE PROJETOS SOCIAIS NO SERVIÇO SOCIAL E A FILOSOFIA DO ARTÍFICE 147 Introdução 148 A Gestão de Projetos, Intersetorialidade e os Desafios para a Prática do Serviço Social 154 Desafios da Gestão de Projetos: um Estudo de Caso 165 A Filosofia do Artífice para o Assistente Social Junto ao Campo de Gestão de Projetos 172 Considerações Finais 178 Referências 179 Gabarito 180 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professor Dr. Edson Marques Oliveira CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO DA GESTÃO SOCIAL Objetivos de Aprendizagem ■ Captar os principais eixos contextualizadores que marcam o cenário do século XXI. ■ Compreender como esses eixos contextualizadores podem interferir no campo da gestão social, de forma geral e na elaboração dos planos, programas, projetos e serviços na área social. ■ Ampliar e saber estabelecer uma visão reflexiva e crítica, mas também propositiva, quanto a um olhar profissional do Serviço Social, frente aos cuidados que deve ter ao lidar com os processos e os elementos básicos que caracterizam a gestão social. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Por uma visão e um pensar mais dialógico do que dialético ■ O paradigma predominante no campo da gestão e análise de configurações: pragmático, sistêmico e crítico ■ Configuração contexto: eixos de contextualizadores que influenciam no processo de gestão na atualidade ■ Configuração pessoas: elementos que minam o bom pensar e a gestão de planos, programas, projetos e serviços no campo social ■ Configuração organizações: velhos e novos arranjos sócio- organizacionais INTRODUÇÃO Caro(a) Aluno(a), nesta primeira unidade, o objetivo é alertar você, futuro(a) profissional do Serviço Social, de alguns elementos que, muitas vezes, não são destacados nos livros, artigos e manuais de elaboração de projetos e, infelizmente, em grande parte da literatura do Serviço Social Brasileiro. Explico melhor: você já tentou organizar uma atividade, simples que seja? Vamos imaginar uma festa junina para arrecadar fundos para uma Organização Não Governamental (ONG) em que você faz parte. Digamos que essa ONG seja de defesa e proteção de animais. Você tem esse compromisso e sensibili- dade por essa causa, mas existem pessoas que, além de não serem simpáticas, podem ser hostis, alegando, por exemplo, que a crise está muito grande e que devemos priorizar as pessoas e não os animais. Nesse sentido, você não encon- trará unanimidade para realizar a sua festa junina, bem como terá dificuldades para alcançar sua finalidade que é arrecadar fundos para aONG e garantir uma melhor condição de cuidados e proteção aos animais. Observe as palavras que, propositadamente, deixei em negrito: Organizar, atividade, arrecadar, priorizar, compromisso, entre outros. Fiz isso para chamar a sua atenção em três aspectos. Primeiro, que qualquer atividade que envolva a gestão de um projeto, você terá: a) um contexto, no nosso exemplo uma crise que leva as pessoas a darem outras prioridades; b) organizações, no caso, uma ONG de proteção a animais que tem objetivos, metas, necessidades para sua sobrevivência e estratégias para alcançar seus objetivos, no caso arrecadar fun- dos financeiros para suas atividades e, por fim, c) pessoas, que são motivadas ou desmotivadas, são comprometidas ou descomprometidas. O fato é que em tudo que você for realizar nessa área de gestão de projetos, essas três configu- rações: contexto, organizações e pessoas irão influenciar profundamente. Com isso, espero que você aguce sua visão crítica desse processo. Bom estudo! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 POR UMA VISÃO E UM PENSAR MAIS DIALÓGICO DO QUE DIALÉTICO Como afirma Maturama (2001, p. 14),“Tudo é dito por um observador”, o que significa que o explicar, seja cientificamente ou não, está relacionado aos limites de que temos como observadores na convivência de nossas relações e da expe- riência do viver em sociedade. Nessa perspectiva, quero fazer um convite para exercermos um olhar e o modo diferente de reflexão que denomino como dia- lógico e não dialético. O pensar dialético sempre leva, necessariamente, a uma síntese (tese, antese e síntese) o que, via de regra, significa que uma ideia deva prevalecer sobre outra, na medida em que a argumentação seja mais “convincente”. Na perspectiva dialógica, não há necessidade de uma prevalência de uma ideia sobre outra, parte-se do princípio que tudo é aprendizado e que uma ideia pode conter elementos que podem ser importantes tanto quanto outras ideias. O importante é que as ideias sejam claras, congruentes e tenham sentido e sig- nificado quanto a sua formulação e o resultado que sua aplicação proporciona. Veremos isso de forma mais detalhada nos próximos tópicos. ©shutterstock O Paradigma Predominante no Campo da Gestão e Análise de Configurações Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 O PARADIGMA PREDOMINANTE NO CAMPO DA GESTÃO E ANÁLISE DE CONFIGURAÇÕES: PRAGMÁTICO, SISTÊMICO E CRÍTICO A palavra paradigma significa visão e teoria predominante de uma determinada época histórica e, na atualidade, em praticamente todas as áreas do conhecimento humano, no século XXI, é do pensamento sistêmico (VASCONCELOS, 2015). O campo da gestão não foge à regra (CHIAVENATO, 2003). Isso é de máxima importância, pois o Serviço Social tem como grande desafio criar condições inova- doras de intervenção na realidade, o que passa pela elaboração de planos, programas, proje- tos e serviços sociais. Mas o fazer não está destituído do pensar. É nessa perspectiva e constatação que acredito que possa surgir a inovação e formas alternativas, críti- cas e criativas de exercer a profissão na área do Serviço Social. Com isso, a área pode se destacar de forma geral e na questão da gestão social. Tal destaque é fundamen- tal, uma vez que o campo de trabalho de Serviço social vem exigindo a aplicação da intersetorialidade e a da interdisciplinariedade, pois temos que conviver com outros saberes e profissionais e precisamos, além de um discurso bem alinhado, mostrar de forma prática o que podemos e devemos fazer. É o que reforço na unidade cinco. Entretanto, nesse momento da unidade, é preciso ter uma visão e paradigma predominante no campo da gestão. Isso é formulado a partir de duas matrizes que se interligam. Refiro-me a perspectiva do pragmatismo e da abordagem sis- têmica, o qual aqui dou um novo sentido e um olhar dialógico que chamo de perspectiva pragmática-sistêmica-crítica. Pragmática com base nos clássicos desse método de pensamento, principal- mente em Charles S. Peirce (1998) e em autores contemporâneos, como Richard Sennett (2004; 2012) tendo como principal base e preocupação a busca de con- gruência entre o que se propõe, sua aplicação e seus resultados e impactos na vida humano-social. CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Sistêmica porque dialogando com os clássicos dessa corrente de pensamento, como os trabalhos de Ludwig Von Bertalanffy (1995) e do entendimento de sis- tema como elementos que estão interligados entre si e como sistema aberto, que tanto influencia quanto é influenciado pelo meio ambiente em que está inserido. Porém, entendendo também e de forma mais contemporânea, a existência de sistemas complexos e autopoéticos, como é o caso da abordagem sistêmica em Maturana (1997) que permite ampliar os horizontes do processo de construção do conhecimento da realidade com vistas à intervenção. A perspectiva também pode ser considera como crítica, pois ambas as matrizes permitem ir a raiz dos problemas na ordem temporal da vida e da história da huma- nidade. Isso é, o ser humano e sua interação e relações sociais em um meio ambiente complexo e paradoxal como o que se apresenta no atual século XXI. O que, em se tratando de gestão, é um fator de máxima importância a ser dar a devida atenção. Tanto que sua teoria e seus estudos foram realizados no meio acadêmico mais progressista da América do Norte, em sua época, ou seja, na escola de Chicago, junto com intelectuais como John Dewey (1859-1952) e George Hebert Mead (1863-1931) (ARANDA, 2013). Foi o ponto de partida para a construção, na década de 1930 do século XX, do que hoje tem sido identificado como uma visão e uma aborda- gem interacionista simbólica, utilizada por vários pensadores tidos pós-modernos, como Michel Foucault (1926-1984), Jacques Derrida (1930-2004), entre outros. Nesse sentido, e já parafraseado um princípio da Biologia do conhecido de Maturana, (2001, p. 14) “tudo é dito por um observador”, logo, eu como obser- vador estou me dirigindo a outros observadores, vocês, juntos fazemos parte do que podemos chamar de comunidade profissional, em que procuramos compar- tilhar conhecimentos tanto do mundo acadêmico como do mundo da prática, de modo que um e outro estejam em sintonia. Essa perspectiva nos ajuda a ter uma visão em que se pode focar mais na solução do que só ficar focando o problema, que, a meu ver, é típico da relação dialética e do pensamento hegemônico atual no Serviço Social. Algo que para o campo da academia até certo ponto é interessante, mas em se tratando de uma profissão interventiva, cuja maior exigência da própria realidade em que está inserido é dar respostas às demandas cotidianas, isso se torna limitador. Isso é, ficar só na análise do problema sem dar a solução congruente e efetiva. Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 Podemos ilustrar isso com uma anedota (TADEU, 2012, p.129): Um paciente diz ao psiquiatra: —Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo. Ai eu vou embaixo da cama e acho que tem alguém em cima... Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima... Estou ficando maluco! Psiquiatra: — Deixe-me tratar de você durante dois anos. Venha três vezes por semana e eu curo esse problema – diz o psiquiatra. Paciente: — E quanto o senhor cobra? Psiquiatra: — R$120,00 por sessão. Paciente: —Bem, eu vou pensar – conclui o sujeito. Passados seis meses, eles se encontram na rua. Psiquiatria: — Por que você não me procurou mais? Paciente: — A R$ 120,00, 3x por semana durante 2 anos, daria R$ 37.440,00, ia ficar muito caro. Aí um sujeito me curou por 10,00 reais. Psiquiatra: —Ah é? Como? Paciente: — Por 10,00 reais ele cortou os pés da cama!!! Moral da história: é preciso dar mais atenção às soluções do que gastar esforço e tempo só no problema. Com isso, já sinalizo uma forma diferente de pensarmos o Serviço Social de forma geral e de forma específica. Principalmente a sua inserção no campo da gestão de projetos sociais. É preciso, aqui, exercitar o que chamo de uma con- versa e reflexão do tipo carne e osso, o que só pode ser feito em uma perspectiva dialógica e pragmática-sistêmica-crítica. Explico melhor. Por conversas e reflexões de carne e osso, me inspiro na proposta exitosa do filósofo espanhol Miguel de Unamuno, principalmente em sua obra, Do sentimento trágico da vida (UNAMUNO, 2013). Unamuno é considerado um pragmático existencialista ou transcendental, devido a sua forte influência teórica em Sören Kierkegaard (1813-1855) e dos pragmáticos clássicos William James(1842-1910) e John Dewey (1859-1952). Defende que filosofar não é uma questão de filóso- fos, somente, mas de todo ser humano (o que inclui os assistentes sociais, que O Paradigma Predominante no Campo da Gestão e Análise de Configurações CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 também são pessoas que trabalham com pessoas) e que devemos fazer uma filo- sofia e uma reflexão no estilo “carne e osso”, que tem a seguinte compreensão: Também não é estranho para mim o humano nem a humanidade, nem o adjetivo simples, nem o adjetivo substantivo, mas o substantivo concreto: o homem [...] o homem de carne e osso, aquele que come e bebe e joga e dorme e pensa e deseja, o homem que é visto e ouvido, [...] homem de carne e osso; eu, você, meu leitor; aquele de lá, todos que pisam a terra (UNAMUNO, 2013, p. 19, grifo nosso). Nesse sentido, pensar o Serviço Social frente à questão da gestão social e de projetos, requer, antes de tudo, pensar objetivamente, de forma concreta (prag- mática) e com uma visão de fato e não de conversa, de totalidade (sistêmica), por tanto, de carne e osso. O que difere da proposta hegemônica, que leva a pensar um ideário de sociedade (socialismo e comunismo) que é imposto à população atendida pelos profissionais e que expressa o desejo de um grupo e não de uma população que, via de regra, nem quer saber disso, e, sim, de ter suas necessi- dades atendidas. O que denota nitidamente vários dos males tóxicos do bom pensar, de forma geral e pior ainda para a gestão social e de programas e projetos. Pensar a prática profissional no campo da gestão na perspectiva carne e osso, é, antes de tudo, encarar com maturidade as limitações que temos como pro- fissão e profissionais. Isso porque estamos prestando serviços para outros seres humanos, nunca devemos esquecer isso. Em outros termos: Todo o conhecimento tem uma finalidade. Saber por saber é apenas, digam o que digam, uma tétrica petição de principio [...] Mas, assim como um conhecimento científico visa a outros conhecimentos, a fi- losofia que formos abraçar tem outra finalidade extrínseca, refere- -se a todo nosso destino, a nossa atitude perante a vida e o universo (UNAMUNO, 2013, p. 30, grifo nosso). Logo, é preciso que certas “verdades” absolutas, que têm sido reproduzidas no Serviço Social, sejam revistas à luz dessa análise de carne e osso. “Verdades” que mais dificultam do que facilitam a inserção do profissional no campo da ges- tão social e de projetos, entre elas, a expressão mais sentimentalista, romântica e politicamente correta do que uma fusão profissional, está a declaração quase que messiânica: “garantia de direitos”. Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 Em outros termos, defender esse tipo de ideia como sendo uma finalidade de uma profissão é, no mínimo, inadequada e pensando no estilo carne e osso (de forma concreta e objetiva) e, acima de tudo, com honestidade, muitas vezes nós não conseguimos garantir os nossos direitos, quanto mais nos responsabi- lizarmos por querer garantir os direitos de outros cidadãos. Outro ponto muito importante a ser observado em nossa realidade profis- sional, é a discussão sobre o objeto de nossa profissão. Ouso discordar que seja “as expressões da questão social”, seja lá o que de fato isso significar. Mas qual- quer estudo sério de sociologia da profissão mostra claramente que o objeto de uma profissão de uma disciplina científica é aquilo que ela trabalha diretamente. Ora, as expressões da questão social são, em última instância, o resultado dos processos contraditórios de uma sociedade em constate movimento e com correlação de forças que produzem a concentração de renda e a desigualdade, que não se restringe à questão econômica, mas cultural, religiosa, emocional etc. O que requer uma visão mais ampla do problema. Lembra a história no iní- cio da unidade? Precisamos focar mais nas soluções do que só nos problemas. Em outros termos, precisamos descobrir como inovar, melhorar e aprimorar os programas, projetos e serviços sociais, por meio de um agir profissional pau- tado em pesquisar e propor novas alternativas de enfrentamento a essa realidade complexa e paradoxal. Nesse sentido, o que é, sempre foi e, a meu ver, sempre será o objetivo da prá- tica profissional do Serviço Social? É o ser humano, seja ele de qual for o estrato social, mas sem dúvida e com prioridade os que estão em situação de risco e vulnerabilidade social, tanto quanto nós, profissionais que fazemos esse atendi- mento. Isso é pensar carne e osso, são pessoas, seres humanos trabalhando para seres humanos. Como vimos a partir da afirmação de Unamuno em relação à filosofia, que deve ser concreta e que também serve para o Serviço Social. “O problema mais trágico da filosofia [Serviço Social] é conciliar as necessidades afetivas e voli- tivas [...] Não basta pensar, devemos sentir o nosso destino" (UNAMUNO, 2013, p. 31, grifo nosso). O Paradigma Predominante no Campo da Gestão e Análise de Configurações CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Com isso, quero dizer que devemos pensar o Serviço Social como uma profissão (não um partido político ideológico, nem um movimento socialista, nem um sindicato, nem um movimento libertário revolucionário) que se ocupa do cotidiano, em que as relações sociais e humanas são realizadas e ações são pensadas para melhorar a sua qualidade de vida, o que é feito por pessoas para pessoas, visando o bem-estar comum, justo e digno. O que é diferente do atual pensamento hegemônico que vê a profissão como um meio de militância para consecução de uma ideologia específica (socialismo e comunismo), em que o profissional deve defender um projeto ético-político profissional, ideológico e partidário, que mais representa um programa político e tem pouca ou nenhuma aplicabilidade congruente com uma profissão que, via de regra, enfrenta as limitações dos espaços sócio-ocupacionais e o desafio de materialização e justificativa de sua participação na divisão social do trabalho. O que fica ainda mais desafiador quando pensamos na atuação no campo da gestão social e de projetos, que requer mais objetividade do que ideologia como mostro mais à frente nas demais unidades. Nos mais de 20 anos de carreira como professor em Serviço Social, sempre que encontro um(a) aluno(a) pergunto qual a principal exigência das organiza- ções que o contrata.A resposta é quase sempre a mesma, “elaborar projetos”. Por isso que é necessário, e é esse o meu convite a todos(as), de termos uma disposi- ção mental e epistemológica diferenciada. Mas para exercitarmos essa reflexão mais dialógica do que dialética e em uma perspectiva pragmática-sistêmica- -crítica, é preciso eliminar alguns males que têm impedido a nossa reflexão e, consequentemente, uma visão mais ampla do Serviço Social como profissão, de forma geral e no campo da gestão social de forma específica. Como veremos no próximo tópico. ©shutterstock Eixos de Contextualizadores que Influenciam no Processo de Gestão na Atualidade Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 CONFIGURAÇÃO CONTEXTO: EIXOS DE CONTEXTUALIZADORES QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DE GESTÃO NA ATUALIDADE É importante salientar que quando pensamos o Serviço Social como profissão de carne e osso, ou seja, de forma concreta, deparamos- -nos tanto com avanços como também com limitações efetivas, principalmente quanto aos espaços sócio-organizacionais. Por exemplo, quanto ao desafio do trabalho intersetorial, em que fica ainda mais complexo e desafia- dor a atuação dos profissionais. Pois a cada dimensão da atuação profissional, requer uma maior precisão quanto a sua clareza e propó- sito profissional frente às demais disciplinas e demais profissionais. Nesse sentido, é preciso dizer com clareza, objetividade o que se faz, como se faz e por que se faz. O que remete a explicitação de questões concretas, como métodos, técnicas, e também, e fundamentalmente, a postura ética frente a essas questões. Da mesma forma os saberes que, no caso do Serviço Social, considerando sua histórica, origem e natureza interventiva, não há como negar que o seu saber é um saber que se alimenta da realidade, o que leva a um modo específico de pro- duzir conhecimento. No caso, um tipo de praxiologia (práxis =prática pensada) + logia (estudo) = estudo da prática pensada), ou seja, conhecimento crítico da rea- lidade para um objetivo específico, intervir na realidade. E a forma mais concreta dessa intervenção é por meio dos planos, programas, projetos e serviços sociais. Por isso, conhecer somente não é suficiente, é preciso intervir. Diante disso, os dois mundos precisam estar sempre em diálogo (dialógico preferencialmente): o mundo da academia e o mundo do mercado ou da prática profissional. Quando o primeiro quer ser dono da verdade e se apropria de uma única forma de pen- sar e ver o mundo e formar os profissionais em uma única cosmovisão, podemos CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 correr o risco de, teoricamente, estarmos indo em uma direção, enquanto a prá- tica e as exigências e demandas sociais da sociedade correm em outra. E isso ocorre principalmente pela falta de clareza e objetividade junto aos demais seto- res, saberes e profissionais no campo da gestão social. Vejamos melhor essa questão. Primeiro é importante resgatar a história e origem do Serviço Social que teve, há mais de 100 anos, o seu primeiro marco científico e profissional registrado na proposta de Mary Richmond nos livros Diagnóstico Social, em 1917 e O que é Serviço Social de Casos, em 1922. Não é o propósito e nem teríamos espaço e tempo para apresentar a arqui- tetura dessa proposta. Basta afirmar e lembrar que esses trabalhos foram fruto de um contexto que requeria uma ação mais profissional e mais científica do trato com a pobreza e as pessoas em situação de marginalização. Um contexto em que o Estado ainda não tinha uma maior participação, em que a miséria e pobreza assolavam as sociedades em crescimento industrial e que movimentos sociais buscavam gerar reformas na sociedade. Exemplo do movimento feminista a favor do sufrágio universal, no qual assistentes sociais pioneiras, como Mary Richmond e Jane Adams tiveram par- ticipação efetiva. Jane inclusive recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1931, além de projetos, como os Centros Comunitários e a Residência Social e as primeiras escolas de formação de profissionais. A proposta, principalmente de Richmond, foi pautada em experiência profissional efetiva. Ela entrevistou e analisou mais de 2.800 casos,e não foi só uma observadora, ou uma “intelectual” que formula teorias e que as práticas ficam a cabo dos profissionais de campo, como acontece atualmente no Brasil, principalmente em relação à produção do Serviço Social, muita teoria e ideologia e pouca prática e instrumentalidade. O que, no processo de intersetorialidade, nos dá uma desvantagem muito grande, pois outros profissionais e saberes têm tido essa preocupação, a qual, ao que parece, o Serviço Social do século XXI se esqueceu. Por isso é importante que se recupere essa capacidade de pulsar conforme o contexto e as demandas exigem dessa profissão dinâmica. É nessa perspectiva que é necessário, mesmo que brevemente, destacar o que chamo de eixos contextualizadores do século XXI, que, em grande medida, afetam o fazer profissional e, consequentemente, no processo de gestão social. Esses eixos seriam: Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 a. Males da modernidade: esse primeiro eixo é defendido por Charles Taylor, principalmente em suas obras, Ética da Autenticidade (2009), Imaginários Sociais (2004) e Fontes do Self (2013). Esse autor considera que não passa- mos para uma pós-modernidade, pois ainda não esgotamos os impactos da passagem da idade média para a modernidade, desta o que ele deno- mina de principais males da modernidade, são três: 1. Individualismo: vivemos uma época de niilismo radical, relativista centrada no ego, no eu, o que ressalta o narcisismo exacerbado e leva a perda do interesse pelas outras pessoas e pela sociedade de forma geral, ou seja, perde-se o horizonte de uma visão de vida em sociedade e busca pelo bem-comum. 2. Razão instrumental: avanço das novas tecnologias e da lógica de acumulação de capital, a centralidade está na busca de resultados por resultados, do uso dos meios somente para fins, sem se preocupar como os processos. 3. Despotismo e fragilidade do espaço público: cada pessoa está cen- trada em si mesma ou grupos que lutam por seus próprios interesses, que se concentram em garantir as suas reivindicações, busca de reco- nhecimento e autorrealização, sem se importar com os outros de seu entorno, gerando uma identidade do EU DESENGAJADO, pois a for- mação das identidades na modernidade não se dá isoladamente, mas a partir das relações e convivência como seu meio e seus pares. b. Sociedade do Hiperconsumo: esse eixo é de máxima importância na atualidade, pois segundo Lipovetsky (2007), principalmente em sua obra A felicidade paradoxal, o consumo deixa de ser uma questão de status para ser uma necessidade emocional, o que altera profundamente o modo de conduta social das pessoas, ou seja: De um consumidor sujeito às coerções sociais da posição, passou-se a um hiperconsumidor à espreita de experiências emocionais e de maior bem-estar, de qualidade de vida e de saúde, de marcas e de autentici- dade, de imediatismo e de comunicação (LIPOVETSKY, 2007, p. 27). Essa constatação faz com que as pessoas que tenham recursos, atendam a esses apelos de consumo. Mas, e as pessoas que não têm recursos para saciar esse desejo de consumo, o que fazem? Eixos de Contextualizadores que Influenciam no Processo de Gestão na Atualidade ©shutterstock CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 Em grande medida explica a busca por alternativas, como o crime, as drogase os meios ilícitos para apla- car o desejo de consumo de reconhecimento, mesmo que com o risco de ser preso e de perder a vida. O que também desafia as políticas sociais. Por exemplo, enquanto programas sociais ofe- recem bolsas auxílio para jovens saírem do crime, cujos valores são ínfimos, muitos preferem voltar ao crime, ao tráfico, pois em pouco tempo ganham mais e têm acesso mais rápido aos bens de consumo que atendem às necessidades geradas pela cultura do hiperconsumo, levando a um vazio profundo existencial (LIPOVETSKY, 2010) e uma cultura-mundo (conceito de mundialização do consumo), sem identidade própria, mas uma identidade forjada, superficial e performática (LIPOVETSKY, 2013). Essa constatação eleva o desafio de pensar intersetorialmente, em que saberes diferentes têm que negociar leituras e formas alternativas. Isso porque se tiver- mos uma visão única e limitada a só críticas à política econômica, não teremos como contribuir com processos interventivos de impacto. O que leva a refletir sobre outro eixo de contextualização. c. Nova cultura do capitalismo: essa nova cultura está muito atrelada ao eixo do hiperconsumo, que também é destacado por Sennett (2006) no livro A nova cultura do Capitalismo. O autor destaca que os processos recentes da globalização do capital pro- duziram vários impactos, entre eles a fragmentação das instituições que desafiam os valores e práticas que sejam capazes de manter as pessoas uni- das, integradas, solidárias. E para enfrentar essa complexidade, os seres humanos têm que enfrentar três grandes desafios, a saber: 1º- tempo: como fazer mais, em menos tempo? 2º - talento: como criar novas capa- cidades num mundo em que tudo fica rapidamente obsoleto? 3º - deixar o passado para trás, viver na incerteza. Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 E esses desafios, levam as pessoas a viverem de forma desfavorável, pois percebe-se que um dos elementos de maior importância e natural do ser humano, o ato ou a habilidade social de cooperar e de estar junto, vem se perdendo. Em seu lugar reina um processo de cooperação fraca e solida- riedade fingida (SENNETT, 2012) e um processo crescente de desrespeito, principalmente por meio das políticas sociais (SENNETT, 2004). d. Sociedade do cansaço: expressão utilizada pelo filósofo coreano e natu- ralizado alemão Byung-Chul Han na obra A Sociedade do Cansaço (HAN, 2014). Tendo como referência a distinção entre a negatividade e positi- vidade em Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770- 1831), ou seja, entre a oposição de uma relação baseada na alteridade e uma relação centrada na permissividade do idêntico, Han (2014) faz uma aguda crítica às impli- cações das transformações culturais, destacando os meios e tecnologias comunicacionais do nosso tempo e principalmente em relação às novas configurações do trabalho, da atenção e da doença mental. Han (2014) destaca que a hipercomunicação é, no contexto do século XXI, uma modalidade de violência da sociedade positiva (por oposição à sociedade negativa). Está ligada a vários excessos, particularmente a uma sobrecarga da produtividade e dos estímulos midiáticos e da busca de resultados só positivos, do sucesso pelo sucesso ou ainda da ditadura da felicidade. Reforçando esse entendimento e impacto da sociedade do cansaço e con- forme a reflexão do autor apresentado anteriormente, podemos verificar que enquanto o século XX foi considerado como uma era viral, o século XXI é caracterizado como uma era neural. Ou seja: “de um ponto de vista patológico, não é o princípio bacteriano nem o viral que caracterizam a entrada no século XXI, mas, sim, o prin- cípio neural” (HAN, 2014, p. 9). Ainda nessa direção, o autor destaca: A violência neural não parte de uma negatividade alheia ao sistema, mas é, sim, uma violência sistemática, ou seja, imanente ao sistema. Tanto a depressão como o TDAH ou a SB apontam para um excesso de positividade (HAN, 2014, p. 17). Eixos de Contextualizadores que Influenciam no Processo de Gestão na Atualidade CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 Isso faz com que as doenças mentais, sejam de déficit de atenção, TOC, doen- ças degenerativas, se mostrem como a marca do desgaste mental do cidadão do século XXI, em que a imagem, potencializadas pelas mídias e redes sociais, gere tipos alterados de relações sociais, tanto para o bem (mobilização social e transparência da informação) como para o mal (superficialidade e distorção do conhecer mais profundo). Isso faz com que o modo de se trabalhar com as pessoas e, consequentemente, junto às políticas públicas e sociais, seja cada vez mais desafiador. Cada profissão e profissional deve saber qual a sua contribuição frente a esse eixo e demandas que são encaminhados e que exigem respostas a sua efetividade, o que vai além de mera “leitura crítica da realidade” ou da pretensão de “garantir direitos”. e. Capitalismo afetivo e terapêutico: corroborando com os demais eixos destacados, a contribuição da socióloga Israelense Illouz, no traba- lho O amor nos tempos do capitalismo (ILLOUZ, 2011), nos alerta quanto a essa dimensão extremamente potencializa pelos impactos da moder- nidade, principalmente a apontada por Taylor, sobre o individualismo, em que o sentimentalismo deixa de ser uma questão aparentemente só da psicologia ou das ciências do comportamento e se apresentem como objeto de máxima importância para o campo social. Como destaca a autora sobre o assunto. O afeto é uma entidade psicológica, sem dúvida, mas é também, e tal- vez até mais, uma entidade cultural e social: através dos afetos nós po- mos em prática as definições culturais da individualidade, tal como se expressam em relações concretas e imediatas, mas sempre definidas em termos cultuais e sociais (ILLOUZ, 2011, p. 10). No tocante à gestão social e, principalmente, o pensar do agir em con- junto com outros saberes (intersetorialidade e interdisciplinaridade), essa constatação é vital, pois explica, em grande parte, porque muitas ações não recebem o apoio e adesão das populações alvo dessas políticas, pois os sentimentos, segundo Illouz, “[...] organizam-se hierarquicamente, e esse tipo de hierarquia afetiva, por sua vez, organiza implicitamente os arranjos morais e sociais.” (ILLOUZ, 2011, p. 11). Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 Um exemplo real desse fator. Em minha cidade, Toledo-PR, há algum tempo, um vereador, para mostrar serviço à comunidade que o elegeu, conseguiu construir uma praça num bairro. Praça dá visibilidade, logo, ele achou que garantiria os votos para a próxima eleição. Foi realizada a obra, feito a inauguração com toda divulgação possível. Em outro ponto da cidade, um grupo de moradores de um bairro reivindicou, a Prefei- tura, a urbanização de um espaço público que estava ocioso e servindo de ponto de marginais e no local construir uma praça, sendo que a comuni- dade teria o compromisso de dar manutenção à praça solicitada. E assim, foi atendido a reivindicação da população desse outro bairro. O que aconteceu: a primeira praça, pouco tempo depois da inauguração, o espaço já está quase destruída pelos próprios moradores. Já a outra praça existe até os dias atuais em plena conservação. Veja como sentimentos, intenções e valores são importantes, principalmente para projetos no campo social e, sobretudo, com o dinheiro público. Esse fator afeta substancialmente a construção do imaginário social (visão de vida e de mundo que as pessoas têm) da população. Eu fiz essa cons- tatação num estudo que realizei no pós-doutoramento, em que fiz um estudo de caso específico do fracassoda gestão dos empreendimentos de economia solidária (OLIVEIRA, 2014). Veja, estou gastando um tempo maior dando ênfase a essa questão, por ela ser vital. No referido estudo sobre os empreendimentos sociais solidários, por exemplo, constatei que os sentimentos e imaginário social dos militantes e gestores sobre o ideal da economia solidaria é um, e dos trabalhado- res é outro. O que faz com que se desperdíce recursos, tempo e não se alcance os resultados desejados por uma política pública e social que, de fato, faça diferença. Isso também pode ser um fracasso no campo da ges- tão social, dos planos, programas, projetos e serviços sociais. Eixos de Contextualizadores que Influenciam no Processo de Gestão na Atualidade CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 Além de que, essa questão do afeto, da emoção, do sentimentalismo leva a outra constatação: o surgimento de um tipo de política-afetiva, em que o uso dos recursos das políticas públicas e sociais, se observarmos com maior criticidade e objetividade, no fundo, estão mais a serviço dos interes- ses de movimentos e grupos sociais e ideológicos específicos, que buscam muito mais a sua autenticidade e o reconhecimento do que o bem-comum ou o direito e justiça para todos, ou seja “o Capitalismo afetivo reali- nhou as culturas dos sentimentos, tornando emocional o eu econômico e fazendo os afetos se atrelarem mais estreitamente à ação instrumen- tal” (ILLOUZ, 2011, p. 39, grifo nosso). A mesma autora acrescenta que: [...] a narrativa terapêutica surge do fato de o indivíduo ter se inseri- do na cultura impregnada pela ideia dos direitos. Indivíduos e grupos têm reivindicado cada vez mais seu “reconhecimento”, ou seja, exigin- do que seu sofrimento seja reconhecido e remediado pelas institui- ções. (ILLOUZ, 2011, p. 82, grifo nosso). Essa constatação é muito importante, principalmente para o Serviço Social, pois nos faz repensar, com maior profundidade e concretude (carne e osso), sobre o papel e função de “garantir direto”, um discurso muito comum e recorrente na categoria, fortemente influenciada pelo pensamento hegemônico (predominante, que é o marxismo). Pois, corre o risco de estarmos alimentado um sentimentalismo irrealista que mais contribui para fugirmos de nossos reais e efetivos desafios na construção da cidadania plena em nossos dias. Isso porque se pensarmos em carne e osso, muitas vezes não garantimos os nossos direitos, quanto mais que- rermos garantir os direitos dos outros. Além do que, há os promotores públicos para fazer isso, não é mesmo? f. Sociedade Excitada: por fim, reforçando a corroboração dessa constata- ção e em outra matriz teórica, é possível constatar o desafio do viver e de trabalhar no campo da intersetorialidade, a partir da análise de Christoph Türcke no livro Sociedade excitada –filosofia da sensação (TÜRCKE, 2010). O autor, a partir da junção e diálogo entre a matriz freudiana e marxista e em uma visão crítica, apresenta um tipo de arqueologia da sensação como um diagnóstico e caracterização do mundo contemporâneo. Destaca a força do “espetáculo” com a fisiologia da sensação, em outras palavras: Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 [...] o mais notável é que, justamente, a alta pressão noticiosa do pre- sente, que quase automaticamente associa ‘sensação’ a ‘causar sensação’, não apenas se sobrepõe ao sentido fisiológico antigo de sensação, mas também o movimenta de uma nova maneira. Ou seja, se tudo o que não está em condições de causar uma sensação tende a desaparecer sob o fluxo de informações, praticamente não sendo mais percebido, então isso quer dizer, inversamente, que o rumo vai na direção de que apenas o que causa sensação é percebido (TÜRCKE, 2010, p. 20, grifo nosso). Nesse sentido e com esse eixo, quero destacar que o autor corrobora com a ideia de que o cenário do século XXI é mais emocional do que racional, é uma “Sociedade da sensação”, em que o que mais as pessoas querem é o espe- tacular, o sensacional. Basta vermos o crescimento das chamadas palestras “espetáculos”, em que as pessoas riem de piadas e palavras pré-fabricadas de jargões motivacionais e são apresentados como “capacitação” para os funcioná- rios. Passados alguns minutos, as pessoas nem sabem qual foi o tema tratado. Isso é, as pessoas querem mais entretenimento do que conhecimento, o que pode ser visto no crescimento da literatura de autoajuda. O que, decorrente à potencialização dos meios da tecnologia, gera um tipo de vício da exci- tação, o que leva, conforme destaca Türcke (2010), a surgir uma sociedade distraída, em que questões de maior importância e de maior impacto coletivo deixam de ser percebidos, pois exist,e hoje, uma intensificação dos estímulos. Nisso, se políticas e ações de intervenção social, seja de qual for a área ou disciplina, não se preocuparem com esse efeito e talvez até não desen- volverem ações que gerem essa “excitação”, é bem provável que teremos sérios problemas com a adesão da população às atividades, principal- mente intersetoriais. Até aqui, vimos como pensar a intersetorialidade leva, inevitavelmente, a outras temáticas que estão entrelaçadas e que as disciplinas e setores são afetados por esses eixos que, resumidamente, foram aqui sinalizados. Partindo do pressuposto, de que o Serviço Social é uma disciplina que vem sendo renovada e buscando sempre estar atendendo as demandas do contexto em que está inserida, a questão é, hoje, mais do que nunca, refletir sobre o que e como o Serviço Social se apresenta. É o que pre- tendo mostrar no próximo tópico. Eixos de Contextualizadores que Influenciam no Processo de Gestão na Atualidade CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 CONFIGURAÇÃO PESSOAS: ELEMENTOS QUE MINAM O BOM PENSAR E A GESTÃO DE PLANOS, PROGRAMAS, PROJETOS E SERVIÇOS NO CAMPO SOCIAL Como futuros profissionais em Serviço Social e considerando, ainda, a influên- cia do pensamento hegemônico como sendo, para muitos, a base e parâmetro teórico-metodológico, é importante ressaltar que no campo da gestão social e entre outros profissionais e outras disciplinas, a visão é outra. Como mostrei acima, é predominantemente pragmática e sistêmica, o que requer dos(as) assis- tentes sociais um esforço maior para se apropriarem dessa cultura e linguagem própria da gestão. Como nos ensina um grande teórico italiano Bobbio (1999), não basta só repetir o mantra marxista “é preciso transformar o mundo” sem dizer como e quando, ou seja: Por isso mesmo não tem nenhum sentido dizer, como faz o revolu- cionário repetindo o mote de Marx, que é necessário transformar o mundo, se não se diz, repito, quais os resultados que se pretende alcançar e quais os meios a utilizar para isso (BOBBIO, 1999, p. 108, grifo nosso). Você sabia que o pensamento de Mary Ellen Richmond (1861-1928), pionei- ra do Serviço Social, principalmente apresentado no trabalho Diagnóstico Social lançado em abril de 1917, nos E.U.A, e que em 2017 completará 100 anos, tem sido alvo de muitos estudos que revelam a sua importância his- tórica, mas também e principalmente sua pertinência na atualidade? Como exemplo, ver o estudo de Dellavalle (2011) sobre a atualidade do pensamen- to de Richmond, na Itália, e de Aranda (2003), na Espanha, e que mostra, de forma contundente, a história desse pensamento e sua vinculação com o pragmatismo e o interacionemos simbólico. E ainda o trabalho de Silva (2004), professora da PUC-RJ, que mostra como o pensamento de Mary Ri- chmond aqui no Brasil é importante para os fundamentos da profissão e seu modo peculiar de produzir conhecimento.Fonte: o autor. Configuração Pessoas: Elementos que Minam o Bom Pensar e a Gestão de Planos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 Esses eixos contextualizadores afetam principalmente os profissionais da área social. No entanto, existe o que chamo de males que minam o bom pensar, de forma geral e de forma específica no Serviço Social, tanto na comunidade aca- dêmica como em sociedade de forma geral, chamo de “problemas tóxicos do bom pensar”. Seriam eles: a. Praga do Politicamente “correto”. E o que seria isso? Em linhas gerais, seria falar o que agrada a maioria e no fundo não ter opinião própria. O que leva as pessoas a falarem mais do mesmo só pra agradar e serem aceitos no grupo, na categoria, receber aplausos, elogios, o que gera um pensa- mento do tipo manada. Como muito bem explicado por Dalrymple sobre o termo politicamente correto, ou seja, “o politicamente correto é muitas vezes a tentativa de tornar o sentimentalismo socialmente obrigatório ou aplicável por lei” (DALRYMPLE, 2015 p. 33). Esse tipo de postura tem feito com que o debate no Serviço Social não saia da mesmice. Quando uma pessoa sai da “caixinha”, no caso do atual pensamento hegemônico, marxista, é rotulado e estigmatizado como neoliberal, favorável ao sis- tema capitalista, funcionalista, positivista, conservador, liberal como se essa coisas fossem as mais horríveis do mundo e, portanto, politicamente incorretos e que devem ser combatidos. Isso é uma postura dialética e não dialógica. E precisa mudar, pois se só falarmos mais do mesmo, só tere- mos os mesmos resultados, não há crescimento, inovação e sem isso, no mundo atual, corremos o risco de morrermos. b. Maniqueísmo. Como consequência do pensamento do “politicamente correto”, vemos, no Serviço Social brasileiro e na atualidade (2016), uma cultura marcada pelo discurso e pensamento maniqueísta, mesmo que não admitido explicitamente. A palavra e expressão maniqueísmo vêm da existência de um movimento dualista religioso e sincretista que se origi- nou na Pérsia e foi amplamente difundido no Império Romano entre os séculos III d.C. e IV d.C. A principal característica desse movimento era uma doutrina que consistia basicamente em afirmar a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz (o Bem) e o das sombras (o Mal), em outros termos ou as pessoas eram desse movimento e eram do reino da luz portanto do eixo do bem ou estando fora desse grupo automatica- mente faz parte do reino das trevas e, portanto do eixo do mal. Semelhante à lógica de Guerra nas Estrelas, “lado escuro da força”. Isso, no campo das ideias, só faz com que se perca a oportunidade de aprendermos uns CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E34 com os outros, e isso no Serviço Social no Brasil e na atualidade, é muito claro, pois as rotulações quando você não é politicamente correto, por- tanto, marxista e do eixo do bem, automaticamente você é do eixo do mal, é conservador e, logo, defensor do capitalismo, da burguesia, a favor da injustiça, da exploração etc. Para o campo da gestão social, isso não é relevante e, portanto, pouco produtivo ter uma visão e discurso manique- ísta, pois precisamos saber nos relacionar com outras vertentes e campos e disciplinas do conhecer humano. c. Gripto-identidade ou identidade forjada. Essas duas posturas anteriores levam a um terceiro elemento tóxico. Como as pessoas do eixo do bem e politicamente corretos são austeros na defesa de seus projetos, de suas crenças e de seus fundamentos levam as pessoas que não têm coragem de pensar por si mesmas ou fora da caixinha a criarem uma gripto-identi- dade ou uma identidade forjada, falsa. Gripto no sentido de griptografia como sendo um código, uma forma secreta de se esconder a verdadeira identidade ou forma de pensar da pessoa, em outros termos, fala uma coisa e vive outra. Muito semelhante do que aconteceu com os Judeus na época da inquisição. Muitos se “converteram” ao Cristianismo pra sobre- viver, mas de uma maneira culpada e secreta continuavam a cultivar suas crenças. Na frente dos outros uma coisa, no privado outra. Igual ao que ocorre no Serviço Social de forma geral, muitos não dizem o que real- mente pensam, com medo de serem reprimidos, corrigidos, rotulados, levando a serem politicamente corretos e maniqueístas. d. Sentimentalismo, romantismo e irracionalidade. Esses elementos per- meados pelo ressentimento são característicos de outro elemento tóxico do bom pensar, que é o sentimentalismo, o romantismo e a irracionali- dade do debate acadêmico e filosófico, que se torna mais ideológico do que lógica e racional. Theodore Dalrymple, um autor inglês, no livro, Podres de mimados: as consequências do sentimentalismo tóxico (DALRYMPLE, 2015), destaca que o sentimentalismo é a expressão da emoção sem jul- gamento. E ressalta: Talvez ela (sentimentalismo) seja pior do que isso: é a expressão sem reconhecimento de que o julgamento deveria fazer parte de como de- vemos reagir ao que vemos e ouvimos [...] O sentimentalismo é, por- tanto, infantil (porque são as crianças que vivem em um mundo tão facilmente dicotomizável) e redutor de nossa humanidade (DALRYM- PLE, 2015, p. 87). Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 Outra estudiosa do assunto, Eva Illouz, socióloga Israelense, no livro, O amor nos tempos do capitalismo, destaca: “[...] os sentimentos, portanto, organizam-se hierarquicamente, e esse tipo de hierarquia afetiva, por sua vez, organiza impli- citamente os arranjos morais e sociais” (ILLOUZ, 2011, p. 11) e ainda, conclui: O afeto é uma entidade psicológica, sem dúvida, mas é também, e talvez até mais, uma entidade cultural e social: através dos afetos nós pomos em prática as definições culturais da individualidade, tal como se expressam em relações concretas e imediatas, mas sempre definidas em termos cultuais e sociais (ILLOUZ, 2011, p. 10, grifo nosso). Nesse sentido, toda e qualquer discussão que leva mais para o lado do sentimen- talismo do que da razão e da lógica se apresenta como sendo romântica, que fica só com base nos sentimentos e não nos fatos, o que leva a uma visão de mundo aparentemente com algum sentido, mas totalmente irracional. Imagine você, quando estiver discutindo estratégias para elaboração de um plano de progra- mas, projetos e serviços com essa característica? No caso do Serviço Social, um dos exemplos mais expressivos desse roman- tismo, sentimentalismo e irracionalidade é a defesa quase que religiosa do “projeto ético político profissional”. Por exemplo, é muito comum em eventos da catego- ria, em que os principais palestrantes soltam frases de efeito do tipo: “temos que defender o projeto ético político profissional a todo custo, mesmo que signifique a nossa demissão”. Sim, temos que defender e ter parâmetros éticos profissio- nais, mas como qualquer outra profissão, ao darmos essa conotação e ter como principal eixo desse projeto a consolidação de uma nova ordem sociedade (vide socialismo e comunismo), deixamos de ser uma profissão para sermos qualquer coisa, movimento social, sindical etc., mas não uma profissão. Isso é sentimen- talismo, romantismo e irracionalidade, levar esse tipo de mentalidade para o processo de gestão social é, no mínimo, limitante e limitador. O que reforça a tese do capital afetivo de Illouz, em que: “o Capitalismo afe- tivo realinhou as culturas dos sentimentos, tornando emocional o eu econômico e fazendo os afetos se atrelarem mais estreitamente à ação instrumental” (ILLOUZ, 2011, p. 39). No campo da gestão, esses elementos podem fazer a diferença, tanto no campo privado, público como da sociedadecivil, e principalmente, quando hoje se dá uma grande importância ao trabalho intersetorial e interdisciplinar, Configuração Pessoas: Elementos que Minam o Bom Pensar e a Gestão de Planos CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E36 em que clareza, objetividade e determinação são fundamentais, o que certas ide- ologias limitam. Isso gera outro problema, que veremos a seguir. Finalizando essa parte de nosso estudo, quero sugerir o antídoto para essas patologias intelectuais tóxicas para o bom pensar no Serviço Social e que afe- tam diretamente o processo de gestão, a saber: 1. Ousar em ter e construir opinião própria e com fundamentação. 2. Ser valente, corajoso e autêntico e ser o que realmente é. 3. Uma visão mais ampla do ser humano e da sociedade de forma mais clara, objetiva e menos sentimentalista e romanizada. 4. Maturidade, humildade e honestidade intelectual. 5. Vigilância epistemológica que permite ver, ler e intervir na realidade humano-social de fato e de verdade e não só de forma ilusória e fictícia. 6. Relações e debates dialógicos e não dialéticos e fortalecer a pluralidade de fato e de verdade e não mera tolerância e subordinação passiva e inferioridade de uma hegemonia com base em uma ideologia ultrapas- sada e de pouca aplicabilidade prática e profissional. Agora vamos à última configuração, que enfatiza a questão das organizações. CONFIGURAÇÃO ORGANIZAÇÕES: VELHOS E NOVOS ARRANJOS SÓCIO-ORGANIZACIONAIS Um dos maiores intelectuais no campo da gestão é, sem dúvida, Peter Drucker. Em um livro do final da década de 1980 e quase que em uma visão profética, Drucker enfatiza que a marca do século XX, e consequentemente, do século XXI, é que vivemos e dependemos das organizações e, assim, a função de administra- ção adquire uma dimensão social, ou seja: Numa esmagadora maioria, as pessoas nas sociedades desenvolvi- das são empregadas de alguma organização; ganham a vida graças à renda coletiva de uma organização, encaram suas oportunidades de carreira e sucesso basicamente como oportunidades dentro de uma or- ganização [...] e cada uma dessas organizações, por sua vez, depende Configuração Organizações: Velhos e Novos Arranjos Sócio-Organizacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 da administração o que de outro modo seria uma massa [...] Numa sociedade de organizações, a administração passa a ser uma função social fundamental, e as equipes administrativas se transformam no órgão determinante e diferencial da sociedade (DRUCKER, 1986, p. 168, grifo nosso). Note você a importância que esse grande mestre da administração, já no final da década de 1980, sinalizava o que outros autores na atualidade vêm aprofundando, ou seja, que vivemos em uma era regida por organizações e que elas, dada a sua importância, veem na administração, ou seja, na gestão, um elemento vital. E é importante salientar que é por meio das organizações que planos, programas, projetos e serviços sociais são materializados. Reforçando a importância dessa configuração, é possível, e necessário, des- tacar a proposta dos estudos de desenho das organizações eficazes. Refiro-me ao trabalho de Henry Mintzber, principalmente em sua obra prima sobre o tema, Criando Organizações eficazes: estruturas em cinco configurações (MINTZBER, 2012), em que defende a ideia de que as organizações, conforme é estruturada, pode definir seu sucesso ou fracasso, bem como determinar seu ritmo e coexis- tência com o ambiente em que está inserida. O autor supracitado defende uma configuração de cinco pontos, a saber: 1) cúpula estratégica; 2) Tecnoestrutura; 3) Assessoria de apoio; 4) Linha intermediária e 5) núcleo operacional. O autor explica que a estrutura de uma organização pode ser definida a partir da maneira como as atividades são divididas e a forma como são coordenadas as tarefas. Quanto mais a organização cresce, mais ela fica com- plexa, exigindo um maior saber administrativo, gerando elementos e estilos de gestão, tanto formal quanto informais que devem ser observados e levados em consideração. Um bom exemplo disso, percebi quando trabalhei como assistente social na área de Recursos Humanos em uma empresa multinacional alemã de autopeças. Era uma estrutura de fábrica gigantesca, com mais de 2.000 funcionários e em uma formatação clássica, olhando de maneira formal. Mas havia um fenômeno informal chamado “radio pião” que em si seria entendido como “fofoca” ,que gerava muitos falatório. Mas também mexia com o comportamento dos funcio- nários, principalmente se a rádio pião sinalizava cortes e desemprego, isso gerava um clima muito ruim. Isso é, mesmo sendo informal essa estrutura de comuni- cação influenciava o comportamento humano dentro da organização. CONTEXTO, ORGANIZAÇÕES E PESSOAS: ELEMENTOS QUE INTERFEREM NO PROCESSO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E38 Em outros termos, é preciso que no processo de gestão social, se analise essa configuração, organização, pois ela pode determinar a qualidade desse processo, pois: “[...] uma estrutura eficaz requer a criação de uma nova configuração, uma combinação original, embora consistente, dos parâmetros de design e dos fato- res situacionais” (MINTZBER, 2012, p. 327). Para ilustrar essa perspectiva, ao final desse livro, Mintzber (2012) relata o momento muito interessante da mudança não só de nome, mas também de missão e de configuração de uma organização antiga. A presidente estava se encaminhando para o último ato antes de sua aposentadoria. Então, ocorreu um acidente quando se dirigia para uma cerimônia da pedra fundamental de uma fábrica que seria a maior na área da produção de cerâmica. Ela tropeçou em uma pá e caiu em uma poça de lama, sujando o seu vestido. Nesse momento, houve um misto de indig- nação e de nostalgia, pois ao cair na lama, teve um contato direto com a terra, que a fez lembrar-se de seus primeiros passos rumo ao que se tornou uma grande empresa. Percebeu e confirmou que o mais importante do que ganhar dinheiro com vasos, é fazer vasos funcionais, úteis e importantes para a vida das pessoas. Como último ato, mudou o nome da empresa, passando a se chamar de Vasos da Terra, o que deu nova configuração, sentido e significado à empresa e aos seus funcionários, alterando, assim, os seus planos, programas, projetos e serviços. Se isso ocorre em empresas privadas, o que se pode dizer de organizações públicas e da sociedade civil? Será diferente? Claro que não! E muito ao contrário, as organizações públicas e da sociedade civil são geridas e envolvidas por valores que são muito mais subjetivos e que tornam sua gestão ainda mais complexas e, consequentemente, ainda mais desafiador o fazer na gestão de programas e projetos. Como um discurso ideológico pode sustentar uma prática concreta que requer a elaboração de planos, programas, projetos e serviços sociais que colocados em prática produzem efeitos efetivos? Como manter a coerência e a relação entre teoria e prática? Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS Aluno(a), chegamos ao final dessa primeira unidade. Procurei mostrar a impor- tância de darmos atenção a alguns fatores e elementos que, muitas vezes, não são destacados na literatura especializada, de forma geral e no Serviço Social de forma específica. Mostrei isso por meio de três configurações: a) contexto, b) pessoas e c) organizações. Esses elementos e configurações são relacionados ao bom pensar, ter um paradigma mais adequado, no caso, apontamos como predominantemente hoje na área de gestão, opensamento sistêmico e pragmá- tico crítico. Chamei a atenção para o fato de que no Serviço Social é preciso, dar a atenção a essas três configurações para realizar um processo de intervenção profissional mais eficaz, principalmente considerados os desafios do trabalho intersetorial e interdisciplinar. Isso requer; dos profissionais, mais do que discursos bem intencionados de revolução. Pois, não basta ler criticamente a sociedade e dizer que tem que trans- formá-la, mas é preciso saber como fazer isso. É esse o maior desafio da atualidade para o Serviço Social, dar visibilidade, materialidade e, sobretudo, resultados congruentes com o falar e o fazer. O que me faz lembrar uma verdade dita a quase 100 anos por Mary Richmond (apud SILVA, 2004, p. 105) que afirma que assim como o escritor é um artífice em sua profissão, assim também o assistente social deve ser em sua área de atuação, ou seja, “um artífice das relações sociais”. Com isso, ouso afirmar, e espero que você concorde comigo, que o assis- tente social no século XXI é um profissional artífice do design social, em que, junto com os nossos usuários e clientes, encontramos os recursos e estratégias para superar a pobreza, desigualdade e injustiças de nosso tempo. Vamos abrir as mentes e corações para realizar um ótimo trabalho no campo da gestão social. 40 1. Dos eixos de contextualização que apresentamos e que interferem no pensar e agir na área de gestão social, qual que lhe chamou mais atenção? Explique essa escolha. 2. Conceitue, com suas palavras, o que seria o paradigma-sistêmico-crítico? 3. Por que uma ideológica revolucionária tem problemas de materialização de ações concretas na intervenção social por meio do Serviço Social? 4. Das três configurações apresentadas, qual, na sua opinião, mais interfere na ela- boração e gestão de programas, projetos e serviços sociais? 5. Na sua opinião, considerando o que foi apresentado nessa primeira unidade, qual a importância da habilidade e competência de gestão de projetos sociais para o assistente social na atualidade? 41 RESENHA: AS FONTES DO SELF, DE CHARLES TAYLOR O filósofo canadense Charles Taylor, autor do excelente Hegel-Sistema, Método e Estru- tura, procurou analisar, em sua obra As Fontes do Self, a evolução da consciência de si no mundo ocidental desde suas origens gregas até o mundo moderno. Taylor procura ser bastante honesto com o leitor desde o início, portanto, não esconde suas preferências pessoais durante todo o livro. Começando com Homero, esse o representante clássico da ética do guerreiro que busca a glória nesse mundo em incontáveis batalhas, Taylor crê que essa mentalidade, que não consegue estabelecer qualquer conceito de um bem maior do espírito, nunca deixou de existir no Ocidente. Basta lembrarmo-nos da cava- laria medieval e da prática dos duelos. Com Platão, surge uma filosofia que situa o Bem fora desse mundo, pois Platão cria o conceito do hiperbem. Platão associa esse Bem à imagem do Sol (o Filho que se mostra na narrativa platônica), situada no alto e que ilumina a todos os seres humanos. Para ele, a felicidade não era possível nesse mundo, nem mesmo por meio da prática da virtude, o que é uma opinião bem diferente de vá- rios outros filósofos ao longo da história. Platão, de certa maneira, cria a vida interior na alma do homem, situando o Bem em um mundo imaterial, o qual pode ser alcançado pelo autocontrole e pela criação dentro do homem do “Estado interior”, desconfiando sempre de qualquer apoio do mundo material para alcançarmos essa meta. Aristóteles, como sempre, vai tentar desfazer de mais um alto pensamento de Platão, pois, para ele, a noção do hiperbem não é válida. Aristóteles desconfiava desse ascetis- mo platônico e tentou criar uma concepção de Bem que abrigasse a comida, a bebida, o sexo etc., diz Taylor. De certa forma, Aristóteles vai negar qualquer tentativa de um filó- sofo platônico e do monge cristão de elevar-se acima do mundo a nossa volta. Séculos mais tarde isso vai ser incorporado ao protestantismo. O platonismo, contudo, irá gerar um belíssimo fruto que é a filosofia de Santo Agostinho, que é muito elogiado por Taylor, e com muita justiça. Agostinho aceita a ideia platônica do hiperbem, mas a associa a Deus. Agostinho, segundo Taylor, também absorve e en- sina a existência das Ideias arquetípicas. Todas as coisas do mundo são expressões do pensamento divino. Por meio de sua obra Confissões, Agostinho coloca, pela primeira vez em um livro, toda uma experiência de vida, que irá servir de modelo para os euro- peus por vários séculos, desde Montaigne até Rousseau. Passando pela Idade Média e chegando à Filosofia Moderna, Taylor é bastante duro com John Locke e seu liberalismo (Taylor é um crítico famoso do pensamento liberal). Ele acusa Locke de atomizar a sociedade e ignorar qualquer tentativa do ser humano de si- tuar a mente em algum Bem extramundano. Filósofos modernos que seguem a linha de pensamento liberal também são criticados, como John Rawls, isso porque o liberalismo, segundo Taylor, evita sair da linha de pensamento que define o bem como algo localiza- do e individualizado, pois para os liberais o bem tende a ser muito relativo. É o famoso o que é bom para você não é bom para mim. 42 Taylor escreve que o pensamento liberal é claramente fruto do nominalismo de Ockham. Não só o liberalismo mas também o protestantismo. O nominalismo destruiu o universal e atomizou a sociedade e a ciência, produzindo muitos dos seus efeitos durante séculos, mesmo nos dias de hoje. Nenhum Bem situado acima deste mundo, juntamente com seres isolados e buscando por conta própria sua felicidade produziu um ressurgimento do aristotelismo dentro da religião calvinista, afirma Taylor. Calvino (e os protestantes), criando a conceito de vocação, valorizaram as atividades diárias do ser humano, mas isso ao custo altíssimo de negar qualquer tentativa do homem transcender o mundo através do isolamento e das práticas ascéticas, como era na Antiguidade e no mundo Medieval. O resultado foi talvez nem tanto uma elevação das atividades manuais, mas sim um notável rebaixamento do Filósofo e do monge. Como afirmei, Taylor é um defensor da concepção platônica do hiperbem. O mundo moderno tende a ver a natureza como uma fonte de amoralidade, como o próprio Taylor demonstra na parte final. Isso não é surpreendente, pois como afirma Bertrand Russell, a partir desse mundo não podemos ter qualquer ideia dos bens eternos e da verdadeira fonte moral. Sim, o mundo foi criado por um ato de bondade divina, mas isso não quer dizer que devemos ter uma visão de “sapo”, olhando apenas para baixo como quiseram muitos ao longo da história. É preciso olhar para a origem da bondade da Criação, e isso quer dizer olhar para o alto. As Ideias platônicas continuam sendo a fonte que ilumina o pensamento humano há mais de 2300 anos. Fonte: Pinta e Felipe (2015, on-line)1. Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Serviço Social e Sustentabilidade Humana: o empreendedorismo social como estratégia de efetivação de Direitos. Edson Marques Oliveira Editora: Appris Ano: 2013 Sinopse: este livro apresenta uma visão diferenciada do Serviço Social como disciplina cientifi ca e profi ssional no contexto da sociedade do conhecimento e da informação. Tendo o empreendedorismo social e o conceito de sustentabilidade humana como escopo teórico-metodológico estratégico na dinâmica de efetivação de direitos já conquistados e de busca de novos direitos. Um Plano Brilhante Ano: 2008 Sinopse: um fi lme de 2008, com duas grandes feras do cinema norte-americano. Michael Caine e Demi Moore. Ela, fazendo o papel de uma executiva de uma grande empresa global, na cidade de Londres, Inglaterra na década de 30 do século XX, sofre a discriminação de ser mulher em um mundo corporativo machista e vê as oportunidades de promoção ser roubadas vez após vez apenas por causa de sua condição feminina e consequente
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