Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 EUROPSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL, CLÍNICA E HOSPITALAR 2 APRENDIZAGEM - TEORIAS E PROCESSOS 3 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4 O MÉTODO NATURAL ............................................................................................... 6 O TRABALHO NA ESCOLA - AULA-PASSEIO .......................................................... 8 Texto livre .................................................................................................................... 9 Livro da vida .............................................................................................................. 10 MARIA MONTESSORI – A METODOLOGIA MONTESSORIANA ............................ 11 JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA ................................................... 18 Epistemologia Genética............................................................................................. 20 A Interação Social na Teoria de Piaget ..................................................................... 24 LEV VYGOTSKY – O INTERACIONISMO E O SOCIOCONSTRUTIVISMO ............ 27 Vida e Obra de Lev Vygotsky .................................................................................... 27 PAULO FREIRE- A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO POPULAR ...................................... 37 Psicogênese a Pessoa Completa .............................................................................. 44 O desenvolvimento do organismo ............................................................................. 45 Teoria da Emoção ..................................................................................................... 47 Legados de Wallon à Educação ................................................................................ 48 EMÍLIA FERREIRO E A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA ............................. 53 EVOLUÇÃO DA ESCRITA E DA LEITURA ............................................................... 55 Consequências Pedagógicas da Teoria de Emília Ferreiro ....................................... 56 EDUCAÇÃO PARA AS COMPETÊNCIAS – PHILIPPE PERRENOUD .................... 64 ARTICULANDO AS TEORIAS – UMA QUESTÃO DE MÉTODO ............................. 67 AS CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS ........................................................................... 68 As contribuições de Lev Vygotsky ............................................................................. 68 As contribuições de Perrenoud ................................................................................. 74 As contribuições de Howard Gardner ........................................................................ 75 DIVERGÊNCIAS E APROXIMAÇÕES ENTRE OS TEÓRICOS ............................... 77 Uma Questão de Método .......................................................................................... 80 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85 4 INTRODUÇÃO Na prática pedagógica deve-se desenvolver uma reflexão sobre a educação e identificar algumas das práticas que envolvem o processo de ensino e aprendizagem, assim como a construção do conhecimento, nos espaços formais e informais da educação. Não podemos deixar de lado nossa preocupação com a Educação Infantil; para tanto, é fundamental fazermos algumas observações sobre a prática pedagógica neste campo da educação. Daremos início as teorias e os processos mais praticados nessa linha de pensamento de alguns autores. CÉLESTIN FREINET O homem é produto e produtor do meio em que vive. E, se assim o é, a educação, enquanto meio essencial de produção do conhecimento, deveria ser uma prática colada à vida imediata e cotidiana, de forma que o homem se percebesse como sujeito histórico que, ao construir o mundo, constrói a si mesmo. A escola precisa recuperar a relação trabalho-educação, para que o mundo seja entendido como resultado do pensar e do agir humano: o homem precisa se entender como escultor e mentor de sua própria vida, de sua própria história. Há que se construir uma educação na qual o homem não se distancie de sua essência de ser que faz e ser que pensa, pela qual o homem perceba o mundo como obra de sua prática humana, construída na necessária relação dialógica com os outros homens, seus iguais. O objetivo deste é resgatar os fundamentos da Pedagogia do bom- senso, de Cèlestin Freinet. Pedagogia essa que se baseia na necessidade natural do homem de sobreviver e interagir com os outros, para satisfazer suas necessidades e, consequentemente, construir a si e ao mundo. A pedagogia de Freinet recupera a necessidade de uma educação da vida enquanto um construto humano, que se faz pelo trabalho nas relações sociais. 5 VIDA E OBRA DE CÈLESTIN FREINET FIGURA - CÉLESTIN FREINET <http://pedagogia-freinet.blogspot.com.br/2011/04/celetin-freinet.html>. Cèlestin Freinet mostrou, dia a dia, o mundo e a sociedade mais justa que sonhou construir. Nascido em 15 de outubro de 1896, numa aldeia francesa de Gars, nos Alpes Marítimos, onde o pastoreio predominava. Um homem de família humilde e de pouca cultura, que revolucionou a educação na França. A primeira atividade de Freinet foi o pastoreio; já na adolescência, mudou-se para a cidade de Nice, onde iniciou o curso magistério na escola normal. A Primeira Guerra eclodiu e a exigência de se alistar o impediu de continuar estudando. Da Guerra, Freinet trouxe uma infecção pulmonar, causada por gases tóxicos, que o acompanhou pelo resto da vida. Em 1920, começa a lecionar em uma pobre escola de Bar-Sur-Loup, mesmo sem diploma. Terminada a guerra, Freinet volta a estudar e, enquanto tenta obter o diploma inicia suas experiências didáticas. Na observação direta de seus alunos, começa a questionar as rígidas normas da escola, a forma de ensinar, o ambiente da sala e a natureza lá fora, que encantava os alunos. Dessas observações, surgem suas primeiras experiências: a aula-passeio, a imprensa escolar e o livro da vida. Em 1927, edita o livro A imprensa na Escola, cria a revista La Gerbe (O ramalhete) em que publica poemas infantis e funda a Cooperativa de Ensino Leigo. Nos anos seguintes, Freinet muda-se para a Vila Saint- Paul de Vence, onde cria as "Técnicas de Avaliação" e o "Plano de Trabalho". Por ser http://pedagogia-freinet.blogspot.com.br/2011/04/celetin-freinet.html 6 um grande crítico das cartilhas convencionais, Freinet propõe os "Fichários de Consulta e de Autocorreção". As realizações feitas na escola, à criação da cooperativa e o intenso movimento postal provocaram desconfianças e hostilidades políticas, que culminaram na sua exoneração do cargo de professor. Mesmo tendo abandonado a escola de Saint-Paul, Freinet continua administrando a cooperativa. Em 1935, consegue construir sua própria escola na cidade de Vence. No mesmo ano, por ocasião do Congresso Internacional de Ensino, iniciou um movimento em defesa da criança chamado "Frente da Infância". Esse movimento foi aderido pela recém-formada "Liga da Educação Francesa", inspirando a reforma do ensino francês. As perseguições políticas continuaram. Em 1940, Freinet foi preso como perigoso editor clandestino. Ainda preso, foi mandado para o campo de concentração alemão em Var. Um ano mais tarde, foi libertado e passou a lutar na Resistência Francesa, até o fim da Guerra. Terminada a segunda Guerra, Freinet volta à cidade de Vence, onde organiza a "Cooperativa e o Manifesto pela Modernização da Escola". Em 1956, inicia umacampanha intitulada "25 alunos por classe", a qual foi aprovada pela opinião pública e aderida pela maioria das escolas francesas. Neste mesmo período, escreveu “Conselho aos Pais, Ensaio de Psicologia Sensível e Educação pelo Trabalho”. Em 1957, funda a "Federação Internacional dos Movimentos da Escola Moderna" (FIMEM), que hoje é reconhecida pela UNESCO como importante ONG do campo da educação. O MÉTODO NATURAL Um aspecto central da pedagogia freinetiana é o trabalho como mola mestra das atividades educativas. Preocupado com as relações capitalistas de seu tempo, que geravam desigualdades sociais e o domínio de uma classe sobre a outra, Freinet buscou na Escola Ativa, de Adolphe Ferrière, os pressupostos necessários para a criação de uma pedagogia do trabalho, direcionada especialmente às crianças de famílias operárias, para as quais ele pretendia transmitir o valor de uso do produto do trabalho (WHITAKER, 1989). Que as crianças aprendam os gestos, os sinais e os mecanismos exigidos pela função de estudantes e, mais tarde, pela de empregados, camponeses ou operários, é uma necessidade como a que obriga o pastor a cuidar do rebanho e o jardineiro a produzir frutos e flores (...). Mas que não se limitem a ser estudantes. Que ultrapassem 7 já essa profissão, para chegar aos gestos e aos atos que talvez nunca possam converter-se em dinheiro, mas que, nem por isso, deixam de ser um aspecto exaltante de uma exigência de cultura - cunho nobre da educação a serviço do "Homem" (FREINET, 1985, p. 133). Ao perceber o interesse das crianças por atividades práticas, Freinet estabeleceu o trabalho como motor da ação educativa. Para ele, uma vez que a ação é o prolongamento natural da vida e o meio pelo qual o homem transforma o mundo, a aprendizagem deve ser uma construção ativa. O trabalho como princípio educativo deve ser essencialmente cooperativo. Todas as atividades, coletivas e/ou individuais, devem ser organizadas como plano de trabalho para não perder o caráter de coisa comum. Na pedagogia freinetiana, o professor deve ser gerenciador das atividades e o intermediário das relações, garantindo as condições de trabalho, informando, sugerindo e estimulando o aprendizado (WHITAKER, 1989). A Pedagogia do Bom-senso baseia-se na necessidade natural do homem de sobreviver e, consequentemente, de interagir por meio do trabalho para suprir suas necessidades. Se for da natureza do homem a utilização de suas habilidades intelectuais e manuais para, na interação com o outro, modificar o meio suprindo suas necessidades e perpetuando sua espécie, é, também, da natureza humana, o ato de aprender e de ensinar por meio do trabalho, que garante a sobrevivência humana. (FREINET, 1985; WHITAKER, 1989). Foi como autodidata na educação e na ciência que Freinet iniciou suas observações da prática escolar, atentando especialmente para o desenvolvimento intelectual das crianças. Com base nessas observações, Freinet construiu, sem muito embasamento científico, uma prática peculiar de ensino. Os princípios que norteiam o processo educativo freinetiano são: a confiança e o respeito mútuo entre os seres humanos; a necessidade de uma escola aberta e flexível; a livre expressão; o cooperativismo; a coletividade; o trabalho enquanto agente central do processo educativo e formador (WHITAKER, 1989). Para construir sua pedagogia, o autor baseou-se na cotidianidade e na importância fenomenológica que as interações sociais têm para o processo de aprendizagem do homem. Para ele, ficou claro que o interesse das crianças estava lá fora, nos bichinhos que subiam pelo muro, nas pedrinhas redondas do rio, pois percebia que, nos momentos de leitura dos livros de classe, o desinteresse era total. Nessas ocasiões, 8 os olhares dos meninos atravessavam as janelas e acompanhavam o voo dos pássaros ou das abelhas zumbindo e batendo nos vidros das janelas empoeiradas (WHITAKER, 1989, p. 15). Para o autor, a criança aprende pela experimentação concreta no mundo real, na relação com o mundo, com as pessoas, enfim, com o meio social, pois Freinet acreditava que um experimento, qualquer que seja, deixa uma marca indelével e é com essas marcas que a criança constrói seu conhecimento (FREINET, 1979). A Pedagogia do Bom-senso deve se importar principalmente com a observação da criança na construção de suas próprias opiniões. Nesse processo, o erro deve ser considerado uma fase fundamental da produção do conhecimento. O ato de errar é um elemento-chave na aprendizagem, já que é um desafio, um estímulo para o conhecer e para o descobrir, que são, por sua vez, impulsos inatos ao homem (FREINET, 1985; WHITAKER, 1989). Freinet criticou a escola convencional e seus métodos por acreditar que esta não respeitava a natureza do aprendizado, uma vez que se baseava na repetição e na memorização. Para o autor, o aprendizado infantil deve partir de ideias e coisas sensíveis que tenham significado real à criança. A partir do tripé Pedagogia do Bom- senso, Trabalho e Êxito, Freinet defendeu uma educação na qual: a criança fosse respeitada como sujeito construtor de conhecimento, a livre expressão fosse valorizada, a satisfação das necessidades vitais fosse motivada. Por meio de trabalhos úteis, criativos e organizados. Todo esse processo educativo, para ser revolucionário, deve resultar na formação de cidadãos autônomos e cooperativos. Na pedagogia de Freinet, a livre expressão, em todas as manifestações da criança e do professor, define uma postura pedagógica que torna a escola um verdadeiro lugar da vida e da produção, onde se faz a aprendizagem da democracia pela participação cooperativa. A livre expressão é acompanhada de responsabilidade; a criança exerce a liberdade, mas arca com tudo o que ela comporta: frustrações, limitações e necessidade de organização para o desenvolvimento do trabalho (WHITAKER, 1989, p. 210). O TRABALHO NA ESCOLA - AULA-PASSEIO A primeira atividade desenvolvida por Freinet foi a aula-passeio. Essa atividade deve ser articulada com outras atividades educativas. A organização deve ser coletiva, de forma que seja proporcionada a todos a livre expressão, o desenvolvimento da 9 criatividade, da prática de pesquisa e da reflexão (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). Imprensa escolar A imprensa escolar foi desenvolvida por Freinet com o objetivo de divulgar e socializar os trabalhos infantis. Essa atividade pode ser usada desde as séries iniciais tendo como base os textos livres escritos pelas crianças a partir de atividades como a entrevista e a aula-passeio. Antes de serem divulgados, os textos passam por uma triagem coletiva. Após a seleção dos textos, inicia-se o processo de correção coletiva para que todas as crianças se sintam contempladas. A impressão dos textos também deve ser coletiva, a fim de que a aprendizagem da leitura e da escrita seja o mais natural possível. Para Freinet, o aprendizado da língua deve ser um processo natural, pois ela é um elemento fundamental nas relações homem-homem e homem-mundo. Parafraseando Freinet, numa necessidade psicológica e funcional de interagir com outros, o homem lança-se no aprendizado dos gestos, das expressões, dos gritos, dos sons, dos trejeitos, até que ele domine totalmente a fala. Nesse processo, porém, o homem não aprende sozinho, mas com o auxílio dos outros e na interação com os outros. Nesse sentido, a expressão oral, que leva à construção permanente de frases e da linguagem verbal como um todo, deve ser o fio condutor do processo de ensino- aprendizagem da leitura e da escrita (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). Texto livre Partindo da premissa de que a expressão infantil deve ser respeitada e estimulada, Freinet propôs o texto livre como mecanismo viabilizador da criação, no qual a inspiração, forma, tema e tempo de realização são respeitadosem cada criança. Na pedagogia freinetiana, o texto livre tem uma estrutura flexível, já que desenho e poemas também são considerados como tal. Respeitando o princípio de liberdade, o texto nunca deve ser exigido pelo professor, mas, sim, estimulado constantemente. Se a criança desejar que seu texto seja divulgado, ele precisará, necessariamente, passar pela correção coletiva (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). 10 Livro da vida O livro da vida, que tem características de diário de classe, objetiva reunir os trabalhos desenvolvidos pelas crianças no cotidiano escolar. O livro da vida também é uma produção coletiva e tanto os alunos quanto os professores têm acesso a ele. Essa atividade é uma forma de registro muito primária, uma vez que é formada por contribuições pessoais e espontâneas de todo o grupo: qualquer trabalho é sempre bem-vindo, podendo ser incorporado ao livro sem passar pela correção coletiva (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). INTERCÂMBIO INTERESCOLAR Freinet acreditava que a troca de informações e o contato com realidades diferentes estimulam o aprendizado. Dessa forma, as produções escritas somente teriam sentido se fossem divulgadas para além dos que as produziram. Pela correspondência, a criança descobre um novo meio de comunicação. Interagindo, relacionando-se com outras pessoas e outras realidades, em um contato direto com o mundo exterior, a criança aprende e desenvolve novos comportamentos. Conhecendo culturas e pessoas diferentes, aprende a respeitar e admirar as especificidades dos outros e suas próprias particularidades (WHITAKER, 1989; FREINET, 1979). Não há dúvida de que a Pedagogia do Bom-senso ou Método Natural, como queiram, tem muito de revolucionário, principalmente em relação à escola convencional. Freinet teve o mérito de estabelecer uma nova racionalidade na educação francesa; racionalidade essa que se estende pelos quatro cantos do mundo. A título de análise, é importante destacar o fato de que os pressupostos marxistas da relação homem-capital-trabalho que fundamentam a pedagogia freinetiana são secundarizados, à medida que as atividades práticas são efetivadas de forma descolada, alheia à realidade em que o processo educativo é desenvolvido. Em muitos casos, a aplicação do método natural tem reforçado, apenas, o teor técnico e psicológico da pedagogia de Freinet, sem a necessária relação do processo educativo com as condições sociais, econômicas e políticas da realidade dada. Outra questão relevante, que precisa ser posta em discussão, é a relação teoria versus prática na pedagogia de Freinet. Embora muitos o acusem de ter priorizado as 11 atividades práticas em detrimento dos pressupostos teóricos, Freinet dá grande importância à sistematização do conhecimento, que vai sendo forjado na ação. O movimento ação-reflexão-ação está presente em todas as atividades propostas por Freinet, e, para que não haja uma relação dicotômica e/ou excludente entre teoria e prática, o planejamento do processo educativo é fundamental. Por fim, é importante lembrar que nenhuma pedagogia e base epistemológica podem ser tomadas como uma verdade cerrada, mas como uma dentre tantas alternativas de construção de uma educação emancipadora. A pedagogia de Freinet pode ser uma alternativa para o desenvolvimento de uma educação emancipadora, desde que o ensino-aprendizagem seja compreendido como processo histórico construído pelo homem por meio do trabalho, na relação com os outros homens e dentro de um contexto determinado. MARIA MONTESSORI – A METODOLOGIA MONTESSORIANA Se a ciência começasse a estudar os homens, conseguiria não somente fornecer novas técnicas para a educação das crianças e dos jovens, mas chegaria a uma compreensão profunda de muitos fenômenos humanos e sociais, que estão ainda envolvidos em espantosa obscuridade. A base da reforma educativa e social, necessária aos nossos dias, deve ser construída sobre o estudo científico do homem desconhecido. (MONTESSORI, 2006, p. 9) O objetivo é discutir os fundamentos teóricos da Pedagogia Montessoriana. Nesse sentido, trataremos de apresentar a filosofia, os princípios, o sistema e as implicações pedagógicas dos estudos desenvolvidos por Maria Montessori sobre o desenvolvimento da criança. Montessori concebe a educação como uma prática natural e que, portanto, deve ter como ponto de partida o mundo concreto, homem concreto. No contexto educativo, a criança é concebida como o elo entre as gerações, aquele que gera o desenvolvimento, que cria e recria a cultura e que possui a tarefa histórica de transmiti- la ao novo homem e à nova mulher. 12 MARIA MONTESSORI http://pedagogiasimples.blogspot.com.br/2011/03/maria-montessori.html>. Maria Montessori nasceu em 31 de agosto de 1870, na pequena cidade de Chiaravalle, no leste da Itália. Filha única de Alessandro Montessori e Renilde Stoppani e neta de um famoso geólogo e naturalista, Antonio Stoppani. Aos 12 anos de idade, a modesta família de Montessori muda-se para Roma, a fim de oferecer-lhe oportunidades de uma educação mais completa. Montessori, a princípio, estudou em escola pública e, nesse período, não teve destaque como aluna. Por meio das relações estabelecidas na capital italiana, onde surgiam novas ideias fomentadas pelo movimento de Reunificacão da Itália e pelo desenvolvimento de novas instituições democráticas nesse país, Montessori foi dando mostras de sua personalidade revolucionária. Foi a primeira mulher a cursar uma universidade na Itália; a primeira médica da Itália; teve filho sem se casar. Seu caráter forte, seu senso de dever, sua natureza assertiva, suas convicções e sua forma vigorosa de defender suas ideias renderam-lhes muitos seguidores e muitos opositores. Maria Montessori construiu sua história pessoal, intelectual e científica dedicando-se, por mais de meio século, ao estudo e à pesquisa do mais fundamental e difícil problema do homem - a sua formação: Montessori acreditava que somente por meio do entendimento da formação do homem seria possível intervir em questões http://pedagogiasimples.blogspot.com.br/2011/03/maria- 13 decisivas - sua conservação e seu desenvolvimento. Montessori viveu de forma intensa a história de seu tempo, dedicou-se de forma integral a novos experimentos, descobertas e alternativas; contestou os dogmas, as tradições e buscou responder às novas necessidades de uma educação que pudesse formar homens mais humanos. Sistema Montessori A educação montessoriana não pode ser entendida como um método separado de sua concepção filosófica; mesmo constituindo-se de partes hierarquicamente organizadas e tendo fronteiras que demarcam a função de cada uma delas, somente é possível entender educação montessoriana na articulação de suas partes como um todo. Na pedagogia montessoriana, a criança é vista como um ser biológico que, na interação com o meio, torna-se social, e é exatamente por conta disso, diz (Montessori, 1985, p. 51), "que qualquer pessoa que se ocupa de ajudar a vida, na educação da criança, não pode prescindir de considerar a criança como um ser vivo e qual é o seu lugar na biologia; isto é, no campo total da vida". SISTEMA MONTESSORIANO Para a autora, a criança estabelece uma relação muito particular com o meio, diferente da relação estabelecida pelo adulto: Segundo Montessori (1985): 14 Os adultos admiram o ambiente, podem recordá-lo, mas a crianças absorve-o em si. Não recorda as coisas que vê, mas essas coisas vão paulatinamente fazendo parte de sua inteligência, ou seja, a criança internaliza as coisas como elas são (MONTESSORI, 1985, p. 55). Nesse sentido, Montessori acredita que a autoconstrução, quer dizer, a formação da estrutura psíquica da criança, desenvolve-se a partir de uma força interior, em uma relação de influênciarecíproca entre o meio. Dito de outra forma, o amadurecimento intelectual da criança dá-se na relação com o mundo, à medida que sua maturação biológica evolui. Esse processo fica mais claro a partir dos períodos de desenvolvimento da criança criados por Montessori. Primeiro período: do nascimento aos seis anos de idade Nesse período, a criança realiza sua própria construção por meio da exploração e da absorção do meio ambiente que a circunda. Sua inteligência funciona em função do mundo externo e das relações superficiais entre os objetos e suas qualidades e significados: o que orienta a ação intelectual da criança nesse período são suas necessidades imediatas - comer, dormir etc. Por conta disso, esse período é concebido como sendo essencialmente sensorial (MONTESSORI, 1985). Segundo período: dos seis aos doze anos de idade. Nesse período, as ações da criança já não são mais comandadas por suas necessidades imediatas; suas atitudes têm relação direta com o mundo concreto, com aquilo que vê, ouve e sente. A criança já é capaz de relacionar e entender os fatos que acontecem ao seu redor à luz da razão; reflete e questiona sobre o mundo. Portanto, nessa fase, há uma busca incessante dos "como" e dos “porquês" das coisas. É à entrada da criança no mundo das abstrações (MONTESSORI, 1985). Terceiro período: dos doze aos dezoito anos de idade. Nesse período, o adolescente interessa-se de forma mais aberta pelas causas e efeitos dos problemas que lhe são postos. Os fatos da vida começam a ser vistos como consequências de determinada ação e/ou atitude; a capacidade de abstração já está totalmente desenvolvida (MONTESSORI, 1985). Em sua obra Educação como ciência, Montessori defende que a educação pode ter uma pedagogia científica, desde que respeite as leis de desenvolvimento da criança em suas fases evolutivas. Em outra obra, Educação Cósmica, a autora diz que a educação deve respeitar as leis que regem a relação entre natureza, vida e sociedade 15 humana. Segundo a autora, a tarefa cósmica de cada ser humano é que mantém a harmonia da vida e torna possível a evolução do homem. Nesse sentido, a natureza, o ritmo da vida é que deve reger a prática educativa. Somente a natureza, que estabeleceu algumas leis e determinou algumas necessidades no homem em via de desenvolvimento, pode ditar o método educativo determinado pelo fim, que é o de satisfazer as necessidades e as leis da vida. Tais leis e necessidades a criança mesma deve indicar, nas suas manifestações espontâneas e no seu progresso: na manifestação da sua paz e da sua felicidade; na intensidade dos seus esforços e na constância das suas livres escolhas. (MONTESSORI, 1985, p. 67-68) A Metodologia Montessoriana Maria Montessori considerava as crianças um grupo social de grandes dimensões. Para a autora, a criança é a verdadeira potência do mundo e somente por meio dela é possível alimentar a esperança de construção de um mundo melhor. Nesse sentido, cabe ao homem a tarefa de continuar, coletivamente, o trabalho da criação, descobrindo a inteligência, as infinitas possibilidades que a natureza oferece e, dessa forma, recriar e proteger o meio cultural. Em função disso, Montessori buscou criar métodos que dessem condições e permitissem às crianças a manifestação de suas ações e de sua inteligência, de acordo com as necessidades internas. A autora defende que o objetivo da educação deve ser buscar dentro da criança a força que impulsiona e sustenta seu processo de autoformação e de construção. À educação, então, cabe à tarefa de favorecer, no seu sentido mais completo, o desenvolvimento do potencial criativo, da iniciativa, da independência, da disciplina interna e da confiança em si mesmo (MONTESSORI, 1985). Todos esses aspectos da educação montessoriana estabelecem uma diferença fundamental entre essa pedagogia e a educação tradicional. O método tradicional interfere diretamente no desenvolvimento da criança, buscando modelá-la de acordo com o que está preestabelecido. O método de Montessori, ao contrário, parte do princípio de que a matéria-prima do desenvolvimento da criança está dentro dela mesma e que, por isso mesmo, a escola somente precisa estimular na criança a descoberta de suas potencialidades (MONTESSORI, 1985). 16 Dessa forma, o papel do educador é de extrema importância, cabendo a ele estimular na criança o desenvolvimento de seus sentidos, por meio do contado direto com objetos materiais e com o próprio mundo. Como diz Montessori (1985, p. 153), "os sentidos, sendo os exploradores do ambiente, abrem caminhos a consciência. Os materiais para educação dos sentidos são dados como uma espécie de chave para abrir uma porta à exploração das coisas e pormenores que, na escuridão (no estado inculto), não se poderiam ver". METODOLOGIA MONTESSORIANA http://pedagogiasimples.blogspot.com.br/2011/03/maria-montessori.html>. O educador deve, também, considerar o ritmo de cada criança, respeitar seu desenvolvimento natural e buscar o caminho do respeito à diversidade e não homogeneização. Por conta disso, na pedagogia montessoriana, o processo educativo torna-se mais produtivo, quando se viabiliza as crianças a convivência e a troca de conhecimentos com crianças de idades e ritmos de aprendizagem diferentes. Esses ambientes estimulam a solidariedade, o companheirismo, o crescimento mútuo, a ajuda ao próximo (MONTESSORI, 1985). Para a autora, a educação deveria ser capaz de atender, na mesma classe, crianças com idades e ritmos diferentes, transformando a escola num ambiente de exercício do equilíbrio entre a liberdade individual e a necessidade do grupo. Assim, Montessori pretendia construir uma educação, capaz de formar adultos responsáveis, solidários, generosos, competentes, críticos e independentes. http://pedagogiasimples.blogspot.com.br/2011/03/maria- 17 A Filosofia Montessoriana A filosofia de Montessori deve ser entendida como um começo, uma busca constante de respostas à educação e à vida da criança. Nesse sentido, a base da educação montessoriana são as experiências da própria criança e não as do mundo adulto (MONTESSORI, 1985). A partir de suas observações diretas sobre o mundo infantil, estabeleceu os seguintes princípios: É agindo que a criança adquire conhecimentos. Por meio de uma ordenação de atividades gradativamente crescentes, a aprendizagem pode ser desenvolvida com maior possibilidade de sucesso. A autoconfirmação imediata dos resultados do trabalho garante uma aprendizagem mais eficiente. Intervenções indevidas dos adultos podem comprometer a aprendizagem. Cada criança tem um ritmo próprio que deve ser rigorosamente respeitado. A observação direta pode facilitar a aprendizagem de novas ações e atitudes a serem adquiridas. A aprendizagem de muitas ações, hábitos e atitudes podem ocorrer mais cedo que o habitualmente previsto. Fornecer à criança a consciência do homem no planeta, na história, fazer com que ela se sinta responsável pela vida na sua totalidade e introduzi-la no mundo são objetivos centrais da pedagogia montessoriana. A criança precisa ter a possibilidade de explorar, de descobrir, de se entusiasmar com as descobertas e de sentir um desejo incessante pela busca de coisas novas. Montessori acreditava que, à medida que a educação oferecesse às crianças um ambiente escolar que refletisse seu próprio mundo, respeitando seu ritmo, suas possibilidades e suas limitações físicas e intelectuais, a aprendizagem poderia se tornar um ato prazeroso. Para tanto, a escola precisaria garantir, também, relações interpessoais (entre educadores e educandos) nas quais prevalecesse o respeito e a confiança mútua, em que cada criança pudesse se sentir peça fundamental no processo de seu próprio desenvolvimento. Na pedagogia montessoriana, a educação é uma extensão da naturezahumana. Portanto, nada mais natural que a educação aflore da criança, de suas necessidades e de suas habilidades naturais. Nesse sentido, a escola deve tomar a vida como o ponto de partida para a construção de seres humanos capazes de 18 reconstruir um mundo em que o homem, enquanto expressão viva da natureza seja orientando no sentido de se construir como criatura autônoma, solidária, criativa e verdadeiramente humana. JEAN PIAGET E A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA Não há dúvida de que os educadores são imagens que se reproduzem e refletem-se nos novos homens e nas novas mulheres que ajudamos a formar; cada ação, cada gesto, cada palavra, cada valor é uma peça fundamental que se soma na construção histórica de um novo ser humano. Nesse sentido, o conhecimento das bases psicológicas de desenvolvimento da aprendizagem pode contribuir para o forjar de uma nova prática educativa; uma prática educativa que seja mais humana, democrática e conduzida no sentido da emancipação do novo homem e da nova mulher. Somente é possível conduzir o processo educativo no sentido de uma prática afetiva, crítica e libertadora à medida que assumimos o desafio de irmos além do repasse mecânico de conhecimento e abraçamos o compromisso de entender o processo educativo como um processo construído por homens e mulheres, enquanto sujeitos históricos, produtores e produtos da sociedade. A Epistemologia Genética de Jean Piaget pode ser o ponto de partida para a compreensão do processo educativo enquanto construção humana. Nesse sentido, busca-se explicitar a base teórica piagetiana que serve de fundamento para o desenvolvimento de práticas alternativas de educação. Vida e Obra de Jean Piaget Jean Piaget, nasceu em 9 de agosto 1896, na Suíça, cidade de Neuchâtel, filho de uma família abastada e culta. Aos sete anos de idade, Piaget já revelava sua capacidade científica e, aos 10, publica um artigo sobre o Pardal Branco, na revista da Sociedade dos Amigos da Natureza de Neuchâtel. Aos 11 anos, torna-se assessor do Museu de História Natural Local de sua cidade natal. 19 JEAN PIAGENT Desde o ensino ginasial, Piaget mostrava-se interessado por Filosofia e Psicologia, mas é em Biologia que ele se forma, em 1915. Em 1918, defende sua tese de doutorado sobre moluscos e inicia, em Zurique, estudos sobre Psicologia, especialmente Psicanálise. No ano seguinte, ingressa na Universidade de Paris, onde é convidado a trabalhar com testes de inteligência infantil. Em 1921, passa a fazer pesquisas destinadas à formação de professores no Instituto Jean Jacques Rousseau, em Genebra. Em 1923, lança seu primeiro livro, intitulado A linguagem do pensamento da criança. Em 1925, começa a lecionar Psicologia, História da Ciência e Sociologia, na cidade em Neuchâtel. Em 1929, passa a lecionar História do Pensamento Científico, em Genebra, e assume o Gabinete Internacional de Educação dedicado a estudos pedagógicos. Na década de 30, escreve vários trabalhos sobre as fases do desenvolvimento por meio de observações diretas de seus filhos. Na década de 40, Piaget torna-se sucessor de Claperède e assume como professor- diretor, o Laboratório de Psicologia. Em 1941, com a colaboração de alguns pesquisadores, publica trabalhos sobre a formação de conceitos matemáticos e físicos. Em 1946, participa da constituição da UNESCO, tornando-se membro do Conselho Executivo e assumindo, diversas vezes, a subdireção geral do Departamento de Educação. Nos anos 50, publica a Epistemologia Genética, sua primeira tese sobre teoria do conhecimento. Em 1955, assume o lugar do filósofo Merleau-Ponty, lecionando na Universidade de Sorbonne Paris. No mesmo ano, na cidade de Genebra, Piaget funda o Centro Internacional de Epistemologia Genética, 20 destinado a pesquisas interdisciplinares sobre a formação da inteligência. Em 1967, Piaget escreve Biologia e Conhecimento, considerada a principal obra de sua maturidade. Em 16 de setembro de 1980, na cidade de Genebra, morre Jean Piaget. Epistemologia Genética A inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas. (PIAGET, 1967) Para criar e demonstrar sua teoria de construção do conhecimento e, ainda, para chegar ao equilíbrio na interação homem e meio ambiente, Piaget desenvolveu uma análise crítica às teorias, empirista e inatista do conhecimento. Para os empiristas, a construção do conhecimento é o resultado positivo das experiências concretas do homem com o mundo sensível, por meio da percepção. Nesse sentido, o homem nasce com a capacidade mental extremamente reduzida e apenas o contato direto com o exterior possibilita a assimilação e criação de conhecimentos. Por outro lado, os inatistas ou pré- formistas acreditam que o homem já nasce com sua estrutura cognitivo-biológica formada, ou seja, ela é inata ao ser humano, pois, ao nascer, o homem traz consigo a estrutura cognitiva necessária à construção de conhecimentos. A crítica de Piaget aos empiristas, parte do pressuposto de que toda experiência, apesar de ser externa, depende de uma base cognitiva interna, que faz parte da estrutura biológica do homem e/ou que vai sendo construída no processo de desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, embora a experiência sensível seja extremamente importante ao desenvolvimento cognitivo, ela não pode ser tomada como o único mecanismo que viabiliza o processo de construção do saber. Opondo- se também aos inatistas, Piaget afirma não ser possível que a estrutura cognitiva esteja completamente formada desde o nascimento, visto que grande parte dessa estrutura e construída e aprimorada a partir das experiências concretas. Ainda que alguns aspectos da cognição existam desde o nascimento, eles somente poderão se desenvolver no contato direto com o mundo. Piaget tem mostrado que, desde o princípio, a própria criança exerce controle sobre a obtenção e organização de sua experiência do mundo exterior. Acompanha com os olhos os objetos, seu olhar explora em torno, volta a cabeça; com as mãos, 21 agarra, solta, joga, empurra; explora com os olhos e mãos alternadamente, cheira, leva a boca, prova etc. (GOULART, 1995, p. 16). Para Piaget, grande parte do conhecimento construído pelo homem é resultado do seu esforço em compreender e dar significado ao mundo. Nessa tentativa de interação e compreensão do meio, o homem desenvolve alguns equipamentos neurológicos herdados que facilitam o funcionamento intelectual. Para explicar a construção do conhecimento, Piaget criou um modelo biológico de interação do homem com o ambiente, que parte da seguinte lógica: o organismo do homem é essencialmente seletivo, por organizar os alimentos que podem ser úteis; esses alimentos vão sendo adaptados de acordo com as necessidades biológicas. Á medida que o homem seleciona os alimentos e inicia a adaptação destes ao organismo, acontece à assimilação, ou seja, a estrutura biológica acomoda os alimentos para a satisfação das necessidades do corpo. O Construtivismo piagetiano é essencialmente biológico. A perspectiva lógica de Piaget não é senão o correspondente de sua perspectiva biológica, isto é, o desenvolvimento é visto como um processo de adaptação, que tem como modelo a noção biológica do organismo em interação constante com o meio (GOULART, 1995, p. 17). Segundo Piaget, esse mesmo processo dá-se quando da organização, assimilação e adaptação dos conhecimentos na estrutura cognitiva. A organização seletiva que a cognição realiza dá-se em um processo permanente de interação do homem com meio ambiente, por meio da apreensão do que e útil e necessário a adaptação do homem no mundo. Na adaptação, a estrutura cognitiva altera-se para receber o novo conhecimento. O ajuste feito pela cognição para receber novasinformações é denominado por Piaget de acomodação. O processo de organização, adaptação e assimilação de um novo conhecimento depende de esquemas assimilativos, como a repetição e a generalização (GOULART, 1995). As ações, as reflexões e as representações, ao serem repetidas diversas vezes em situações, diferentes, tornam- se novas estruturas, novos conhecimentos. Dito de outra forma, ao se repetir uma mesma ação em diferentes situações a assimilação dessa ação aumenta, aumentando também a compreensão de que esta mesma ação pode ser generalizada a outros momentos, ficando cada vez mais clara a sua identificação e reconhecimento, em qualquer situação. 22 Pode-se, então, dizer que a repetição reforça os conhecimentos assimilados, ou preexistentes, reforçando-os e tornando-os mais consistentes, o que facilita a aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência. Em resumo, para Piaget, a estrutura cognitiva vai construindo-se e aprimorando-se paulatinamente e concomitante à construção de novos conhecimentos, por meio da busca natural do homem por se adaptar ao meio ambiente. As críticas feitas a Piaget vão ao sentido de uma omissão de sua parte, no que diz respeito à condição histórica do homem e a biologização de sua teoria. Não há dúvida de que suas obras sobre o desenvolvimento da aprendizagem estão coladas aos seus estudos sobre a estrutura biológica do homem. Entretanto, Piaget concebe o homem como sujeito ativo dentro do processo de produção de conhecimento, fato que se evidencia na medida em que o autor entende o conhecimento e a aprendizagem como o resultado da interação homem-meio. Ora, ao se relacionar o homem não se despoja de sua condição individual, de sua condição de sujeito ativo, "na verdade, o homem produz a si próprio ao produzir a realidade na qual vive, ao se relacionar com o meio e com os outros homens" (WACHOWICZ, citado por MATUI, 1995, p. 62). A despeito da ausência de uma obra que trate especificamente da condição histórica do homem para Piaget, alguns conceitos-chave, desenvolvidos por ele, apontam para essa temática e enfatizam a condição ativa do homem no processo de produção de conhecimento. Por outro lado, ainda que o enfoque da obra de Piaget seja biológico, é necessário considerar que o homem é "sujeito histórico na medida em que traduz sua organização biológica pelas ações próprias da cultura na qual vive, a qual é, por sua vez, produto do homem enquanto sujeito histórico" (MATUI, 1995, p. 62). Os Estágios de Desenvolvimento Cognitivo da Criança Observando seus filhos na interação com o meio, Piaget percebeu que as crianças possuem uma forma particular de pensar e aprender. O erro e o acerto são conceitos que estão no cerne do raciocínio infantil e foi a partir da relação erro/acerto que Piaget desenvolveu sua teoria de estágios do desenvolvimento cognitivo da criança. Segundo Piaget, o processo de desenvolvimento possui quatro estágios sucessivos, que indicam o grau de desenvolvimento da criança: 23 Estágio - Sensório-motor: de zero a dois anos, aproximadamente. No estágio sensório-motor, a inteligência da criança é essencialmente prática e as ações de reflexo predominam. A relação com o meio ambiente não se dá pelo raciocínio lógico ou pela representação simbólica, mas pela ação e experimentação direta. Estágio - Pré-operatório: de dois a sete anos, nesse estágio pré- operatório, predomina o egocentrismo, pois a criança não consegue se colocar abstratamente no lugar do outro. A leitura da realidade é parcial e incompleta, visto que a criança prioriza aspectos que são mais relevantes aos seus olhos. Sua percepção abstrata começa a ser aguçada à medida que aumenta sua capacidade de simular, imaginar situações, figuras e pessoas semelhantes. Estágio - Operações Concretas: de 7 a 12 anos, aproximadamente. O estágio das operações concretas é o período em que a lógica começa a se desenvolver e a criança já consegue ao seu modo, organizar e sistematizar situações e relacionar aspectos diferentes da realidade. Sua compreensão do mundo não é mais tão prática, mas ainda depende do mundo concreto para realizar abstrações. Estágio - Operações formais e Pensamento Hipotético-dedutivo: Nesse estágio, predomina a lógica formal, a criança já pode realizar abstrações sem necessitar de representações concretas e pode, também, imaginar situações nunca vistas ou vivenciadas por ela. As questões acima tratadas podem ser consideradas como a base epistemológica, ou a lógica, a partir da qual Piaget construiu sua teoria de desenvolvimento da cognição e da aprendizagem. Teoria essa que culminou em práticas alternativas de educação em que o aluno é, antes, um sujeito produtor de conhecimento, e o educador, um facilitador do processo ensino- aprendizagem. Embora tenhamos tratado, nesse primeiro momento, da base teórica que sustenta as práticas educativas construtivistas/piagetianas, não podemos tomar a teoria dissociada de sua dimensão prática, mas, sim, articular teoria e prática num processo contínuo. Piaget não teorizou no vazio, ao contrário, buscou na vida cotidiana a materialidade capaz de dar as suas obras um caráter de verdade histórico. Nesse sentido, as implicações educativas da teoria piagetiana sobre o desenvolvimento da criança serão discutidas no próximo texto. Serão trabalhados também outros conceitos centrais da obra de Piaget, como, por exemplo: linguagem, moral, autonomia, dentre outros. 24 A Interação Social na Teoria de Piaget Em uma de suas passagens, Piaget diz que o homem normal: Segundo (Piaget, 1973, p. 424) “não é social da mesma maneira aos seis meses, ou aos vinte anos de idade, e, por conseguinte, sua individualidade pode não ser da mesma qualidade, nesses dois diferentes níveis". Nessa afirmação de Piaget, está explícita a presença inevitável das relações sociais interferindo no desenvolvimento humano; o termo homem social expressa à condição humana de ser que vive em sociedade e que, portanto, influencia e é influenciado pelas relações sociais. A interação social que se segue a cada momento de nossas vidas é um elemento definidor de nossas ações e de nossos comportamentos sociais: um adulto não pode se comportar como uma criança de cinco anos e isso ele aprendeu ao longo de seu desenvolvimento na relação com os outros homens. Piaget pensa o Ser Social como o indivíduo que se relaciona com os outros, seus semelhantes, de forma equilibrada. Entretanto, Piaget faz uma ponderação muito interessante sobre relação equilibrada, a qual, segundo ele, somente pode existir entre pessoas que estejam no mesmo estágio de desenvolvimento (TAILLE, 1992). Expliquemos melhor: lembrem-se dos estágios de desenvolvimento da criança; o equilíbrio a que Piaget se refere somente pode existir entre pessoas que estejam no mesmo nível de desenvolvimento, ou seja: A maneira de ser social de um adolescente e uma, porque é capaz de participar de determinadas relações (...) e a maneira de ser social de uma criança de cinco anos é outra, justamente porque ainda não é capaz de participar de relações sociais que expressam e que demandam um equilíbrio de trocas intelectuais (TAILLE, 1992, p. 14). Portanto, dependendo do estágio em que a criança se encontre, podendo falar de um grau maior ou menor de socialização. Nesse caso, a compreensão dos estágios de desenvolvimento é fundamental para a compreensão da socialização da pessoa. Para Piaget, no estágio sensório-motor não é possível falar “em real socialização da inteligência" (TAILLE, 1992, p. 15), pois nesse período, a criança é essencialmente individual. No estágio pré-operatório, quando o processo de aquisição da linguagem já está em franco desenvolvimento, já se pode falar de uma inicial: Socialização afetiva da inteligência, embora a ausência de algumas características, como, por exemplo, significadoscomuns em relação a conceitos e ideias, ainda 25 limitam a possibilidade de a criança estabelecer trocas intelectuais equilibradas (TAILLE, 1992, p. 15). Resumidamente, para Piaget, a socialização possui vários graus. Começa no grau zero, quando a criança é recém-nascida, até o grau máximo, representado pelo conceito de personalidade. A personalidade significa, portanto, o momento de autonomia do indivíduo, quando ele já superou o egocentrismo e consegue estabelecer uma relação - trocas intelectuais - recíproca com os outros. Para Piaget, as relações interindividuais pressupõem dois tipos de relações sociais: a coação e a cooperação. A coação social é toda relação entre dois indivíduos em que estão presentes os elementos da autoridade e do prestígio. Nesse tipo de relação, não há diálogo. Segundo Taille (1992, p. 19) "uma vez que um fala e outro se limita a ouvir e a memorizar". O indivíduo coagido é levado a acreditar no que diz a outra pessoa, que, por ter mais poder, tem também, autoridade e prestígio, sem que seja preciso verificar a veracidade ou procedência dos fatos. As relações de cooperação, por sua vez, representam o mais alto nível de socialização e desenvolvimento mental, visto que pressupõem reciprocidade e diálogo entre indivíduos autônomos. Aqui, a relação não se baseia em uma pessoa que fala e outra que acredita, cegamente, no que é dito; aqui, o ato de acreditar não está submetido à autoridade e ao prestígio de outrem, mas na capacidade de discernimento de cada pessoa ou, ainda, como diz Taille (1992, p. 20), "agora não há mais assimetria, imposição, repetição, crença (...). Há discussão, troca de pontos de vista, controle mútuo dos argumentos e das provas". Em sua obra “O julgamento moral da criança” (1930), Piaget estabelece que a moral se desenvolve em um processo crescente que vai da dependência moral a autonomia moral. O desenvolvimento da autonomia, por sua vez, é um processo mediado pelos adultos, crianças e adolescentes, com os quais a criança se relaciona cotidianamente. No desenvolvimento da autonomia, há dois mecanismos fundamentais, a cooperação e a reciprocidade, que comportam dois tipos de sanções: as sanções expiatórias, e as sanções de reciprocidade. Sanções expiatórias: essas sanções caracterizam-se por não apresentar qualquer relação entre a falta cometida e a punição recebida, porque estão baseadas, apenas, na autoridade dos adultos. Sanções de reciprocidade: nessas sanções, há relação estreita entre o ato e a 26 punição, por isso, apresenta "elo de reciprocidade", de coerência. Em geral, as regras são praticadas e internalizadas pela criança em três momentos subsequentes: anomia, heteronomia e autonomia. Anomia: nesse momento, a criança não segue regras, mas busca satisfazer seus interesses. Aqui, não importa para a criança participar de atividades coletivas regidas por regras estabelecidas em comum acordo. Heteronomia: nessa fase, já começa a ser desenvolvido certo interesse por atividades coletivas, com regras estabelecidas mutuamente. Autonomia: na autonomia, a criança já consegue jogar e se relacionar, obedecendo a regras que são estabelecidas em comum acordo. Está claro que, para Piaget, o conhecimento deve ser visto como uma construção em constante processo. Isso pressupõe entender que a criança é capaz de criar, recriar e experimentar de forma autônoma, impulsionando seu próprio desenvolvimento. Nesse sentido, o ato de errar não pode ser visto como falha e sim como um momento necessário da aprendizagem; a ausência do erro denuncia a ausência da experimentação e, consequentemente, a ausência da aprendizagem. Visto que a socialização e a moral vão sendo consolidadas ao longo da infância, o trabalho coletivo, em Piaget, tem o papel de mediador das relações e de instigador da capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. O trabalho coletivo socializa, estabelece laços de afetividade e permite à criança se perceber como parte de uma coletividade, superando seu egocentrismo. No Construtivismo piagetiano o educador não é o detentor do saber, mas o facilitador do processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de conhecimento, mas o agente ativo que constrói conhecimento. A relação professor- aluno deve ser de respeito mútuo e cooperação. É claro que não se pode tomar uma teoria como verdade absoluta. O conhecimento é sempre relativo e uma teoria é sempre limitada. Por isso, uma teoria deve servir como uma possibilidade, dentre tantas, de construção de educação diferenciada. A própria prática pedagógica, que se renova a cada dia, deve ser vista como um palco onde se experimenta, se inventa e se recria o ato de ensinar: nesse palco, podem surgir outras teorias. Por fim, na aplicação de uma teoria, é preciso levar em conta a realidade sociocultural dos alunos, para que não se caia no risco de reproduzir e de copiar 27 mecanicamente determinada concepção de educação: o que deu certo em determinado lugar não, necessariamente, pode responder às necessidades de outra e diversa realidade. LEV VYGOTSKY – O INTERACIONISMO E O SOCIOCONSTRUTIVISMO Podemos dizer, sem o risco de equívocos, que a matéria do socioconstrutivismo de Lev Vygotsky foi o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. Sua teoria sobre a aprendizagem e a produção do conhecimento esteve, desde a origem, intimamente ligada ao fato de o homem ser social e histórico ao mesmo tempo, de ser produto e produtor de sua história e de sua cultura pela e na interação social. Como o próprio nome diz, o Interacionismo pressupõe a aprendizagem como produto das relações sociais, que os homens estabelecem em determinado momento histórico. O Interacionismo tem o materialismo histórico dialético como base epistemológica e, por conta disso, para compreender Vygotsky, é preciso, antes, entender a centralidade de alguns conceitos que estão presentes em sua teoria, quais sejam: a cultura, a linguagem e as relações sociais. Vida e Obra de Lev Vygotsky Lev Vygotsky foi cotidiano como todo homem, mas, como poucos, suspendeu o cotidiano e colocou-se diante da vida questionando-a dia a dia. Nascido em 17 de novembro de 1896, na cidade de Orsha, na Rússia, filho de uma família culta, Vygotsky teve desde muito cedo uma riqueza intelectual que o fazia se questionar sobre o homem e a criação de sua cultura. Passou a adolescência na cidade de Gomel e mostrava-se, desde então, interessado por literatura, poesia e filosofia. Estudou francês, hebraico, latim e grego. Foi educado em casa até os 15 anos, quando ingressou no curso secundário. 28 FIGURA - LEV VYGOTSKY http://www.psicosmica.com/2013/04/lev-vygotsky-vida-e- obra.html>. Em 1914, matriculou-se em Medicina na Universidade de Moscou e, paralelamente, estudou Direito. Cursou, ainda, Filosofia, Psicologia, Literatura e História na Universidade Popular de Shanyavsky. Em 1917, em plena Revolução Russa, forma-se em Direito e volta para Gomel, onde começa a lecionar Literatura, História da Arte e onde funda um Laboratório de Psicologia, na escola de professores. Em 1924, apresenta-se casualmente no Congresso Panrusso de Psiconeurologia, quando foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou. É quando conhece e começa a trabalhar com Aleksander Luria e Aleksei Leontiev, seus seguidores, colaboradores e amigos. Em 1925, embora estando gravemente doente (tuberculose), inicia um período de intensas produções, conferências e pesquisas direcionadas principalmente às crianças portadoras de deficiências visuais e auditivas. Sua paixão pela arte o mantinha muito próximo de intelectuais e artistas. Por conta disso, em 1927, foi publicamente considerado, pelo cineasta Sergei Eisenstein, como um dos psicólogos mais brilhantes da época, capaz de ver o mundo com claridade celestial.Em 1929, concluiu sua tese “A psicologia da Arte”, baseada em Hamlet, de Shakespeare. Em 1932, prefaciou o livro “A linguagem e o pensamento da criança”, de Jean Piaget. Vygotsky morreu precocemente, aos 37 anos de idade, em 11 de junho de 1934. Mas, em sua curta vida, deixou uma grande herança teórica que http://www.psicosmica.com/2013/04/lev-vygotsky-vida-e- 29 foi silenciada por quase meio século: em 1936, Josef Stalin acusa Vygotsky de idealismo e proíbe suas obras por 20 anos. As inquietações de Vygotsky sobre o desenvolvimento da aprendizagem e a construção do conhecimento perpassavam pela produção da cultura, como resultado das relações humanas. Por conta disso, ele procurou entender o desenvolvimento intelectual a partir das ralações histórico-sociais, ou seja, buscou demonstrar que o conhecimento é socialmente construído pelas relações humanas. Para Vygotsky (1991), o homem possui natureza social visto que nasce em um ambiente carregado de valores culturais: na ausência do outro, o homem não se faz homem. Partindo desse pressuposto criou uma teoria de desenvolvimento da inteligência, na qual afirma que o conhecimento é sempre intermediado. Sendo a convivência social fundamental para transformar o homem de ser biológico a ser humano social, e a aprendizagem que brota nas relações sociais ajuda a construir os conhecimentos que darão suporte ao desenvolvimento mental. Segundo o autor, a criança nasce apenas com funções psicológicas elementares e, a partir do aprendizado da cultura, essas funções transformam- se em funções psicológicas superiores. Entretanto, essa evolução não se dá de forma imediata e direta; as informações recebidas do meio social são intermediadas, de forma explícita ou não, pelas pessoas que interagem com as crianças. É essa intermediação que dá às informações um caráter valorativo e significados sociais e históricos. As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano fundamentam-se em sua ideia de que as funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do homem. Na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria as formas de ação que o distinguem de outros animais (OLIVEIRA, 1992). Vale dizer que essas informações não são interiorizadas com o mesmo teor com que são recebidas, ou seja, elas sofrem uma reelaboração interna, uma linguagem específica em cada pessoa. Em outras palavras, cada processo de construção de conhecimentos e desenvolvimento mental possui características individuais e particulares. Dito de outra forma, os significados socioculturais historicamente produzidos são internalizados pelo homem de forma individual e, por isso, ganham um sentido pessoal; "a palavra, a língua, a cultura relaciona- se com a realidade, com a própria vida e com os motivos de cada indivíduo" (LANE, 1997, p. 34) 30 Cultura e Linguagem Não é possível falar sobre a perspectiva vygotskyana de desenvolvimento da aprendizagem e de produção do conhecimento, sem fazer referência à centralidade da cultura e da linguagem em sua teoria. Para Vygotsky, o homem constitui-se enquanto tal a partir da relação que estabelece com o outro, enquanto ser social. Dessa forma, "a cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem" (OLIVEIRA, 1992, p. 24), ou seja, o desenvolvimento intelectual do homem está intimamente ligado às relações sociais, que têm como produto a cultura, o conhecimento. Nesse processo de interação humana, que produz cultura e transforma o homem em ser social, a linguagem é o sistema simbólico fundamental de mediação entre os homens e desses com o mundo concreto. A linguagem possui, portanto, dupla importância na construção do saber, pois, além de intermediar a relação entre os homens (relação essa que produz conhecimento), "a linguagem simplifica e generaliza a experiência, ordenando os fatos do mundo real em conceitos cujo significado é compartilhado pelos homens que, enquanto coletividade, utilizam a mesma língua" (OLIVEIRA, 1992, p. 27). A Aprendizagem Para Vygotsky, a aprendizagem é um processo contínuo e a educação é caracterizada por saltos qualitativos de um nível de aprendizagem a outro. "A aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente podem ocorrer quando o indivíduo interage com outras pessoas" (OLIVEIRA, 1992, p. 33). Daí, a importância das relações sociais e da cultura, como produto dessas relações, no desenvolvimento intelectual da criança. Para explicar o processo de aprendizagem, Vygotsky desenvolveu os conceitos de Desenvolvimento Potencial e Mediador, Desenvolvimento Real e Desenvolvimento Proximal. Zona de desenvolvimento potencial ou mediador - A zona de desenvolvimento potencial ou mediador e toda atividade e/ou conhecimento que a criança ainda não domina, mas que se espera que ela seja capaz de saber e/ou realizar, independentemente de sua etnia, religião ou cultura. 31 Zona de desenvolvimento real - A zona de desenvolvimento real é caracterizada por tudo aquilo que a criança já é capaz de realizar sozinha. Nessa zona, está pressuposto que a criança já tenha conhecimentos prévios sobre as atividades que realiza. Zona de desenvolvimento proximal - A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o que a criança já pode realizar sozinha e aquilo que ela somente é capaz de desenvolver com o auxílio de alguém. Na zona de desenvolvimento proximal, o aspecto fundamental e a realização de atividades com o auxílio de um mediador. Por isso, segundo Vygotsky, essa é a zona cooperativa do conhecimento. O mediador ajuda a criança a concretizar o desenvolvimento que está próximo, ou seja, ajuda a transformar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real. Não há duvida de que a teoria de Vygotsky oferece uma nova racionalidade a partir da qual é possível entender o desenvolvimento interno da aprendizagem e da produção do conhecimento. A criança somente consegue fazer com o auxílio de outra pessoa, mas que pode vir a fazer sozinha amanhã recoloca a relação erro/acerto numa outra perspectiva: a de que o ato de errar não deve ser um indicador de incapacidades, mas um elemento fundamental para se entender que conhecimentos precisam ser reforçados e estimulados, no aluno. Por outro lado, a importância da cultura, da linguagem e das relações sociais na teoria de Vygotsky fornece a base para uma educação em que o homem seja visto na sua totalidade: na multiplicidade de suas relações com outros; na sua especificidade cultural; na sua dimensão histórica, ou seja, em processo de construção e reconstrução permanente. 32 APRENDIZAGEM Ao longo de seus estudos, Vygotsky preocupou-se em demonstrar como os processos mentais superiores desenvolvem-se no ser humano. Por processos mentais superiores entende-se que: O controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes; em outras palavras, todas as ações e pensamentos inteligentes (não instintivos) que somente estão presentes nos homens (OLIVEIRA, 1993, p. 26). Portanto, o que coloca o homem a frente dos outros animais e a intencionalidade é a liberdade de escolha em suas ações. O conceito de mediação está no cerne de todas as ações intencionais e voluntárias do ser humano. Isso significa que o contato do homem com os outros homens e com o meio em que vive é sempre mediado por alguma experiência e/ou conhecimento, anteriormente assimilado. Já dissemos em outros momentos que todo conhecimento é limitado e relativo, nenhuma teoria pode ser tomada como verdade única e absoluta. Toda verdade é histórica, passageira, e como tal precisaser utilizada: precisamos procurar sempre o equilíbrio entre o ceticismo retrógrado e a fé cega, que fecha qualquer possibilidade para o novo. Não podemos duvidar do caráter revolucionário da teoria vygotskyana, mas sempre como um dos instrumentos que pode auxiliar na busca incessante por uma educação que recupera e reforça, no homem, o que ele tem de melhor: sua 33 criatividade, sua autonomia, sua condição histórica de sujeito e não de objeto a ser modelado. Há ainda que atentar para o fato de que toda educação é direcionada para uma realidade específica, e é a partir das peculiaridades, culturais e sociais, de cada realidade que as teorias do conhecimento e da aprendizagem devem ser pensadas no âmbito da prática escolar. É um erro pensar a educação descolada da vida cotidiana e imediata dos indivíduos, de seus limites e de suas possibilidades. Uma educação, de fato, transformadora caminha no sentido de promover o respeito pela diferença, de estimular a riqueza da diversidade; o contrário disso é homogeneizar, e não permitir que um rico mosaico cultural seja pincelado por cada homem e por cada mulher: diferentes nas suas particularidades, mas únicos enquanto humanidade. CONSTRUTIVISMO E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Nessa etapa, será estudado o construtivismo e suas teorias sobre o desenvolvimento das crianças, principalmente, com um enfoque na educação. Portanto, não vamos resgatar todas as teorias sobre o Construtivismo, mas como a semiótica colabora no processo de aprendizagem e na construção do conhecimento. A função da semiótica é possibilitar que se possa evocar, mediante signo ou imagem simbólica, um objeto ausente. Por sua vez, a semiótica também permite diferenciar e coordenar significantes e significados. Como dito, a semiótica utiliza-se de signos e imagens simbólicas; mas, o que é signo e o que é símbolo? Signo pode ser compreendido como alguma coisa que está no lugar de outra, sob algum aspecto. E símbolo provém do grego symbolon, que significa marca, sinal de reconhecimento, ou seja, qualquer representação de uma realidade por outra. A linguagem humana, por exemplo, é simbólica enquanto representa a realidade de forma analógica ou convencional (ARANHA, 1996, p. 240). Podemos, então, dizer que, ao longo da vida, constantemente, utilizamo- nos de signos e/ou símbolos para falar da realidade, e este hábito está presente, por consequência, em nosso desenvolvimento cognitivo, mecânico, afetivo, psicológico, entre outros aspectos. Dessa maneira, também podemos afirmar que esta forma de linguagem estará presente nos processos de aprendizagem, ou melhor, em todos os processos educativos. 34 Ao explicar as chamadas operações superiores, Vygotsky utiliza o conceito de mediação segundo o qual a relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada pelos sistemas simbólicos. Essa mediação é levada a efeito pelo uso de instrumentos e de signos. Para Vygotsky, a invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, somente que, agora, no campo psicológico (ARANHA, 1996, p. 205). Em especial, é importante falarmos do sistema de notação, que é muito utilizado na maior parte das áreas de conhecimento, das quais podemos destacar a linguagem escrita, a matemática e as artes (por exemplo: a música). CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO Nessa perspectiva, percebemos que o ser humano constantemente buscou, ao longo de sua história, por meio das relações sociais estabelecidas no interior da sociedade, a construção da cultura que expressa estas relações do homem com o próprio homem, do eu com o outro, do homem com o meio. Dessa forma, Aranha (1996) afirma que: O contato do homem com a natureza, com outros homens e consigo mesmo é intermediado pelos símbolos, isto é, signos - arbitrários e convencionais - por meio dos quais o homem representa o mundo. Portanto, ao criar um sistema de representações aceitas por todo o grupo social (ou seja, a linguagem simbólica) os homens comunicam- se de forma cada vez mais elaborada. Nesse sentido, pode-se 35 dizer que a cultura e o conjunto de símbolos elaborados por um povo em determinado tempo e lugar. Dada a infinita possibilidade de simbolizar, as culturas são múltiplas e variadas (ARANHA, 1996, p.14-15). Como vemos os sistemas de representação, ou melhor, sistemas de notação são, portanto, formas e/ou ações de representar por meio de signos, símbolos e/ou sinais convencionais (definidos a partir do consenso do grupo, pelo menos de uma fração dominante). Por sua vez, o processo de apropriação dessas notações faz parte do desenvolvimento individual de cada um, a partir da aprendizagem e das práticas pedagógicas exercidas individual ou coletivamente. As notações podem ser expressas por meio do desenho, da linguagem, dos números, da música (ritmos, melodias e partituras), entre outras formas. O desenho pode ser considerado uma dessas representações da realidade, pois articula a cognição com o afeto, evoluindo junto com a construção do real. Podemos identificar alguns níveis do desenho, dos quais destacamos quatro: realismo fortuito, incapacidade sintética, realismo intelectual e realismo visual. Criar e perceber formas visuais implica trabalhar frequentemente com as relações entre os elementos que as compõem, tais como ponto, linha, plano, cor, luz, movimento e ritmo. As articulações desses elementos nas imagens dão origem à configuração de códigos que se transformam ao longo dos tempos. Tais normas de formação das imagens podem ser assimiladas pelos alunos como conhecimento e aplicação prática recriadora e atualizada em seus trabalhos, conforme seus projetos demandem e sua sensibilidade e condições de concretizá-los permitam. O aluno também cria suas poéticas onde gera códigos pessoais (BRASIL, PCN - Arte, 1997, p. 61-62). A linguagem é outra forma de notação, de representação simbólica da realidade. Segundo o PCN, referentemente à Língua Portuguesa no Ensino Fundamental (BRASIL, 1997): A língua é um sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não somente as palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade e a si mesmas (BRASIL, 1997, p. 24). A linguagem, contudo, pode ser expressa de diversas formas, mas a escrita é a forma que mais nos interessa neste momento, pois é por meio da grafia que as diversas culturas humanas desenvolveram os signos da linguagem. A escrita traduz a 36 notação de uma cultura, de um grupo social, de uma tradição não somente histórica, mas, também, simbólica. E, da mesma forma que existe uma evolução na forma de apreensão e expressão dos desenhos, a representação da escrita também evolui. Podemos identificar os seguintes níveis de evolução da escrita: pré-silábico, silábico, silábico alfabético e ortográfico. Como a escrita, vamos perceber que os números traduzem um sistema de notação bem complexo, o qual busca representar quantidades, basicamente. A evolução da notação numérica vai desde a classificação/seriação, passa pela percepção global (muito/pouco), desenvolve os sistemas de contagem, avançando para as representações dos números cardinais, os grafismos icônicos e abstratos, entre outras formas mais complexas. É importante, entretanto, ressaltar as dificuldades no aprender a matemática, assim como ensiná-la. Nesse sentido, Wood (1996) diz-nos que: Bruner afirma que a instrução e um pré-requisito necessário para que as atividades espontâneas da criança se transformem em pensamento simbólico, racional. Ele partilha da opinião de Piaget, segundo a qual a ação é o ponto de partidapara a formação do pensamento abstrato e simbólico (como o que toma parte na resolução de equações matemáticas, por exemplo), mas não concorda com a noção de que a criança, antes de atingir um determinado nível, seja incapaz de entender as relações conceituais entre a atividade prática e níveis mais abstratos de pensamento (WOOD, 1996, p. 310-311) E continua afirmando: À noção de que a evolução do pensamento simbólico seja condicionada por estágios de desenvolvimento, Bruner fornece uma perspectiva diferente, a respeito do processo de chegar a conhecer e da natureza da aprendizagem. Ele distingue entre três "modos", pelos quais o conhecimento é expresso ou "representado". A seus três modos de representação dá os nomes de "atuante" [enactive] "icônico" e "simbólico". A representação atuante assemelha-se à noção piagetiana de inteligência prática. (...) A representação icônica: representação do conhecimento em que a representação criada precisa guardar uma correspondência de elemento para elemento, com o evento ou atividade que ela retrata. (...) A representação simbólica: os próprios números, bem como os símbolos verbais e escritos não guardam uma relação de elemento para elemento, com as entidades que retratam. Do mesmo modo, símbolos como "+", "=" e "- " não apresentam, em si mesmos e do ponto de vista da percepção, uma semelhança com as operações que designam. E, assim como as palavras funcionais na linguagem, eles 37 possuem diversos significados enquanto símbolos matemáticos, dependendo do tipo de problema em questão (como por exemplo, dividir números inteiros ou dividir frações). (WOOD, 1996, p. 310-311). Por fim, encontramos na música, explícitos, vários instrumentos de notação, os quais buscam representar os ritmos naturais, como os ritmos do coração, do andar, da respiração, entre outros fenômenos. A música é expressão da cultura, da linguagem do coração, da emoção, mas também de uma lógica nem sempre matemática, mas, muitas vezes, expressa por ela. As melodias estão presentes em todo tipo de cultura, talvez com tons, com harmonias, com ritmos diferenciados, mas sempre existem. As notas musicais, as partituras e seus diversos grafismos sempre buscam traduzir uma situação real, que pode ser compreendida em um som, em um ritmo, em um estilo, ou, até mesmo, na ausência do som (a pausa) - o silêncio é expresso por uma notação, uma representação simbólica. Um pequeno ponto ao lado ou acima de uma nota musical representa algo na linguagem musical - é momento de acrescer ou diminuir o tempo de execução de um determinado som. A notação musical, como observamos, é outra forma de representação simbólica, que também guarda especificidades, mas traduz uma cultura, relações sociais e, por sua vez, é pautável de aprender e ensinar, de sentir e executar. A música, assim como o desenho, a escrita e a matemática, e todas as outras maneiras de simbolizar o real, podem facilitar (ou não) os processos de aprendizagem e construção do conhecimento. Como a música, a educação é uma arte. “Arte é cognição”. (Ana Maria Barbosa) PAULO FREIRE- A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO POPULAR Na história da educação brasileira, é imprescindível falarmos de Paulo Freire, não somente por sua importância enquanto educador, mas, também, como construtor de uma proposta de educação para todos os brasileiros - uma educação popular. É claro que ele não somente teve relevância em nosso país: desenvolveu várias experiências no exterior, principalmente no período do exílio. 38 Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, no Recife, Pernambuco, uma das regiões mais pobres do país, onde logo cedo pode experimentar as dificuldades de sobrevivência das classes populares. Trabalhou inicialmente no SESI (Serviço Social da Indústria) e no Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Ele foi quase tudo o que deve ser como educador, de professor de escola a criador de ideias e "métodos". Sua filosofia educacional expressou-se, primeiramente, em 1958, na sua tese de concurso para a Universidade do Recife, e, mais tarde, como professor de História e Filosofia da Educação daquela Universidade, bem como em suas primeiras experiências de alfabetização como a de Angicos, Rio Grande do Norte, em 1963. A coragem de pôr em prática um autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização com um processo de conscientização, capacitando o oprimido tanto para a aquisição dos instrumentos de leitura e escrita quanto para a sua libertação, fez dele um dos primeiros brasileiros a serem exilados. Em 1969, trabalhou como professor na Universidade de Harvard, em estreita colaboração com numerosos grupos engajados em novas experiências educacionais tanto em zonas rurais quanto urbanas Durante os 10 anos seguintes, foi Consultor Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra (Suíça). Nesse período, deu consultoria educacional junto a vários governos do Terceiro Mundo, principalmente na África. Em 1980, depois de 16 anos de exílio, retornou ao Brasil para "reaprender" seu país. Lecionou na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 1989, tornou-se Secretário de Educação no Município de São Paulo, maior cidade do Brasil. Durante seu mandato, fez um grande esforço na implementação de movimentos de alfabetização, de revisão curricular e empenhou-se na recuperação salarial dos professores. A metodologia por ele desenvolvida foi muito utilizada no Brasil em campanhas de alfabetização e, por isso, ele foi acusado de subverter a ordem instituída, sendo preso, após o Golpe Militar de 1964. Depois de 72 dias de reclusão, foi convencido a deixar o país. Exilou-se primeiro no Chile, onde, encontrando um clima social e político favorável ao desenvolvimento de suas teses, desenvolveu, durante cinco anos, trabalhos em programas de educação de adultos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária (ICIRA). Foi aí que escreveu a sua principal obra: Pedagogia do Oprimido. 39 Em Paulo Freire, conviveram sempre presentes senso de humor e a não menos constante indignação, contra todo tipo de injustiça. Casou-se, em 1944, com a professora primária Elza Maia Costa Oliveira, com quem teve cinco filhos. Após a morte de sua primeira esposa, casou-se com Ana Maria Araújo Freire, uma ex-aluna. Paulo Freire é autor de muitas obras, entre elas: Educação: prática da liberdade (1967), Pedagogia do oprimido (1968), Cartas à Guiné-Bissau (1975), Pedagogia da esperança (1992), À sombra desta mangueira (1995). Foi reconhecido mundialmente pela sua práxis educativa por meio de numerosas homenagens. Além de ter seu nome adotado por muitas instituições, é cidadão honorário de várias cidades, no Brasil e no exterior. A Paulo Freire foi outorgado o título de doutor Honoris Causa, por vinte e sete universidades. Por seus trabalhos na área educacional, recebeu, entre outros, os seguintes prêmios: "Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento" (Bélgica, 1980); "Prêmio UNESCO da Educação para a Paz" (1986) e "Prêmio Andres Bello" da Organização dos Estados Americanos, como Educador dos Continentes (1992). No dia 10 de abril de 1997, lançou seu último livro, intitulado Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paulo Freire faleceu no dia 2 de maio de 1997, em São Paulo, vítima de um infarto agudo do miocárdio. Percebe-se, atualmente, o quanto Paulo Freire produziu, ao longo de sua fértil vida, para a educação e para a vida dos outros seres humanos. Como ele mesmo dizia: a educação não transformará a sociedade sozinha, contudo, sem a educação a sociedade não será transformada. E, é justamente, aprendendo com Freire, que devemos entender o quanto é importante conceber a educação como um princípio transformador da realidade,
Compartilhar