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DIREITO COLETIVO_ ORGANIZAÇÃO SINDICAL

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
LUIZA VIANA RODRIGUES
NUSP 10845280
DIREITO COLETIVO: ORGANIZAÇÃO SINDICAL
A evolução das leis que regulam os sindicatos no Brasil e suas possíveis alterações no contexto atual
São Paulo
2019
I. INTRODUÇÃO
O Direito Coletivo do Trabalho, segundo definição de Hermes Cramacon, é “O ramo do direito do trabalho capaz de regular a organização sindical, a negociação coletiva bem como os instrumentos normativos decorrentes dessa negociação, a representação dos trabalhadores na empresa e, ainda, o direito de greve.” Em outras palavras, é a modalidade, dentro do direito do trabalho, que organiza e regulamenta as relações e conflitos de interesse entre grupos de trabalhadores e grupos de empregadores. Neste trabalho, exploraremos o Direito Coletivo, com enfoque na organização sindical no contexto brasileiro, no passado, presente e futuro: aspectos históricos, a regulamentação atual e suas possíveis alterações.
O surgimento do primeiro modelo organização de trabalhadores em prol de seus direitos ocorreu no período da Baixa Idade Média por meio das Corporações de Ofício, que reuniam indivíduos que realizavam uma mesma atividade profissional e regulamentavam os processos de produção e os preços, buscando proteger os trabalhadores de possíveis abusos das classes aristocráticas. Com o fim do feudalismo e da Idade Média, essas corporações são extintas e começam a surgir as fábricas e os primórdios do capitalismo, dando origem à burguesia. 
No século 17, a nova classe trabalhadora, agora denominada proletária, passa a criar novas organizações mais estruturadas para exigir condições de trabalho mais dignas, pois, nesse período, os trabalhadores - inclusive crianças - eram submetidos a jornadas exaustivas, condições insalubres e salários insuficientes. Essas organizações ficam ainda mais expressivas após a Revolução Industrial, quando a substituição do trabalhador por máquina gera grande desemprego, e passam a ser chamadas de sindicatos. Os sindicatos, inicialmente, foram duramente reprimidos pelo governo e atuavam na ilegalidade. Apenas no século 18, essas associações passam a ser reconhecidas como legítimas e em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem determina o direito dos indivíduos de se organizarem em sindicatos, fazendo com que a OIT passasse a fiscalizar e garantir esse direito. 
II. DESENVOLVIMENTO
No Brasil, o movimento sindical foi altamente influenciado pela presença de imigrantes europeus no país. As transformações do final do século XIX, quando a economia brasileira passa a se diversificar e abrir espaço para a atividade manufatureira, em conjunto com a abolição da escravidão, que gerou muita oportunidade de trabalho assalariado no país, atrairam muitos imigrantes vindos da Europa, que já possuiam experiência no trabalho assalariado e estavam acostumados com um padrão mínimo de direitos trabalhistas já conquistados por eles. Isso fez com que começassem a surgir organizações de trabalhadores, que logo deram origem às Uniões Operárias, que passaram a se organizar de acordo com suas categorias profissionais. 
No governo de Getúlio Vargas, a criação do Ministério do Trabalho, entre outras medidas, submete os sindicatos ao controle do Estado, por meio de normas que estabeleciam controle financeiro, participação do Ministério nas assembleias, proibição da sindicalização de funcionários públicos, proibição de atividades políticas e ideológicas por parte de sindicatos, entre outras. Nesse momento, também, surgem o princípio da unicidade sindical e o imposto sindical obrigatório. O período de governo de Vargas foi marcado por um intenso crescimento do movimento sindical, com forte presença de manifestações e greves por parte dos trabalhadores. Esse movimento é interrompido no período da Ditadura Militar, e volta a ganhar força apenas no final da década de 70. 
A Constituição atual, de 1988, define no artigo 5º a liberdade como um dos direitos fundamentais ao homem, citando inclusive o direito a associação para fins lícitos, concedendo aos sindicatos maior liberdade e extinguindo parte das regras autoritárias estabelecidas por Vargas por meio do Ministério do Trabalho. Além disso, a CF atual atribui, no art. 8º, III, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. 
Também são definidos pela Constituição os princípios do direito sindical: princípio da liberdade associativa e sindical, princípio da autonomia sindical, princípio da adequação setorial negociada, princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva e princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva. O primeiro princípio, baseado na liberdade de associação definido pelo artigo 5º, abrange o direito a qualquer associação ou sindicalização, bem como a criação e extinção de sindicatos. O princípio da autonomia sindical garante que os sindicatos sejam autogeridos e sem qualquer intervenção do Estado ou de empresas, definindo também sua auto sustentação financeira. O princípio da adequação setorial negociada estipula limites para as normas decorrentes de negociações coletivas. A criatividade jurídica garante a criação de normas jurídicas, desde que não ilegais. E, por fim, o princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva exige a lealdade e o livre acesso às informações decorrentes das negociações. Além disso, o sistema brasileiro ainda adota o princípio da unicidade sindical, que impede a criação de mais de um sindicato por categoria profissional ou econômica em uma mesma base territorial, que não pode ser menor do que um município.
O Brasil vem enfrentando recentemente muitas discussões sobre as relações de trabalho, principalmente após a aprovação da Reforma Trabalhista em 2017. A Reforma, realizada durante o governo interino de Michel Temer, alterou diversos pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e foi amplamente criticada por organizações sindicais brasileiras. Dentre as principais alterações decorrentes da reforma trabalhista estão o fim do imposto sindical obrigatório, a prevalência dos acordos coletivos sobre a legislação - respeitando direitos essenciais -, a possibilidade de trabalho intermitente, que até então não era regulamentado e alterações na regulamentação do trabalho terceirizado. Ocorreram também alterações nas regras sobre jornada de trabalho e férias: a jornada de trabalho, antes limitada a 8 horas diárias, com um máximo de 2 horas extras por dia, agora pode chegar a 12 horas diárias com 36 horas de descanso, desde que respeite o limite de 44 horas semanais; as férias agora poderão ser concedidas de forma fracionada. A nova regulamentação também limita a jornada de trabalho a somente o tempo em que o trabalhador está, de fato, realizando suas atividades dentro da empresa, não mais considerando intervalos de deslocamento, descanso, alimentação, higiene pessoal e outros momentos. 
Essas mudanças foram justificadas por seus defensores com os argumentos de flexibilização do mercado de trabalho, simplificação das relações entre empregadores e trabalhadores e a possibilidade de maior geração de emprego. Muitas das medidas adotadas ainda são alvos de discussão e se fala ainda em 2019 sobre uma nova reforma trabalhista. 
Nesse contexto, começaram a aparecer discussões também sobre uma possível reforma sindical, que adequaria a regulamentação dos sindicatos à atual regulamentação trabalhista. A notícia veiculada pelo jornal Valor Econômico no dia 30 de setembro de 2019, escrita por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro, entitulada “Maia e centrais se antecipam à reforma sindical” aborda essa possibilidade de uma reforma sindical em discussão atualmente no Brasil. A notícia explica que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, esteve se reunindo com centrais sindicais, confederações patronais e federações para discutir a possível reforma e apresentar uma proposta de emenda constitucional. 
As organizações de trabalhadores estiveram se reunindo comMaia em busca de se antecipar a uma proposta de reforma sindical que está sendo elaborada pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho - um dos principais responsáveis pela reforma trabalhista que, entre outras alterações, retirou a obrigatoriedade da contribuição sindical. Segundo a notícia, a proposta de Marinho está sendo elaborada sem a colaboração das organizações sindicais e prometeu aos sindicalistas apenas que aceitaria sugestões, mas não lhes daria o direito de decidir de fato sobre o texto da proposta. O modelo elaborado por Marinho tem como exemplo principal a estrutura americana, que institui um sindicato por empresa. 
Há também uma Proposta de Emenda Constitucional, apresentada em outubro de 2019 na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Marcelo Ramos, que aborda uma reforma sindical. A proposta, que inicialmente não foi aprovada pela câmara, tem como objetivo algumas alterações, dentre elas a definição de regras para garantir maior representatividade dos sindicatos. Ramos propõe que somente poderiam continuar existindo no Brasil os sindicatos que tenham filiado ao menos 10% das categorias que representam, porcentagem que aumentaria progressivamente até chegar aos 51%. Essa mudança é justificada por seus defensores pelo fato de que, no Brasil, os sindicatos são pouco representativos - o maior índice, do sindicato dos bancários, tem representatividade de apenas 45%. A medida também exigiria que os sindicatos aumentassem muito seu número de filiados, e passariam a representar apenas estes, e não mais toda a categoria profissional. A PEC também defende o fim da unicidade sindical.
Dentre as mudanças discutidas, uma das mais polêmicas é o fim do princípio de unicidade sindical. Atualmente, a regulação impede que exista mais de um sindicato representativo por categoria profissional ou econômica na mesma base territorial. Segundo seus defensores, a medida seria necessária para modernizar as relações de trabalho no Brasil e traria maior nível de democracia para as organizações, pois o trabalhador poderia escolher se associar ao sindicato que melhor representasse sua posição e suas demandas. Também há a argumentação de que a unicidade sindical fere o princípio de liberdade sindical, pois impede a liberdade do indivíduo para escolher a qual sindicato se associar. Os apoiadores também afirmam que a competição entre as entidades seria facultativa e só ocorreria quando os trabalhadores julgassem necessário, e impediria a acomodação de lideranças sindicais. Contudo, críticos afirmam que a medida faria com que os sindicatos se enfraquecessem e poderia acabar beneficiando mais os empregadores do que os trabalhadores, pois os sindicatos alinhariam suas propostas às demandas das empresas. Além disso, o princípio de unicidade sindical baseia-se na ideia de que, dentro de uma categoria profissional, os interesses e objetivos dos indivíduos seriam os mesmos, podendo, assim, um único sindicato representar todo o coletivo.
Outra mudança, já em vigor desde a Reforma Trabalhista, mas que ainda é alvo de muitas controvérsias, foi o fim da contribuição sindical obrigatória, também chamada imposto sindical. O imposto sindical foi criado no Brasil em 1940, no período de governo de Getúlio Vargas. Sua quantia varia de acordo com a remuneração do trabalhador, pois o valor é equivalente a um dia de salário, para trabalhadores com carteira assinada. Já no caso de profissionais liberais ou autônomos, o valor é igual a 30% do maior valor-de-referência fixado pelo Poder Executivo, vigente à época em que é devida a contribuição sindical. Antes da aprovação da Reforma, a contribuição sindical era compulsória e ocorria anualmente no mês de março, por meio de um desconto direto da folha salarial do trabalhador. Agora, a legislação define que a contribuição sindical estará sujeita a autorização prévia, voluntária e individual por parte do trabalhador, que deverá escrever uma carta de próprio punho, confirmando sua escolha e permitindo a emissão de um boleto referente ao valor a ser recolhido pelo sindicato. 
Essa medida foi muito criticada por parte dos sindicatos, pois o imposto sindical representa cerca de 80% da fonte de renda destes, e a não obrigatoriedade de pagamento poderá gerar graves consequências para a continuidade de funcionamento das organizações sindicais. Porém, muitos defendem que serviria como um incentivo aos sindicatos para que demonstrem sua diferença e suas atividades para o trabalhador, para convencê-lo a contribuir financeiramente. Também existe o argumento de que a obrigatoriedade do pagamento de imposto sindical seria controvérsia ao princípio de liberdade sindical, pois, como ressalta Arion Sayão Romita em sua obra Os Direitos Sociais na Constituição e Outros Estudos, sendo a sindicalização um direito, o pagamento de contribuição não poderia constituir uma obrigação. 
Outra proposta de mudança, sugerida pelo deputado Paulinho da Força, é que as relações sindicais sejam decididas por um conselho autônomo, formado por seis representantes das organizações de trabalhadores e seis representantes da classe empresarial. Segundo o deputado, essa medida teria como objetivo retirar a intervenção do Estado sobre as relações sindicais.
Existem ainda outras propostas de alterações para a lei, mas a maioria converge no sentido de que uma reforma seria necessária para trazer à regulação sindical maior modernidade, transparência e autonomia, e garantir para o trabalhador maior representatividade. Contudo, é preocupante o quão longe essa flexibilização pode ir e em que grau ela pode acabar afetando a continuidade dos sindicatos, que hoje em dia já não possuem tanta força e credibilidade com os brasileiros. 
III. CONCLUSÃO
A partir dessa análise, percebe-se que o movimento sindical no Brasil ainda está em amadurecimento, o que acaba por gerar muitas controvérsias e discussões. Apesar de a legislação acerca do Direito Coletivo ter sido alterada na Constituição Federal de 1988, ainda restam heranças da primeira legislação que abordou a questão sindical, na Era Vargas. 
No atual contexto brasileiro, após uma Reforma Trabalhista que alterou questões relevantes para o trabalhador, é necessário também que a legislação sindical se adeque ao novo cenário. Além disso, alguns pontos críticos da Reforma devem ser observados de perto para que não haja precarização das relações de trabalho e prejuízo para o trabalhador - por exemplo, a questão do acordo coletivo se sobrepor ao legislado. Nessa questão, os sindicatos possuem papel de suma importância na proteção do trabalhador frente a sua nova realidade. 
Portanto, qualquer possibilidade de reforma sindical deve ser estudada de perto e elaborada com participação das principais centrais sindicais, de forma que não resulte em perda de força do trabalhador frente ao empregador.
IV. BIBLIOGRAFIA
CUNTO, Raphael Di; RIBEIRO, Marcelo. Maia e centrais se antecipam à reforma sindical. Valor Econômico, Brasília, 30 set. 2019. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/09/30/maia-e-centrais-se-antecipam-a-reforma-sindical.ghtml. Acesso em: 5 nov. 2019.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. rev. e amp. São Paulo: LTr, 2009.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 17. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2018.
ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO COLETIVO DO TRABALHO. Jus.com.br, 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70295/aspectos-historicos-do-direito-coletivo-do-trabalho. Acesso em 7 nov, 2019.
SAIBA MAIS SOBRE O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO. CHC Advocacia, 2017. Disponível em: https://chcadvocacia.adv.br/blog/saiba-mais-sobre-o-direito-coletivo-do-trabalho/. Acesso em: 7 nov, 2019.
APROVADA EM 2017, REFORMA TRABALHISTA ALTEROU REGRAS PARA FLEXIBILIZAR O MERCADO DE TRABALHO. Agência Senado, 2019. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/02/aprovada-em-2017-reforma-trabalhista-alterou-regras-para-flexibilizar-o-mercado-de-trabalho. Acessoem 8 nov, 2019.
GOVERNO ESTUDA REFORMA SINDICAL PARA ATUALIZAR SEGMENTO À ”REALIDADE”. Exame, 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/governo-estuda-reforma-sindical-para-atualizar-segmento-a-realidade/. Acesso em 8 nov, 2019.

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