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MAURO Lu1s IASI ENSAIOS SOBRE "' -' CONSCIENCIA E EMANCIPA~AO e1tpress40 POPULAR MAURO Lurs 1As1 ENSAIOS SOBRE CONSCIÊNCIA E EMANCIPAÇÃO MAuRo Lurs lAsr ENSAIOS SOBRE CON SCIÊN CIA E EMANCIPAÇÃO 2ª edição EDITORA EXPRESSÃO POPULAR São Paulo - 20 11 Copyright© 2007, by Editora Expressão Popular Revisão: Miguel Ca11alcanti Yoslúda e Geraldo Martins de Azevedo Filho Projeto gráfico, diagramação e capa: ZAP Design. Impressão e acabamento: Graplúum Arte da capa: Detalhe da obra de Pá11el Filôno11, 1923. Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) lasi, Mauro Luis llle Ensaios sobre a consciência e emancipação./ Mauro Luis lasi. -2.ed. -São Paulo: Expressão Popular, 2011. 176p. Indexado em GeoDados - http://www.geodados.uem.br. ISBN 978-85-7743-031-4 1. Consciência. 2. Emancipação. 1. Título. CDD21 ed.165 Bibliotecária: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora. 2ª edição: fevereiro de 2011 2ª reimpressão: outubro de 2017 EDITORA EXPRESSÃO POPULAR Rua Abolição, 201 - Bela Vista CEP 01319-010 - São Paulo - SP Fone: (11) 3522-7516 / 4063-4189 / 3105-9500 editora.eÀ'}Jressaopopular.com.br livraria@expressaopopular.com.br SUMÁRIO 111, l ,11 ·io ...................................................................................................... 7 1 1<1 llcxão sobre o processo de consciência ........................................... 11 11 < l proble ma da emancipação humana ..... .... ...... .. ...... ........ ................ .47 111 Id eologia ... quer uma para viver? .. ..... .. ...................................... .... ... 77 I\ \ semente do olmo ................... ............................. ............................ 89 \ ( l rn nceito e o "não conceito" de classes em Marx ....... ..... .... ......... 101 \ 1 1 ·rabalho doméstico e valor ............................................................. 123 \ 11 ( ,'m io r;ui absurdum ........................................................................... 143 \ 111 ( :onsciência e metodologia da educação popular: rn nt ribuição à discussão metodológica .... ......... .............................. 155 PREFÁCIO É com imenso prazer que apresento esses textos sobre o tema da consciência e da emancipação humana para a publicação pela editora Expressão Popular. O momento no qual esse trabalho é apresentado não poderia ser mais adequado. Temos_ afirmadq que 9 movimento da consciência da classe _!:rabalhadora não é um processo linear, mas antes constituído por formas que se superam dialeticamente, de maneira que o_vel_ho jLtraz elementos do novo que ainda carrega resquícios das formas sy2eradas. Esse movimento das formas de consciência encontra sua determinação material no movimento próprio do ser da classe trabalhadora, ora amoldada à ordem do capital, ora em luta por seus interesses imediatos, ou, em circunstâncias especiais, se conformando como uma classe que aponta para além da ordem do capital. Vivemos hoje um triste momento de amoldamento que exige de todos nós uma profunda e séria reflexão teórica e prática. Há E N . S A I OS SOB n. E C O N S C 1 Ê N C I A E E M A N C I P AÇÃO os que diante do produto final renegam toda a caminhada e se perdem em críticas meramente morais, mas há aqueles que buscam compreender esses momentos dentro de um movimento maior e, por compreendê-lo dialeticamente, não se surpreendem com o balanço do barco que nos leva através dos mares tumultuados desses tempos mais próximos da farsa do que da tragédia. Quando conhecemos a consciência como processo, sabemos que ela só pode se formar, em um primeiro momento, como con- formação dos indivíduos a uma determinada ordem societária. No entanto, os meios pelos quais esta sociedade molda as cons- ciências são os mesmos que permitem que os seres humanos, na continuidade de sua vida, entrem em contradição com os valores anteriormente interiorizados podendo, em determinadas situações, produzir alterações qualitativas no processo da consciência. Os contextos grupais, desde os mais imediatos até os mais abrangentes que podem chegar a pertencimento de classe, podem produzir a situação na qual os indivíduos possam ver nos outros suas próprias contradições, permitindo as ações coletivas e a emergência da chamada consciência em si. É na dinâmica da luta entre as classes que se combinam ele- mentos objetivos e subjetivos que podem levar a formação do pro- letariado enquanto proletariado, ou seja, mais do que simplesmente uma classe da sociedade do capital, uma classe contra o capital que é capaz de anunciar um novo tipo de sociabilidade humana finalmente emancipada. Ocorre que, nesse movimento, uma classe social que não com- pleta seu ciclo revolucionário, superando a sociedade antiga, acaba por voltar a se diluir na sociedade que queria negar, amoldando-se, fragmentando-se novamente em interesses individuais. Quando parte desses textos foram elaborados, o fenômeno que melhor retratava esse processo era o movimento sindical e a dinâmica dos movimentos populares; no entanto, hoje vivemos o final de um ciclo histórico em que a inflexão que se acomoda à ordem atinge M AU R O L u 1s ! As 1 grandes iniciativas que os trabalhadores foram capazes de produzir nesse período. A objetividade desse movimento nos obriga a uma reflexão teó- rica que seja capaz não apenas de compreendê-lo, mas também de agir sobre ele, reencontrar as energias transformadoras que nascem do antagonismo insuperável do sistema do capital e que só tomam forma consciente na ação política dos seres humanos dispostos a agir de forma revolucionária. Nessa edição, além dos textos que compunham o livro Processo de consciência publicado pelo CPV (1999 e 2001), acrescentamos alguns novos ensaios que tratam de alguns temas correlatos. No texto sobre a "Questão da emancipação humana", tratamos da diferença que Marx estabelece entre a emancipação política e a emancipação humana. No texto sobre o "Trabalho doméstico", polemizamos sobre a natureza dessa atividade à luz dos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo. No ensaio "Credo qui absur- dum", tratamos do debate sobre o papel das motivações subjetivas, como, por exemplo, a fé (acreditar sem ver) em nossa luta por um novo mundo. Como se trata de uma coletânea de ensaios produ- zidos para fins diferentes, como a utilização didática, artigos para boletins ou textos acadêmicos, muitas vezes os padrões de citação e a preocupação com a forma variam, fato pelo qual nos desculpamos antecipadamente com o leitor. Cada um desses artigos é produto de debates que emergiram em nossas atividades de formação; por isso, não param de brotar provocativamente duelando com nossas certezas. Por esse motivo, esta obra parece resistir em assumir uma forma acabada. Assim como nossa luta, ainda em aberto, ainda à procura da forma que lhe permita mudar revolucionariamente esse mundo antagônico ao humano e à vida. São Paulo, 23 de março de 2006 Mauro Luis Iasi I REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE CONSCIÊNCIA INTRODUÇÃO Até que ponto a classe (..) realiza "conscientemente", até que ponto "in- conscientemente': até que ponto uma consciência "falsa", as tarefas que Lhe são impostas pela história? Georg Lukács Esse texto foi produzido originalmente para um estudo do programa de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo no ano de 1985. Foi baseado numa pesquisa sobre a história de vida e militância de alguns companheiros e companheiras, e posteriormente incorporado como texto de apoio a um seminário do Curso de Monitores do 13 de Maio - Núcleo de Educação Popular (NEP). A partir dessa inserção no curso de monitores, esta reflexão foi ganhando forma com os depoimentos dos diferentes participan-tes, que contavam como acontecera seu processo de consciência, a forma de pensar anterior, os passos de sua militância e os im- passes vividos nas formas de compreender o mundo e a lura dos trabalhadores. Partindo de uma compreensão marxista, g_ rocesso de cons- ciência é visto, de forma preliminar e introdutória, como um E NSAIOS SOBRE CONSC I ÊNC I A E E M A NC IP AÇÃO desenvolvimento dialético, em que cada momento traz em si os elementos de sÜa superaç:ão," em que as formas já incluem contra- dições que, ao amadurecerem, remetem à consciência para novas formas e contradições, de maneira que o movimento se expressa num processo que contém saltos e recuos. Também é importante ressaltar que esse estudo sobre o pro- cesso de consciência nos deu base para a reflexão de nossa própria concepção de formação, nos permitindo um olhar crítico sobre o patamar das formulações sobre educação popular até então desen- volvidos, sobre o da formação e suas relações com o processo de consciência dos trabalhadores. A CONSCIÊNCIA COMO PROCESSO Falamos em processo de consciência e não apenas consciência porque não a concebemos como uma coisa que possa ser adquirida e que, portanto, antes de sua posse, poderíamos supor um estado de "não consciência". Assim como para Marx, não nos interessa o fenômeno e suas leis enquanto forma definida; o mais importante é a lei de sua transformação, de seu desenvolvimento, as transições de uma forma para outra.' Nesse sentido, procuraremos entender o fenômeno da consciên- cia como um movimento e não como algo dado. Sabemos que só é possível conhecer algo se o inserirmos na história de sua formação, ou seja, no processo pelo qual ele se tornou o que é; assim é também com a consciência: ela não "é", "se torna". Amadurece por fases distintas que se superam, através de formas que se rompem, gerando novas, que já indicam elementos de seus futuros impasses e superações. Longe de qualquer linearidade, a consciência se movimenta trazendo 1 "Para Marx só uma coisa importa: descobrir as leis do fenômeno que ele pesquisa. Importa-lhe não apenas a lei que o rege, enquanto tem forma definida e os liga relações observadas em dado período histórico. O mais importante de tudo para ele é a lei de sua transformação, de seu desenvolvimento, isco é, a transição de uma forma para outra, de uma ordem de relações para a outra." (Comentário de um resenhista em relação ao método empregado por Marx contido no posfácio da 2' edição de O capital, Editora Civilização Brasileira, p. 14.) 12 M AU R O L u 1 s I As 1 consigo elementos de fases superadas, retomando, aparentemente, as formas que abandonou. ~sse rocesso é ao mesmo tempo múlti lo e ~o. Cada in- divíduo vive sua própria superação particular, transita de certas concepções de mundo até outras, vive subjetivamente a trama de relações que compõe a base material de sua concepção de mundo. Como então podemos falar em "processo" como um todo? Acre- ditamos que a partir da diversidade de manifestações particulares podemos encontrar, nitidamente, uma linha universal quando falamos em consciência de classe. Essa consciência não se contrapõe à consciência individual, mas forma uma unidade, em que as diferentes particularidades derivadas do processo próprio de vida de cada um sintetizam pois, sob algumas condições, um todo que podemos chamar de consciência de classe. Vejamos, então como se forma a consciência e o processo de seu desenvolvimento. A PRIMEIRA FORMA DE CONSCIÊNCIA ---4> ~L- 1 GN A-(.lv Partindo da forma elementar na qual se apresem~ o fenômeno de consciência, podemos dizer que toda pessoa tem alguma repre- sentação mental de sua vida e de seus atos. Como afirma Gramsci: Todos são filósofos, ainda que ao seu modo, inconscientemente, porque inclusive na mais simples manifestação de uma atividade intelectual, a linguagem, está contida uma determinada concepção de mundo. 2 Como se formaria essa representação que todos possuem? Parece-nos que é constituída a partir do meio mais próximo, no espaço de inserção imediata da pessoa. Como nos diz Marx: A consciência é naturalmente, antes de mais nada, mera conexão limitada com as outras pessoas e coisas situadas fora do indivíduo que se torna consciente.3 2 Gramsci , A., A concepção dialética da História, p. 11 . 3 Marx, K. e Engels, F., A ideologia alemã, p. 43. 13 E NSA I OS SOBR E C ONSC I ÊNC I A E E MANC I P AÇÃO Essa exterioridade da consciência, o processo pelo qual ela parte de fora até se interiorizar, parece ser confirmado também por Freud, que, mesmo buscando compreender o fenômeno pela aproximação psicológica, nos afirma: [ O processo de algo tornar-se consciente está, acima de tudo, ligado às ;- percepçóes que nossos órgãos sensoriais recebem do mundo externo.4 ~ Dessa forma, inicialmente, a consciência seria o processo de re resentação mental (subjetiva) de uma realidade concreta e ~ - l !ema (objey va), formada neste momento, através de seu vínculo de inserção imediata (percepção). Dito de outra maneira, uma realidade externa que se interioriza. - - --X imteriãITêfãa.e esse movimento não deve ser buscada apenas no seu aspecto físico/orgânico, apesar de que ninguém ainda tenha conseguido formar qualquer representação sem cérebro ou um sis- tema nervoso central, mas no fato de que a consciência é gerada a partir e pelas relações concretas entre os seres humanos, e desses com a natureza, e o processo pelo qual, em nível individual, são capazes de interiorizar relações formando uma representação mental delas. A questão se torna complexa, na medida em que essa repre- sentação não é um simples reflexo da materiali:!ade externa g_u_e se busca representar na mente, ~ tes, a captação de um concreto aparente, limitado, uma parte do to o e o m; vimento de sua entificação.5 O novo indivíduo ao ser inserido no conjunto das relações so- ciais, que tem uma história que antecede a do indivíduo e vai além dela, capta, assim, um momento abstraído do movimento. A partir daí busca compreender o todo pela parte - ultrageneralização - o que consistirá, como veremos, em um dos mecanismos básicos de sua primeira forma de consciência. 4 Freud , S. , "Esboço de psica nálise", in Os Pensadores, p. 2 10. 5 Enci ficação é o termo fi losófico que des igna o processo de algo ro rnar-se o que é. 14 M AU R O L u 1 s I As 1 Outras informações chegam ao indivíduo, não pela vivência imediata, che am · á sistematizadas na forma de ensamento ela- borado, na forma de_csmhecimento, que busca compreender o~ justificar a natureza das relações determinantes em cada época. Tais manifestações da consciência só agirão na formação da concep~ção- h u~ o do indivíduo algum tempo depois e, como tentaremos argumentar, sob uma base já sólida para que sejam aceitas como válidas. Se a consciência é a interiorização das relações vividas pelos..- e indivíduos, devemos buscar as primeiras relações que aliuém vive 1 ~ ao ser inserido numa sociedade. A primeir · · tuição que coloca o ~ , ~ indivíduo diante de relações sociais é família Ao nascer, o novo _j ser está dependente de outros seres humanos, no caso do estágio / cultural de nossa sociedade: seus pais biológicos. ___J Lo o a ós o nasciment criaR<ra vive uma fase que, em termos psicológicos, é chamada de "pré-objetal", na qual ela nã distingue o que seria aja ~ que não seria. Vinda de nove meses de gestação quando se confundia organicamente com o corpo da mãe, ela percebe ainda precariamente o mundo como um complemento de si mesma. O seio materno é visto como parte da anatomia de seu próprio corpo e, logo, o bebê descobre o meio de acioná-lo: o choro. Não podemos dizer, nesse mom_ffito, que a criança tenha consciê~cia, embora tenha percepções básicas, uma v_ez que pmnão conceber algo que seja o outro, não estabelece propriamente uma "relação". Suas ações são ainda determinadasmais pelo universo pulsional e orgânico do que social. Num determinado momento de seu amadurecimento, a criança percebe que não pode controlar parte do que supõe ser sua própria .tnatomia. Somente a partir da descoberta da existência de algo '' Q ua ndo fa lamos d a famíli a como determinação das relações primeiras a serem vivencia- das pelo indivíduo em fo rmação, não podemos nos esquecer de que essa mesma fa mília é por sua vez determinada pelo estágio h istó ri co em que se encontra , sendo, porranro, uma subjetividade já educada. 15 E NSAIOS SO BRE C ONSC I ÊNC I A E E MANC IP AÇÃO externo é que passa a fazer sentido a noção de "eu". Dadas essas condições, podemos falar de uma relação. :-~, É na interação com o mundo externo que se forma o psiquismo, a estrutura básica do umverso su etivo o i 1 uo. egamos ao -~do m - · ~.12enas de nosso corpo orgânico e de _;us instintos, ,__ __ ou impulsos básicos (o que Freucf cfiama de ID: instintos que se originam da organização somática). A vivência das relações n.a..família_ p~rmit;-que e interiorizem essas relações, construindo o universo interiorizado. Freud descreve de maneira~ intética tal proc~s~ Sob influência do mundo externo que nos cerca, uma porção do ID sofre um desenvolvimento especial ( ... ) que atua como intermediário entre o ID e o mundo externo, o EG0.7 \ ~ 1 O mecanismo primordial dessa i~rmediação1-entre o EGO 1 l e o mundo externo, é o chamado princípio do prazer. Buscando o prazer e tentando evitar o desprazer, o EGO busca realizar as exigências do ID, levando em conta a realidade que limita as con- dições dessa satisfação. A ação dos pais mediatiza as exigências sociais, histórica e socialmente determinadas, apresentando-se ao EGO em formação como uma força a ser levada em conta na sua busca de equilíbrio e adaptação. Isso "d~~a atrás de si", diz Freud, "como que precipitado_, _a formação de um agente especial no qual prolonga-se a influência par~~tál", o SUPEREGO. O externo se interioriza, uma relação enfreo EGO e o mundo externo interio- riza-se, formando uma parte constitutiva do universo subjetivo do indivíduo. O que é introjetado não é apenas a conduta dos pais. Como complementa o próprio Freud: Essa influência parental inclu i em seu processo não somente a personali- dade dos pais, mas também a família, as tradições raciais e nacionais por eles transmitidas, bem como as exigências do meio socia l imediato que representam. 8 7 Freud, S. op. cit., pp. 199-200. 8 Idem , p. 200. 16 M AU R O L u 1 s ! As , Acontece que ~ 1!Ll2-çU_le é visto pela pessoa em formação como mundo externo, como objetividade inquestionável, portanto, com-9 realidade, é enas uma forma articular h istoricamente de terminada, de se organizarem as relações familiares. No entanto, esse carát~ particular não é captado pelo indivíduo, que passa a assumi-lo como natural.9 ~, o indivíduo interioriza essas rela- ções, as transforma em normas, estando pronto para reproduzi-las cm outras relações através da associação. Ainda nessa fase ocorre uma passagem decisiva para a formação da personalidade: o chamado "complexo de Édipo". Apesar do risco das generalizações e conclusões nem sempre exatas que derivam dessa concepção freudiana, podemos considerar que seu mecanismo básico representa, em nossa sociedade, um elemento fundamental que compõe a personalidade e a consciência dos indivíduos. Na luta do EGO para administrar as exigências pulsionais do ID diante das condições estabelecidas pelo mundo externo, os instintos se diferenciam em dois grupos fundamentais: alimen- tação (ligada à sobrevivência imediata e física) e o sexo (ligado à afetividade e ao desejo, que se vinculam à reprodução). Esses im- pulsos se diferenciam pelo seu grau de maleabilidade. O impulso da alimentação é inexorável e pouco maleável, quer dizer, cobra sua satisfação imediata e ameaça a continuidade da existência; já o impulso sexual é mais maleável, pode ser deslocado ou reprimido. Isso não ocorre sem consequências, às vezes sérias, mas, de qualquer modo, não comprometem a sobrevivência imediata da pessoa. Toda criança elege um objeto de seu desejo e fantasia sua perfeita integração afetiva com ele. Na estrutura triangular da família mono- ' 1 Buscando compreender as relações sociais na velha Grécia, Aristóteles diz: "todo ser vivo se compõe de alma e corpo, destinada uma a ordenar e o outro a obedecer( .. . ). O macho é mais perfe ito e governa, a fêmea o é menos e obedece. A mesma lei se aplica narural- mence a todos os homens. Há na espécie humana ind ivíduos tão inferio res a outros como o corpo o é em relação a alma( ... ) são os homens nos quais o emprego da força física é o que deles melhor se obtém. Partindo de nossos pri ncípios, tais indivíduos são destinados, por narureza, à escravidão". (A política, parágrafos 10, 12 e 13, pp. 15-16) 17 ENSA I OS SOBRE CONSC I ÊNC I A E E MANC I PAÇÃO gâmica (pai, mãe e filho/a), essa ação é interrompida pela presença de uma terceira pessoa. A criança, com a mesma intensidade que fan- tasia seu desejo, fantasia a eliminação do concorrente. No entanto, a plena realização do desejo colocaria em risco a sobrevivência da relação, que garante a existência física da criança. Por uma série de mecanismos, a criança desenvolve um sentimento de impotência e culpa, que o EGO sente como desprazer e busca eliminar. A foi:_m_a encontrada é dada pela própria natureza dos impulsos: reprime-se o desejo para garantir a sobrevivência imediata. - ~ A ca a passo, o novo ser vai crian o a 6ase sobre a qual estru- turará seu psiquismo e sua personalidade, ao mesmo tempo em que se amolda à sociedade da qual está interiorizando as relações e formando, a partir delas, a consciência de si e do mundo. ~ Evidente que aquilo que fica interiorizado não são as relações em si, mas seus valores, normas, padrões de conduta e concepções. Nessa fase, ainda embrionária, cola-se à própria constituição do aparato psíquico uma concepção de mundo. Diríamos que já estão presentes aqui todos os principais elementos que constituirão as características da primeira forma de consciência. Vejamos: 1. a vivência de relações que já estavam preestabelecidas como realidade dada; 2. a percepção da parte pelo todo, onde o que é vivido particularmente como uma realidade pontual torna-se "a realidade" (ultrageneralização); 3. por esse mecanismo, as relações vividas perdem seu caráter histórico e cultural para se tornarem naturais, levando à percepção de que "sempre foi assim e sempre será"; 4. a satisfação das necessidades, seja da sobrevivência ou do desejo, deve respeitar a forma e a ocasião que não são definidos por quem sente, mas pelo outro que tem o poder de determinar o quando e o como; 5. essas relações não permanecem externas, mas se interiorizam como nor- mas, valores e padrões de comportamento, formando com o SUPEREGO, um componente que o indivíduo vê como dele, como autocobrança e não como uma exigência externa; 18 M Auno L u 1s I As 1 6. na luta entre a satisfação do desejo e a sobrevivência, o indivíduo tende a garantir a sobrevivência, reprimindo ou deslocando o desejo; 7. assim, o indivíduo submete-se às relações dadas e interioriza os valores como seus, zelando por sua aplicação, desenvolvimento e reprodução. As relações familiares, por maior importância que tenham na formação da personalidade, não têm o monopólio das relações humanas. As relações lançadas a partir da família são comple- mentadas, reforçadas e mesmo revertidas pela inserção nas demais relações sociais, pelas quais o indivíduo passa no decorrer de sua vida: na escola, no trabalho, na militância etc. Essas outras relações são potencialmente diversas das relações assumidas na formação da personalidade, fundamentalmente pelo fato de que agora o indivíduo assume um papel menos dependen- te, podendo vira assumir o papel de sujeito ativo na relação. No entanto, nem sempre esse potencial se manifesta. Na maioria dos casos, essas vivências secundárias acabam por reforçar as bases lançadas na família. Vejamos se cada nova relação, posteriormente assumida, reverte ou reforça os sete elementos que compõem a primeira forma da consciência. Parece-nos que na escola, por exemplo, ao nos inserirmos em relações preestabelecidas, não conseguimos ter a crítica de que é apenas uma forma de escola, mas a vivemos como "a escola". Pas- samos a acreditar ser essa a forma "natural" e acabamos por nos submeter. Na escola, as regras são determinadas por outros que não nós, outros que têm o poder de determinar o que pode e o que não pode ser feito e nosso desejo submete-se diante da sobre- vivência imediata. As normas internas interiorizam-se: a disciplina converte-nos em cidadãos disciplinados. O mesmo ocorre no trabalho . Aqui, de modo ainda mais claro, as relações já se encontravam predeterminadas, out ros de terminam o que se pode e o que não se pode fazer, o capital de termina o como, o quando e o que fazer. Vender sua força de 19 E NSAIOS SOB RE CON SC I ÊNC I A E E MANC IP AÇÃO trabalho ao patrão em troca de um salário não é visto como algo absurdo, mas como algo perfeitamente "natural". Sempre foi assim ... sempre será ... , nosso desejo submete-se à sobrevivência imediata ... temos que trabalhar para viver, por isso nos submete- mos. A lógica imposta pelo capital (externa), interioriza-se e nós mesmos nos levamos ao mercado para sermos esfolados ... e nos alegramos quando algum capitalista dispõe-se a comprar nossa força de trabalho. Pregamos alegre e convictamente as ideias do capital como se fossem nossas. j, Assim, formada essa primeira manifestação da consciência, o indi~íduo passa a compreender o mundo a partir de seu vínculo imediato e particularizado, generalizando-o. Tomando a parte pelo todo, a consciência expressa-se como No senso comum, a alienação é tra-ta_ a_ c_o-mo sendo um estágio de não consciência. Após essa análise preliminar, percebemos que ela é a forma de manifestação inicial da consciência. Essa forma ---será a base, o terreno fértil, onde será plantada a.ideologia como forma de dominação. IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO ~nação não é o mesmo que ideologia e dela difer.s_ncia-se substancialmente. A alienação que se expressa na primeira forma da consciência é subjetiva, profundamente enraizada como carga afetiva, baseada em modelos e identificações de fundo psicológico. A ideologia agirá sobre essa base e se servirá de duas características fundamentais para exercer uma dominação que, agindo de fora para dentro, encontra nos indivíduos um suporte para que se es- tabeleça subjetivamente. A ideolo ia não ode ser compreendida a enas como um con- _ junto de ideias que, pelos mais diferentes meios (meios de comu- ~assas, escola, igrejas etc.), são introduzidas na cabeça dos indivíduos. Isso levariuo equívoco de con_ç~a..ação a_!lti-ideológica como a simples troca de velhas po " @.~ideias. 20 M AU RO Lu1 s I As 1 Quando, numa sociedade de classes, uma delas detém os meios de produção, tende a deter também os meios para universalizar sua visão de mundo e suas justificativas ideológicas a respeito das relações sociais de produção que garantem sua dominação econô- mica. "As ideias da classe dominante são em cada época as ideias domin~tes." 10 Essa universalização da visão de mundo da classe dominante se explica não apenas pela posse dos meios ideológicos e de difusão, mas também e fundamentalmente pela correspondência que en- contra nas relações concretas assumidas pelos indivíduos e classes. Como afirma Marx, não são "simples ideias": As ideias dominantes nada mais são que a expressão ideal das relações maceriais dominantes, as relações maceriais dominantes concebidas como ideias; porcanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominance, as ideias de sua dominação .11 As relações sociais determinantes, baseadas na propriedade privada capitalista e no assalariamento da força de trabalho, ge- ram as condições para que a atividade humana aliene em vez de humanizar. 12 A vivência dessas relações produzem uma alienação expressa em três níveis. 13 Ao viver o trabalho alienado, o ser humano aliena-se da sua própria relação com a natureza, pois é através do trabalho que o ser humano se relaciona com a natureza, a humaniza e assim pode compreendê-la. Vivendo relações em que ele próprio se coisifica, onde o produto de seu trabalho lhe é algo estranho e que não lhe µertence, a natureza se distancia e se fetichiza. Num segundo aspecto, o ser humano aliena-se de sua própria atividade. O trabalho transforma-se, deixa de ser a ação própria da vida para se converter num "meio de vida". Ele trabalha para 111 Marx, K. e Engels, F., A ideologia alemã, p. 72. " Ibidem. '' Ver: Marx, K., Os manuscritos econômicos e filosóficos. '' Ve r também: lsrván Mészáros, Marx: a teoria da alienação, pp. 16 e seguintes. 21 E NSAIOS SOB R E CONSC I ÊNC IA E E M A N C IP AÇÃO o outro, contrafeito, o trabalho não gera prazer, é a atividade im- posta que gera sofrimento e aflição. Alienando-se da atividade que o humaniza, o ser humano se aliena de si próprio (autoalienação). ~-- Isso nos leva ao terceiro aspecto. Alienando-se de si próprio como ser humano, tornando-se coisa (o trabalho não me torna um ser humano, mas é algo que eu vendo para viver), o indivíduo afasta-se do vínculo que o une à espécie. Em vez de o trabalho tornar-se o elo do indivíduo com a humanidade, a produção so- cial da vida, metamorfoseia-se num meio individual de garantir a própria sobrevivência particular. Em resumo, podemos descrever assim esses três aspectos da alienação: a) o ser humano está alienado da natureza; b) o ser humano está alienado de si mesmo; c) o ser humano está alienado de sua espécie. A materialidade dessas relações produtoras da alienação são expressas no universo das ideias como ideologia. São, nas palavras de Marx, relações materiais concebidas como ideias. .1_ ideologia encontra na primeira forma da consciência uma base favorável para sua aceitação. As relações de trabalho já têm na ação prévia das relações familiares e afetivas os elementos de sua aceitabilidade. 14 Antes mesmo que a criança venha a receber qualquer informaçã~ sistematizada, já possui um conjunto de valores interiorizados que para ela são verdadeiros e naturais, pois estabelece com eles profundos vínculos afetivos e percebe uma correspondência com as relações concretas em que está inserida. Para ilustrar essa constatação, vejamos um trabalho escolar de um menino de dez anos, que busca responder a uma questão de 14 Numa passagem de sua Crítica da razão dialética, Sartre ironiza algumas concepções mar-xistas que buscam compreender o fenômeno da alienação apenas a partir das relações de trabalho. Diz: "O s marxistas de hoje só se preocupam com os adultos: ao lê-los, podia-se crer que nascemos na idade em que ganhamos nosso primeiro sa lário; esquecem-se de sua própria infância". (Sa rtre, J. P., Crítica de la razón dialéctica, pp. 56-57) 22 M AURO L u 1 s I As1 1 listória sobre os comerciantes portugueses, na época das grandes navegações: O português levanta cedinho e vai para seu armazém vender suas coisas . ..., Ele vende pão, leite, café e outras coisas mais . E quando ele acaba, pega suas economias, aluga um navio, pega os amigos, e vai de continente em continente, descobrindo coisas para comerciar. Só que um dia eles foram pegar o mesmo caminho para comerciar e o caminho estava fechado, então eles foram a procura de outros caminhos e encontraram muitas coisas para \ . d 1 comerciar como se a, cravo, canela e material de luxo. Levaram de voltJ para sua terra e só os mais ricos é que compravam e eles ficaram ricose im- portantes. É a~si_m o diaª. dia do_s portugueses e procurando é que se acha. 15 Esse texto e ilustrativo nao apenas por evidenciar valores e noções ideologizadas já presentes na concepção de mundo de um menino, mas por nos dar uma mostra da forma como sua consciên- cia agiu para responder a uma questão, que para ele era desconhe- cida. Em primeiro lugar, ele só pode julgar algo que desconhece trazendo para um referencial que ele domina; vai reinterpretar os !atos a partir da realidade e dos parâmetros de que dispõe em sua vivência imediata. É evidente que os artífices da expansão marítima dos séculos 14 e 15 não eram padeiros; no entanto, um padeiro é o que de mais real e próximo o menino dispõe para identificar um "português". Da mesma forma, discorrerá sobre o tema proposto buscando se referenciar em modelos e por um sistema de valores que ele interiorizou cm sua formação. Nesse sentido, "pegar as economias", "procurando é que se acha", a relação "vender para os ricos" e ficar também "rico e importante", aparecem como que naturalmente no discurso do meni- no; ele se espantaria acaso questionássemos se são ideias dele mesmo ou não. Mais do que isso, são verdadeiras. As relações em que está inserido reforçam e aparentemente comprovam a validade dos juízos '' Coletado de um estudante da E.E.P.S.G . Pa lmira Graciotto, em São Bernardo do Ca mpo, no ano de 1985. 23 E NSA I OS SOB RE C ONSC I ÊNC I A E E MANC IP AÇÃO formulados. Em seu bairro pobre, as pequenas lojinhas e camelôs que só vendem coisas para pobres não tornam ninguém rico, ao passo que os grandes shopping centers, com seus sofisticados produtos para ricos, dão a impressão de fazer fortunas nas mãos de seus proprietários. A percepção generalizada da vivência particular não apenas se baliza em valores como deforma a realidade pela transposição de juízos presos à particularidade. Quem chamar para participar de uma grande aventura como aquela? Evidente que "os amigos", com quem mais? Não se poderia imaginar marujos, condenados e escra- vos embarcados à força. Como conseguir algo tão grande como um navio? Com certeza não às custas da Coroa Portuguesa, da prática secular de expropriar camponeses, ou com guerras de rapina, mas através de "economias" para que se possa "alugar o navio". Os valores que aparecem como sendo do menino não foram interiorizados pelo contato perceptivo com as "relações sociais de- terminantes" na sociedade onde vive. Os valores são mediatizados por pessoas que servem de veículo de valores, são modelos. Não se trata da identificação com "a sociedade", "as relações capitalistas" ou as ideias; são as relações de identidade com os outros seres hu- manos, seus modelos, que a pessoa em formação assume valores dos outros como sendo os seus. O ser humano é modelo do ser humano. 16 ~..a..co.n.cepção de mundo e de nós mesmos, a formamos a partir do outro. Numa passagem ~ginal de O capital, Marx afir'ína que: · · O homem se vê e se reconhece primeiro em seu semelhante, a não ser que já venha ao mundo com um espelho na mão ou como um filósofo fichtiniano para quem basta o 'eu sou eu'. Através da relação com o homem Paulo, na condição de seu semelhante, toma o homem Pedro consciência de si mesmo como homem. Passa a considerar Paulo - com pele, cabelos, em sua materia- lidade paulina - a forma em que se manifesta o gênero homem. 17 16 "Quem descobre o quem sou descobrirá o quem é" (Pablo Neruda). 17 Marx, K., O capital, p. 60, nota 72. 24 MAUR O L u,s I ASI Assim, o indivíduo vai construindo uma visão de mundo que 1t1lga como sendo própria. Apesar de sua uti!i._dade prática, de sua .t parente coerência, essa visão caracteriza-se, como afirma Gramsci, por ser ocas10na e esag~ga.9:a. I;;;-si~ ~"não c ega a 11,rmar um todo unitário e coerente, mas soma seus aspect~ com- i ><>nentes de forma arbitrária e biz rra. Essa visãÕacrítica, desistor- 1 iza a, sem um inventário,18 Gramsci chama de senso c.o.mum.19 O pensador italiano afirma que todos os seres humanos 1t1oldam-se a algum tipo de conformismo, não no sentido de passividade, mas pelo fato de se amoldar a algum tipo de forma, e quando isso ocorre de maneira não crítica, a nossa personalidade .1caba por ser composta de maneira bizarra, encontrando-se nela "elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista; preconceitos de todas as fases históricas passadas, grosseiramente localistas, e instituições de uma futura filosofia". 20 Esse conjunto que une desordenada e contraditoriamente elementos de senso comum e instituições de um pensamento 1 rítico é a base do que chamamos de primeira forma de consciên- L ia. Ela apresenta-se como alienação não porque se desvincula da realidade, mas pelo fato de naturalizá-la, por desvincular os " "Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é composta de maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista; preconceitos de todas as fases históricas passadas, grosseiramente localistas, e intuiçóes de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção de mundo significa, portanto, torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais desenvolvido. Significa portanto criticar, também, toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificaçóes consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somo realmente, isto é, um 'conhece-te a ti mesmo' como produto do processo histórico at hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefíci do inventário. Deve-se fazer, inicialmente, esse inventário." (Gramsci, A. Concepçã dialética da História, p. 12) ,. , Idem, pp. 11-13. '" Idem. 25 o ENSAIOS SO BRE CONS C I ÊNC I A E EMAN C IPA ÇÃO elementos componentes da visão de mundo de seu contexto e de sua história. AS CONTRADIÇÕES DA PRIMEIRA FORMA DE CONSCIÊNCIA <- A rela ão dialética entre as relações concretas assumi as e suas representações ideais per~te-nos superar a visão mecâni~ Jmsca compreender o universo ideológico como reflexo, caindo- em armadilhas do tipo: é a família que determina a alienação ou as relações de trabalho? ..;.:. Como vimos, a família, que antecede, no tempo, sua ação no indivíduo em relações às atividades econômicas de produção, é por sua vez determinada por essas relações, na verdade as me- diatiza. Aquilo ue determina ~ deE._erminado. Ao mesmo tempo, nesse âmbito, reproduz e reforça as relações sociais de produção, dando a base necessária para que a ideologia frutifique e garanta a reprodução daquelas. ,-t Aqueles que se servem de uma visão mecânica do mundo e do processo histórico fecharam aqui o círculo da dominação. A ideologJa corresponde às relações concretas que comprovam e r~_- forçam essa ideologia ao mesmo tempo em que esta lhes justificã e reforça. Não há saída. Isso constitui um dos principais mitos de nossos tempos: a dominação ideológica perfeita, assim como anunciam as ficções de Orwell e Huxley. 21 ·1 Entretanto, o fato é que a ideologia e as relações sociais de produção formam um todo dialético, ou seja, não estabelecem simples relações de complementariedade, mas uma união de con- trários. Por mais elaborada, sofisticada ou eficiente que seja uma ideologia, ela é ainda a representaçao memahieLNt:0 estâgiÕcia-;--- forças produtivas historicamente determinadas. 21 Aqui, referimo-nos aos livros desses dois autores ingleses que tratam em seus romances de situações em que a dominação ideológica teria se tornado perfeita. Os romances são 1984, de George Orwell, e Admirável mundo novo, deAldous Huxley. 26 M AuHo Lu1 s I ASI Uma vez interiorizada uma visão de mundo não se transforma 1111ma inevitabilidade, pois corre em seus calcanhares a contínua 11 ,1 nsformação da estrutura produtiva e das relações que a origi- 11,11:1 me que lhe servem de base. Essa transforma ão constante d,1., condições__mareriais é mesmo vital para os próprios interess;; dominantes, e constituem uma das característicasrnarcantes dô , 11odo de produção capitalista. - Eis aqui uma contradição insolúvel da sociedade capitalista: 1·11q uanto as forças produtivas devem constantemente desenvolver- \ l', as relações sociais de produção, sua manifestação e justificativa 11 kológica devem permanecer estáticas em sua essência. Com o desenvolvimento das forças produtivas, acaba por ocorrer uma dissonância entre as relações interiorizadas como ideologia e a lorma concreta como se efetivam na realidade em mudança. É o germe de uma crise ideológica. Os autores de A ideologia alemã descrevem dessa maneira esse processo: Quanto mais a forma normal das relações sociais e, com ela, as condições de existência da classe dominante acusam a sua contradição com as forças produtivas avançadas, quanto mais nítido se torna o fosso cavado no seio da própria classe dominada, mais natural se torna, nessas circunstâncias, que a consciência que correspondia originalmente a essa forma de relações sociais se torne inautêntica; dito por outras palavras, essa consciência deixa de ser uma consciência correspondente e as representações anteriores, que são tradicionais desse sistema de relações, aquelas em que os interesses pessoais reais eram apresentadas como interesse geral , degradam-se pro- gressivamente em meras fórmulas idealizantes, em ilusão consciente, em hipocrisia deliberada. 22 Como o indivíduo viveria essa contradição entre ideias e a realidade em mudança? Sabemos que sua consciência inicial é -- Marx, K. e Engels, F. A ideologia alemã. Volume 11 , p. 78. 27 ENSA I OS SO BRE CONSCIÊNCIA E EMAN C I PA ÇÃO formada pela interiorização de valores, normas, juízos e compor- tamentos a partir das relações imediatas que estabelece. De posse dessa concepção de mundo, o indivíduo segue sua vida e estabelece o mecanismo provocador da contradição na primeira forma de consciência, que não é outro senão o próprio que lhe tornou possível a existência. As novas relações vividas têm o mesmo potencial de interiorização que as anteriores, da mesma forma que gera novos valores, juízos, e são a base para novas condutas e comportamentos. e :;: O indivíduo vive as novas relações, julgando-as e buscando compreendê-las, com o mesmo arcabouço de valores que antes orientavam sua vida, de forma que a introjeção de novos valores !1-cab~provocando uma contradição, que é vivida elo ind1-v-ích:rcr" como l,!-ffi conflito subjetivo. - -- :.,, A primeira form d, anifestação dessa contradição não é ainda a superação da alienação, é mais uma forma transitória que se expressa de maneira mais nítida, no estado de revolta. Alguém, por exemplo, que acreditasse que trabalhando conse- guiria tudo o que se quer, mas passa a viver uma situação na qual, apesar de trabalhar muito, não consegue o mínimo para viver, vivencia uma contradição que pode levá-lo à revolta. As relações atuais passam a não corresponder ao valor interiorizado, mas antes de fazer saltar, toda a concepção é vivida como um conflito sub- jetivo, individual, que é compreendido tendo por base a própria estrutura da primeira forma da consciência. As relações ode ão_ser mais idealizadas.; são agora vividas como injustas e existe a disposição de não se submeter; no en- tanto, ainda a parecem como inevitabilidade: "sempre foi assim". Muda-se apenas o julgamento valorativo: "sempre foram injustas", p~eparando-se a sentença ... "sempre serão injustas". A primeira forma da consciência pode então ser reapresentada. É apenas em certas condições que a revolta pode se tornar uma passagem para uma nova etapa do processo de consciência. 28 MAURO L u 1 s I As 1 /\ '>EGUNDA FORMA DA CONSCIÊNCIA: A CONSCIÊNCIA EM SI 1•:m determinadas condições, a vivência de uma contradição 1 111 rc a.ntigos_v:aJ.oi;_es..assumidos e...a..realiaade das novas relações \ 1v1das pode' gerar uma inicial superação da alienação. A precon- ,1,, ,to para essa passagem é o grupo. Quando uma pessoa vive uma 111pmiça solitariamente, tende à revolta, mas em certas circuns- 1.111cias pode ver em outras pessoas sua própria contradição. Esse 1,1111 bém é um mecanismo de identificação da primeira forma, 111.1s aqui a identidade com o outro produz um salto de qualidade. Uma mulher, por exemplo, submetida a condições de opressão 1·111 casa, condenada aos trabalhos domésticos, pode viver isso a \'l(la toda como natural, portanto, para ela inevitável. Mesmo o dvs moronar da idealização na família diante das condições reais do cotidiano pode gerar no máximo a revolta, a constatação de 11111a terrível "sina". No entanto, essa mesma mulher, num grupo r1n que possa ver em outras companheiras a mesma sina, julgada ,omente sua, só sua, pode começar a desenvolver uma ação contra 1> que considera injusto. 23 Essa via de superação é ainda mais clara ao tratarmos da classe operária: é na greve a sua mais didática manifestação. A injustiça vivida como revolta é partilhada numa identidade gr~pal, o que possibilita ação coleti A ação coletiva Toloca as r~lações vividas n~p novo patamar. Vislumbra-se ã-possibilidade de não apenas se revoltar contra ã s re- lações predeterminadas, mas de alterá-las. Questiona-se o caráter natural dessas relações e, portanto, de sua inevitabilidade. A açã~ dirige-se, então, à mobilização dos esforços do grupo no sentido da reivindicação, da exigência para que se mude a manifestação da injustiça. ' 1 Sarrre desenvolve em seu trabalho, Crítica da razão dialética, um estudo sobre a evolução do _gr~po que se ria útil à compreensão desse processo. Fala de uma etapa pré-grupo, a sen al1d ade e sua passagem pela fusão ao estágio de grupo. Na continuidade, 0 grupo, em seu desenvolvimento, passa pela definição de metas, juramentos e organização. 29 ENSAIO S SOBRE CONSC I ÉN C IA E E MANCIPAÇÃO :::1, É a chamada consciência em si, ou consciência da reivindicação. A for ma mais clássica de manifestação aessa forma de consciênciã é a luta sindical, sua forma de organização mais típica é o sindicato, mas podemos incluir, nessa forma, as lutas populares, os movimen- tos culturais, o movimento de mulheres e outras manifestações de lucas coletivas de setores, grupos e categorias sociais das mais di- versas. O que há de comum nesses casos particulares é a percepção dos vínculos e da identidade do grupo e seus interesses próprios, que conflitam com os grupos que lhe são opostos. AS CONTRADIÇÕES DA SEGUNDA FORMA E A CONSCIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA ,- A consciência em si representa ainda a consciência que se bªseia na vivência das relações imediatas, não mais do ponto de vista do indivíduo, agora do rupo, da cate oria e evoluir até consciência de classe. "'Ela { parte fundamental da superação da primeira forma-de cÕnsciência, portanto, da alienação; no entanto, seu pleno desenvolvimento ainda evidencia traços da antiga orrria ainda não superados. O rocesso de negação de uma parte da ideologia pela vivên- cia particular d; s""contradições do modo de produção, que pese Í:oda sua importância, não vai destruir as relações anteriormente interiorizadas e seus valores correspondentes de uma só vez. Isso significa que, apesar de "consciente" de parte da contradição do sistema (por exemplo, dos baixos salários, da opressão da mulher, de sua identidade étnica etc.), a pessoa ainda trabalha, age, pe~~ sob a influência dos valores anterwrment-e assumidos, qÜe, apesar de serem p;rt;J;.-mesma contradição, cõnfinuam sendo visto_§. pela pessoa como naturaise verdadeiros. , , Na sua luta contra o capital, o proletariado, num primeiro mo- mento, nega a pretensão do capitalismo em supor uma igualdade entre capital e trabalho, assumindo-se como uma classe distinta e particular. A principal afirmação do capitalismo, e sua ideologia 30 M AURO L u 1 s I AS ] lilw1:1I, é de que todos são livres proprietários de distintas mercado- 1 l 1\ . O proletariado afirma-se como classe com interesses distintos 1111agônicos ao capital quando se organiza para buscar maiores d,11ios ~ ores coriaiço 1 a ra a o. No entanto, o proletariado, ao se assumir como classe, afirma a , l\1(·ncia do próprio capital. Cobra desse uma parte maior da riqueza 111rnluzida por ele mesmo, alegra-se quando consegue uma parte um 11111 1rn maior do que recebia antes. A consciência ainda reproduz o 1111 •1,111 ismo pelo qual a satisfação do desejo cabe ao outro. Agora, ela , , 1.111 i Íesta o inconformismo e não a submissão, reivindica a solução de 11111 problema ou injustiça, mas quem reivindica ainda reivindica de il 1•,11 <'.· m. Ainda é o outro que pode resolver por nós nossos problemas. Além qisso, _~ mos que nos submeter às formas e condiç~es , ,t.1belecidas por o~~~s p~r; ~a~ifestar es--;e inc-o~formTs"mo. A 111 ,11crialização desses limites não poderia ter, como um exemplo 111,iis adequado, a permanência da estrutura sindical atrelada, em 11,1 essência, desde os anos de 1930 até hoje. Esses não são, como , 1110s, apenas limites de uma certa forma de consciência, mas 1 1111hém o limite dos instrumentos políticos que correspondem a 1 \,1 consciência: as greves e o sindicato. Não se trata de diminuir a importância desses instrumentos il, ltna da classe trabalhadora, mas de concebê-los dentro de seus l1111iics . Não se trata de analisar os limites das greves, por exemplo, , p 1.11 ,do elas não são vitoriosas, quando os militantes mais destacados 11, identificados, demitidos e não conseguem mais emprego; mas, l 111 ,da mentalmente, quando as greves são vitoriosas é que podemos 111 t l cber os limites dessa segunda forma de consciência. Quando um setor da classe operária confronta-se com o patrão 1gindo, por exemplo, maiores salários, melhores condições de 11,di.d ho e outras reivindicações, dá mostras de que desvendou , 11, parte o caráter da contradição fundamental entre a produção 111 i,1 I e a acumulação privada e, sabendo disso, cobra do capitalista 11111.1 parte maior daquilo que produziu e que lhe foi retirado. O 3 1 E NSA I OS SOB ll. E CONS C IÊ N C I A E E MAN C IP A ÇÃO proletariado apercebe-se de sua força, de ser elemento-chave para 0 processo de produção, percebe seu poder de barganha e o ~~a contra O capital, adquire consciência de sua força, de sua urnao enquanto classe. Mas, digamos que essa luta atinja seus objetivos, que a greve seja vitoriosa. Os trabalhadores retornam ao trabalho com suas reivindicações atendidas. Estão novamente aptos a re- validar as relações de exploração, o trabalho alienado, ou seja, o próprio capitalismo. . , Isso {2Qrque, ao se assumir enq~ classe, o-12roletanadc:> n~ga o capi~mo a.firmando-o. Organiza-se como qualquer vendedor que quer alcançar um preço maior por sua mercadoria. Portanto, em sua luta revolucionária, não basta o proletariado assumir-se enquanto classe ( consciência em si), mas é necessário se assumir para além de si mesmo ( consciência para si). Conceber-se não apenas como um grupo particular com interesses próprios dentro da ordem capitalista, mas também se colocar diante da tarefa histórica da superação dessa ordem. f . A verdadeira consciência de classe é fruto dessa du~a ~e a- / ção: num primeiro momento, o proletariado nega o ca~1tal~s~o assumindo sua posição de classe, para depois negar-se a s1 propno \ ~nquanto classe, assumin_do a luta de toda a sociedade por sua L emancipação contra o capital. , O mesmo mecanismo pode ser isso em diferentes lutas espe- cíficas, como as que caracterizam o movimento de mulheres, por exemplo, o que leva à diferenciação entre o que podemos chamar genericamente de "movimento de mulheres", até um movimento feminista e, daí, a um feminismo socialista. No âmbito da consciência individual, essa passagem eviden- cia uma difícil transição, na qual nem sempre o movimento se completa com a superação da consciência imediata que levaria a consciência a um patamar superior. Quais seriam as consequências de uma estagnação ness~ e_tapa da consciência? São muitas as manifestações, como o corporat1v1smo, o carreirismo e a burocratização. A co~ciência volta a ser e p.e.c.tadora 32 M AURO L u , s I As 1 I' 1 ,1v,1 de forças que não controla, vive uma realidade da qual des- ,11d1t·ce es e o esenvo v1mento, acãEãncio-;-ssim submetida I" ,1 1-l.1, ainda que mantenha na forma~ dementos questiona~--;;- , 1 1 •,q.1,unda forma de consciência. Vejamos esse depoimento de 1 i1.1111sci, de 1919, sobre esse fenômeno: ( >s operários sentem que o complexo da 'sua' organização se transformou nu m aparelho tão enorme que acabou por obedecer a leis próprias, íntimas .'t sua estrutura e ao seu complicado funcionamento, mas estranhas à massa que adquiriu consciência de sua missão histórica de classe revolucionária. Sentem que a sua vontade de poder não consegue se exprimir, em sentido nítido e preciso, através das atuais hierarquias institucionais. Sentem que também em sua casa, na casa que construíram tenazmente com esforços pacientes, cimentando-a com sangue e com lágrimas, a máquina trai o homem, o funcionalismo esteriliza o espírito criador e o diletanti smo banal e verbalista tenta encobrir em vão a ausência de conceitos precisos acerca das necessidades da produção industrial e a nenhuma compreen- são da psicologia das massas operárias. Os operários se irritam com essas condições de fato, mas são individualmente incompetentes para as modificar: as palavras e as vontades de cada um dos homens são coisas muito pequenas em confronto com as leis férreas inerentes à estrutura funcional do aparelho sindical. 24 Q...erocesso de consciência não é linear, pode e muitas vezes regridÊ.~nteriores. Se analisarmos bem o depoimento de Gramsci, e nem precisaríamos voltar a 1919 para obter um exemplo, podemos ver que se reapresentam elementos da primeira forma de consc1enc1a. Outros determinam as normas, o como, o quando: as relações são predeterminadas e individualmente nada podemos fazer a não ser nos submeter. O mais complicado é que agora uma parte da própria classe passa a ter um status, uma estabilidade e um poder que não tinha. Antes vivíamos para denunciar a miséria ... hoj e !4 Gramsci, Antonio. "Sindicatos e consel hos, L'Ordine Nuovo, 11/9/1919", in Escritos políticos, vol. 11 , p. 41. 33 EN SA IO S SOB ll.E CONSC IÊ NC IA E EMA NC IPA ÇÃO vivemos dela. Abrimos mão de nosso desejo para nos rendermos à satisfação da sobrevivência imediata. Alguns ganham muito bem para isso. A consciência nessa fase é ainda prisioneira das aparências, ainda se alimenta da vivência particular e das inserções imediatas e não encontra nesse âmbito os elementos necessários à sua supe- ração. Cristalizada nessa fase, acabará por reforçá-la aquilo que inicialmente pensava estar negando. Lukács, em seu estudo sobre a consciência de classe, afirma que: Na verdade, essas hesitações, e até incertezas, são um sintoma de crise da sociedade burguesa. Enquanto produto do capitalismo, o proletariado está submetido às formas de existência de seu produtor. Essas formas de existência são a desumanidade, a reificação.25 O proletariado é, pela sua existência, a crítica, a negação dessas formas de vida. Mas, até que a crise objetiva do capitalismo esteja consumada, até que o próprio proletariado t-;;;ha cons~guid~iscernir-completamente ~~rise da reificação, ~ ·como tal, apenas negativamente ascende acima de uma parte do que nega. Quando a críticanão ulcrapassa a simples negação de uma parte, quando, pelo menos, ela não tende para a totalidade, então não pode ulcrapassar o que nega, como, por exemplo, nos mostra o caráter pequeno-burguês da maior parte dos sindicalistas.26 A consciência em si, quando não "ultrapassa a simples negação de uma parte", acaba por se distanciar de sua meta revolucionária, busca, novamente, mecanismos de adaptação à ordem estabe- lecida. 27 Ela trabalha com os efeitos, com sintomas, e não com 25 Reificaçáo é o processo complementar à fetichização. Enquanto a ferichi zaçáo atribui poderes e características humanas às coisas, a reificação coisifica os seres humanos. 26 Lukács, G. História e consciência de classe, pp. 91-92. 27 Diríamos que a consciência patina no mecanismo da reivindicação. Um exemplo muito ilustrativo nos foi dado por uma declaração de Lula, então candidato às eleições presidenciais de 1989, quando afirmava: "Nós reivindicamos nossos direitos como trabalhadores, e reivindicamos o direito de se organizar em sindicatos livres. Depois reivindicamos o direito de organizar um partido político que organizasse os trabalhadores e hoje reivindicamos o direito de ser o presidente do país". 34 MAUR O Lu, s I A SI 1 ,111,as. Essa contradição pode levar o indivíduo em seu processo ili · umsciência para um novo patamar: a busca da com reensão il ,1, causas, o desvelar das aparências e ; anilise da essência do l1111cionamento da sociedade e suas relações. Buscar saber como l1111 r iona a sociedade para saber como é possível transformá-la. É 11 ,1 própria constatação de que a sociedade precisa ser transformada 111 w se supera a consciência da reivindicação pela da transformação. ' l indivíduo transcende o grupo imediato e o vínculo precário com 1 11·:t lidade dada, busca compreender relações que se distanciam no 11 111 po e no espaço, toma como sua a história da classe e do mundo. l 1,1,sa a conceber um sujeito coletivo e histórico como agente da 11 ,111s formação necessária. /\'l CONTRADIÇÕES DA CONSCIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA E O INDIVÍDUO l loje o movimento se faz imperceptível. ( )s filhos estão mortos. () povo adormecido. l'cdro Tierra /:'rnesto Che Guevara é chegada a tua hora 1· o povo ignora se por ele lutavas. Ferreira Gullar Na etapa anterior, mesmo supondo o sujeito coletivo, o mo- 1, 11 básico da reivindicação é a satisfação de algo para o próprio l11divíduo. Quem luta por moradia, por exemplo, luta para ter 1111dc morar, se possível no mais curto espaço de tempo. Agora, a 11 .111 s formação da sociedade exige um outro sujeito: a classe. Na passagem da consciência em si para a consciência re- 11l 11cionária, ou para si, abre-se uma importante contradição. \ 11vsar de as alterações da consciência só poderem ser vivenciadas 35 ENSA I OS SO BRE C ONSC I ÊN C IA E E MAN C IP AÇÃO em nível individual, o processo de transformação que irá realizá-la é necessariamente social, envolvendo mais que a ação individual, a de classe. O amadurecimento subjetivo da consciência de classe revolucionária, se dá de forma desigual, depende de fatores ligados à vida e à percepção singular de cada indivíduo. Coloca-se assim a possibilidade de haver uma dissonância, que pode ou não se prolongar de acordo com cada período histórico, entre o indiví- duo e sua classe, surgindo a questão do indivíduo revolucionário inserido num grupo que ainda partilha da consciência alienada. As mediações políticas consistem, em parte, no esforço de superar essa distância. ~ O isolamento da pessoa dentro de seu grupo de inserção so- cial é acompanhado por um intenso conflito interno. Dentro do indivíduo, a consciência nova ocupa, por assim dizer, uma área liberada, que faz fronteira com setores fortemente ocupados pelo inimigo, ou seja, as antigas relações sociais interiorizadas como valores, juízos e normas. Psicologicamente, o EGO se enfraquece diante das sempre presentes exigências dos impulsos básicos e de um SUPEREGO que foi criado pela interiorização de normas e padrões anteriores. O indivíduo afirma algo novo e aspectos de seu próprio universo sub"etivo são ~ontesta os. "\o A tomada de consciência, ou o amadurecimento de sua cons- ciência, nem sempre é acompanhada das condições objetivas de realizar as tarefas que a história lhe impõe. Afirma Lukács: Essa consciência não é nem a soma nem a média do que pensam, sentem etc. os indivíduos que formam a classe, tomados um por um. E, no entanto, a ação historicamente decisiva da classe como totalidade é determinada, em última análise, por essa consciência. 28 !">1 i A consciência assume uma dimensão que não tem como se realizar dentro dos limites do pensamento, arvorando-se, neces- sariamente, pelo campo da prática. 28 Lukács, G., op. cit., pp. 64-65. 36 M AU RO L u 1s I As 1 Na verdade, a vida cobra da pessoa uma postura para qual não foram 11 li •1 1 nJizadas estruturas prévias para a sua realização. Ao contrário, toda , l 1,1g:1gem psíquica, cultural e moral está estruturada para agir contra a 1111 11 , ra exigida pela nova consciência, que tenta se impor. O indivíduo i.1 ,tpto a aceitar a realidade, assumindo sua impotência diante de 11 l.1~·ôcs estabelecidas e predeterminadas. Por isso, o indivíduo que se 111111:1 consciente é, antes de tudo, um novo indivíduo em conflito. (~ comum ouvir de militantes que passando por processos se- 1111 lhantes, pensam em "cuidar da vida". Produzimos algo como 11111:1 tentação de nos rendermos ao princípio do prazer, negando 1 •xigências de uma nova consciência, que se antagoniza com um 11111ndo e que se recusa a mudar de um SUPEREGO que ainda 1111.~ impõe velhas normas. "Pensar em mim mesmo" é o grito de l', 11 •rra do EGO contra o mundo. A sociedade capitalista, por mais hipócrita que isso possa pa- 11• ·cr, se autoproclama a sociedade da harmonia. O indivíduo em , 11 11 Rito é isolado como se não expressasse unia contradição, mas losse ele mesmo a contradição, mais que isso, o culpado por sua •xistência. Enquanto isso, o alienado recebe o rótulo de "normal". O indivíduo sob essa contradição, com o grau de compreensão ,11 ·ançado e diante da realidade objetiva, que não reúne condições rn :1teriais para uma superação revolucionária, tem diferentes ca- l ninhos a trilhar. P~de buscar mediações políticas que construam j11 nto à classe os elementos que Lenin denominava de "condições ~ubjetivas",29 ou, diante de insucessos nessas tentativas, caminhar para ansiedade e depressão. ''' "A revolução não surge de toda situação revolucionária, mas somente nos casos em que as mudanças objetivas ( ... ) vêm se juntar a uma mudança subjetiva, a saber: a capacidade, no que concerne à classe revolucionária, de conduzir ações revolucionárias de massa bastante vigorosas para destruir completamente (ou parcialmente) o velho governo." C onvém ressaltar que, ao falar em condição ou mudança subjetiva, Lenin não está aludindo a aspectos do indivíduo, mas da classe, ou seja, confrontando elementos da realidade objetiva (histórica e da luta de classes) a elementos próprios da açáo dos sujeitos históricos, daí subjetivos. (Lenin, "A fa lência da Segunda Internacional ", ln "A questão do partido", Obras Completas, volume XXI, pp. 47-48) 37 E NSA I OS SO BR E C O N SC I ÊNC I A E E MAN C IP A ÇÃO "'~ Sua consciência retorna a patamares anteriores, como a revolta.. isolada ou mes~ a . .alienação. Evidente que nunca se retorna ao mesmo ponto, e a eassagem pela consciência de classe dei~ - ca_:: como, por exemplo, a justificativa mais elaborada, o discurso e ta~ lgumas posturas. Pode se manifestar, por outro lado, em ceticismo, hipocrisia ou outras manifestações. tlJ:lt A primeira fase da consciência guarda correspondência com a~guns comportamentos infantis. Diante das tarefas que se anun- ciam para a consciência que busca se assumir como revolucionária o indiví~uo pode trazer ainda esseselementos primários que be~ caracterizam essa encruzilhada entre a ansiedade e a depressão, ou, como no caso da criança a onipotência e a impotência. Assim, diz Lukács, _"ou a consciência torna-se espectador inteiramente passivo do m~v1mento das coisas, sujeito a leis e no qual não se pode de maneira n~nhuma intervir, ou considera-se como uma força que pode dommar a seu bel-prazer, subjetivamente, o movimento das coisas, em si despido de sentido". 3o <ti& Esses estados psicológicos aparecem interligados de maneira que a depressão segue a ansiedade, ou vice-versa. A forma de lidar ] com uma ou outra manifestação guarda relação com os traços de j pe~sona~idade de cada um; no entanto, no aspecto que nos interessa, f ,., ev1denc1a a velha contraposição entre a voorade ~ matwa!id . f .,.,, Os seres humanos fazem sua própriâ história, mas não a fazem da forma como querem, pois agem sob circunstâncias que estão dadas pelo des~n~olvimento histórico anterior.31 A contradição entre a intenção ~ub~e~1va e~ materialidade na qual essa vontade terá que agir explode no md1v1duo isolado como algo que parece intransponível. O problema é que para a tarefa em questão, e em se tratando de indivíduos isolados na verdade trata-se de uma barreira intransponível. ' 30 Lukács, G ., op. cit. p. 92. 31 "Os ho~ens_ fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob c1rcunstanc1as de sua escolha e sim sob aquelas com quem se defrontam diretamente legadas e transmitidas pelo passado." (Marx, K., O 18 Brumário, p. 17) ' 38 M AUR O L U I S I A S I 1 N CIÊNCIA E TEMPORALIDADE Sinto que o tempo sobre mim abate Sufl mão pesada. Rugas, dentes, calva ... 1 /ma aceitação maior de tudo, () medo de novas descobertas. ( :a rios Drummond de Andrade Más de una mano en lo oscuro me conforta mas un paso siento marchar comigo pero si no tuviera, no importa: é que hay muertos que alumbram los caminos. Sílvio Rodriguez Aqui entra em questão um importante fator na discussão dos 1 inites pessoais, diante da tarefa de transformar a sociedade: a 1 oncepção que o indivíduo tem, ou ainda, aquela que a sociedade 1 • 1 u-lhe como válida, de sua temporalidade. Na sociedade capitalista, o foco e núcleo é um indivíduo, como · '-lula isolada e autossuficiente, em perfeita harmonia com a concep- ,·fo de ser abstrato, trabalho alienado e propriedade privada. A vida da pessoa dá-se em um campo definido de tempo, quando ela deve lutar o máximo possível para vencer e acumular para si e sua família. A morte encerra esse ciclo e a vida pode virar matéria para inúmeros fi lmes e biografias de grandes homens e suas trajetórias individuais. A religião entra em cena para solucionar esse final tão sem pers- pectivas para o indivíduo da sociedade burguesa. Ele tem muitas dificuldades em continuar no outro, enquanto vê esvanecer sua mbalagem individual, consumida pela inexorabilidade da morte. A religião resolve esse problema afirmando que a transcendência dá-se através da continuação do indivíduo em "sua" alma privada, salvando, assim, o indivíduo burguês do inferno coletivo, ou da irreversível decomposição da matéria. 39 EN S A I OS SO BRE CON SC I ÊNC I A E EMA NC IPA ÇÃO '/í:b Como se sentiria uma pessoa diante da enorme tarefa de destruir uma sociedade e construir uma nova, na medida em que esse tipo de ideia sobre a temporalidade se impusesse às cabeças da classe trabalhadora? 1<YI Até agora a consciência havia se movido no campo individual. Mesmo em se tratando da consciência em si, onde a satisfação do desejo depende não mais do outro, mas de nossa própria ação, tendemos a procurar soluções para nós. Queremos uma revolução que liberte todo um povo, mas no Íntimo a queremos para nós, queremos estar lá para ouvir os gritos de vitória, beber na grande festa da libertação, participar diretamente dos fatos, se possível na posição de destaque para ser lembrado na História. 32 ,~ Quando a consciência era regida pelo princípio do prazer, ela queria tudo e já. Quando nos organizamos para reivindicar algo, sabemos que não será de imediato, mas o movimento só se mantém enquanto perdura a esperança de alcançar a vitória o mais cedo possível. Mesmo quando já se apresenta a consciência da necessi- dade de constituir patamares de organização mais permanentés, imaginamos as possibilidades de realização dentro dos limites de nossa temporalidade. Agora, no entanto, a consciência nos aponta uma tarefa que transcende nossa vida individual. t,ol A partir do momento em que o trabalhador se apercebe do caráter das relações sociais em que está inserido, coloca-se a neces- sidade de buscar uma transformação. No entanto, nesse momento do processo de consciência, já não é suficiente saber que é necessário mudar a sociedade, destruir o capitalismo, mas como fazê-lo e o que colocar no lugar. A concepção da potencialidade da c!3sse, a consciência da possibilidade de vitória,33 é earte integ~ da 32 "Por que deveria meu nome ser lembrado?" é um poema de Bertolt Brecht que ilustra magistralmente essa questão. 33 Ernes to Che Guevara, "C uba, exceção histórica?" coleção Grandes Pensadores Sociais nº 19, p. 52. 40 M AURO Lu 1 s I A s 1 ,1 111 , 11111 ld ado pelos va ores urgueses e liberais, correspondentes às , pi ·, •ncações ideológicas das relações à explorn ão.da..s. · dade 1 t 11 t ,11 i ta, ou s; ja, o individualisrn..,o pequeno-bQtgY.ês e todas 11 ,1s matizes. E;ssa tarefa exige um novo indivíduo capaz de 111111pr ender sua temporalidade além dos limites e s1 r~ r· , 111 111prcender esse esforço como esforço coletivo de sua classe~ d1 111 dela. A consciência que, ao fazer a segunda negação, expressa 11 111 vimento essencial da classe ao se superar como classe. o meu partido .. . me fizeste indestrutível po,-que contigo 11áo termino em mim m esmo. Pablo Neruda Aqui, como em outros momentos, a tarefa não é fácil. O t· ntido que nossa sociedade e sua cultura atribuem à morte é bastante contundente. O que se exige é um esforço do indivíduo ·apaz de conceber, ao mesmo tempo, a fraqueza da pessoa, seu ·aráter transitório e a percepção no outro, a continuação da obra ·oletiva que é a história. Na dificuldade dessa trajetória é natural que muitos acabem por recuar, é muito tentadora e reconfortante .1 possibilidade de sedução que a ordem oferece aos que se rendem. Se nesta hora o inimigo te procura recusa o jantar que te oferece. Recusa a paz, a vida que te oferece. O jantar te daria um assento à mesa da noite. Esta paz é tua escravidão. E se agora o inimigo te propõe a vida, é chegada a hora de sua morte. Pedro Tierra 41 ENSAIOS SOBRE CONSC I ÊNC I A E EMANC IP AÇÃO A NOVA CONSCIÊNCIA , 00 Na sociedade capitalista não_P-odemos can ar uma ~ consciência a não ser de forma embrionári . Somos, no máximo, indiv-ícluos da ocieaa e burgues; ~ dispostos a destruí-la. É certo que já se apresentam em germe, elementos dessa nova consciência; no entanto, ela pressupõe uma nova ordem de relações para que tenha a base tornando-a possível. -icfl Isso não deve levar à compreensão, de q~e ~ transfor~ação revolucionária se dá materialmente e so depois e que o umverso das ideias vai se transformando automaticamente. Essas esferas combinam-se, ainda que preservada a determinação material, de forma que a luta das ideias e a capacidade de uma classe revolu- cionária apresentar suas concepções e valores, como os valores do conjunto da sociedade, antecipam-se e preparam o terreno para transformações revolucionárias. A•o Foi o que de fato ocorreu com a própria revolução burguesa. O pensamento burguês antecipou-se à revolução burguesa. No entanto, isso não implica no fim da determinação material. As ideias revolucionárias burguesas, entre elas a ilustração e o libera- lismo, só puderam se constituir tendo por base a própria gestação material das bases objetivasdo modo de produção capitalista e, com elas, o desenvolvimento de novas classes sociais que buscavam expressar. Gramsci, ao tratar da questão, afirma que: A supremacia de um grupo social manifesta-se de duas maneiras, como 'domi- nação' e como ' direção intelectual e moral'. Um grupo social domina os grupos adversários que tende a 'liquidar' ou a submeter valendo-se também da força armada e é dirigente dos grupos afins e aliados. Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governativo (e esta é uma das principais coqdiçóes para a própria conquista do poder); em seguida, quando já está exercitando o poder, e ainda que o mantenha firmemente em suas mãos, d . d 'd º . ,34 0 grupo social torna-se dominante, mas eve contmuar sen o mgente . 34 Antônio Gramsci, Quaderni del carcere., pp. 2010-201 1. 42 MA URO L u 1 s I AS! (~ bem verdade que muito~ confundem esses princípios, que 11 rn srituem a base da teoria gramsciana de hegemonia, de tal l,11111a que se perde um valioso tempo tentando ser "dirigente" de 11ossos adversários, enquanto, por diversos meios, tenta-se impor 11 m. "coação" sobre nossa própria classe e os grupos sociais aliados. A lógica indicada pelo revolucionário italiano, e que deve 1·r resgatada, é que toda classe é uma manifestação particular d,1 sociedade. Nos momentos revolucionários, uma classe reúne 1 ondições de expressar, através de sua particularidade, os anseios 1111 iversais, sintetizando os interesses particulares de outros seto- 1 •s sociais em luta. Tornar-se "dirigente" desses setores implica numa luta de ideias, juízos e valores e, mais, numa luta teórica. Si nifica dar unidade e coerência a sua concepção de mundo, em 1 u ca contra a do adversário de classe, que tem sua própria unidade 1' oerência, que, pelas contradições objetivas com a realidade, lorna-se cada vez mais moral e hipócrita. A questão de fundo aqui não pode ser discutida sem encarar o foto de o processo de consciência inserir-se em um momento maior, que é a transição de um modo de produção para outro. Na medida ·m que se operem transformações revolucionárias, em que se passe :i estabelecer novas relações, podemos estar iniciando a construção d um novo patamar da consciência humana. A consciência não está para além da evolução histórica real. Não é o filósofo que lança no mundo; o filósofo não tem o direito, portanto, de lançar um olhar arrogante sobre as pequenas lutas do mundo e de as desprezar.35 , , Portanto, a transformação das co11seiê11Eia&-não está além da luta política e da materialidade onde esta se insere. É ao mesmo tempo um produto da transformação material aa socieâade e um meio políticÕ de alcançar tal transformação. 11 George Lukács, op. cit., p. 92. 43 ENSA I OS SOBRE CONSC I ÊNC I A E E MAN C IP AÇÃO CONCLUSÃO ,1<, É muito difícil determinar a linha que separa o velho que caduca do novo que germina. Brecht dizia, em um poema, que as eras não começam de uma vez, nossos avós já viviam em um novo tempo e nossos netos ainda viverão, talvez, no velho. Nos momentos de passagem, de transição, as consciências captam con- traditoriamente esse momento e os indivíduos repletos de sonhos novos, por vezes, perecem "às margens do amanhã". ·~ Não devemos julgá-los. Um comunardo que fugia da Paris em chamas, em 1871, vendo seus camaradas sendo fuzilados no frio muro de Pere Lachaise, tem o direito de blasfemar contra a humanidade. Os trabalhadores russos que, com bravura e since- ridade, construíram o sonho soviético têm o direito de, diante da barbárie estalinista, acreditar por um momento que a humanidade não merece nosso sacrifício. ~ .. :l- A história segue seu curso indiferente às nossas misérias e heroísmos. Nossa consciência não pode fazer o mesmo. Estamos atados à vida e a sua teia cotidiana, nela colhemos os materiais que compõem nossa consciência e, nem sempre, esse cotidiano permite vislumbrar algo além da injustiça e da indignidade que marcam o presente. Temos, então, de recolher a revolta e a inquietação de quem não se submete e ousar dar forma às sementes do futuro, ainda que em tempos onde o futuro parece ter sido abolido. Mas é nelas (bocas e mãos, sonhos, greves e denúncias) que te vejo pulsando, mundo novo, ainda que em estado de soluços e esperança. Ferreira Gullar 44 M AURO L u 1 s J As 1 J' TELES. A política, Ediouro, São Paulo. 1,111• V/\ RA, E. Coleção Grandes Pensadores Sociais nº 19, Ática, São Paulo, 1')8 1. 1 li l• l J 1 , S. "Esboço de psicanálise", in Os Pensadores, Abril Cultural, São P,1ulo, 1978. 1 , I M CI, A. Concepção dialética da História, Civilização Brasileira, Rio de j.1 neiro, 1978. 1 , ll /\ MSCI, A. "Sindicatos e conselhos", in Escritos Políticos, volume II, Seara Nova, Portugal, 1977. 1 , ll /\MSCI, A. "Quaderni del cárcere", mimeo. 1 1 J I ÁCS, G. História e consciência de classe, Escorpião, Porto, Portugal, 1978. 1 1 J I ÁCS, G . Introdução a uma estética marxista, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978. 1 liN IN, V. I. "Situação revolucionária", in A questão do partido, Kairós, São Paulo, 1978. MA RX, K. O capital, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, s/d. MA RX, K. 18 brumário e Cartas à Kulgelman, 4' ed., Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1978. M /\RX, K. Manuscritos econômicos e filosóficos, Ediçóes 70, Portugal, 1993. MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã, Ciências Humanas, São Paulo, 1979. MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã, volumes I e II, Martins Fontes, Lisboa, Portugal, s/d. MÉSZAROS, I. Marx: A teoria da alienação, Zahar, Rio de Janeiro, 1981. SARTRE, J. P. Crítica de la razón dialéctica, 3' ed., Losàda, Buenos Aires, 1979. • J 'OZONNI, J. R. "Família, emoção e ideologia': in O homem em movimento, Brasiliense, São Paulo, 1981. 45 II O PROBLEMA DA EMANCIPAÇÃO HUMANA* Toda emancipação constitui uma restituição do mundo humano e das relações humanas ao próprio homem. Karl Marx A discussão do tema da "emancipação humana" em contra- posição aos limites de uma "emancipação política", recoloca uma ~uestão central: os limites da sociedade atual e das instituições da ordem burguesa representariam a forma definitiva enfim encon- trada pela humanidade para sua sociabilidade? Comentando criticamente essa posição, Perry Anderson (1994) afirma que teria se desenvolvido, a partir da derrota do nazifas- cismo na Segunda Guerra Mundial e da atual crise da alternativa socialista, a ideia de que "o progresso da liberdade tem agora um único caminho" e esse caminho seria a democracia liberal.' • Esse artigo foi apresentado inicialmente como trabalho final da disciplina Teoria Política Clássica na FFLCH da USP sob a responsabilidade do professor Dr. Gabriel Cohn, em 2000, e posteriormente publicado pela Revista Plural, Sociologia, USP, S. Paulo, 9, pp. 43-71, 2° semestre 2002. 1 "Com a derrocada do socialismo, a democracia libera l ocidental destacou-se como a forma final de governo humano, leva ndo a seu término o desenvolvimento histórico." Anderson, 1994, p. 12. E NSA I OS SO BRE CONSC I ÊN C I A E EMA NC I PA ÇÃO No momento atual, de restauração e crise da alternativa so- cialista acompanhado de uma defensiva teórica do pensamento de esquerda, seria útil retomarmos o conceito de Marx sobre a emancipação humana, não no sentido de um exercício de ortodo- xia no qual as respostas já estavam desde sempre dadas, mas pelo fato de que tal conceito pode ser uma importante ferramenta em nosso esforço de compreender o tempo presente e seus desafios. A ideia de emancipação humana é apresentada por Marx em contraposição ao que chama de "emancipação política" e apare- ce com destaque, por exemplo, na crítica ao trabalho de Bruno Bauer sobre a Questão judaica (Marx, 1993). Para Bauer, a busca da emancipação dos judeus esbarraria no fato de que, no caso da Alemanha, ninguém seria politicamente
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