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Cultura e imperialismo (Edward Said)

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SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
INTRODUÇÃO
O contato imperial nunca consistiu na relação entre um ativo intruso ocidental contra um nativo não ocidental inerte ou passivo; sempre houve algum tipo de resistência ativa e, na maioria esmagadora dos casos, essa resistência acabou preponderando (p. 12).
Quando emprego o termo [cultura], ele significa duas coisas em particular. Primeiro, “cultura” designa todas aquelas práticas, como as artes de descrição, comunicação e representação, que tem relativa autonomia perante os campos econômico, social e político, e que amiúde existem sob formas estéticas, sendo o prazer um de seus principais objetivos. Incluem-se aí, naturalmente, tanto o saber popular sobre partes distantes do mundo quando o conhecimento especializado de disciplinas como a etnografia, a historiografia, a filologia, a sociologia e a história literária. Como meu enfoque exclusivo, aqui, concentra-se nos impérios ocidentais modernos dos séculos XIX e XX, trato sobretudo de formas culturais, como o romance, que julgo terem sido de enorme importância na formação das atitudes, referências e experiências imperiais. Não digo que apenas o romance tenha sido importante, mas o considero como o objeto estético cujas ligações com as sociedades em expansão da Inglaterra e da França são particularmente interessantes como tema de estudo (p. 12).
O principal objeto de disputa no imperialismo é, evidentemente, a terra; mas quando se tratava de quem possuía a terra, quem tinha o direito de nela se estabelecer e trabalhar, quem a explorava, quem a reconquistou e quem agora planeja seu futuro – essas questões foram pensadas, discutidas e até, por um tempo, decididas na narrativa (p. 13).
Em segundo lugar, e quase imperceptivelmente, a cultura é um conceito que inclui um elemento de elevação e refinamento, o reservatório do melhor de cada sociedade, no saber e no pensamento [...]. Com o tempo, a cultura vem a ser associada, muitas vezes de forma agressiva, à nação ou ao Estado; isso “nos” diferencia “deles”, quase sempre com algum grau de xenofobia (p. 13).
Neste segundo sentido, a cultura é uma espécie de teatro em que várias causas políticas e ideológicas se empenham mutuamente. Longe de ser um plácido reino de refinamento apolíneo, a cultura pode até ser um campo de batalha onde as causas se expõem à luz do dia e lutam entre si, deixando claro, por exemplo, que, dos estudantes americanos, franceses ou indianos ensinados a ler seus clássicos nacionais antes de lerem os outros, espera-se que amem e pertençam de maneira leal, e muitas vezes acrítica, às suas nações e tradições, enquanto denigrem e combatem as demais (p. 14).
Ora, o problema com essa ideia de cultura é que ela faz com que a pessoa não só venere sua cultura, mas também a veja como que divorciada, pois transcendente, do mundo cotidiano (p. 14).
No entanto, todas essas obras [como The Quiet American, de Graham Greene; A bend in the river, de V.S. Naipaul ou Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola], que tanto devem à ironia antiimperialista de Conrad em Nostromo, sustentam que a fonte da ação e da vida significativa do mundo se encontra no Ocidente, cujos representantes parecem estar à vontade para impor suas fantasias e filantropias num Terceiro Mundo retardado mental. Nessa visão, as regiões distantes do mundo não possuem vida, história ou cultura dignas de menção, nenhuma independência ou identidade dignas de representação sem o Ocidente. E quando há algo para ser descrito, é, segundo Conrad, indizivelmente corrupto, degenerado, irremediável (p. 20-21).
O mundo, hoje, não existe como espetáculo sobre o qual possamos alimentar pessimismo ou otimismo, sobre o qual nossos “textos” possam ser interessantes ou maçantes. Todas essas atitudes supõem o exercício de poder e de interesses. Na medida em que vemos Conrad criticando e ao mesmo tempo reproduzindo a ideologia imperial de sua época, nessa mesma medida poderemos caracterizar nossas atitudes presentes: a projeção, ou a recusa, da vontade de dominar, a capacidade de prejudicar ou a energia para compreender e se comprometer com outras sociedades, tradições e histórias (p. 21).
A cultura do imperialismo não era invisível, nem ocultava seus vínculos e interesses mundanos. Há uma clareza suficiente nas grandes linhas culturais para que enxerguemos as notações amiúde escrupulosas ali feitas, e também para que vejamos que não lhes foi concedida muita atenção. O fato de agora serem de tal interesse, a ponto de levar à elaboração, por exemplo, deste e de outros livros, é consequência menos de uma espécie de espírito vingativo retrospectivo do que uma maior necessidade de elos e conexões. Uma das realizações do imperialismo foi aproximar o mundo, e embora nesse processo a separação entre europeus e nativos tenha sido insidiosa e fundamentalmente injusta, a maioria de nós deveria agora considerar a experiência histórica do império como algo partilhado em comum. A tarefa, portanto, é descrevê-la enquanto relacionada com os indianos e os britânicos, os argelinos e os franceses, os ocidentais e os africanos, asiáticos, latino-americanos e australianos, apesar dos horrores, do derramamento de sangue, da amargura vingativa (p. 23).
Não creio que os escritores sejam mecanicamente determinados pela ideologia, pela classe ou pela história econômica, mas acho que estão profundamente ligados à história de suas sociedades, moldando e moldados por essa história e suas experiências sociais em diferentes graus. A cultura e suas formas estéticas derivam da experiência histórica, o que é, de fato, um dos temas principais deste livro (p. 23).
Durante todo o contato entre os europeus e seus “outros”, iniciado sistematicamente quinhentos anos atrás, a única ideia que quase não variou foi a de que existe um “nós” e um “eles”, cada qual muito bem definido, claro, intocavelmente auto-evidente. Como discuto em Orientalism, a divisão remonta à concepção grega sobre os bárbaros, mas, independentemente de quem tenha criado esse tipo de pensamento “identitário”, no século XIX ele havia se tornado a marca registrada das culturas imperialistas, e também daquelas que tentavam resistir à penetração europeia (p. 27).
Antes que possamos concordar quanto aos elementos que compõem a identidade americana, temos de admitir que, enquanto sociedade de colonos imigrantes que se impôs sobre as ruínas de uma considerável presença autóctone, a identidade americana é variada demais para chegar a constituir algo unitário e homogêneo; na verdade, a luta que se trava em seu interior envolve defensores de uma identidade unitária e os que vêem o conjunto como uma totalidade complexa, mas não redutoramente unificada (p. 27).
Em parte devido ao imperialismo, todas as culturas estão mutuamente imbricadas; nenhuma é pura e única, todas são híbridas, heterogêneas, extremamente diferenciadas, sem qualquer monolitismo (p. 28).
1 – TERRITÓRIOS SOBREPOSTOS, HISTÓRIAS ENTRELAÇADAS
A invocação do passado constitui uma das estratégias mais comuns nas interpretações do presente (p. 34).
A ideia principal é que, mesmo que se deva compreender inteiramente aquilo no passado que de fato já passou, não há nenhuma maneira de isolar o passado do presente. Ambos se modelam mutuamente, um inclui o outro e, no sentido totalmente ideal pretendido por Eliot, um coexiste com o outro [...]. Nem o passado, nem o presente, como tampouco qualquer poeta ou artista, tem pleno significado (p. 35).
sua concepção temporal não leva em conta a combatividade com que os indivíduos e as instituições decidem o que é e o que não é tradição [...]. Mas sua [Eliot] ideia central é válida: a maneira como formulamos ou representamos o passado molda nossa compreensão e nossas concepções do presente (p. 36).
a questão do imperialismo e sua aplicabilidade (ou não) aos Estados Unidos, a grande potência da atualidade (p. 37).
Esses luminares debateram questões em larga medida políticas e econômicas. No entanto, pouquíssima atenção tem sido dedicada ao papelprivilegiado, no meu entender, da cultura na experiência imperial moderna, e quase não se leva em conta o fato de que a extraordinária extensão mundial do imperialismo europeu clássico, do século XIX e começo do XX, ainda lança sombras consideráveis sobre nossa própria época (p. 37).
Mostrar o envolvimento da cultura com os impérios em expansão, fazer observações sobre as artes que preservem suas características próprias e, ao mesmo tempo, indiquem suas filiações, mas digo que devemos tentar, e devemos situar a arte no contexto mundial concreto. Estão em jogo territórios e possessões, geografia e poder. Tudo na história humana tem suas raízes na terra, o que significa que devemos pensar sobre a habitação, mas significa também que as pessoas pensaram em ter mais territórios, e portanto precisaram fazer algo em relação aos habitantes nativos. Num nível muito básico, o imperialismo significa pensar, colonizar, controlar terras que não são nossas, que estão distantes, que são possuídas e habitadas por outros. Por inúmeras razões, elas atraem algumas pessoas e muitas vezes trazem uma miséria indescritível para outras (p. 39).
Para os objetivos deste livro, concentrei-me nas disputas efetivas pelas terras e pelos povos dessas terras. O que tentei fazer foi uma espécie de exame geográfico da experiência histórica, tendo em mente a ideia de que a terra é, de fato, um único e mesmo mundo, onde praticamente não existem espaços vazios e inabitados. Assim como nenhum de nós está fora ou além da geografia, da mesma forma nenhum de nós está totalmente ausente da luta pela geografia. Essa luta é complexa e interessante porque não se restringe a soldados e canhões, abrangendo também ideias, formas, imagens e representações (p. 40).
A experiência americana, como mostra Richard van Alstyne em The Rising American empire [O nascente império americano], desde o início se fundou na ideia de “um imperium – um domínio, Estado ou soberania que se expandiria em população e território, e aumentaria em força e poder” [...], conforme a república ia envelhecendo e se ampliava seu poderio no hemisfério, havia terras distantes a considerar como vitais para os interesses americanos, objeto de intervenções e disputas – por exemplo, Filipinas, Caribe, América Central, o litoral norte da África, partes da Europa e do Oriente Médio, Vietnã, Coreia. Curiosamente, porém, tão influente foi o discurso que insistia no caráter especial, no altruísmo, no senso de oportunidade americanos que o “imperialismo”, como palavra ou ideologia, raras vezes e apenas recentemente apareceu nas explicações da cultura, política e história dos Estados Unidos. Mas o vínculo entre cultura e política imperial é assombrosamente direto. A postura americana diante da “grandeza” americana, das hierarquias raciais, dos perigos de outras revoluções (a Revolução americana sendo considerada única e de certa forma irrepetível em qualquer outra parte do mundo) permanece constante, ditando e obscurecendo as realidades do império, enquanto apologistas dos interesses americanos ultramarinos insistem na inocência americana, praticando o bem, lutando pela liberdade. Pyle, o protagonista de The quiet American [O americano tranquilo], de Graham Greene, encarna essa formação cultural com impiedosa exatidão (p. 41-42).
Usarei o termo “imperialismo” para designar a prática, a teoria e as atitudes de um centro metropolitano dominante governando um território distante; o “colonialismo”, quase sempre uma consequência do imperialismo, é a implantação de colônias em territórios distantes (p. 42).
O império é uma relação, formal ou informal, em que um Estado controla a soberania política efetiva de outra sociedade política. Ele pode ser alcançado pela força, pela colaboração política, por dependência econômica, social ou cultural. O imperialismo é simplesmente o processo ou a política de estabelecer ou manter um império (DOYLE, Michael apud SAID, Edward, p. 42).
Temos de avaliar a nostalgia imperial, bem como o ódio e o ressentimento que o imperialismo desperta nos dominados, e devemos tentar examinar de forma abrangente e cuidadosa a cultura que alimentou o sentimento, a lógica e sobretudo a imaginação imperialista. E devemos também tentar entender a hegemonia da ideologia imperial, que no final do século XIX havia se entranhado totalmente nos assuntos de culturas cujos aspectos menos deploráveis ainda celebramos (p. 43).
O que pretendo examinar é a maneira pela qual os processos imperialistas ocorreram além do plano das leis econômicas e das decisões políticas, e – por predisposição, pela autoridade de formações culturais identificáveis, pela consolidação contínua na educação, literatura, artes visuais e musicais – manifestaram-se em outro nível de grande importância, o da cultura nacional, que tendemos a apresentar como asséptico, um campo de monumentos intelectuais imutáveis, livre de filiações mundanas (p. 44).
Assim, portanto, qual é o vínculo entre a busca de objetivos nacionais imperiais e a cultura nacional como um todo?
Como nem a cultura nem o imperialismo são inertes, as conexões entre eles, enquanto experiências históricas, são dinâmicas e complexas (p. 46).
Longe de serem algo unitário, monolítico ou autônomo, as culturas, na verdade, mais adotam elementos “estrangeiros”, alteridades e diferenças do que os excluem conscientemente (p. 46).
As nações contemporâneas da Ásia, América Latina e África são politicamente independentes, mas, sob muitos aspectos, continuam tão dominadas e dependentes quanto o eram na época em que viviam governadas diretamente pelas potências europeias. Por um lado, isso decorre de ferimentos que elas próprias se infligem, e críticos como V.S. Naipaul costumam dizer: eles (todo mundo sabe que “eles” significa os de cor, os crioulos, os negros) são culpados de serem o que são, e não adianta ficar repisando no legado do imperialismo. Por outro lado, culpar arrasadoramente os europeus pelos infortúnios do presente não é uma grande alternativa. O que precisamos é examinar essas questões como uma rede de histórias interdependentes: seria equivocado e absurdo reprimi-las, útil e interessante estendê-las (p. 51).
O problema com as teorias essencialistas e exclusivistas, ou com as barreiras e os lados, é que elas dão origem a polarizações que mais absolvem e perdoam a ignorância e a demagogia do que facilitam o conhecimento [...]. Se já sabemos de antemão que a experiência africana, iraniana, chinesa, judaica ou alemã é fundamentalmente integral, coerente, separada e, portanto, compreensível apenas por africanos, iranianos, chineses, judeus e alemães, estamos em primeiro lugar colocando como essencial algo que, a meu ver, é ao mesmo tempo historicamente criado e resultante de uma interpretação: a saber, a existência da africanidade, da judeidade ou da germanidade ou, ainda, o orientalismo e o ocidentalismo. Em segundo lugar, em decorrência disso, provavelmente defenderemos a essência ou experiência em si, em lugar de promover o conhecimento pleno dela e seus cruzamentos e dependências de outros conhecimentos. Por conseguinte, transferiremos a experiência diferente para uma posição inferior (p. 65).
devemos ser capazes de pensar experiências divergentes e interpretá-las em conjunto, cada qual com sua pauta e ritmo de desenvolvimento, suas formações internas, sua coerência interna e seu sistema de relações externas, todas elas coexistindo e interagindo entre si (p. 66).
A noção de “experiências divergentes” não pretende contornar o problema da ideologia. Pelo contrário, nenhuma experiência que é objeto de interpretação ou reflexão pode ser caracterizada sem mediações, da mesma forma como não se pode acreditar inteiramente num crítico ou intérprete que diga ter alcançado um ponto arquimediano, que não está sujeito à história nem a um contexto social. Ao justapor experiências, ao deixar elas interagirem, meu objetivo político interpretativo (no sentido mais abrangente) é colocar em convívio visões e experiências ideológica e culturalmente fechadas umas às outras,e que tentam afastar ou eliminar outras visões e experiências (p. 66).
a tendência em antropologia, história e estudos culturais na Europa e Estados Unidos é tratar toda a história mundial como objeto capaz de ser abordado por uma espécie de supersujeito ocidental, cujo rigor historicizante e disciplinar tira ou, no período pós-colonial, devolve a história a povos e culturas “sem” história. Poucos estudos críticos em grande escala enfocaram a relação entre o imperialismo ocidental e sua cultura, e o fechamento dessa relação profundamente simbiótica é um resultado da própria relação (p. 69).
aqui enfocarei mais a infeliz convergência que impele acriticamente as potências ocidentais a uma ação contra os povos ex-coloniais [...]. Duas ideias básicas foram nitidamente retomadas do passado e ainda exercem influência: uma delas era o direito da grande potência de salvaguardar seus interesses distantes, chegando até mesmo à invasão militar; a segunda, que os povos das potências menores eram inferiores, com menos direitos, menos princípios morais, menos reivindicações (p. 70).
Aqui, foram importantes as percepções e atitudes moldadas e manipuladas pelos meios de comunicação. No Ocidente, as representações do mundo árabe desde a guerra de 1967 tem se mostrado toscas, reducionistas, grosseiramente racistas, conforme foi constatado e verificado por inúmeros estudos críticos na Europa e nos Estados Unidos (p. 70-71).
[Sobre a dinâmica imperial e, sobretudo, suas tendências separatistas, essencializantes, dominadoras e reativas] A definição de si mesmas é uma das atividades presentes em todas as culturas: ela possui uma retórica, uma série de datas, ocasiões e autoridades (por exemplo, festas nacionais, épocas de crise, pais fundadores, textos básicos e assim por diante) e uma familiaridade própria (p. 71).
4 – Livre da dominação no futuro
Autor da política de contenção que guiou o pensamento oficial dos Estados Unidos durante boa parte da Guerra Fria, Kennan achava que seu país era o guardião da civilização ocidental. Para ele, tal destino no mundo não europeu não supunha qualquer esforço dos Estados Unidos em se fazer popular (“idealismo rotariano”, escarnecia ele), dependendo sobretudo de “conceitos claros de poder.” E como nenhum povo ou Estado ex-colonizado tinha meios de desafiar os Estados Unidos em termos militares ou econômicos, Kennan aconselhava a contenção (p. 352).
A ideia de liderança e excepcionalidade dos Estados Unidos nunca está ausente; qualquer coisa que façam os Estados Unidos, essas autoridades em geral não queriam que eles sejam uma potência imperial como seus predecessores, preferindo, em lugar disso, a ideia de “responsabilidade mundial” como princípio de suas ações. Princípios anteriores – expressos na Doutrina Monroe, no “destino manifesto”, e assim por diante – levam à “responsabilidade mundial”, que corresponde exatamente ao crescimento dos interesses mundiais dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e à concepção de seu enorme poderio, tal como era formulado pela política exterior e pela elite intelectual (p. 353).
Embora tenha sido publicados em 1972, essas palavras [de Richard Barnet] descrevem de forma ainda mais exata os Estados Unidos durante a invasão do Panamá e a Guerra do Golfo, continuando a ser um país que tenta ditar suas ideias de lei e paz para todo mundo. O curioso nisso não é que se tente, mas que seja feito com tamanho consenso e unanimidade quase total numa esfera pública construída como uma espécie de espaço cultural expressamente destinado a representa-lo e explica-lo [...], os meios de comunicação desempenham um papel extraordinário em “fabricar o consentimento” como diz Chomsky, em fazer com que o americano médio sinta que cabe a “nós” reparar os males do mundo, e ao diabo com as contradições e incoerências (p. 354).
Existe uma correspondência evidente, mas amiúde ocultada ou esquecida, entre a doutrina oitocentista do Destino Manifesto (nome de um livro de John Fiske, de 1890), a expansão territorial dos Estados Unidos, a enorme literatura de justificação (missão histórica, regeneração moral, expansão da liberdade: todas elas estudadas por Albert K. Weinberg, na obra maciçamente documentada Manifet Destiny, de 1958), e as fórmulas incessantemente repetidas sobre a necessidade de uma intervenção americana contra esta ou aquela agressão, desde a Segunda Guerra Mundial (p. 356).
a dominação americana é insular. A elite da política exterior não possui uma longa tradição de domínio direto ou ultramar, como era o caso da França ou da Inglaterra, de modo que a atenção americana funciona por saltos; prodigaliza-se uma quantidade imensa de retórica e vultuosas recursos a um lugar qualquer (Vietnam, Líbia, Iraque, Panamá), e depois segue-se praticamente o silêncio (p. 357).
Admitindo-se que o expansionismo americano é sobretudo econômico, mesmo assim ele depende muito e caminha junto com ideologias e ideias culturais sobre os próprios Estados Unidos, incessantemente repisadas em público. “Um sistema econômico”, lembra-nos Kiernan com razão, “como uma nação ou uma religião, não vive só de pão, mas também de crenças, visões, sonhos, e nem por serem errôneos são menos vitais.” É um tanto monótona a regularidade de projetos, expressões ou teorias criadas por sucessivas gerações para justificar as pesadas responsabilidades do raio de ação global dos Estados Unidos. Estudos recentes de americanos mostram um quadro desolador de como a maioria dessas atitudes e as políticas por elas geradas baseavam-se na ignorância e em interpretações equivocadas, quase petulantes e cabais, exceto pelo desejo de comando e dominação, ele próprio marcado pela ideia de excepcionalidade americana (p. 358).
Esse entrelaçamento de poder e legitimidade, um reinando no mundo da dominação direta, a outra na esfera cultural, é uma característica da hegemonia imperial clássica. No século americano a diferença está no salto quantitativo ocorrido no alcance de autoridade cultural, em larga medida graças ao inusitado crescimento no aparato de difusão e controle das informações. Como veremos, os meios de comunicação são fundamentais para a cultura doméstica (p. 359).
a expansão desenfreada de várias formas de controle cultural originadas dos Estados Unidos criou um novo mecanismo de incorporação e dependência cujo objetivo é subordinar e se impor não só a um público americano interno, mas também a culturas menores e mais fracas (p. 360).
Mas, antes que os meios de comunicação cheguem ao exterior, por assim dizer, eles são eficientes ao apresentar culturas estrangeiras bizarras e ameaçadoras ao público interno (p. 361).
“nós” – esse pronome, praticamente mais do que qualquer outra palavra, fortalece a sensação meio ilusória de que todos os americanos, como co-proprietários do espaço público, participam nas decisões de comprometer os Estados Unidos em intervenções estrangeiras (p. 363).
Ainda é difícil explicar, mesmo para colegas árabes instruídos e experientes, que a política externa americana não é de fato comandada pela CIA, nem é uma conspiração ou uma rede de “contatos” – chave; quase todos que eu conheço acham que os Estados Unidos planejam praticamente tudo o que acontece de relevante no Oriente Médio (p. 363).
hostilidade e ignorância concerne aos dois lados de um contato cultural complexo, desigual e relativamente recente (p. 363).
Ser não ocidental (os rótulos reificantes são, em si mesmos, sintomáticos), portanto, é ser ontologicamente desafortunado em quase todos os aspectos, ser um fanático ou, na melhor das hipóteses, um seguidor, um consumidor preguiçoso que pode usar o telefone, mas nunca seria capaz de inventá-lo, como diz Naipaul em algum lugar (p. 374).
Todavia, de modo geral, a distância entre esses importantes teóricos metropolitanos [Foucault, White, Derrida...] e a experiência imperial viva ou histórica é efetivamente grande. As contribuições do império às artes de observação, descrição, formação disciplinar e discurso teórico têm sido ignoradas; essas novas descobertas teóricascostumam, com uma discrição meticulosa e talvez um excesso de melindre, passar por cima das confluências entre seus achados e as energias liberacionistas desencadeadas pelas culturas de resistência no Terceiro Mundo (p. 374).
Precisamos de um paradigma diferente e inovador para a pesquisa humanista. [...] Não se pode minimizar o trabalho de escavação imaginativa necessária para tal tarefa. Não se procuram essências exclusivas e originais, seja para restaurá-las, seja para atribuir-lhe um lugar de honra inaceitável (p. 383).
podemos falar de um espaço secular e de histórias interdependentes humanamente construídas, fundamentalmente cognoscíveis, se bem que não por meio de teorias grandiosas ou totalizações sistêmicas (p. 383).
ler e escrever textos nunca são atividades neutras: acompanham-nas interesses, poderes, paixões, prazeres, seja qual for a obra estética ou de entretenimento. Mídia, economia, política, instituições de massa – em suma, as marcas do poder temporal e a influência do Estado – fazem parte do que chamamos literatura. E assim como é verdade que não podemos ler textos literários de homens sem ler também textos literários de mulheres – tanto se transformou o feitio da literatura -, também é verdade que não podemos abordar a literatura das periferias sem atentar também para a literatura dos centros metropolitanos (p. 390).
Ao falar de controle e consenso, empreguei deliberadamente o termo “hegemonia”, apesar de Nye, que julga que os Estados Unidos não têm, atualmente, pretensões hegemônicas. Não se trata de um regime de conformidade diretamente imposto na correspondência entre o discurso cultural e a política dos Estados Unidos no mundo subordinado, não ocidental. Trata-se antes de um sistema de pressões e coerções por meio do qual todo o corpo cultural conserva sua identidade e rumo essencialmente imperiais. Por isso, é correto dizer que uma cultura predominante possui uma certa regularidade, unidade ou previsibilidade no decorrer do tempo. Outra maneira de colocar a questão é dizer que é possível identificar na cultura contemporânea novos modelos de dominância, para usar os termos de Frederic Jameson sobre o pós-modernismo (p. 397).
As novas imagens de centralidade – diretamente ligadas ao que C. Wright Mills chamava de elite do poder – suplantam os processos mais lentos e reflexivos, menos rápidos e imediatos da cultura impressa, e seu respectivo acompanhamento das categorias recalcitrantes de classe histórica, bens herdados e privilégios tradicionais. A presença executiva é central na cultura americana de hoje: o presidente, o comentarista de televisão, o funcionário de grande empresa, a celebridade. Centralidade é identidade, o que é poderoso, importante e nosso. A centralidade mantém o equilíbrio entre os extremos; ela confere às ideias o contrapeso da moderação, da racionalidade, do pragmatismo; ela dá unidade ao núcleo (p. 397).
E a centralidade cria narrativas semi-oficiais que autorizam e desencadeiam certas sequências de causa e efeito, impedindo ao mesmo tempo que surjam narrativas em sentido contrário. A mais comum é a velha sequência de que os Estados Unidos, uma força do bem no mundo, levanta-se sistematicamente contra os obstáculos postos por conspirações estrangeiras, ontologicamente más e “contra” os Estados Unidos (p. 397).
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