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1 EDUCAÇÃO INFANTIL-CARACTERÍSTICAS E SINGULARIDADES 2 EDUCAÇÃO INFANTIL-CARACTERÍSTICAS E SINGULARIDADES DÚVIDAS E ORIENTAÇÕES Segunda a Sexta das 09:00 as 18:00 ATENDIMENTO AO ALUNO editorafamart@famart.edu.br mailto:editora 3 Sumário A Educação Infantil – suas características e singularidades ................................................................... 4 Os quatro pilares para a Educação do século XXI ................................................................................... 5 Razão e afetividade .............................................................................................................................. 13 A história da infância: a mudança do olhar .......................................................................................... 21 A Educação Infantil: suas características e singularidades ................................................................... 23 Seleção de conteúdos e desenvolvimento das práticas pedagógicas ................................................... 26 Desenvolvimento Infantil ..................................................................................................................... 32 Fases da aprendizagem (00 a 06 anos) ................................................................................................. 35 Ensinar brincando e brincar ensinando ................................................................................................ 55 A brincadeira como estratégia para o desenvolvimento da cognição .................................................. 55 A brincadeira e o processo de desenvolvimento Infantil ..................................................................... 57 Os motivos da brincadeira.................................................................................................................... 57 A brincadeira, o brinquedo e o jogo no desenvolvimento infantil ....................................................... 59 Os tipos de jogos .................................................................................................................................. 60 Brincar é para todos ............................................................................................................................. 63 A importância do movimento para as crianças .................................................................................... 66 Os diversos jogos e sua importância .................................................................................................... 67 Jogos de ficção ou faz-de-conta ........................................................................................................... 67 Jogos de exploração e transformação dos objetos e materiais ............................................................ 67 Jogos de movimento ............................................................................................................................ 68 ATIVIDADES PARA CRIANÇAS NA FAIXA ETÁRIO DE 0 A 2 ANOS .......................................................... 68 ATIVIDADES PARA CRIANÇAS NA FAIXA ETÁRIA DE 2 A 4 ANOS ........................................................... 71 A literatura na Educação Infantil .......................................................................................................... 73 Origens da Literatura Infantil ............................................................................................................... 74 A importância do Maravilhoso na Literatura Infantil ........................................................................... 76 Livros e Infância: as histórias infantis como forma de consciência de mundo ..................................... 78 Fases normais no desenvolvimento da criança .................................................................................... 79 Histórias para crianças (faixa etária / áreas de interesse / materiais / livros) ...................................... 81 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 86 4 A Educação Infantil – suas características e singularidades Durante muito tempo os educadores voltavam suas preocupações para a capacidade de aprendizagem dos alunos. Muitos fazem isso até hoje. Muito se ouviu e ainda se ouve nas conversas entre eles frases desse tipo: “Aquele aluno não aprende nada”; “Aquele menino é limitado, não aprende por mais que eu faça”. Hoje, essas afirmações estão em muito ultrapassadas, pois não há mais dúvidas de que todos são capazes de aprender. Assim, elas devem urgentemente ser substituídas por outras, como: “De que modo devo trabalhar para promover a aprendizagem ao meu aluno?”; “Que ações pedagógicas adotarei para facilitar a construção de conhecimentos?”. Essa perspectiva qualitativa (e não quantitativa) do ato de aprender é de extrema relevância para o educador infantil porque ele tem um papel de destaque nas descobertas e na aprendizagem de seus educandos. Podemos dizer, então, que o foco da educação atual deve ser cada vez mais o processo e não o produto, porque o produto valoriza a quantidade e o processo, a qualidade. Levando em consideração que o processo de aprendizagem deve envolver a cognição, a afetividade, a psicomotricidade e a fé e crenças pessoais, podemos afirmar que aprender é muito mais que adquirir um conteúdo. A aprendizagem pressupõe o crescimento global do indivíduo e, então, a organização das dimensões aqui apresentadas. Elas compõem o ser humano e, por isso não podem ser estanques. Uma depende da outra para se desenvolver amplamente. Pensar numa Educação Infantil de qualidade é valorizar todas as dimensões humanas em sala de aula. Essas mudanças no modo de pensar a educação acompanham as mudanças sociais que estamos vivenciando. Mudanças relacionadas às descobertas científicas e tecnológicas transformaram bruscamente a vida de todas as pessoas nos mais variados aspectos, nas mais longínquas residências, nos mais diferentes estilos de vida. A educação, como sendo uma instituição antes de tudo cultural, também se transformou ao longo dos anos e mais bruscamente na virada do século XX para o 5 século XXI. Hoje para atender aos educandos do século XXI temos que apresentar um modelo de educação próprio dessa época, com instrumentos que possibilitem a eles um crescimento integral como cidadãos capazes de enfrentar todas essas mudanças. A Educação Infantil, por sua vez, traz também nova roupagem, privilegiando a construção do caráter, a formação pessoal, a capacidade de enfrentamento das mais diversas situações, o respeito às diferenças, enfim, a formação global da criança para que ela se prepare par ser um adulto consciente dos seus direitos e deveres. A criança, quando chega à escola, deseja ser amada, acolhida, aceita e ouvida. Quando ela se satisfaz em todas as suas expectativas ou na maioria delas, desperta para uma vida de curiosidade e de aprendizado. Cabe ao professor organizar esse espaço de busca e interesse das crianças. Para isso, é necessário ter sensibilidade e percepção acerca do mundo infantil e suas singularidades. É fundamental observar que a criança passa por fases de desenvolvimento, e que cada uma delas é importantíssima para a sua formação geral. A infância é uma etapa muito importante para o indivíduo porque é a fase em que ele passa por uma adaptação progressiva ao meio físico, cujo objetivo é o equilíbrio entre o “eu” e o “outro”. Segundo Piaget (1985), “educar é adaptar o indivíduo ao meio social ambiente”. Cabe à Educação Infantil, então, propiciar essa inter-relaçãoda criança com o mundo, de maneira lúdica e prazerosa, de forma a possibilitar que esse equilíbrio seja desenvolvido por ela e cujas conquistas refletirão por toda sua vida. Os quatro pilares para a Educação do século XXI A virada do século XX para o século XXI é marcada pelo montante de mudanças ocorridas e pela velocidade das descobertas. Nunca se descobriu tanto em tão pouco tempo. Podemos dizer que nesse período houve mais inovações nos mais diversos setores do que em todos os séculos anteriores juntos, construindo, 6 assim, uma nova realidade nas diversas civilizações ocidentais. Os avanços tecnológicos juntamente com o desenvolvimento da imprensa e da comunicação cada vez mais rápida e ágil deram ao homem do início do século XXI um novo perfil. A globalização aproximou nações enquanto os grupos se reuniram em pequenos setores para lutar por seus direitos. A política, até então a grande dominadora do mundo, rendeu-se também às regras ditadas pela economia: A aceleração das inovações tecnológicas se dá agora numa escala multiplicativa, uma autêntica reação em cadeia, de modo que em intervalos de tempo o conjunto do aparato tecnológico vigente passa por saltos qualitativos em que a ampliação, a condensação e a miniaturização de seus potenciais reconfiguram completamente o universo de possibilidades e expectativas, tornando-se cada vez mais imprevisível, irresistível e incompreensível (SEVCENKO, 2004, p.16). Com o grande avanço tecnológico e comunicativo, a população do novo século está diante de novas buscas, de novos anseios, de uma nova realidade. Surgem a “sociedade de consumo” e a “sociedade globalizada”. Isso tudo graças aos meios de comunicação que possibilitam a aproximação de nações extremamente distantes, mas que podem também isolar pessoas muito próximas em suas “aldeias comunicativas”. Os hábitos foram mudando, os recursos se transformando e se multiplicando, tudo em prol da comodidade dos indivíduos que, em sua maioria, têm de trabalhar mais que antes para comprar mais que antes e se sentir inseridos nessa sociedade que lhes é apresentada. Dessa forma, tem-se também menos tempo para as ações “menores” – fazer compras, ter um momento de lazer com a família, conversar com os amigos, pagar contas, etc. E para isso também a tecnologia e a comunicação estão aí, prontas para adequá-lo ao novo modo de vida. Já se fazem compras, inclusive as básicas de mercado e se pagam quase todas as contas sem sair de casa; o lazer também é oferecido em casa e sem necessariamente a presença de todos os membros da família; e amigos são construídos por meio de bate-papos virtuais. 7 Diante dessa nova perspectiva de vida, algumas normas e códigos de moral reguladores do comportamento social ganham novos contornos e em meio a esse contexto emerge um fenômeno intitulado Pós-modernismo, que abrange as diversas áreas da sociedade: arte, ciência, tecnologia, política, filosofia e cultura. Em linhas gerais, as mudanças que convergiram para o surgimento dessa nova tendência destacaram-se a partir de meados dos anos 50, com a arquitetura e a computação, infiltram-se no meio intelectual nos anos 60, apresentam um crescimento na filosofia nos anos 70 e alastram-se nos anos 80 abrangendo os campos da moda, do cinema, da música, entre outros. A sociedade do século XXI traz algumas características marcantes, que transformaram a história do homem tanto no âmbito cultural, como ecônomico, tecnológico, religioso, educacional e político. O mundo globalizado, juntamente com a emergência dessa nova sociedade, denominada “sociedade do conhecimento”. A informação ganhou evidência, facilitada pelo avanço tecnológico, que diminuiu fronteiras de tempo e de espaço. Segundo González de Gómez (1997), “trata-se de uma revolução que agrega novas capacidades à inteligência humana e muda o modo de trabalharmos juntos e vivermos juntos”. Essas mudanças relacionadas à valorização do conhecimento trouxeram mudanças também no que se refere ao mundo do trabalho. O conceito de emprego está sendo substituído pelo conceito de trabalho. A atividade produtiva passa a depender de conhecimentos, e o trabalhador deverá ser um sujeito criativo, crítico e pensante, preparado para agir e se adaptar rapidamente às mudanças dessa nova sociedade. O diploma passa a não significar necessariamente uma garantia de emprego. A empregabilidade está relacionada à qualificação pessoal; as competências técnicas deverão estar associadas à capacidade de decisão, de adaptação a novas situações, de comunicação oral e escrita, de trabalho em equipe. O profissional será valorizado na medida da sua habilidade para estabelecer relações e de assumir liderança (SILVA & CUNHA, 2002). Os profissionais que mais se destacam no século XXI são aqueles que conseguem utilizar seus conhecimentos em prol da produtividade e da inovação. 8 Dessa forma, um dos requisitos profissionais mais valorizados é a disponibilidade para as capacitações permanentes. Por outro lado, o conhecimento também foi modificado. Ele não é mais resultado de um processo unilateral que envolve seres humanos isolados, “mas de uma vasta colaboração cognitiva distribuída, da qual participam aprendentes humanos e sistemas cognitivos artificiais” (ASSMANN, 2000). Diante desse quadro de mudanças radicais (e irreversíveis), o indivíduo deve, antes de tudo, procurar se adaptar, desenvolver as habilidades exigidas pelo novo panorama do mercado de trabalho e estar sempre disposto a acompanhar as inovações tecnológicas que aparecem cada vez mais aceleradas. Para se ter sucesso é necessário preparar-se continuamente num processo gradativo e, sobretudo, qualitativo. Por outro lado, o indivíduo também deve se preocupar com as questões sócioambientais. Cooperação, confiança, respeito étnico, identidade, comunidade e amizade são elementos que formam o tecido social do século XXI, em que se fundamentam a política e a economia. As normas de conduta social envolvem desde o cuidado dos espaços públicos ao pagamento de impostos, da segurança à saúde pública e privada. Nesse sentido, a família deve ser considerada um componente central do capital social, que se quer o mais sólido possível. Afinal, é a família que forma a criança em seus aspectos físico, social e moral, inclusive infundindo valores positivos ou negativos refletidos nos comportamentos. Todos esses fatores evidenciam que só a educação será capaz de preparar as pessoas para enfrentar os desafios dessa nova sociedade. Evidencia-se, dessa forma, uma educação básica e polivalente que valorize a cultura geral, a postura profissional, a ética e a responsabilidade social. Para Delors (2000) a sociedade do conhecimento prioriza o indivíduo como o centro da informação. Isso levanta desafios para a educação, que aparece como sendo indispensável à humanidade na construção dos ideais de paz, liberdade e justiça social. É destinada à educação a função de preparar a pessoa para atuar nesse novo contexto. Para ele, só a educação conduzirá “a um desenvolvimento 9 humano mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as guerras [...]”. Com base nesta visão, a Unesco, por meio de sua Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, presidida por Jacques Delors, estabelece os quatro pilares de um novo tipo de educação com enfoque em aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser. Quatro pilares da educação para o século XXI segundo a UNESCO: APRENDER A: APRENDER FAZER SER VIVER JUNTOS Aprender a Aprender: Essa aprendizagem refere-se à abertura do indivíduo ao conhecimento, ao desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivoe ao prazer em aprender, em conhecer, em descobrir. Para isso, a educação deve proporcionar uma escolaridade mais prolongada, ou seja, despertar no indivíduo a vontade de prosseguir estudando, de fazer novos cursos, pesquisas, enfim, de que o conhecimento possui movimento contínuo, e o aumento do saber será necessário para que ele possa compreender o mundo, sob seus diversos aspectos. Esse fascínio pela aprendizagem deve começar na infância. A educação deve despertar nos pequenos o prazer de estudar, de ler, de pesquisar, de descobrir. A educação deve ser encarada desde cedo não como um meio para se chegar a um fim, mas como um próprio fim em si mesma. Essa motivação presume educadores competentes, que também têm dentro de si essa paixão pela educação e pelo saber. Só conseguirá despertar o prazer aquele que sente prazer, que é sensível às necessidades, dificuldades e vontades de seus educandos. Para tanto, é preciso 10 apresentar metodologias inovadoras e adequadas, facilitadoras da retenção e compreensão do saber. Só assim, é possível despertar no aluno a sede de conhecimento, a capacidade de aprender, utilizando-se cada vez mais de seus dispositivos intelectuais e cognitivos que lhes permitam construir suas próprias opiniões e o seu próprio pensamento crítico. Aprender a fazer: Aprender a fazer é um pilar que é necessariamente indissociável do aprender a aprender. Quando o aluno tem prazer em aprender, ele também terá predisposição em querer fazer, conhecer novas culturas, políticas e práticas escolares, em ter coragem de executar, de correr riscos, de errar, na busca de acertar. Só assim, o educando poderá pôr em prática seus conhecimentos, num processo constante e gradativo. Essa área do conhecimento relaciona-se à formação profissional do indivíduo e sua adaptação ao mundo do trabalho, destacando a noção de competência e de qualificação nesse meio. Segundo Delors, a competência pessoal é imprescindível no mercado de trabalho atual, principalmente na indústria, já que as tarefas físicas estão sendo substituídas por tarefas intelectuais. Dessa forma, o trabalhador deve ter uma perfeita combinação entre qualificação, comportamento social, espírito de equipe e capacidade de iniciativa. Há também outro ponto essencial referente ao aprender a fazer: a comunicação. É essencial que cada indivíduo saiba comunicar. Não apenas reter e 11 transmitir informação, mas também interpretar e selecionar as torrentes de informação, muitas vezes contraditórias, com que somos bombardeados diariamente, analisar diferentes perspectivas, e refazer as suas próprias opiniões mediante novos fatos e informações. Aprender a Ser: A educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa (mente e corpo, inteligência, sensibilidade, responsabilidade pessoal e coletiva, espiritualidade). Todos os seres humanos devem ser preparados pela educação que recebem para agir nas diferentes circunstâncias da vida. Para isso cada um deverá ter pensamentos autônomos e críticos, ou seja, personalidade própria. Aprender a ser, então, refere-se justamente ao desenvolvimento e exercício da alteridade com a expressão livre do outro. Ética, cidadania, desenvolvimento humano. São os valores a serem desenvolvidos no educando. Diante da desumanização crescente, recorrente da evolução técnica, a educação deve preparar o educando para todas as descobertas e experimentações. O desenvolvimento tem por objeto a realização completa do homem, em toda a sua riqueza e na complexidade das suas expressões e dos seus compromissos: indivíduo, membro de uma família e de coletividade, cidadão e produtos, inventos de técnicas e criador de sonhos (DELORS, 2000, p.101). O objetivo desse pilar é levar a educação a formar indivíduos autônomos, intelectualmente ativos e independentes, capazes de estabelecer relações 12 interpessoais, de comunicarem e evoluírem permanentemente, de intervirem de forma consciente e proativa na sociedade. Viver juntos: É mais que presença física, mais que acessibilidade arquitetônica. Pressupõe vínculos entre pessoas, criação de laços que estreitam relações. Respeito mútuo nas relações, exercício da fraternidade. Em relação a isso, a educação tem um papel importantíssimo, um grande desafio, já que a história humana é marcada por conflitos entre pessoas por razões das mais diversas possíveis (religião, etnia, política, etc.). Segundo Jacques Delors, cabe à educação trabalhar para a mudança deste quadro desde a simples ideia de ensinar a não violência, o não preconceito. Porém, deve utilizar duas vias complementares, primeiro a descoberta progressiva do outro, segundo ao longo de toda a vida a participação em projetos comuns, que parece um método eficaz para evitar ou melhorar conflitos latentes. A primeira delas refere-se à transmissão de conhecimentos sobre a diversidade humana, bem como à conscientização sobre a interdependência entre todos os seres do planeta. Para isso, as disciplinas mais adequadas são: Geografia humana, Línguas e Literaturas. Baseado nisso, o educando poderá descobrir a si mesmo e se colocar no lugar do outro, compreendendo-o e respeitando-o. As regras, antes impostas, devem ser, agora, dialogadas, discutidas e construídas coletivamente. Essa conscientização feita na escola remete a um outro aspecto importante para esse pilar: o cooperativismo. Os projetos realizados em prol de um bem comum que envolva a todos da comunidade escolar é uma excelente forma de desenvolver no educando esse espírito cooperativista. 13 Podemos perceber, portanto, que esse é um dos maiores desafios da educação do século XXI, pois atua no campo das atitudes e valores. Atua também no combate aos conflitos, ao preconceito, às rivalidades milenares ou diárias. Aposta-se na educação como veículo de paz, tolerância e compreensão. Para este fim, o relatório da UNESCO aponta para uma proposta baseada em dois princípios: a) a descoberta progressiva do outro: tendo como pressuposto que o desconhecido é grande fonte de preconceito, o conhecimento profundo do outro pode eliminar essa barreira entre as pessoas; b) a participação em projetos comuns que surgem como veículo preferencial na diluição de atritos e na descoberta de pontos comuns entres os seres. Longe de ser uma visão poética, sem relação com a prática, a proposta da UNESCO vem ao encontro de muitas metas e esperanças dos educadores. Os quatro pilares para a educação do século XXI podem auxiliar no dilema “O que ensinar? Como ensinar? Para que ensinar?” Dertouzos (2000) alerta que a educação é muito mais que a transferência de conhecimentos de professores para alunos. Acender a “chama da vontade de aprender no coração dos estudantes, dar o exemplo e criar vínculos entre professores e alunos” são fatores essenciais para o sucesso do aprendizado. E este é um papel que a tecnologia não poderá cumprir. Ensinar não é distribuir certezas, mas instigar dúvidas; não é inculcar aceitação passiva do estabelecido, mas instrumentalizar para a contestação; não é formar iguais, mas diferentes, unidos pelo respeito e aceitação das próprias diversidades. A educação “pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes, e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas vidas” (MORIN, 2000). Razão e afetividade [...] como professor [...] preciso estar aberto ao gosto de querer bem aos educandos e à própria prática educativa de que participo. Esta abertura ao querer 14 bem não significa, na verdade, que, porque professor, me obrigo a querer bem a todos os alunos de maneira igual. Significa, de fato, que a afetividadenão me assusta, que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos numa prática específica do ser humano. Na verdade, preciso descartar como falsa a separação radical entre “seriedade docente” e “afetividade”. Não é certo, sobretudo do ponto de vista democrático, que serei tão melhor professor quanto mais severo, mais frio, mais distante e “cinzento” me ponha nas minhas relações com os alunos, no trato dos objetos cognoscíveis que devo ensinar. (FREIRE, 1996, p.159) De uma maneira geral, fala-se muito na relação entre a afetividade e a cognição ou da importância da afetividade no processo de educação. Porém, na prática, parece que esse casamento perfeito fica em segundo plano. Para entender como isso funciona, ou deve funcionar, vamos primeiramente à etimologia das palavras aqui estudadas: 1. Afetividade: conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza (Dicionário Aurélio, 2001). Já Wallon (1998) atribui a afetividade à emoção, que, como os sentimentos e desejos, são manifestações da vida afetiva - um papel fundamental no processo de desenvolvimento humano. Entende-se por emoção formas corporais de expressar o estado de espírito da pessoa, são manifestações físicas, alterações orgânicas, como frio na barriga, secura na boca, choro, dificuldades na digestão, mudança no ritmo da respiração, mudança no batimento cardíaco, etc., enfim, reações intensas do organismo, resultantes de um estado afetivo penoso ou agradável. 2. Cognição: 1. Ato de conhecer, de assimilar e organizar percepções, experiências, informações, formando e desenvolvendo comportamentos e capacidades (corporais e mentais). 2. Conhecimento, percepção. 15 Quando uma criança nasce, todos os contatos estabelecidos entre ela e as pessoas ao seu redor são feitos por meio da emoção. O ser humano, desde pequeno, convive intensamente com a emoção. O caráter social da criança é desenvolvido a partir desse aspecto. O choro, o grito, entre outras manifestações são as formas encontradas pelo bebê para chamar atenção para aquilo que ele está necessitando no momento. Além disso, chorar, gritar, estremecer são remédios para as inevitáveis tensões da vida. A emoção permite que eles recuperem as energias, consigam reconstruir-se, depois de terem sofrido um desgosto. A fluidez emocional é a garantia da saúde psíquica. Apesar de terem má reputação, nossas emoções são úteis: elas é que nos dão a consciência de Ser (FILLIOZAT, 2000, p. 62). Wallon afirma que, nas situações em que predominam a função cognitiva, o ser humano está voltado para a construção do real; já se a função predominante for a afetiva, a pessoa está voltada para a construção dela mesma, fazendo a elaboração do eu. Acontece, porém, que durante nossa vida, não temos essa distinção entre as funções (cognitiva e afetiva) ou mesmo uma harmonia entre elas. Ao contrário, elas estão em conflito constante, em que uma quer dominar a outra. Segundo Dantas (1990), "a razão nasce da emoção e vive de sua morte". Durante o crescimento da criança, algumas manifestações vão diminuindo e até desaparecendo, como os ataques de choro, as birras, os surtos de alegria, entre outros. Todas essas manifestações emotivas vão sendo controladas pela razão do sujeito, por meio de um desenvolvimento da pessoa. Dessa forma, o ser em desenvolvimento volta-se para o mundo real, numa tentativa de organizar seus conhecimentos, num processo em que predomina a cognição. Na adolescência, a emoção volta com toda força, e o sujeito começa novamente a tarefa de reconstrução de si, desde o eu corporal até o eu psíquico. E, assim, por toda a vida, o ser humano vai alternando dentro de si o predomínio da razão e da emoção, numa relação de filiação e, ao mesmo tempo, de oposição. 16 Vygotsky comunga da mesma premissa que Wallon no que se refere à importância da afetividade no desenvolvimento cognitivo e social do ser humano, principalmente durante a infância. As experiências empíricas estão sempre presentes em todas as fases da vida de uma pessoa, desde seu nascimento até sua morte. Dessa forma, podemos dizer que todo processo de educação significa também a constituição do sujeito; e, assim sendo, também pressupõe a emoção. A construção do real vai acontecendo, por meio de informações e desafios sobre as coisas do mundo, mas o aspecto afetivo nesta construção continua, sempre, muito presente. Daí a necessidade de se perceber a pessoa como um ser integral. Na Educação Infantil, esse processo é ainda mais acentuado, haja vista que a criança ainda está mais próxima da emoção do que da cognição. Ou seja, esta é construída por meio daquela. As relações emocionais exercem, nesse período, uma influência essencial e absoluta durante todo o processo cognitivo. Para que o aprendizado aconteça, as atividades desenvolvidas devem ser emocionalmente estimuladas. Muitas pesquisas comprovam que um fato impregnado de emoção é mais solidamente recordado. Ao se pensar na Educação Infantil devem-se levar em consideração quatro pontos fundamentais: a significação da infância, a estrutura do pensamento da criança, as leis de desenvolvimento e o mecanismo da vida social infantil. Dessa forma, o processo de desenvolvimento infantil realiza-se nas interações, que objetivam não só a satisfação das necessidades básicas, como também a construção de novas relações sociais, com o predomínio da emoção sobre as demais atividades. As interações emocionais devem se pautar pela qualidade, a fim de ampliar o horizonte da criança e levá-la a transcender sua subjetividade e inserir-se no social. 17 Na concepção walloniana, tanto a emoção quanto a inteligência são importantes no processo de desenvolvimento da criança, de forma que o professor deve aprender a lidar com o estado emotivo da criança para melhor poder estimular seu crescimento individual. Na Educação Infantil, esse processo tem uma importância singular. Dessa forma, o educador deve manter uma interrelação constante com o grupo de educandos e com cada um em particular. É em função dessa proximidade afetiva que se dá a interação com o mundo e a construção de um conhecimento altamente envolvente para eles. Como afirma Saltini (1997, p. 89): “essa inter-relação [sic] é o fio condutor, o suporte afetivo do conhecimento”. E ainda completa: Neste caso, o educador serve de continente para a criança. Poderíamos dizer, portanto, que o continente é o espaço onde podemos depositar nossas pequenas construções e onde elas tomam um sentido, um peso e um respeito, enfim, onde elas são acolhidas e valorizadas, tal qual um útero acolhe um embrião (SALTINI, 1997, p. 89). Disponível em: <www.escolaartedecrescer.com.br/escola>. É muito provável que a escola seja o primeiro agente socializador fora do círculo familiar da criança, tornando-se a base de sua aprendizagem. Diante dessa responsabilidade, cabe à escola como um todo propiciar um ambiente em que o educando se sinta seguro e protegido, cercado de pessoas com quem sinta prazer em estar. Portanto, não restam dúvidas de que se torna imprescindível a presença de um educador que tenha consciência de sua importância, não apenas como um mero reprodutor da realidade vigente, mas, sim, como um agente transformador, com uma visão sociocrítica da realidade. Segundo Marly Santos Mutschele (1994), quando uma criança entra na escola pela primeira vez precisa ser muito bem recebida porque, nesse momento, dá-se uma ruptura com sua vida familiar, iniciando uma nova experiência. Esta por sua vez deve ser agradável para que a nova relação social perdure e haja um reforço da situação.Assim, se na Educação Infantil, quando a criança inicia sua vida escolar, ela encontrar pessoas que gostem delas – especialmente a professora com quem terá maior contato – e que tenham certas qualidades como a paciência, a dedicação, a 18 vontade de ajudar, a atitude democrática, entre outros facilitadores, seu aprendizado será mais prazeroso e, consequentemente, maior. Muitas vezes a escola recebe crianças com imensas dificuldades em se socializar, com autoestima baixa, com dificuldade de aprender, entre outros problemas. O educador deve conhecer as necessidades das crianças para perceber onde deve agir, colocar-se ao seu favor no sentido de proporcionar situações em que ela vença esses obstáculos e consiga se socializar e aprender como todas as outras crianças. Esse trabalho deve também ser coletivo para que não haja discriminação entre os coleguinhas. A escola deve trabalhar no sentido de que a educação deve construir pessoas plenas, priorizando o ser e não o ter, levando o aluno a ser crítico e construir seu caminho. Para isso, a criança deve ser observada desde a sua primeira infância, quando os sentimentos imperam em todos os aspectos de sua vida e ela não consegue dominá-los. Dessa forma, ela exterioriza o que sente com muito mais impetuosidade, sinceridade e de uma maneira muito mais involuntária que o adulto. Como afirma Mukhina (1995, p. 209), “os sentimentos da criança brotam com força e brilho, para se apagarem em seguida; a alegria impetuosa é muitas vezes sucedida pelo choro.” Segundo o mesmo autor, a criança extrai suas vivências do contato com outras pessoas. Então, a forma como são tratadas acaba sendo fundamental para a construção de sua personalidade. Se for tratada com carinho, o faz também em suas relações. Se receber maus tratos, reage de diversas formas para mostrar sua insatisfação. E, conforme Mukhina (1995, p. 210) “o bem-estar emocional ajuda o desenvolvimento normal da personalidade da criança e a formação de qualidades que a tornam positiva, fazendo-a mostrar-se benevolente com outras pessoas”. Cláudio Saltini também se refere ao comportamento do educador como ponto essencial no crescimento emocional e cognitivo da criança. Como explica o autor, a serenidade e a paciência do educador, mesmo em situações difíceis, faz parte da paz que a criança necessita. Observar a ansiedade, a perda de controle e a instabilidade de humor vai assegurar à criança ser o continente de seus próprios conflitos e raivas, sem explodir, elaborando-os sozinha ou em conjunto com o 19 educador. A serenidade faz parte do conjunto de sensações e percepções que garantem a elaboração de nossas raivas e conflitos. Ela conduz ao conhecimento de si mesmo, tanto do educador quanto da criança (SALTINI, 1997, p. 91). Além disso, para Saltini (1997, p.90), também é preciso [...] encorajar a criança a descobrir e inventar, sem ensinar ou dar conceitos prontos. A resposta pronta só deve ser dada quando a pergunta da criança focaliza um ato social arbitrário (funções do objeto cotidiano). Manter-se atento à série de descobertas que as crianças vão fazendo, dando-lhes o máximo de possibilidades para isso. Dar atenção a cada uma delas, encorajando-as a construir e a se conhecer. Dar maior incentivo à pergunta que à resposta. Sempre buscando no grupo a resposta o professor procurará sistematizar e coordenar as ideias emergentes. A relação que se estabelece com o grupo como um todo e a pessoal com cada criança é diferenciada em todos os seus aspectos quantitativos e cognitivos respeitando-se a maturidade de seu pensamento e a individualidade [...] Assim também deve ser o tratamento equânime com todos os alunos. Nenhum aluno deve ter a impressão de ser perseguida, menos ou mais amada do que os outros. As atitudes e valores devem ser observados e analisados no conjunto e não deixar sobressair alguma criança tanto no aspecto positivo quanto no negativo, nem ressaltar a diferença entre meninos e meninas em jogos ou brincadeiras. Isso poderia ser prejudicial ao desenvolvimento afetivo sadio de cada criança. A criança confia na escola tanto em relação às relações afetivas quanto ao aprendizado que adquirirá ali. Se não houver afetividade na transmissão de conhecimentos, a criança não se sentirá valorizada e respeitada, é muito provável que essa confiança venha a perecer com muito pouco tempo. Obviamente, isso não significa fazer “vistas grossas” com relação aos erros da criança, pois a advertência segura e equilibrada é justamente uma das mais importantes manifestações da afetividade. Mas é necessário cuidar do aspecto afetivo no processo ensinoaprendizagem, levando em conta que a criança é diferente, cognitiva e afetivamente falando, em cada fase do seu desenvolvimento. 20 Dessa forma, a escola deve agir como um todo. Todas as pessoas envolvidas na comunidade escolar devem ser educadores, desde as pessoas que trabalham nos serviços gerais, na portaria à direção. Todos devem privilegiar a emoção, o sentimento saudável, a cooperação mútua para que a criança sinta-se confortável, protegida e amada. Está aí o grande segredo da educação. Concebendo a escola, e principalmente a Educação Infantil como formadora do caráter humano e promovedora de crescimentos psíquicos, motores e cognitivos, é fundamental que os educadores se conscientizem do seu papel. As atividades devem proporcionar a promoção social e educativa. Assim, será possível construir a interação do ser humano com o meio físico a que pertence, desenvolvendo suas características pessoais e respeitando as diferenças da forma de pensar, agir, sentir, entre outras singularidades pessoais. A psicologia contemporânea defende a ideia de que os afetos, o pensamento, a socialização e o conhecimento são aspectos constituintes da personalidade humana e, portanto, indissociáveis. O seu desenvolvimento se dá por meio das interações do indivíduo com o meio e com a cultura. Está comprovado também que o indivíduo não é um ser passivo que somente recebe as informações ou as influências. Ele é, ao contrário, interativo em todo o processo de desenvolvimento psicológico, agindo sempre em mão dupla. É nesse espaço de interação da criança com o mundo físico e social que estão as situações necessárias para o avanço do desenvolvimento infantil para o desenvolvimento adulto. É na ação da criança, nas interações dessa com outras crianças e com os adultos, nas atividades lúdicas, nas brincadeiras simbólicas, na 21 tomada de consciência das regras sociais, na resolução de conflitos que ela vai aos poucos se constituindo como sujeito, construindo seus afetos e pensamentos. Nesse processo, o educador exerce papel fundamental, não só em relação às atividades que desenvolve com seus alunos, mas principalmente no tocante à sua concepção de sujeito. Esse último afeta a formulação de seus objetivos educacionais, a sua relação com seus educandos e os procedimentos pedagógicos desenvolvidos com eles. A criança deve ser vista com um sujeito ativo e interativo, que está em pleno desenvolvimento de sua capacidade psíquica, motora e cognitiva. Dessa forma, o profissional da Educação Infantil deve estar consciente de que sua função está muito além de transmitir conhecimentos estáticos e sistematizados. Seu princípio educacional deve ser a própria interação, além do reconhecimento do aluno como sujeito que está em constante evolução. Para isso, a construção da qualidade afetiva é essencial, assim como a ludicidade na organização dos afetos. É imprescindível ver o aluno como ser individual e pensante, que constrói o seu mundo, espaço e o conhecimento com sua afetividade, suas percepções, sua expressão, sua crítica, sua imaginação, seus sentidos. A história da infância: a mudança do olhar Duranteo decorrer dos tempos e nos diversos lugares da história da humanidade, a infância foi concebida e tratada das mais diversas maneiras. Segundo Marisa Lajolo (1997, p. 227) “são tantas infâncias quantas forem as ideias, práticas, discursos que se organizam em torno e sobre ela”. Assim, podemos dizer que há uma imensa variedade de “olhar” a infância em toda a história da humanidade. 22 Disponível em: <http://belapassos.com.sapo.pt/criancas>. No período medieval, a criança era vista como um objeto de tutela da mulher, fossem elas mães ou amas. Assim que a crianças não precisasse mais de cuidados, era automaticamente depositada no mundo adulto. Já no século XVI, a infância surge como sinônimo de docilidade e a criança passa a ser olhada como um ser ingênuo e inocente, devendo ser zelada pelos que estejam próximos a ela. No século XVII o olhar para a criança é de alguém que precisa ser moldada, educada e ensinada, alguém que veio ao mundo sem nenhum conhecimento. O período compreendido entre o fim do século XVIII e o início do século XIX foi aquele em que a infância era vista como algo natural, como um período de inocência e desprovimento de razão, já que a criança não dominava a linguagem falada. Ao passo que fosse capaz de falar, deixava de ser vista apenas como um inocente. A partir do século XIX, em que as mulheres entram no mercado de trabalho, as crianças ficam sem lugar apropriado para ficar. Surge, então, uma luta pela criação de locais onde a criança pudesse ficar enquanto as mães trabalhavam. Esses locais surgiram inicialmente com caráter de guarda e assistência. Com a criação da proteção à infância, no final desse século, os cuidados da infância passaram a ser um aspecto consolidado, não como um direito da criança, mas como direito da mãe trabalhadora. No Brasil, o direito da criança só foi legitimado no final do século XX, a partir da Constituição Federal de 1988. 23 Consequentemente, a educação infantil também passou a ser um direito da criança, haja vista que os olhares para os pequenos passaram por muitas mudanças que caracterizaram um avanço muito grande diante dos mesmos. Antes, objeto de tutela, agora, sujeito de direitos, de tempo de preparação e de valor em si mesmo. Ao refletir sobre a infância percebe-se também o seu caráter enquanto construção histórica, nas relações sociais estabelecidas. Então, não podemos dizer que há um conceito único de infância e de criança, pois as diferentes culturas nas diferentes épocas influenciaram diretamente na construção deste conceito: A ideia [sic] de infância, como se pode concluir não existiu sempre, e nem da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano- industrial [sic], na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (“de adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade infantil, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura (KRAMER, 1992, p. 19). Neste mesmo pensamento, Arenhart (2003, p. ), ao discutir sobre a infância na modernidade também nos diz que: [...] a compreensão sobre o ser criança foi sendo construído pela negatividade: se a criança é um ser de não razão, ela também não fala, não trabalha, não pensa, não participa... É com base nessa concepção de criança e de infância enquanto tempo de espera e preparação, sem valor nela mesma, que a escola, desde o século XVII, tem justificado seu papel. Assim, ao mesmo tempo em que o surgimento da escola legitima a diversidade da infância, essa instituição acaba sendo mais um espaço de cerceamento, homogeneização e negação da condição infantil. Atualmente, a concepção da criança está voltada para o respeito às suas especificidades. Ela deve ser vista como pertencente a uma categoria social específica e legitimada. Ela não deve ser entendida como um ser inferior ao adulto, mas possuidora de características que a singularizam. A Educação Infantil: suas características e singularidades 24 Quando nascem, as crianças se inserem num mundo já estruturado, numa cultura com conhecimentos adquiridos e valores construídos. Tudo, ou quase tudo, já existe, e as crianças “chegantes” precisam adentrar nesse mundo, inserir-se nele, constituindo-se progressivamente como sujeitos humanos. Elas se mostram ávidas para explorar esse mundo, na perspectiva de conhecê-lo, dele se apropriarem e terem a possibilidade de transformá-lo. Para se apropriar da realidade agem por meio de suas formas específicas: 1º) Ação física: pegar, morder, apertar, cheirar, experimentar, saltar; 2º) Ação simbólica: imitar, falar, perguntar, brincar, desenhar, modelar, imaginar. A partir daí, estabelecem relação entre as coisas e fatos, criam suas próprias hipóteses e explicações para entenderem esse mundo que, cada vez mais, se abre à sua frente. Sua curiosidade é infinita e se manifesta de forma cada vez mais ampla, na medida em que vão tendo contato com vários sujeitos de sua cultura, em suas experiências e vivências do cotidiano, que vão depender essencialmente de suas condições concretas de existência. E é nessa busca de apreender o mundo que as crianças vão se desenvolver, numa interação constante entre os aspectos biológicos e a cultura. As habilidades psicológicas que precisarão desenvolver para se inserirem na sua cultura são também determinadas por estas condições de vida, não havendo um padrão único, universal de comportamento a ser alcançado. Entretanto, há algumas especificidades no processo desenvolvimento/aprendizagem das crianças de 0 a 6 anos na sociedade contemporânea que precisam ser conhecidos e devem também ser considerados ao definirmos a Proposta Pedagógica: “o quê?”, “para quê?” e “como?” trabalharemos na Educação Infantil. Afinal, essas crianças vivenciam um dos momentos mais significativos do seu processo evolutivo. Nesse sentido, os estudos na área trazem evidências de que: Seu sistema nervoso apresenta uma grande plasticidade, determinando uma imensa possibilidade de aprender, maior do que em qualquer outro momento de sua vida; 25 Elas são ainda dependentes do adulto, necessitando de sua proteção e cuidados para que avancem no processo de construção de sua autonomia e capacidade de se autocuidar; Estão em pleno desenvolvimento físicomotor, construindo sua corporeidade nas relações com o outro, com os espaços, tempos e objetos; Estão no período fundamental de aquisição da capacidade de ação simbólica sobre o mundo, desenvolvendo múltiplas linguagens e estruturando seu pensamento, nas suas interações com o os sujeitos da cultura; ☺ Estão em pleno processo de construção de suas estruturas mentais superiores e, embora não consigam ainda elaborar conceitos abstratos exigidos para a compreensão de muitos conhecimentos sobre os quais manifesta curiosidade, revela uma lógica própria na busca da compreensão e apropriação do mundo; Brincar - essa capacidade lúdica de imaginar, de transformar uma coisa em outra, de dar significados diferentes a um determinado objeto ou ação – passa a se constituir numa das linguagens privilegiadas para essas crianças se expressarem, explorarem, compreenderem e transformarem o mundo; Estão ampliando os laços sociais e afetivos. Nesse processo, diferenciam-se do outro, constituindo sua identidade e, ao mesmo tempo, desenvolvem a capacidade de atuar cooperativamente. Quanto mais experiências as crianças tiverem, mais possibilidades terão de ampliar seus conhecimentos e de se desenvolver. Assim, na medida em que se apropriam dos saberes e os transformam, as crianças vão se desenvolvendo fisicamente, afetivamente, bem comodo ponto de vista cognitivolinguístico, social ético e estético, construindo sua identidade, autonomia e formando-se como cidadã. 26 Seleção de conteúdos e desenvolvimento das práticas pedagógicas Seleção de conteúdos Na Educação Infantil não há definição de conteúdos específicos que devam ser trabalhados. Isso é muito bom para o processo desenvolvimento/aprendizagem porque é possível adaptar a Proposta Pedagógica à realidade de cada criança. Selecionar e organizar conteúdos, conhecimentos e atividades significa levantar possibilidades amplas de trabalho com essas crianças, abrangendo todos os aspectos da formação humana e levando em consideração suas necessidades e especificidades, abrindo sempre espaços para o imprevisível. Significa definir eixos que deem conta de abranger a infinidade de conhecimentos possíveis de serem trabalhados com crianças de 0 a 6 anos e que, ao mesmo tempo, permitam a articulação com aspectos da vida cidadã e com todos os aspectos do seu desenvolvimento. Essa concepção ampla de formação humana, na perspectiva de desenvolver integralmente as crianças, abrange como conteúdos básicos da Educação Infantil tanto a diversidade dos conhecimentos historicamente acumulados quanto valores éticos, políticos e estéticos construídos na cultura. Veremos agora um pouco da legislação voltada para a Educação Infantil como um direito da criança: Na Constituição Federal de 5 de outubro de 1988: foram incorporadas algumas referências que passaram a orientar o desenvolvimento de uma Política Pública nesta área: a) – No Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo II, Dos Direitos Sociais, pode-se destacar: - O Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. - O Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 27 XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os seis anos de idade em creches e pré-escolas. b) - No título VIII, Da Ordem Social, Capítulo III, da Educação, da Cultura e do Desporto: - Art. 205: A Educação, direito e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. - Art. 208: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV: atendimento em creche e pré-escola ás crianças de zero a seis anos de idade. Diante disto, a Constituição estabelece a perspectiva educacional do atendimento às crianças de 0 a 6 seis e induz o direito do acesso da criança à Educação Infantil. Ela não o garante, porém, na forma subjetiva e universal quando utiliza o termo atendimento ao invés de acesso. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei N.º 8.069, de 13 de julho de 1990, reproduzindo a Constituição Federal, no Capítulo IV, Do Direito á Educação, á Cultura, ao Esporte e ao Lazer, descreve no Art. 54: É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: IV Atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade. As Diretrizes Curriculares Nacionais definem que as práticas das Instituições de Educação Infantil devem possibilitar a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivolinguísticos e sociais da criança. Determinam ainda que: As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil (...) devem buscar (...) a interação entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida 28 cidadã, contribuindo assim para o provimento de conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores. (Art. 3º, inciso IV – DCNEI) Diante desses direitos adquiridos e da nova concepção da infância, na qual a criança é olhada como um ser concreto e social com especificidades que as caracterizam como sujeito que pensa e sente o mundo de um jeito próprio, é necessário pensar a educação infantil como um direito da criança em pleno desenvolvimento e como uma forma ímpar de colaborar para isso. Como os processos de desenvolvimento da criança são diversos, a educação infantil deve trabalhar no sentido de propiciar o seu crescimento global, integrando os vários conhecimentos. A criança deve sentir-se sujeito histórico e social, que constrói seu próprio conhecimento. Dessa forma, a ludicidade é o meio mais eficaz para que ela aprenda com prazer e tenha vontade de crescer sempre mais. A criança é um ser social, e como tal, precisar relacionar-se com os outros numa permanente troca, interação e diálogo. Na medida em que essas relações se estabelecem, ela vai se descobrindo enquanto sujeito de sua própria história. Suas características socioculturais devem ser respeitadas, já que cada um recebe a influência de seu meio. A criança também trará para a escola seus costumes, suas crenças, seus valores. E isso deve ser respeitado em todos os sentidos. É fundamental ressaltarmos a importância da Educação Infantil porque é nesta etapa que as crianças desenvolvem-se no meio onde estão inseridas nos diferentes aspectos: cognitivo, social, psicológico e emocional de forma quantitativa e qualitativa. Os vários aspectos e dimensões do desenvolvimento não são áreas separadas e para isto é fundamental considerarmos a Educação Infantil como um todo, promovendo, ampliando suas experiências e conhecimentos, estimulando seu interesse pelo processo de transformação da natureza pelo convívio em sociedade. Por isso, compreender a infância e reconhecer a criança enquanto sujeito histórico e social significa desvendar o seu universo infantil, considerando que ela adquire o conhecimento por meio do encontro com o outro: o adulto, as crianças, os livros, a observação do mundo, a fantasia. Aprende a partir do que já sabe, da participação, do diálogo, da criatividade, dos recursos disponíveis na construção das relações. Enfim, aprende por intermédio das diferentes linguagens: brincando, 29 falando, descobrindo e construindo, explorando o mundo, expressando-se por meio do corpo, do olhar, do desenho... Desenvolvimento das práticas pedagógicas Os estudos mais recentes sobre o desenvolvimento infantil entendem que as crianças aprendem desde o seu nascimento, desde que sejam estimuladas. Não há, portanto, uma idade específica para se aprender. Dessa forma, a educação infantil tem o comprometimento com a aprendizagem desde o momento em que a criança entra na escola, mesmo os bebês. Nessa perspectiva, a discussão que envolve a construção de um currículo para Educação Infantil implica resgatar as concepções de mundo, de infância e de educação que direcionam as ações que as escolas devem construir, contextualizando-as de acordo com as condições históricas, políticas e sociais sob as quais a prática educativa se concretiza. É preciso entender o currículo como instrumento que responda às necessidades sociais da comunidade onde se insere e, a partir disso, desvelar para quem e para que se trabalha. Jurgo Torres Santomé (1997, p.27) afirma que: [...] o currículo pode ser organizado não só em disciplinas, como costuma ser feito, mas em núcleos que ultrapassam os limites das disciplinas, centrados em tema problemas, tópicos, períodos históricos, espaços geográficos, grupos humanos, ideias, etc. Assim, é necessário observar tudo o que ocorre em todos os espaços da Educação Infantil, propiciando às crianças uma aprendizagem mais significativa e oferecendo múltiplas possibilidades de se desenvolver. Para tanto, os projetos de trabalho emergem de forma bastante eficaz no sentido de englobaras diversas áreas do conhecimento de uma maneira integrada. O projeto auxiliará também na criação de estratégias para resolver os problemas propostos, fazendo levantamento de hipóteses sobre o tema determinado, pesquisando o assunto escolhido e buscando o que é significativo sobre ele. A partir desse processo, a criança passa a ser consciente da sua 30 aprendizagem e o professor passa a ter uma postura mais flexível de pesquisador juntamente com as crianças. O trabalho com projetos favorece o envolvimento das crianças como coautoras de sua aprendizagem, possibilitando-lhes fazer escolhas, decidir e se comprometer com tais escolhas, assumir responsabilidades, planejar suas ações, ser sujeito de sua aprendizagem. Surgem na relação adulto/criança, criança/criança, criança/meio na medida em que o professor é capaz de atribuir significado à curiosidade despertada por assuntos ou atividades, às perguntas feitas, ao que é necessário ao seu desenvolvimento. Os estudos e pesquisas nessa área evidenciam que as interações estabelecidas com os adultos, com outras crianças ou com seres e objetos mediadas pelos sujeitos da cultura são o motor fundamental do processo de desenvolvimento/aprendizagem das crianças. Dentre as várias formas de interação possíveis, as crianças de 0 a 6 anos, na busca de conhecerem, compreenderem, se apropriarem e transformarem o mundo privilegiam: a experimentação, a exploração, o brincar e outras linguagens, a imitação, a repetição, a imaginação. O educador constitui um importante papel na busca de articulação entre essas formas como as crianças se apropriam do mundo, a curiosidade infantil e os conhecimentos a serem construídos coletivamente. É o educador que irá fazer a mediação entre o grupo de crianças e aquilo que elas querem conhecer, possibilitando que elas dialoguem com o conhecimento e deem significado ao que aprendem. Portanto, é necessário escutar o grupo, isto é, ouvir as demandas nas suas conversas, nas perguntas que fazem, nos gestos e movimentos que empreendem, no conteúdo das suas brincadeiras. É preciso estar atento aos conteúdos que emergem da sua fala e das suas ações, dando forma e significado a esses conteúdos, potencializando as situações e dinamizando o trabalho. Algumas atitudes do educador podem favorecer as interações das crianças com o mundo, instigando-as sempre na busca do conhecimento: Instigar a curiosidade das crianças e seu desejo de agir sobre o mundo; Ampliar suas possibilidades de exploração do mundo; 31 Instigar as crianças a estabelecerem relações entre os vários conhecimentos a que têm acesso; Interagir com as crianças e favorecer as interações com as outras crianças e com os adultos; Oportunizar às crianças a se utilizarem de suas formas privilegiadas de compreender o mundo; Favorecer a sua expressão por meio de múltiplas linguagens; Valorizar as crianças e possibilitar a construção de sua autonomia; Incentivar atitudes de respeito, cooperação e solidariedade; Estimular a sua participação e favorecer a sua compreensão sobre o porquê está realizando a atividade. Essa forma de estruturar o ensino leva em conta possibilidades, necessidades e características das crianças, favorecendo um estudo multidisciplinar. É preciso entender que o conhecimento não é algo fragmentado e que não aprendemos a partir de um único enfoque de um tema ou assunto. O ponto de partida do trabalho é dialogar com as crianças, no sentido de detectar o que já sabem sobre a temática a ser estudada. A avaliação também deve ser diferenciada, atentando para as formas de expressão das crianças, de suas capacidades de concentração e envolvimento nas atividades, de satisfação com sua própria produção e com suas pequenas conquistas, sendo, sobretudo, um instrumento de acompanhamento do trabalho que poderá ajudar na avaliação e no planejamento da ação educativa. Deve-se levar em conta que não é a criança que está sendo avaliada, mas as situações de aprendizagem. As situações de avaliação devem se dar em ações contextualizadas e em diferentes momentos para que se possa observar a evolução das crianças. É possível aproveitar as inúmeras ocasiões em que as crianças se expressam por meio das múltiplas linguagens para fazer um acompanhamento de seu progresso. A avaliação deve ser sistemática e contínua, levando em consideração os processos vivenciados pelo educando, sendo também um instrumento para reorganização de objetivos, conteúdos e metodologia. 32 [...] a finalidade básica da avaliação é que sirva para intervir, para tomar decisões educativas, para observar a evolução e progresso da criança e para planejar se é preciso intervir ou modificar determinadas situações, relações ou atividades na aula (BASSEDAS; HUGUET; SOLE, 1999, p. 173). Dentro de uma avaliação, não se observa apenas a evolução da criança, mas as ações da professora, seus projetos e suas intervenções. Uma boa avaliação possibilita a aquisição de dados, a observação, a obtenção de informações sobre a criança e o que ela é capaz de realizar. Mas o que realmente importa é que essas informações passem a ser utilizadas para redimensionar o trabalho do professor, que deve observar as maiores necessidades da criança para procurar atendê-la em sua plenitude. Desenvolvimento Infantil Em relação ao desenvolvimento infantil, dois pensadores são particularmente importantes: Vygostsky e Piaget. Há entre eles algumas semelhanças e algumas diferenças no modo de pensar o desenvolvimento da criança de zero a seis anos, assim como a influência do meio externo. Veremos, então, algumas dessas formas, ora separadamente, ora em conjunto, ressaltando as proximidades e os distanciamentos entre os pensamentos desses estudiosos. Vygotsky Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934), nasceu na Rússia, estudou Direito, Filosofia e Medicina, escreveu, em sua curta vida, uma ampla e importante obra, da qual apenas alguns livros foram traduzidos para o português; iniciou-se sob forte influência do materialismo histórico e dialético de Marx e Engels. No seu trabalho, encontra-se uma visão de desenvolvimento baseada na concepção de um organismo ativo, cujo pensamento é construído paulatinamente num ambiente que é histórico e essencialmente social. O sujeito é herdeiro da evolução filogenética e cultural, e seu desenvolvimento se dá em função das características do meio social 33 em que vive, portanto sua teoria é considerada sociocultural ou sócio-histórica. Nesta teoria é dado destaque às possibilidades que o indivíduo dispõe a partir do ambiente em que vive e que dizem respeito ao acesso que o ser humano tem a “instrumentos físicos”, como a faca, a mesa, etc. (trabalho) e “instrumentos sociais” (simbólicos), como a cultura, valores, crenças, costumes, tradições (Signos e linguagens), desenvolvidos em gerações precedentes. Vygotsky considera que a aprendizagem e desenvolvimento sejam fenômenos distintos e interdependentes, cada um tornando o outro possível. Questionando a interação entre estes dois processos, Vygotsky aponta o papel da capacidade do homem de entender e utilizar a linguagem. Assim, vê a inteligência como habilidade para aprender, desprezando teorias que concebam a inteligência como resultante de aprendizagens prévias, já realizadas. Em sua teoria a respeito do desenvolvimento infantil, Vygotsky acredita que existe um nível de desenvolvimento denominado “zona potencial ou proximal”. Esse nível refere-se à distância entre o desenvolvimento atual da criança e o nível potencial de desenvolvimento. Esse último pode ser observado por meio de solução de problemas feita sob a orientação de um adulto ou com a ajuda de crianças mais experientes. Essa teoria possibilita compreender as funções dedesenvolvimento que estão em processo. Esse conceito é muito importante para a educação porque mostra como a criança organiza a informação, como seu pensamento opera. Dessa forma, o processo de aprendizagem ganha destaque, valorizando a educação como meio e não como um fim apenas. Segundo a teoria do desenvolvimento de Vygotsky, as relações entre professor e aluno e aluno e aluno são muito importantes na qualidade de trocas que irão influenciar decisivamente o processamento de novas informações. O processo de desenvolvimento, para Vygotsky, é a apropriação ativa do conhecimento disponível na sociedade em que a criança nasceu. É preciso que ela aprenda e integre em sua maneira de pensar o conhecimento da sua cultura. O funcionamento intelectual mais complexo desenvolve-se graças a regulações 34 realizadas por outras pessoas que, gradualmente, são substituídas por autorregulações. Piaget Jean Piaget (1896-1980) nasceu na Suíça, é o mais conhecido dos teóricos que defendem a visão interacionista de desenvolvimento. Formado em Biologia e Filosofia, dedicou-se a investigar cientificamente como se forma o conhecimento. Ele propôs um estudo cuidadoso e aprofundado da criança e a maneira pela qual ela constrói as noções fundamentais de conhecimento lógico, tais como as de tempo, espaço, objeto, causalidade, etc. (o nascimento e a evolução do conhecimento humano). Além disso, procurou investigar os mecanismos pelos quais a lógica infantil se transforma em lógica adulta, partindo de uma concepção de desenvolvimento envolvendo um processo contínuo de trocas entre o organismo vivo e o meio ambiente. O alicerce da teoria de Piaget é o equilíbrio. Segundo essa teoria, todo organismo vivo procura manter um estado de equilíbrio com seu meio. Para isso, ele procura superar os obstáculos que encontra em sua relação com o meio. É nesse processo de desequilíbrio e equilíbrio que ocorre o desenvolvimento cognitivo. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no indivíduo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado de repouso, da harmonia entre o organismo e meio, causando um desequilíbrio. Segundo Piaget, dois mecanismos são acionados para alcançar um novo estado de equilíbrio. A assimilação, que se refere às ações que o organismo desenvolve diante de uma situação tendo como base suas experiências anteriores. A acomodação, que é a tentativa do organismo de restabelecer um equilíbrio com o meio a partir da situação vivida. Porém, ele precisa modificar-se, ajustar-se a essa situação nova, que se transforma em experiência. A assimilação e a acomodação são, portanto, processos distintos, mas que ocorrem simultaneamente. 35 Piaget definiu o desenvolvimento como sendo um processo de equilibrações sucessivas. Seu processo contínuo é caracterizado por diversas fases, etapas ou períodos. Cada etapa define um momento de desenvolvimento ao longo do qual a criança constrói certas estruturas cognitivas. Fases da aprendizagem (00 a 06 anos) Veremos agora como se dá o desenvolvimento da criança de zero a seis anos. Para isso, fizemos um apanhado das diversas teorias, traçando de uma maneira geral o perfil da criança nessa idade. Deixamos bem claro que há diferenças pessoais em cada criança e que essas fases não devem ser vistas como regras inflexíveis que determinam a normalidade de desenvolvimento de uma criança. Um outro fator importante é o meio em que ela vive, já que o desenvolvimento se dá também pela interação entre a criança e seu meio. 0 a 2 anos: O ser humano nasce totalmente dependente do outro, que se responsabiliza pela sua sobrevivência física e também pelo processo de humanização, que inclui a fala, a ato de andar e a vida em sociedade. Esse adulto deve também decifrar seus desejos por meio do choro, das caretas e sorrisos. Descoberta do tato, movimentos, formas, pesos, texturas, sons. Começa a engatinhar e andar, melhoria da coordenação motora com movimentos exploratórios de abrir, fechar, empilhar, encaixar, puxar, empurrar e da comunicação. Até um ano e meio, a criança está na fase oral, passando ao final pela fase anal. Na fase oral, o maior prazer da criança é o prazer oral, um prazer que dura a vida toda. Tudo o que fazemos precisa ser recheado de prazer oral. Aliás, o ser humano só vive porque tem prazer. É uma necessidade primordial. Se não temos prazer, adoecemos, nos deprimimos, não conseguimos viver. O prazer oral é fundamental na vida humana (comida, bebida, chiclete, unha, cigarro...) por isso é tão difícil fazer regime, parar de fumar ou de beber. Nossa boca está sempre ligada a alguma coisa. 36 Uma criança nessa fase precisa ter sua oralidade estimulada. Por isso, é importante dar algo para ela comer, assim que chorar. Não se deve marcar horário para as crianças dessa idade para mamar ou comer. A chupeta, apesar de ser condenada pelos médicos e dentistas, são importantes nessa fase oral. A partir dos 3 anos é que a criança vai se desligando dessa fase e substituindo por outras formas de oralidade (cantar, falar, roer unhas, entre outras). Nessa fase a criança precisa ser cuidada sempre pela mesma pessoa, por isso a troca de educadora deve ser evitada. Quando há muita troca de pessoas que cuidam da criança nessa fase, ela pode ter problemas, que vão aparecer somente na próxima fase: a fase anal. A criança passa a ter uma dificuldade muito grande em identificar-se com as pessoas. Há casos de, na fase posterior, crianças psicóticas, com má adaptação à vida e à escola. 2 a 3 anos Com essa idade, a criança utiliza a linguagem para expressar o que sente: fome, sede, frio e sono. No campo afetivo, passa a se relacionar com outras pessoas que não aquelas que cuidam dela. Já é capaz, por exemplo, de trocar objetos com o amigo e não mais tomá-los à força, de sentar-se à mesa durante o lanche e de se alimentar sozinho. Nessa idade também a criança passa para a fase anal, que vai até os 4 anos e meio. Ela é chamada assim porque o prazer da criança está em controlar seu esfíncter (o ânus) para fazer xixi ou cocô. Ela sente prazer em segurar o xixi e o cocô. Às vezes espera até não aguentar mais. Nessa fase a criança normalmente é desobediente; diz não para tudo e não dá nada do que é seu para os outros. Nessa fase também acontece o sentimento de pertinência. Como o cachorro que faz xixi para demarcar seu território, a criança pega um brinquedo e desmancha, destrói, quebra, separa as partes e sai espalhando pela casa. É a fase em que a criança gosta de rasgar livros e revistas. Essa é uma forma normal de a criança demarcar seu território e desenvolver sua personalidade. 37 3 a 4 anos Ainda na fase anal, a criança testa seu poder de birra, graça e pedidos – e descobre qual a melhor forma de ter seus desejos atendidos. Mas pode cumprir as regras de convivência construídas coletivamente e realizar tarefas como carregar a própria mochila e tirar dela o material. Pode ainda usar o banheiro com a supervisão de um adulto. Essa fase é muito importante porque é o momento em que a criança está desenvolvendo sua identidade, e é nessa fase que a nossa intervenção se faz extremamente necessária. Uma das formas é a constituição de limites. Colocar limites não é apenas dizer NÃO, mas demonstrar o significado desse NÃO. O limite é uma relação de amor e de cuidado que o educador deve ter com a criança, criando fronteira entre o que é certo e o que é errado. Limites são posturas não-verbais que o educador deve assumir para ajudar a criança a receber carinho e a experimentar a frustração. Junto com a frustração que a criança sente, surgem sentimentos importantes para a vida, como a raiva, a culpa, o medo, o amor e o ódio.Existe uma coisa muito importante na nossa vida chamada superego: “Superego é um mecanismo de repressão que nos defende da doença mental”. Que sentimentos são esses? O medo e a culpa. O medo é sempre saudável, principalmente na infância. O medo ajuda o psiquismo a se proteger contra os impulsos inconscientes que ainda não estão organizados dentro de nós e que podem provocar uma doença mental, em qualquer fase da nossa vida. Devemos ajudar a criança a organizar esses sentimentos. A sabedoria popular inventou as histórias infantis, meio muito eficaz para ajudar as crianças a organizarem seus sentimentos. Contar histórias para a criança, principalmente as tradicionais, com aquelas coisas horríveis (morte, inveja, lobo que come gente, etc.) ajuda a criança a organizar os sentimentos que estão dentro delas. A criança pede para repetir a mesma história, ou algumas partes, até que organizem os sentimentos, aí você poderá passar para outra até que ela o faça com esta também, e assim por diante. 38 O conteúdo das histórias infantis é cheio de experiências e sentimentos que fazem parte da nossa vida e nós temos que preparar as crianças para isso: para o ciúme, para a dor, para a inveja, para a amizade, para a conquista, para as perdas e para a morte. É por meio da contação de histórias infantis que vamos ajudar a criança a organizar seu superego. No futuro, quando tiverem uma perda, não precisarão ficar doentes mentais. Outra coisa importante nessa fase é a presença do adulto na arrumação. Ajudar, mas não arrumar sozinho, assim ele vai percebendo o valor da organização. Mesmo que espalhem tudo de novo. Tudo deve ser feito em nome dos pais, mesmo que eles estejam, ausentes. 4 a 5 anos A criança manuseia seus objetos pessoais e, se não estiver apta por qualquer problema motor, solicita ajuda. Também tem condições de escolher com o que vai brincar. Troca de roupas, participa de tarefas coletivas e ajuda o professor. A partir dos 4 anos e meio, a criança entra na fase fálica, a do prazer sexual. Descobre a sexualidade nas pessoas. Ela começa a se interessar em ver o pipi do pai, o pipi da mãe, do amiguinho. Começa também a esconder sua sexualidade. 5 a 6 anos Já escolhe os amigos e as brincadeiras e também pode ser responsável pelo material individual. Crianças nesta fase já possuem linguagem mais elaborada e, por isso, se colocam com mais clareza. Já realizam as tarefas de casa com autonomia e se responsabilizam por trazer e levar materiais. Divide tarefas nos trabalhos em grupo e se compromete com o trabalho final. 39 Também nessa fase a criança começa a ter o que se chama de angústia do crescimento: não querer ir à escola, não querer se separar dos pais. Ela começa a organizar seus sentimentos de separação e quando as pessoas se separam é um sentimento de dor. Ela também se aproxima mais do pai do mesmo sexo. Para ajudar a criança nessa fase, devemos dar respostas coerentes e verdadeiras às perguntas que ela fizer. Devemos continuar contando histórias, inclusive as nossas histórias de infância. Devemos também continuar mantendo limites: sim, não, e o contato físico, que é fundamental. Vale relembrar que as faixas etárias previstas para cada etapa não são rigidamente demarcadas; ao contrário elas se referem apenas às medidas de idade onde prevalecem determinadas construções de pensamento. Elas dependem de outros fatores para acontecer, um deles é o meio. Nesse sentido, é importante o educador da Educação Infantil ter plena consciência de seu papel na construção do conhecimento da criança. Criança estimulada tem maiores chances de se desenvolver com mais facilidade e alcançar sua aprendizagem com sucesso e prazer. Educar: um ato de amor e responsabilidade A missão do educador Disponível em: <www.unioeste.br/.../projeto/desenhos/educar3.jpg>. 40 A etimologia do verbo Educar informa que se trata de um verbo de origem latina, que possui dois radicais, sendo eles: EDUCARE= criar, amamentar; EDUCERE= levar para fora, fazer sair, dar à luz. Dessa forma, temos a noção de que EDUCAR é “conduzir de um estado a outro”. Poderíamos, então, nos questionar: desejamos conduzir nossas crianças para onde? Que ESTADO é esse que queremos contribuir para conduzir esses alunos? Para o filósofo e educador José Carlos Libâneo (1996, p.97). EDUCAR “é conduzir de um estado a outro, é modificar numa certa direção o que é suscetível de educação”. Acreditamos, assim, que é possível a mudança, que depende de nós, educadores, transformar, modificar efetivamente as condições históricas em que estamos inseridos. Uma pessoa somente se identifica a partir de uma opção radical da sua vida. Radical no sentido de “Raiz”. Nós somos obrigados a fazer escolhas a todo o momento em nossa vida. A opção de vida é algo muito profundo. É a resposta à pergunta: “Onde está o seu coração?” “Onde é que você colocou, assentou o núcleo do seu ser?” A identidade se estabelece, portanto, numa linha de núcleo, de centro. Como nos diz o Evangelho: “Onde está o teu tesouro, lá está o teu coração” (BÍBLIA, N. T. Mateus, 6:21). Onde está nossa opção de vida (nosso tesouro) lá está o nosso coração (o centro do nosso ser e, portanto, a nossa identidade). Eu sou aquilo que meu coração é, aquilo que está escondido no mais íntimo do meu ser. Outro ponto importante é a QUALIDADE DA PRESENÇA DO EDUCADOR. Estar presente não significa apenas “estar aí”, “estar perto de alguém”. É a qualidade do tempo em que você está perto de alguém que conta, o que realmente importa. Não é a quantidade de tempo, mas a qualidade. É a qualidade dos nossos atos que valoriza o tempo. É essa presença/qualidade que deve ser a marca do educador. Presença que é compromisso e atuação. Presença que se traduz numa construção positiva da existência, que assume o tempo como um valor profundo, na sua tríplice dimensão de PASSADO, PRESENTE e FUTURO. 41 Finalmente, queremos destacar um ponto importantíssimo na Educação: A PAIXÃO DO EDUCADOR. Fausto Brito (1986) professor e sociólogo mineiro, companheiro de Roberto Freire, dizia: “somos apaixonados, não de nascença, mas por opção”. Para ele, a paixão de viver é trazer as utopias para o presente e recriá- las permanentemente, transformando o futuro em algo incerto, mas também fascinante. Mas para isso, é preciso que o nosso amor seja de jardineiro, não de botânico. Disponível em: <oblogdalibelua.blogs.sapo.pt/arquivo/jardim-f...>. O botânico é aquele que estuda as plantas, conhece suas características exteriores e interiores, disseca-as, classifica-as e reconhece cada uma pelo seu nome científico. Para estudá-las, cria-as em estufas ou as coloca em arquivos de plantas secas. Sua relação com elas é a do cientista lidando com seu objeto de conhecimento. Já o jardineiro não tem o conhecimento do cientista, mas conhece suas plantas pelo nome, cuida delas, percebe quando precisam de água ou de adubo e deixa que cresçam livremente, sujeitas ao bom e ao mau tempo. Sua relação é pessoal – para o jardineiro, as plantas são seres vivos em crescimento. Isso quer dizer que o ato de ensinar cria uma situação que propicia, muitas vezes, o autoritarismo, a imposição de uma vontade sobre a outra. Mas não é esse o verdadeiro papel do educador. O educador autêntico deve ensinar à criança o 42 desenvolvimento de sua espontaneidade, naturalmente livre, e do seu espírito crítico, naturalmente aguçado. É possível ser EDUCADOR sem ser AUTORITÁRIO. Aí temos, então, um professor apaixonado. Um professor que cria para si uma pedagogia livre e criativa, com um entusiasmo que contagia seus alunos, que consegue manter uma relação professor/aluno que se aproxima do amor, que dá liberdade para que o conhecimento
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