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AVALIAÇÃO E RECONHECIMENTO DA SÍNDROME DE HIPERTENSÃO INTRACRANIANA Letícia Scaranto Costa William Alves Martins Luiz Carlos Porcello Marrone UNITERMOS PRESSÃO INTRACRANIANA; HIPERTENSÃO INTRACRANIANA. KEYWORDS INTRACRANIAL PRESSURE; INTRACRANIAL HYPERTENSION. SUMÁRIO O aumento da pressão intracraniana resulta de etiologias distintas que afetam o encéfalo. O reconhecimento e o manejo precoces dessas complicações impedem o surgimento de lesões neuronais devastadoras, muitas delas irreversíveis. O objetivo desse artigo de revisão é abordar o diagnóstico precoce para se instituir o ideal manejo para a hipertensão intracraniana. SUMMARY Increased intracranial pressure results from different etiologies that affect the brain. Recognition and early management of these complications prevent the emergence of devastating neuronal damage, many of them irreversible. The aim of this review article is to discuss early diagnosis to establish the optimal management for intracranial hypertension. INTRODUÇÃO A síndrome de hipertensão intracraniana constitui-se do conjunto de sinais e sintomas decorrentes da quebra da relação volume/pressão intracraniana – na ineficiência dos mecanismos compensatórios - entre a massa encefálica e o crânio. Os principais sinais e sintomas associados ao aumento da pressão intracraniana (PIC) correspondem à cefaléia, náuseas, vômitos e letargia, podendo ocorrer sintomas focais devido a lesões ocasionando síndromes de herniação.1 O sucesso no manejo fundamenta-se, portanto, no reconhecimento precoce da hipertensão intracraniana e na reversão da sua causa subjacente. EPIDEMIOLOGIA A epidemiologia da Hipertensão Intracraniana (HIC) em emergências é considerada incerta devido ao grande número de distúrbios que podem levar a essa situação clínica. Entretanto, sabemos que quando essa situação está presente ocorre um aumento da morbimortalidade. Na associação com desordens de origem cerebrovascular no início do quadro, a HIC causa um aumento de 35% da mortalidade.2 FISIOPATOLOGIA A cavidade intracraniana é preenchida por sangue, parênquima cerebral e líquor (LCR). A perfeita harmonia desses três conteúdos determina a existência da pressão intracraniana normal, a qual varia de 50 a 200mm de H2O ou até 15mmHg (sendo tolerável até 20mmHg).3 O espaço intracraniano é considerado invariável em volume, portanto, seu aumento em um dos componentes da cavidade determina o deslocamento dos constituintes naturais, sendo, inicialmente, a diminuição do espaço subaracnóideo periencefálico e, posteriormente, a redução das cavidades ventriculares por diminuição do LCR.3 O aumento lento do conteúdo intracraniano permite o deslocamento gradual e progressivo de grande quantidade de líquido para seu interior. No entanto, o rápido aumento do volume acarreta o desequilíbrio precoce da relação volume/pressão intracraniana - pela inadequada utilização de mecanismos compensatórios - acarretando, por conseguinte, aumento da PIC com volumes bem menores em relação aos acréscimos lentos.3 A descompensação e o consequente aumento da PIC podem resultar no deslocamento e na torção do neuroeixo. Essa torção e esse deslocamento de estruturas encefálicas recebem a denominação de herniações, e são resultado tanto de fatores que levam ao aumento da PIC quanto de processos expansivos por compressão. As hérnias encefálicas podem ser classificadas, conforme sua localização, em quatro grupos: Hérnia Transtentorial Central; Hérnia de Uncus; Hérnia Subfálcica e Hérnia do Forame Magno. (Vide Figura 1.) Na tentativa de se manter uma pressão de perfusão cerebral compatível com a irrigação encefálica necessária, ocorre aumento da pressão arterial média (PAM). Acredita-se que esse aumento da PAM seja resultado da hipóxia de estruturas do tronco cerebral. Caso essa isquemia atinja maiores proporções, poderá haver falência da reação vasopressórica, diminuição da PAM, isquemia cerebral e consequente morte.3 O aumento da PAM, a bradicardia e as alterações no padrão respiratório são denominados como Tríade de Cushing e são indicativos de HIC grave. Além da lesão inicial que causa o aumento da PIC, também é importante avaliar-se o papel das áreas de edema cerebral que podem acarretar uma elevação ainda maior da PIC. Existem três situações clínicas as quais se deve atentar para evitá-las (ou prontamente combatê-las): o edema citotóxico (edema intracelular, causado pela morte neuronal, como ocorre em grandes AVC isquêmicos), o edema vasogênico (edema extracelular, que ocorre na região perilesional de processos expansivos tumorais) e o swelling (ou “inchaço cerebral”, em geral pós-traumatismo crânio-encefálico). CAUSAS Em síntese, as principais causas do aumento da pressão intracraniana podem ser divididas em:4 � Lesões expansivas cerebrais, hemorragia, abscesso, toxoplasmose, tumor. � Trauma crânio-encefálico. � Encefalopatia metabólica (ex: insuficiência hepática aguda, hiponatremia aguda). � Meningoencefalites e encefalites. � Hidrocefalia hiperbárica. � Trombose do seio sagital superior. � Hipertensão intracraniana (HIC) idiopática (ex: pseudotumor cerebri). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Os sinais e sintomas mais característicos da hipertensão intracraniana correspondem à cefaléia, vômitos em jato e papiledema.5 � Cefaléia: costuma ser o primeiro sintoma e o mais constante, podendo ser holocraniana, occipital ou frontal. Apresenta a característica de piorar pela manhã – quando a PIC atinge o seu valor máximo – e de se exacerbar com esforço físico, tosse, espirro, evacuação, ou qualquer manobra que acarrete a elevação da pressão intratorácica subitamente. � Vômito: o vômito em jato, não precedido por náusea, costuma ser considerado como sinal patognomônico de HIC. � Papiledema: ocorre devido à resistência imposta à drenagem venosa da retina por meio da veia central da retina em direção ao seio cavernoso, o que acarreta maior pressão nas veias retinianas. No exame de fundo de olho é possível notar aumento do diâmetro das veias retinianas, com desaparecimento do pulso venoso e borramento dos bordos da papila, evoluindo, posteriormente para edema, presença de focos hemorrágicos e, mais tardiamente, atrofia da papila, com possível perda definitiva da visão. É importante ressaltar que o papiledema não se instala abruptamente, necessitando de um tempo para ser visualizado na avaliação de fundo de olho. O papiledema é tradicionalmente reportado em casos onde há uma lesão crônica como, por exemplo, em lesões tumorais. Em casos mais agudos (como em hemorragias intracranianas e trauma crânio-encefálico), a avaliação do fundo de olho pode ser normal em um primeiro momento. Demais sinais e sintomas clínicos podem ser ocasionados por meio das herniações cerebrais, as quais acarretam manifestações clínicas focais: � Hérnia Transtentorial Central: Ocorre pela compressão, no sentido vertical, do tálamo sobre o mesencéfalo. A compressão acentuada desse pode levar ao coma profundo e a pupilas médio-fixas, devido à perda do reflexo fotomotor e consensual (III par craniano); respiração de Cheyne- Strokes pela compressão do tálamo e hiperventilação central pela compressão do mesencéfalo. O efeito compressivo atinge a ponte e o bulbo progressivamente levando à postura de descerebração (compressão da ponte), respiração apnêustica pontina (pausa após a expiração), respiração atáxica de Biot (ponte e bulbo) e, por fim, apnéia por compressão bulbar. � Hérnia de Uncus: Ocorre por uma lesão expansiva sobre o lobo temporal. Pode acarretar compressão do nervo oculomotor (III par craniano) ipsilateral à lesão (midríase paralítica); infarto mesencefálico tornando o estado de coma irreversível pela compressão da artéria cerebral posterior e hemiparesia ipsilateral à lesão expansiva por compressão do pedúnculo cerebral mesencefálico contralateral. � Hérnia Subfálcica: Ocorre pela protusão do giro cinguladopor baixo da foice do cérebro, acarretando hemiparesia ipsilateral à lesão expansiva por compressão das fibras piramidais contralaterais. � Hérnia do Forame Magno: Ocorre pela protusão da amídala cerebelar pelo Forame Magno, ocasionando apnéia súbita pela compressão do centro respiratório bulbar. Figura 1 - Herniações Encefálicas.7 DIAGNÓSTICO O diagnóstico de HIC é baseado nas suas manifestações clínicas, podendo ser corroborado por exames de neuroimagem, os quais podem evidenciar um processo expansivo, um edema perilesional, hidrocefalia, apagamento de cisternas, herniações, edema cerebral, entre outros. Uma tomografia computadorizada (TC) de crânio sem contraste, para afastar hemorragia, deve ser solicitada em todo paciente com suspeita de HIC. A punção lombar não deve ser realizada em pacientes com HIC antes da TC de crânio, visto que na presença de uma lesão expansiva com efeito de massa comprimindo as cisternas da base, a retirada de líquor pode produzir efeito aspirativo que precipita uma herniação transtentorial central ou uncal. A instalação de um monitor para determinação da PIC invasiva confirma o diagnóstico e permite o acompanhamento do paciente com HIC. Há quatro principais locais anatômicos utilizados para a medição da PIC, são eles: intraventriculares (considerado padrão-ouro para monitorização), intraparenquimatosos, subaracnóides e epidurais. A monitorização invasiva da PIC é indicada, principalmente, naqueles pacientes com as características abaixo citadas:4 � Em grandes risco se apresentarem PIC elevada � Comatosos (Escala de Coma de Glasgow < 8) � Diagnosticados em um processo que necessite de cuidados intensivos A: Hérnia Uncal B: Hérnia Transtentorial Central C: Hérnia Subfálcica D: Hérnia do Forame Magno TRATAMENTO O tratamento da HIC deve ter por base o tratamento do distúrbio que a causa. Em pacientes atendidos em emergência com sinais e sintomas de HIC, a avaliação inicial deve focar o suporte ventilatório e a estabilização hemodinâmica. Além disso, quanto mais rapidamente descobrir-se a causa da HIC, o quanto antes deve-se iniciar o tratamento tentando reverter a doença de base. Dependendo da etiologia da HIC alguns procedimentos podem ser úteis para reduzir o dano cerebral como o uso de manitol (em casos de edema citotóxico), uso de corticosteróides (em casos de edema vasogênico) e a hiperventilação (focando a redução da pCO2, nos casos de “swelling”). O tratamento neurocirúrgico deve focar a redução da HIC e a eliminação da doença de base, quando isso for possível. Abordagens mais amplas são usadas para prevenir e tratar a elevação da PIC, independente da etiologia de base, são elas:6 � Cabeceira elevada a 30 graus � Otimização da drenagem venosa: manter o pescoço em posição neutra � Monitorizar pressão venosa central e evitar hipervolemia excessiva � Sedação, utilizando-se propofol, a fim de reduzir a demanda metabólica3 � Hiperventilação mantendo-se a PCO2 entre 26 e 30 mmHg4 CONCLUSÃO O reconhecimento dos sinais e sintomas da hipertensão intracraniana deve ser realizado prontamente, a fim de se evitar complicações decorrentes do não manejo precoce, tais como lesões neurológicas irreversíveis, coma e morte. Utilizam-se como métodos comprobatórios, exames de neuroimagem, mormente, a tomografia de crânio, e a monitorização da pressão intracraniana. O tratamento, por conseguinte, deve ser implantado precocemente mediante o diagnóstico etiológico e envolve medidas clínicas e/ou cirúrgicas. REFERÊNCIAS 1. Goldman L, Ausiello D. Cecil Medicina. Elsevier. 23ª edição. Guanabara Koogan: Rio de Janeiro; 2009. p. 1664. 2. Jauch EC, Saver JL, Adams HP, et al. Guideline for Healthcare Professionals From the American Heart Association/American Guidelines for the Early Management of Patients With Acute Ischemic Stroke: A Stroke Association. Stroke. 2013; 44(3):870-947. doi: 10.1161/STR.0b013e318284056a. 3. Martins MA, Carrilho FJ, Alves VAF, Castilho EA, et al. Clinica médica. São Paulo: Manole; 2009. v. 6. p. 509-13. 4. Smith ER, Hanjani SA. Evaluation and management of elevated intracranial pressure in adults. UpToDate. Online 2013 Jul. Available from: http://www.uptodate.com/contents/evaluation-and- management-of-elevated-intracranial-pressure-in- adults?source=search_result&search=intracranial+hypertension&selectedTitle=1~150 5. Nunes ML, Marrone ACH. Semiologia neurológica. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2002. p. 465-70. 6. Hemphill JC, Phan N. Management of acute traumatic brain injury. UpToDate. Online 2013 Aug. Available from: http://www.uptodate.com/contents/management-of-acute-severe-traumatic-brain- injury?source=see_link&anchor=H15#H15. 7. Figura 1: Disponível em: http://quoteko.com/hernias-cerebrales.html
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