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Sumário Abertura Créditos CONSTITUIÇÃO E DIREITO CONSTITUCIONAL I. COMPETÊNCIAS E SIGNIFICADO II. DA SINGULARIDADE DO DIREITO CONSTITUCIONAL III. A CONSTITUIÇÃO DIANTE DA MUDANÇA HISTÓRICA SIGNIFICADO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS I. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ATUALIDADE II. A EVOLUÇÃO NA ALEMANHA III. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA REPÚBLICA FEDERAL IV. OBJETO E FUNÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS V. DOS PROGRESSOS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VI. TITULARES E SUJEITOS OBRIGADOS VII. DESENVOLVIMENTO E LIMITE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VIII. PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS IX. PARA UMA VALORIZAÇÃO DO TRAJETO SEGUIDO PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONCEITO E PECULIARIDADE DA CONSTITUIÇÃO I. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA II. O OBJETIVO DA UNIDADE POLÍTICA E DA ORDEM JURÍDICA III. A CONSTITUIÇÃO E SEU SIGNIFICADO PARA A COMUNIDADE A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL I. NECESSIDADE, SIGNIFICADO E OBJETIVO DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL II. AS TRADICIONAIS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO III. A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO CONCRETIZAÇÃO IV. A INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO I II III IV LIMITES DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL I II III IV Rua Henrique Schaumann, 270, Cerqueira César — São Paulo — SP CEP 05413-909 PABX: (11) 3613 3000 SACJUR: 0800 055 7688 De 2a a 6a, das 8:30 às 19:30 saraivajur@editorasaraiva.com.br Acesse: www.saraivajur.com.br FILIAIS AMAZONAS/RONDÔNIA/RORAIMA/ACRE Rua Costa Azevedo, 56 – Centro Fone: (92) 3633-4227 – Fax: (92) 3633-4782 – Manaus BAHIA/SERGIPE Rua Agripino Dórea, 23 – Brotas Fone: (71) 3381-5854 / 3381-5895 Fax: (71) 3381-0959 – Salvador BAURU (SÃO PAULO) Rua Monsenhor Claro, 2-55/2-57 – Centro Fone: (14) 3234-5643 – Fax: (14) 3234-7401 – Bauru CEARÁ/PIAUÍ/MARANHÃO Av. Filomeno Gomes, 670 – Jacarecanga Fone: (85) 3238-2323 / 3238-1384 Fax: (85) 3238-1331 – Fortaleza DISTRITO FEDERAL SIG QD 3 Bl. B – Loja 97 – Setor Industrial Gráfico Fone: (61) 3344-2920 / 3344-2951 Fax: (61) 3344-1709 – Brasília GOIÁS/TOCANTINS Av. Independência, 5330 – Setor Aeroporto Fone: (62) 3225-2882 / 3212-2806 Fax: (62) 3224-3016 – Goiânia MATO GROSSO DO SUL/MATO GROSSO Rua 14 de Julho, 3148 – Centro Fone: (67) 3382-3682 – Fax: (67) 3382-0112 – Campo Grande MINAS GERAIS Rua Além Paraíba, 449 – Lagoinha Fone: (31) 3429-8300 – Fax: (31) 3429-8310 – Belo Horizonte PARÁ/AMAPÁ Travessa Apinagés, 186 – Batista Campos Fone: (91) 3222-9034 / 3224-9038 Fax: (91) 3241-0499 – Belém PARANÁ/SANTA CATARINA http://www.saraivajur.com.br Rua Conselheiro Laurindo, 2895 – Prado Velho Fone/Fax: (41) 3332-4894 – Curitiba PERNAMBUCO/PARAÍBA/R. G. DO NORTE/ALAGOAS Rua Corredor do Bispo, 185 – Boa Vista Fone: (81) 3421-4246 – Fax: (81) 3421-4510 – Recife RIBEIRÃO PRETO (SÃO PAULO) Av. Francisco Junqueira, 1255 – Centro Fone: (16) 3610-5843 – Fax: (16) 3610-8284 – Ribeirão Preto RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO Rua Visconde de Santa Isabel, 113 a 119 – Vila Isabel Fone: (21) 2577-9494 – Fax: (21) 2577-8867 / 2577-9565 – Rio de Janeiro RIO GRANDE DO SUL Av. A. J. Renner, 231 – Farrapos Fone/Fax: (51) 3371-4001 / 3371-1467 / 3371-1567 Porto Alegre SÃO PAULO Av. Marquês de São Vicente, 1697 – Barra Funda Fone: PABX (11) 3613-3000 – São Paulo ISBN : 9788502099609 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hesse, Konrad Temas fundamentais do direito constitucional / Konrad Hesse; textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho. — São Paulo : Saraiva, 2009. 1. Direito constitucional I. Título. 09-02205 CDU-342 Índice para catálogo sistemático: 1. Direito constitucional 342 Diretor editorial Antonio Luiz de Toledo Pinto Diretor de produção editorial Luiz Roberto Curia Editor Jônatas Junqueira de Mello Assistente editorial Thiago Marcon de Souza Produção editorial Ligia Alves Clarissa Boraschi Maria Coura Estagiário Vinicius Asevedo Vieira Preparação de originais, arte, diagramação e revisão de provas Know How Editorial Serviços editoriais Karla Maria de Almeida Costa Carla Cristina Marques Ana Paula Mazzoco Capa IDÉE Arte e Comunicação Data de fechamento da edição: 18-4-2009 Dúvidas? Acesse www.saraivajur.com.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora Saraiva. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. http://www.saraivajur.com.br APRESENTAÇÃO Tenho a honra de apresentar mais uma importante obra da Série IDP/Saraiva – Direito Comparado, desta feita Temas fundamentais do Direito Constitucional, coletânea de alguns dos mais importantes textos de Konrad Hesse. Konrad Hesse é um dos maiores teóricos do Direito Constitucional contemporâneo. Sua influência pode ser percebida não só pela importância de suas obras, constantemente citadas pela doutrina e pela jurisprudência, como também pelos inúmeros juristas formados sob sua orientação, dentre os quais se destacam Peter Häberle e Friedrich Müller, dois dos mais importantes constitucionalistas da atualidade. Nascido em 1919, Hesse obteve o doutorado em 1950 e em 1955 realizou o procedimento de admissão no corpo docente universitário na Universidade de Göttingen, iniciando suas atividades no semestre de inverno 1956/57, na Faculdade de Direito da Universidade de Freiburg. Além de grande acadêmico e teórico do Direito Constitucional, viveu a interpretação em sua prática, integrando o Tribunal Constitucional Federal alemão de 1975 a 1987. Faleceu no ano 2005 como um dos mais influentes constitucionalistas contemporâneos. Este livro reúne textos essenciais, verdadeiros “Temas Fundamentais”, relativos à Constituição e sua interpretação. Nosso intuito é apresentar ao leitor brasileiro a força e a originalidade do pensamento de Konrad Hesse. Os dois primeiros capítulos desta coletânea, traduzidos do espanhol por Carlos dos Santos Almeida e por mim confrontados com o original alemão, foram escritos por Hesse, inicialmente, para o Manual de Direito Constitucional organizado por Ernst Benda, Werner Maihofer e Hans-Jochen Vogel. Em “Constituição e Direito Constitucional”, Hesse apresenta a Constituição como ordem jurídica fundamental da comunidade, cuja adequada compreensão exige a adoção de uma perspectiva histórica. Afinal, “a Constituição só pode cumprir suas tarefas onde consiga garantir sua continuidade sem prejuízo das transformações históricas”. A preocupação com a perspectiva histórica é uma constante no pensamento do autor e também ilumina a análise por ele desenvolvida no segundo texto que compõe esta obra. Para compreender o “Significado dos Direitos Fundamentais” não se pode prescindir do conhecimento da cultura e da história, os quais determinam o conteúdo concreto dos direitos fundamentais para um Estado. Os dois textos seguintes foram originalmente publicados como capítulos iniciais da obra Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha (Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesreoublick Deutschland) e posteriormente editados na coletânea organizada por Pedro Cruz Villalón, Escritos de Derecho Constitucional - Selección, a partir da qual foram agora traduzidos para o português pelo Professor Inocêncio Mártires Coelho. Em “Conceito e peculiaridade da Constituição”, Konrad Hesse busca um conceito de Constituição suscetível de embasar a efetiva solução de problemas jurídicos atuais, uma vez que, sendo a normatividade da Constituição vigente uma ordem histórico-concreta que deve regular uma vida histórico- concreta, “a única questão que tem sentido colocar-se no contexto da tarefa de se exporem os traços básicos do Direito Constitucional vigente é a relativa à Constituição atual, individual e concreta”. A busca de uma conceituação de tal espécie é defendida pelo autor como um passo necessário para a “realização” da Constituição, a qual só será possível quando as singularidadesdas relações existenciais concretas sobre as quais ela incida sejam levadas em consideração, de forma que Constituição e realidade não fiquem isoladas uma da outra. Em seguida, em “A interpretação constitucional”, Hesse examina a possibilidade de a interpretação alcançar um resultado constitucionalmente “correto”, que, fundamentado de maneira racional e controlável, seja capaz de garantir certeza e previsibilidade jurídicas. Assim, considerando que o conteúdo da norma só se completa com sua interpretação, esta deve ser entendida como “concretização” dotada de caráter criativo, cabendo aos princípios da interpretação constitucional “orientar e dirigir o processo de relacionamento, coordenação e valoração dos pontos de vista ou considerações necessários à solução do problema”. Por sua vez, “A força normativa da Constituição”, quinto capítulo desta coletânea, foi a base da aula inaugural de Konrad Hesse na Universidade de Freiburg, em 1959. Um dos textos mais significativos do Direito Constitucional moderno, nele a relação entre o texto constitucional e a realidade, base de todo o pensamento de Hesse, é abordada sob o enfoque do embate entre os fatores reais de poder e a Constituição, em que esta não deve ser considerada a parte mais fraca. A republicação deste texto, um dos trabalhos mais influentes do Direito Constitucional, por mim traduzido diretamente do alemão e originalmente publicado, como monografia, em 1991, dá-se agora nesta coletânea com o intuito de possibilitar o cotejo das idéias do autor de maneira privilegiada, fazendo perceber os pilares do seu pensamento, recorrentes nos diversos trabalhos, bem como sua evolução ao tratar em específico de certos temas. Por fim, encerrando esta coletânea, “Limites da mutação constitucional”, artigo também retirado da obra Escritos de Derecho Constitucional - Selección e traduzido para o português pelo Professor Inocêncio Mártires Coelho, Konrad Hesse aborda o tema das “modificações do conteúdo de normas constitucionais cujo texto não é modificado” em busca de limites para esse processo, sem os quais a distinção entre atos constitucionais e inconstitucionais seria impossível diante da alegação da existência de uma mutação constitucional que não se pode provar nem refutar. Por meio dos textos selecionados, pretende-se proporcionar uma representação fiel das idéias de um dos grandes teóricos do Direito Constitucional do último século, esperando que o estudo e a reflexão sobre os textos que a compõem possam contribuir para os debates a respeito do significado da Constituição, diante dos constantes desafios para sua correta interpretação e para preservar sua força normativa. Evidentes, portanto, a importância e a atualidade desta obra que a Série IDP/Saraiva coloca ao alcance dos estudiosos de Direito Público. Para tanto, contamos com a especial autorização da Sra. I. Hesse, que manifestou em seu nome e em nome de Konrad Hesse grande alegria diante da publicação no Brasil. Gilmar Ferreira Mendes CONSTITUIÇÃO E DIREITO CONSTITUCIONAL1 I. COMPETÊNCIAS E SIGNIFICADO II. DA SINGULARIDADE DO DIREITO CONSTITUCIONAL III. A CONSTITUIÇÃO DIANTE DA MUDANÇA HISTÓRICA Traduzido por CARLOS DOS SANTOS ALMEIDA A compreensão das partes integrantes e dos problemas da Constituição da Alemanha, de que tratam os capítulos seguintes, pressupõe uma visão de conjunto dessa Constituição. Necessita de um ponto de partida e de um certo marco com cuja ajuda se possa inferir o conteúdo de suas normas. Necessita-se penetrar em seus fundamentos e conexões básicas, sem as quais se podem ajuizar só de forma incompleta os problemas constitucionais atuais e futuros. A esta tarefa sirva a breve exposição do presente capítulo. Parte do reconhecimento de que a constituição de uma comunidade política concreta, seu conteúdo, a singularidade de suas normas e seus problemas hão de ser compreendidos de uma perspectiva histórica 2. Só a consciência dessa historicidade permite a compreensão total e o juízo acertado das questões jurídico-político-constitucionais. Isso é algo que não pode oferecer uma teoria geral e abstrata insensível, que não enquadre a constituição na realidade político-social e nas suas peculiaridades históricas. Tampouco a compreensão histórica pode prescindir, sem mais, da justificação e da configuração teórica. Mas semelhante teoria há de estar referida ao ordenamento constitucional concreto e à realidade que a Constituição está chamada a ordenar. I. COMPETÊNCIAS E SIGNIFICADO Qualquer tipo de união que pretenda perdurar precisa de um ordenamento formado e executado conforme sua vontade, que tenha delimitado seu âmbito e regulado, nele e para ele, a situação de seus membros. Um ordenamento dessas características denomina-se Constituição. Daí que todo Estado disponha necessariamente de uma Constituição... ordinariamente os povos civilizados dispõem de um ordenamento juridicamente reconhecido e composto de normas jurídicas. Segundo o que foi dito anteriormente, a Constituição contém, por regra geral, as normas jurídicas que caracterizam os órgãos supremos do Estado, estabelecem a forma de criá- los, suas relações recíprocas e suas áreas de influência, além da posição fundamental do indivíduo com respeito ao poder estatal3. Essa caracterização geral de G. JELLINEK nos proporciona uma primeira orientação4. Contém os aspectos essenciais da organização do Estado, de seus órgãos, de suas competências e os limites da atuação estatal. Ainda assim, só com isso não se pode inferir o sentido e significado de uma Constituição vigente num concreto momento histórico, como a Lei Fundamental para a Alemanha. Eles só se revelam a partir da consciência de outras funções – primárias - da Constituição, que incumbem a ela na realidade vital de uma comunidade política moderna, além da função organizativa: sua função integradora e sua função de diretriz jurídica5. 1. TAREFAS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO As funções da Constituição na vida da comunidade são aplicáveis, antes de mais nada, a duas tarefas fundamentais: à formação e manutenção da unidade política e à criação e manutenção do ordenamento jurídico. Ambas estão estreitamente ligadas. a) Integração A unidade política de ação que denominamos Estado não é hoje, como se pressupõe na descrição de Jellinek, algo que venha dado sem outros motivos. Necessita-se estabelecer tal unidade, e se requer tanto mais sua conservação enquanto não corporificada na vontade uniforme de um povo soberano ou de uma classe dirigente. Pelo contrário, tem de cultivar-se e assegurar-se no processo político da moderna sociedade pluralista; na justaposição e na contenda de numerosos grupos, nos quais a compensação entre as diferentes opiniões, interesses e aspirações, como a resolução e regulação de conflitos, converteram-se, por igual, em tarefa arquetípica e condição de existência do Estado. Onde, partindo da pluralidade de vontades, já não é possível formar uma vontade conjunta vinculante, e onde já não se consiga estabelecer e realizar, pela via do entendimento ou das decisões majoritárias, os objetivos políticos, sucumbe o Estado como unidade política de ação. Seu nascimento e existência ficam condicionados ao êxito do processo de integração estatal, no que acertadamente se contempla um elemento fundamental de sua essência6. Esse êxito depende, em último extremo, do grau de adesão que encontre o Estado. Depende de que esse êxito seja sustentável, de que os cidadãos se façam responsáveis por ele, e, se for o caso, o defendam; só na medida em que isso seja assim, pode-se dizer que se trata de um Estado consolidado, de um Estado robusto. Essas condições dependem de numerosos fatores extrajurídicos, como a tradição, o nível de consciência política ou os líderes; e, em medida não determinável exatamente, e crescente, porém necessária, também do Direito. Isso porque qualquer processo necessita do ordenamento jurídico: a colaboração, que conduz à formação de uma unidade política e na que devem ser levadas a cabo competências do Estado,necessita da organização e de um processo ordenado7, e também a conciliação de vontades que não depende menos de que se configure o conteúdo do ordenamento de modo tal, que encontre a adesão das pessoas que hão de viver sob ele. Essa tarefa fundamental a cumpre a Constituição mediante seus direitos fundamentais. Nessa medida, a Constituição pode considerar-se como o ordenamento jurídico do processo de integração estatal. b) Organização A necessidade do ordenamento jurídico não se apresenta apenas para a formação e conservação da unidade política mas também para a ação e incidência dos órgãos estatais constituídos com esses fundamentos. Em tal medida, necessita- se de uma normatização da arquitetura do Estado e do cumprimento de suas tarefas. A necessidade de fixar essas competências de forma ordenada pela Constituição tem sido algo habitual. Trata-se de constituir órgãos a que confiar, em função de sua natureza objetiva, os diferentes, determinados e delimitados âmbitos de atuação estatal e as competências correspondentes, necessárias ao cumprimento objetivo de tais tarefas: a Constituição funda competências, criando, dessa maneira, poder estatal conforme o Direito com o alcance do respectivo mandato. É ela que regula, amiúde só em suas coordenadas fundamentais, os procedimentos que, dentro do possível, devem permitir a adoção de decisões adequadas. É ela que ordena as atribuições dos distintos órgãos estatais entre si, buscando conseguir, assim, que estes se complementem objetivamente, que se garanta a cooperação, a responsabilidade, o controle, a limitação do poder e, finalmente, que se impeça qualquer abuso de competências. As funções de integração e de organização são, em muitos casos, complementares entre si, pois tanto o conteúdo quanto o êxito da ação dos poderes estatais dependem da consecução de uma unidade política; esta, por sua vez, depende desse conteúdo e desse êxito, que, essencialmente, determinam que o Estado encontre adesão e apoio, por cujo motivo a orientação e os meios de ação estatal têm que dirigir-se claramente a uma adesão e a um apoio existentes ou previsíveis. c) Direção jurídica A função que cumpre o ordenamento jurídico não se aplica só ao Estado. Em sentido amplo, necessita-se do ordenamento jurídico para toda a convivência em comunidade dentro do território do Estado, convivência essa que, sem o ordenamento jurídico, não seria possível. Este não constitui um fim em si mesmo, não se trata de ordenar por ordenar; o importante é o conteúdo dessa ordenação: deve ser o moralmente reto e, portanto, o legítimo. O cânon dessa retidão nos tempos atuais, que têm cobrado consciência da historicidade de todo Direito, não é dedutível de um Direito natural existente à margem do pensamento e da ação humanos. Igualmente injustificável resulta remeter-se a um positivismo cético, para o qual, sem referência a conteúdo nenhum, Direito é qualquer regulação que tenha sido definida como tal pelas instâncias competentes. Frente a isso, a tradição jurídica depurada oferece parâmetros deduzidos da história do Direito. Também, no sentido inverso, pode-se chegar ao mesmo resultado: há experiências históricas que demonstram o que não é moralmente reto e, conseqüentemente, o que não se pode considerar Direito; esse é o caso do aniquilamento de existências sem valor racial ou vital, sob o regime de injustiça nacional-socialista. Demais disso, e relacionado com o anterior, deduzem-se outros cânones dos princípios jurídicos nascidos da luta e da experiência de muitas gerações e que se confirmaram por elas, principalmente dos direitos humanos e civis, bem como de outros princípios, como os de independência judicial ou o direito de ser ouvido. Cânones são, finalmente, os modelos para configurar o presente e o futuro da geração atual. A função diretriz da Constituição consiste em assumir esses cânones e – sobretudo, nos direitos fundamentais – dotá-los de força vinculante para todo o ordenamento jurídico. Por sua vez, esta Constituição contribui, seja como escalão intermediário, seja como traço de união, para garantir a existência de um ordenamento jurídico moralmente reto. 2. A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM JURÍDICA FUNDAMENTAL DA COMUNIDADE Ao cumprir essas tarefas fundamentais de formação de unidade política e de ordem jurídica, a Constituição se converte não só na ordem jurídica fundamental do Estado8 mas também na da vida não estatal dentro do território de um Estado, isto é, na ordem jurídica fundamental da comunidade. Esta Constituição determina primeiro as decisões que levam à unidade política, segundo as quais esta se deve executar e se devem levar a cabo as tarefas estatais. Tais decisões são, segundo a Lei Fundamental, a inviolabilidade da dignidade humana como princípio supremo do ordenamento constitucional, a república, a democracia, o postulado do Estado social de Direito, e a organização territorial em termos de Estado federal. Nas concreções posteriores de tais decisões, a Constituição ordena a organização e o procedimento de formação da unidade política e da ação estatal; estabelece limites à ação dos poderes públicos. Positiva normas segundo as quais se hão de constituir os órgãos do Estado, se há de determinar a orientação política global e se hão de decidir as questões pendentes. É essa mesma Constituição que regula as competências desses órgãos e, a grandes traços, o procedimento com que elas se hão de exercitar. E é ela também que estabelece o procedimento com que se hão de superar os conflitos que surjam dentro da comunidade. Além de tudo isso, a Constituição estabelece princípios fundamentais do ordenamento jurídico, e não só da vida estatal em sentido estrito. Positiva princípios e critérios para estabelecer e aplicar as normas do ordenamento. Ordena todas as esferas de vida essenciais à convivência, precisamente porque ditas esferas são consubstanciais à vida do conjunto e se encontram indissoluvelmente conectadas com a ordem política. Nesse sentido também são ordenados na Constituição os fundamentos de esferas vitais que nada têm a ver, de forma direta, com a formação de unidade política e ação estatal, como é o caso dos fundamentos do ordenamento jurídico civil: matrimônio, família, propriedade, herança, fundamentos do Direito Penal, princípios do ensino, da liberdade religiosa ou das relações laborais ou sociais. Em tudo isso, a Constituição é o plano estrutural básico, orientado por determinados princípios que dão sentido à forma jurídica de uma comunidade9. II. DA SINGULARIDADE DO DIREITO CONSTITUCIONAL O Direito Constitucional diferencia-se de outros ramos jurídicos não só em função de suas competências e de seu objeto. São peculiaridades essenciais seu nível hierárquico, a natureza de suas regras, bem como as condições de sua validade e de sua capacidade para impor-se na realidade social. Essas diferenças têm um significado essencial para sua forma de incidir na realidade: a tomada de consciência dessas diferenças é uma condição sine qua non para compreender os problemas constitucionais e sua adequada solução. 1. PRIMAZIA Ao Direito Constitucional corresponde a primazia relativa a todo o restante Direito interno10. Essa primazia é pressuposto da função constitucional como ordem jurídica fundamental da comunidade. Daí que o Direito Constitucional não possa ser derrogado nem reformado por leis ordinárias; nenhuma disposição do ordenamento jurídico nem ato estatal algum pode contradizê-lo; todos os poderes públicos, inclusive o Legislativo, acham-se vinculados pela Constituição (cfr. os arts. 20.3 e 1.3 GG). 2. CARÁTER ABERTO E VINCULANTE Essa vinculação, precisamente numa Constituição que, como a Lei Fundamental, estabeleceu uma jurisdição constitucional, não carece de problemas, já que as normas constitucionais não são completas nem perfeitas. Amplos setores, inclusive os da vida estatal em sentido estrito, estão ordenados unicamente mediante disposições de maior ou menor amplitude e indeterminação, e alguns nem sequer estão ordenados. A Constituiçãonão é um sistema fechado e onicompreensivo; não contém codificação, apenas um conjunto de princípios concretos e elementos básicos do ordenamento jurídico da comunidade, para o que oferece uma norma marco. Nesse sentido é um ordenamento aberto. Essa abertura é sempre limitada. Porém, na medida em que seja suficiente, concede – o que dá sobretudo um sentido e conteúdo essenciais ao ordenamento democrático – margem de atuação necessária a um processo político livre, tratando de garanti-lo. Por isso, a Constituição possibilita concepções e objetivos políticos diferentes, bem como sua persecução. Permite, também, levar em consideração mudanças técnicas, econômicas e sociais, adaptar-se à evolução histórica, assegurando-se, com isso, um requisito fundamental de sua própria existência e eficácia. Ao mesmo tempo, a indeterminação e a amplitude de algumas normas constitucionais têm certamente como conseqüência que, amiúde, algumas questões constitucionais resultem mais difíceis de resolver que as de outras áreas jurídicas que encontraram uma regulação normativa detalhada. Em concreto, a compreensão da Constituição, em especial dos direitos fundamentais, tem considerável importância e pode dar lugar a respostas diferentes. Dado que todos os poderes públicos estão submetidos à Constituição, decide-se aqui a questão capital de se, e com que amplitude, é livre o legislador para regular uma questão concreta, ou se está submetido a vínculos constitucionais, cujo respeito é controlável pelo Tribunal Constitucional. As relativas abertura e amplitude do Direito Constitucional ofereceriam, no entanto, o perigo de conduzir a uma dissolução em anarquia e insegurança se não fossem aparelhadas a uma fixação determinada e vinculante; ambas, abertura e vinculação, são pressupostos do cumprimento das tarefas da Constituição. Em conseqüência, esta determina os fundamentos do ordenamento da comunidade, bem como os conteúdos que devem ser subtraídos ao debate e a um constante questionamento. Com isso, devem-se proporcionar à comunidade os pilares e parâmetros orientadores necessários a fazer frente à multiplicidade de problemas. A Constituição atua como fator estabilizador; simultaneamente, atua como liberadora de tensões, porque só se apresenta como problema aquilo que não foi previamente decidido11, permitindo, com isso, a indispensável abertura. O que, sobretudo, fica estabelecido de forma vinculante é a arquitetura do Estado e os procedimentos no seu interior. Amiúde, tende-se a subestimar as normas de procedimento; no entanto, quando são adequadas à sua função contribuem na adoção da decisão correta sobre questões em litígio. Além disso, estabelecem uma determinada fórmula para as tomadas de decisões, excluindo, com isso, lutas desordenadas pelo poder. Finalmente, ditas regras tornam perceptível e compreensível para os participantes e afetados os processos decisórios. Quanto mais renuncie a própria Constituição a adotar decisões, mais importante será que estabeleça para elas um procedimento regrado. Só dessa forma a abertura da Constituição poderá cumprir a função que lhe é encomendada. 3. GARANTIA IMANENTE Por último, o Direito Constitucional se diferencia do direito de outros ramos jurídicos em que, em definitivo, não existe instância que possa impor sua observância; o Direito Constitucional tem que garantir-se por si mesmo, supondo-se, então, a existência prévia de uma configuração que esteja em condições de assegurar, quanto possível, tal garantia imanente. As funções ordenadora e pacificadora do Direito ordinário dependem, em grande medida, de que – se necessário – sejam impostas, por via executiva, mediante a coerção estatal. Sua observância, portanto, sempre resulta garantida a partir de fora. O contrário ocorre com as normas da Constituição. Sua observância não se garante nem por um ordenamento jurídico existente acima dela12 nem por uma coação supraestatal; a Constituição não depende senão de sua própria força e das suas próprias garantias. O que intenta é ter em conta tais pressupostos com uma configuração que, mediante a divisão e o concurso dos poderes públicos, procure, de forma natural, a observância do Direito Constitucional: por assim dizer, tem que criar um sistema que gravite sobre si mesmo e comporte os pressupostos necessários para prevalecer13. Não obstante, esse equilíbrio imanente sempre permanece precário. Sempre que exista um tribunal que deva decidir sobre a observância da Constituição, deverá determinar vinculantemente se se trata ou não de um caso assim, e da sentença do tribunal podem advir conseqüências sobre o restabelecimento ou o respeito à situação constitucional. No entanto, isso não pode impor-se coativamente; em última instância, depende de que cada órgão estatal se submeta voluntariamente à Constituição, e que reconheça e cumpra com todas as suas responsabilidades para fazê-la observar. A idéia de um guardião da Constituição14 situado acima ou à margem desse equilíbrio imanente confunde o problema e pode induzir a erro. 4. PRESSUPOSTOS PARA SUA EFETIVIDADE Mais além de tudo isso não pode o mais engenhoso sistema constitucional garantir efetivamente sua observância quando carece dos pressupostos necessários para alcançar sua efetiva vigência, quando a constituição não é capaz de se haver bem com a realidade de uma ordem configuradora e formadora de uma realidade histórica viva. Essa capacidade, que é um pressuposto para que a Constituição possa cumprir as funções assinaladas, depende, em grande medida, de fatores externos, sobre os quais, por sua parte, só pode influir limitadamente. Entre eles podem-se citar as circunstâncias da realidade histórica, a cujo ordenamento está destinada a Constituição, e o nível de desenvolvimento espiritual, social, político e econômico dos tempos. Quanto mais conecte o Direito Constitucional com tais circunstâncias, quanto melhor assuma as forças e tendências de cada época, melhor poderá exibir seus efeitos. Quando tenta apegar-se a formas historicamente superadas ou quando, pelo contrário, se proponha a uma utopia, fracassará inevitavelmente ante a realidade. Junto a tudo isso, não menos essencial é a conduta das pessoas que participam na vida constitucional, a disponibilidade dos dirigentes políticos e dos governados para aceitar como moralmente imperativo o conteúdo da Constituição. Não é a vontade dos diferentes legisladores que consegue que as normas da Constituição sejam acatadas, que se afirme o Estado como unidade política de ação estabelecida por ela, e seja assumido responsavelmente, mas, sim, que, ademais, o acordo dos progenitores da Constituição tem que se perpetuar, por princípio, entre aqueles que posteriormente hão de viver sob ela. Isso depende de que a ordem positivada nela, e por ela se considere moralmente reta, ordem legítima, e exiba à sua volta efeitos integradores. O consenso fundamental sobre isso, que deve transcender os atuais antagonismos e conflitos, é um fator essencial de que dependem a vitalidade e a eficácia do Direito Constitucional15. III. A CONSTITUIÇÃO DIANTE DA MUDANÇA HISTÓRICA 1. MUTAÇÃO E REFORMA CONSTITUCIONAL Toda Constituição é Constituição no tempo16; a realidade social, a que são referidas suas normas, está submetida à mudança histórica e esta, em nenhum caso, deixa incólume o conteúdo da Constituição. Quando se desatende dita mudança, o conteúdo constitucional “fica petrificado” e a curto ou longo prazo não poderá cumprir suas funções. Da mesma forma, a Constituição pode descumprir suas tarefas quando se adapta, sem reservas, às circunstâncias de cada momento; em tal caso, suas normas já não são pauta das circunstâncias, mas são estas que atuam como parâmetros de suas normas. Funcionalmente e só até certo limite pode contrapor-se a tal situação mediante a exigência de maiorias qualificadas para a reforma constitucional. Em ambos os casos, no entanto, a força dos fatos revela-se superior ao poder do Direito; no primeiro caso, o tempo deixa defasada a Constituição, e, no segundo,a degrada até reduzi-la a mero reflexo das relações de poder existentes em cada momento. Por isso, da perspectiva de Constituição no tempo, a Constituição só pode cumprir suas tarefas onde consiga, sob mudadas circunstâncias, preservar sua força normativa, isto é, onde consiga garantir sua continuidade sem prejuízo das transformações históricas, o que pressupõe a conservação de sua identidade. Partindo disso, nem a constituição com um todo nem suas normas concretas podem ser concebidas como letra morta, como algo estático e rígido; precisamente sua continuidade pode chegar a depender da forma em que se encare a mudança. Esta pode ser levada a efeito por duas vias. Uma dessas vias consiste em modificar o conteúdo das normas constitucionais mantendo intacto o texto literal, isto é, mediante uma mutação constitucional. Isso se produz naquelas cláusulas em que a Constituição, e em concreto no referente aos direitos fundamentais, contém normas abertas, isto é, regras que, por sua formulação generalista e lingüisticamente esquemática, só mediante progressivas concreções podem ser levadas à prática. Semelhante concreção só é possível quando o texto da norma é referido ao setor da realidade histórica sobre o qual a norma queira projetar-se. Esse setor co- determina o conteúdo da norma, que não pode ignorar as condições de sua realização nem manter-se inalterável17; transforma-se a realidade social, transforma-se, com ela, o conteúdo da norma. Essa transformação se faz observar claramente, sobretudo na jurisprudência do Tribunal Constitucional, tanto em algumas decisões específicas18 quanto no conjunto da jurisprudência sobre os direitos fundamentais da Lei Fundamental, que, em geral, desenvolveu o conteúdo desses direitos, superando sua originária significação como direitos de defesa. Os limites – que amiúde não resulta simples determinar em concreto – da mutação constitucional estão contidos no próprio texto constitucional19: resulta inadmissível uma interpretação diferente dos enunciados constitucionais em franca contradição com o seu texto. Mais além desse limite, para superar novas situações ou para proceder a reformas, impõe-se a modificação do texto, a reforma constitucional (cfr. art. 79.1 GG). Em todo caso, a reforma constitucional pressupõe que se mantenham intactas as decisões fundamentais que configuram a identidade da Constituição; segundo a Lei Fundamental, os princípios consagrados nos arts. 1° e 20 e a articulação territorial em Länder que concorrem com a legislação (art. 79.3 GG). As reformas constitucionais que eliminam essa identidade produzindo descontinuidade são inadmissíveis. Na realidade, tratar-se-ia de exercitar o poder constituinte, de substituir a atual por outra nova Constituição, à margem da ordem constitucional. 2. NOVOS PROBLEMAS O modelo constitucional com o qual se conecta a Lei Fundamental, embora tenha variado numa série de aspectos, é o do século XIX. Na monarquia constitucional da época era tarefa da Constituição limitar o poder pressuposto e, em princípio absoluto, da Coroa, e garantir, assim, ao cidadão e à Sociedade uma liberdade responsável. Isso se produziu, sobretudo, mediante a vinculação da Lei – Orçamentos do Estado incluídos – à aprovação das câmaras. Na medida em que os direitos fundamentais desempenhavam um papel determinante na garantia da liberdade, eram direitos de defesa contra o poder monárquico, que exigiam deste abster-se de intervir no direito protegido. O direito-liberdade, no âmbito garantido, era liberdade frente ao Estado ou, o que é o mesmo, uma delimitação de esferas subtraídas a qualquer intervenção dos poderes públicos20. a) As atuais tarefas do Estado No Estado democrático intervencionista, de prestação de serviços e de previsão do presente, as tarefas são essencialmente distintas. Não se trata tanto de limitar um poder estatal absoluto, que viesse historicamente dado, mas de constituir um poder previamente limitado, democraticamente legítimo, e de manter sua virtualidade e sua eficiência no processo político regulado. Trata-se, ademais, de garantir eficazmente, sob as condições atuais, a liberdade e uma vida digna. Para isso, junto a normas de organização, necessita-se também na Democracia dos direitos fundamentais como direitos de defesa frente às intervenções estatais. Contudo, já não basta o princípio de exclusão: o que os direitos fundamentais devem garantir depende não só de inexistência de tais intervenções, mas, numa dimensão considerável, da ação estatal, de que, mediante programação, intervenção e previsão estatais se dotem os cidadãos das condições materiais para uma vida livre e digna. Junto a isso, a tarefa de previsão é interpretável não só como a atual procura existencial e a previsão social; compreende também a responsabilidade para o futuro dos homens, o que obriga a ter em conta as possíveis conseqüências das decisões e processos atuais, ao como sucede, por exemplo, com a dívida do Estado, o armazenamento de resíduos radioativos ou a biogenética, e de preservar as gerações futuras dos ônus, perigos ou riscos que tudo isso leva consigo21. Prescindindo disso, a mera exclusão de esferas não suscetíveis de intervenção estatal não era suficiente, por si só, para preservar a liberdade humana dos perigos que podiam ameaçá-la a partir dos poderes não públicos que, nos tempos atuais, podem resultar mais ameaçadores que os derivados do próprio Estado. Quando, à vista de uma hipótese dessa, uma Constituição deva garantir a liberdade, para defendê-la frente ao Estado será necessário adotar cautelas ainda mais elaboradas que a positivação clássica. Tudo dependerá de que possa assegurar aqueles recursos e os serviços necessários a respeito, sem que, mercê de uma desmedida extensão da previsão, da planificação e da configuração globais, se anule a possibilidade de existência autodeterminada e responsável. Faz-se cada vez mais necessário coordenar as distintas esferas de liberdade suscetíveis de entrar em conflito. E, finalmente, dependerá de que a liberdade fique protegida frente ao exercício do poder social ou econômico que, em todo caso, exige a ação estatal. Portanto, uma ordem justa e eficiente em liberdade já não surge sem mais – como pretendia a doutrina clássica – da divisão dos poderes do Estado e de sua abstenção a respeito de esferas sociais autônomas, e sim de que atue positivamente num mundo cada vez mais complexo. Isso supõe deslocar as tarefas do Estado, das simplesmente orientadas a preservar a ordem estabelecida na direção de outras destinadas a configurar uma nova ordem e às formas próprias de ação para atender a tais incumbências. Nesse contexto, os meios imperativos tradicionais, em especial a Lei e o ato soberano, poderiam já não ser suficientes. Ademais, amiúde, uma série de medidas estatais só é executável se se conta com o concurso ou, ao menos, com a aprovação das forças econômicas ou de certos poderes sociais, e isso é algo que o Estado tem que conseguir por via de negociação. Segundo uma difundida interpretação, tudo isso reduz a capacidade do Estado de dirigir os processos sociais22, precisamente quando, cada vez mais, se tornou uma tarefa pública. b) Constituição e poder configurador Essa mudança já originou modificações essenciais na concepção constitucional e na interpretação de suas normas. Isso é aplicável, sobretudo, aos direitos fundamentais, cuja significação atual superou amplamente a versão clássica dos direitos de defesa (infra, cap. 3). Em tal medida, o alcance originário da Constituição não só se mantém como também, apesar das diferentes condições do presente, inclusive aumentou, como conseqüência do desenvolvimento e dos efeitos da jurisdição constitucional. Frente à moderna atividade configuradora do Estado, conserva a Constituição sua função limitadora, pois determina claramente que conteúdos não podem ter essas medidas. A esse respeito, carreia a constituição, como até agora, em si mesma os pressupostas de sua eficácia23; nessa função, pode justificar pretensões dos cidadãosem forma de ação judiciais impeditivas. Do ponto de vista positivo, a Constituição não pode, em troca, conduzir e tornar efetiva diretamente a atividade configuradora: unicamente pode oferecer diretrizes em forma de objetivos. Em tal medida permanece a Constituição limitada a positivar um programa público de configuração, que necessita ser executado posteriormente, e que, por isso, depende de que seja assumido em particular pelo legislador, e levado à prática segundo a situação e as possibilidades do momento24. Sempre que, além disso, se trate de realizar objetivos sociais, isso vem assistido por uma certa imperatividade do postulado do Estado social, que pode prescindir melhor que o Estado de Direito das garantias constitucionais de sua imposição, porque nenhum governo pode hoje em dia renunciar a uma política de previsão e compensação social25. c) Mudanças no ordenamento territorial A diferente natureza dos problemas que se hão de abordar observa-se adicionalmente no ordenamento federal da Constituição. A Lei Fundamental se entrelaça com as leis fundamentais da Federação Alemã e as constituições do século XIX, particularmente no que concerne à instauração do Bundesrat. Junto à vigente tarefa histórica de formação de unidade política no que diz respeito à autonomia dos membros da Federação, acrescenta-se, sob as hipóteses da estabilidade atual, a necessidade de garantir uma certa equiparação das condições materiais de existência, com sua inevitável conseqüência de crescente unitarismo, que é fomentada essencialmente por diversos fatores, tais como os partidos de âmbito nacional26. Com isso se atribui à Constituição a tarefa de garantir o sistema federal inclusive sob as condições atuais, o que exclui qualquer tipo de petrificação das velhas formas federais. O caminho seguido até hoje de compensar, ampliando as competências do Bundesrat, as perdas de autonomia em competências legislativas dos Länder, dificilmente levará a uma solução satisfatória. Não se deve ignorar, no entanto, uma tendência em sentido contrário: a crescente abundância e complexidade das competências do Estado torna inevitável uma desconcentração de seu desempenho, provocando, assim, um reforço dos centros de decisão política com sede em órgãos dos Länder. d) Internacionalização e europeização A atual abertura do Estado para o exterior, isto é, sua internacionalização e europeização, finalmente provoca mudanças essenciais. A internacionalização27 resulta da importância crescente dos acontecimentos exteriores, tanto para a vida interna como para a ação do Estado. Junto às múltiplas vinculações no sistema de tratados internacionais e as conseqüentes obrigações, põe-se claramente de manifesto a dependência da economia interna em relação à economia mundial e à sua evolução, isto é, às numerosas interdependências existentes, o que supõe que os assuntos externos e internos se tornam cada vez mais difíceis de separar. Da mesma forma que tais processos, restam ao Estado possibilidades de ação autônoma apenas quando se apresentam para uma regulação pela Constituição nacional. Disso resulta que esta perca parte de sua vigência geral. Para a República Federal se produzem repercussões muito amplas, derivadas de sua europeização, pela transferência de tarefas estatais para instâncias (supranacionais) da Comunidade Européia, que vai adquirindo maior peso quanto mais avança a Comunidade em direção à União Européia. Nesse sentido, perde a Constituição, na medida da renúncia estatal à sua exclusiva soberania, uma parte de seu valor originário. Ao mesmo tempo, a progressiva integração européia acarreta deslocamentos na ordem constitucional. Isso se observa, por exemplo, na perda de competências dos Länder no âmbito do regime federal. E é aplicável à democracia parlamentar, tanto na Federação quanto nos Länder: o processo de formação da vontade política nacional por intermédio do Parlamento democraticamente eleito se vê limitado em benefício da formação essencialmente executiva de vontade nos órgãos competentes da Comunidade Européia; tão logo entra em vigor o Direito europeu desaparece o espaço para o Direito nacional. O mesmo sucede com a função do Governo Federal responsável perante o Parlamento. Certamente, o Governo concorre no Conselho para a formação européia de vontade (art. 4° EWGV); porém, uma co-gestão com essas características não compensa a perda da autodeterminação nacional, sobretudo nos casos em que o Conselho tome uma decisão por maioria e fique a República Federal em minoria. Em conjunto, a Constituição e o ordenamento jurídico nacional tornam-se uma ordem fundamental e um ordenamento jurídico parciais aos quais se sobrepõe o Direito comunitário, o que, entre outras coisas, não deixará de afetar a ação e o significado da jurisdição constitucional. A importância desse processo não pode ser subestimada, porém, tampouco, deveria ser supervalorizada. O Direito Constitucional não chegará completamente a dissolver-se ao extremo de ser redutível a mero episódio da história constitucional. Com independência da forma que assumirá no futuro a Comunidade Européia: sua existência pressuporá sempre a dos Estados membros e, com isso, a de suas constituições 28. Do mesmo modo, a futura União Européia só poderá cumprir eficazmente suas tarefas se sua execução for descentralizada e observar o princípio da subsidiariedade, isto é, se a Comunidade se limitar a quanto requeira uma regulamentação uniforme29. De todas as formas, é inegável uma profunda mudança: a evolução do Estado desde sua concepção tradicional como soberano, nacional, relativamente hermético, para o Estado atual, internacionalmente imbricado e supranacionalmente vinculado, corresponde à perda da primazia e do valor e importância que até muito recentemente teve sua Constituição. Essa, enquanto Constituição de um membro da Comunidade Européia, tem de respeitar os limites fixados pelo Direito Europeu; seus conteúdos hão de levar em conta a necessária harmonização com a Constituição comunitária e orientar-se materialmente para o Direito europeu, de forma que as atuações de cada um dos Estados membros e as que se realizem em nível comunitário sejam congruentes entre si. Daí que, não por acaso, a unidade alemã se encontre intimamente relacionada à União Européia. Ambas se pressupõem de forma semelhante a como a Alemanha unida faça, necessariamente, parte da União Européia. O pertencimento da Alemanha a essa Europa é condição fundamental do giro histórico de acordo com o qual não cabe um ressurgir do antigo Estado nacional alemão. 3. POLÍTICA CONSTITUCIONAL Os problemas esboçados põem em relevo: a concepção tradicional do Estado é tão dificilmente mantenível como uma idéia de Constituição orientada para o modelo nacional à moda antiga. Partindo dessa situação, não seria correto inferir o ocaso ou, ao menos, uma crise do Estado constitucional. Não há dúvida quanto ao desafio que isso supõe para o presente. Por trás da fase atual de sua consolidação, de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, de progresso e mutação do ordenamento constitucional da Lei Fundamental, faz-se necessário observar, cada vez mais, os acontecimentos futuros; temos de tomar consciência do significado dos novos problemas para os direitos fundamentais, para os órgãos estatais estabelecidos pela Constituição, suas tarefas e a forma de levá-las a cabo, e para adotar as disposições com as quais a ordem constitucional possa fazer frente a novas situações ou às condições de funcionamento, bem como buscar vias que tornem possível, sob condições distintas, uma existência livre e digna. A tarefa de uma política constitucional provedora, claramente concebida, que, por isso, se imponha de forma categórica, é independente da unidade alemã. Constitui um processo a longo prazo em que a necessidade de concerto com o progresso da integração européia terá uma importância essencial. SIGNIFICADO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS30 I. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ATUALIDADE II. A EVOLUÇÃO NA ALEMANHA III. OS DIREITOS FUNDAMENTAISNA REPÚBLICA FEDERAL IV. OBJETO E FUNÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS V. DOS PROGRESSOS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VI. TITULARES E SUJEITOS OBRIGADOS VII. DESENVOLVIMENTO E LIMITE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS VIII. PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS IX. PARA UMA VALORIZAÇÃO DO TRAJETO SEGUIDO PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Traduzido por CARLOS DOS SANTOS ALMEIDA I. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA ATUALIDADE Um aspecto importante de nossa época é a significação, cada vez maior, dos direitos fundamentais31, evidenciada nos esforços das Nações Unidas que conduziram à Declaração dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 194832 e, mais recentemente, às Convenções Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais33. Evidencia-se, também, na incorporação de direitos fundamentais às Constituições mais recentes, como as de Portugal e Espanha e, ultimamente, às dos Estados do Leste da Europa34. Manifesta-se no reconhecimento de direitos fundamentais no Direito Comunitário35, bem como na importância, cada vez maior, da Convenção Européia de Direitos Humanos e da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, criado para organizá-los. Finalmente, evidencia-se nos objetivos e na atividade da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, cuja Ata Final, de 1° de agosto de 1975, não criou Direito Internacional vinculante, mas adquiriu significação essencial para os movimentos por direitos humanos nos Estados do antigo bloco do Leste36. Este avanço universal dos direitos fundamentais de modo nenhum exclui sejam diferenças materiais, sejam diferenças em sua concepção ou em suas garantias. Assim, um mesmo direito fundamental podia significar algo absolutamente diferente numa Constituição socialista e no texto constitucional de uma democracia ocidental37; e, enquanto os direitos fundamentais ainda hoje, na Europa ocidental e na América do Norte, são interpretados basicamente segundo seu significado originário (clássico) como liberdades individuais e direitos políticos, surgem, com peso desigual, outras dimensões: direito sociais, de participação, de prestações para a satisfação das necessidades materiais básicas da população; especialmente em Estados do Terceiro Mundo, direitos de grupos e de Estados, como o direito ao desenvolvimento, à paz e à proteção do meio ambiente ou o direito de participar do patrimônio comum da Humanidade; os direitos humanos se vêem, assim, coletivizados38. As formas de garantir os direitos fundamentais podem ser diferentes, embora exista conformidade em seu conteúdo e interpretação, como ocorre no âmbito reduzido das democracias ocidentais. Nelas as soluções oscilam desde regular uma enumeração minuciosa de direitos fundamentais na Constituição (como sucede na Alemanha), ou remeter-se a uma Declaração histórica de Direitos Humanos (como na França), até reconhecer vigência aos direitos fundamentais como garantias não escritas (assim ocorre essencialmente na Grã-Bretanha). Da mesma maneira, é diferente seu desenvolvimento concreto, na medida em que vinculam o legislador ou a fiscalização judicial para garantir sua observância. Toda essa diversidade evidencia que a validade universal dos direitos fundamentais não supõe uniformidade. A razão é bem conhecida: o conteúdo concreto e a significação dos direitos fundamentais para um Estado dependem de numerosos fatores extrajurídicos, especialmente da idiossincrasia, da cultura e da história dos povos. Por isso, só tendo em conta esses aspectos torna-se possível uma compreensão objetiva das tarefas, da conformação e da eficácia dos direitos fundamentais num ordenamento jurídico estatal concreto. II. A EVOLUÇÃO NA ALEMANHA Os direitos fundamentais, que iniciaram sua carreira triunfal no fim do século XVIII com as magnas Declarações de Direitos Humanos, os Bill of Rights na América e as Declarações francesas de 1789 a 179539, só com titubeios foram admitidos, já entrado o século XIX, nas Constituições dos Estados alemães, por exemplo, nas Constituições da Baviera e Baden de 1818, na Constituição de Wurtemberg de 1819, ou – bem mais tarde – na Constituição prussiana de 1850. Porém, nem sequer naqueles Estados nos quais chegaram a formar parte da Constituição desempenharam, na prática, um papel considerável 40. Sua virtualidade se conseguiria pela primeira vez na raiz da revolução de 1848, com a tentativa de fundação do Reich. A Assembléia Nacional de Frankfurt começou a trabalhar na nova Constituição do Reich com a deliberação e aprovação de uma seção ampla de direitos fundamentais, que devia constituir o fundamento da unidade nacional do povo alemão. Essa tentativa fracassou. O Império alemão, que logo se fundou em 1871, não se baseava nos direitos do povo, mas nos dos príncipes; conseqüentemente, a Constituição de 1871 não continha quaisquer direitos fundamentais. Com o trânsito para a forma republicana e democrática do Estado, após a Revolução de 1918, ingressaram os direitos fundamentais pela primeira vez na Constituição do Reich. Na Assembléia Nacional de 1919, foi defendida a idéia de que, fenecida a Monarquia, daí em diante os direitos fundamentais deveriam ter, sobretudo, uma significação integradora. O projeto de Federico Naumann, baseado nessa idéia41, havia influído bastante na configuração da relação de direitos da Constituição do Reich. Porém, tampouco durante a República de Weimar, os direitos fundamentais chegaram a ter plena extensão e eficácia. O passado gravitava intensamente, e, para a corrente dominante na doutrina e na jurisprudência, só vogava o seguinte: considerava-se o conteúdo jurídico dos direitos fundamentais – seguindo especialmente a Jellinek, que vira a sua essência como expressão de uma autolimitação do Estado e de um poder de disposição concedido pelo Estado42 -, como mera modificação das situações vigentes até o momento, reguladas por leis especiais, e, em conformidade com isso, concebiam-nos mais com um caráter jurídico-privado e jurídico- administrativo do que estatal. Partindo dessa teoria, os direitos fundamentais se consideraram, em princípio, como expressão do direito à liberdade frente a qualquer coerção que não se ajustasse ao princípio da legalidade. Faltavam salvaguardas jurídicas frente a infrações, esvaziamento de conteúdo, modificações ou abolição; seriam eles incompatíveis com essa concepção. É certo que uma parte da doutrina alemã do Direito Político (Vereinigung Deutcher Staatsrechtslehrer ) percebeu e elaborou, em crescente medida, a significação dos direitos fundamentais; porém, essas tendências43, orientadas contra o formalismo e positivismo dominantes, não foram capazes de se impor no espaço de tempo existente até o ano de 1933. Dessa forma, os direitos fundamentais não puderam deter a eliminação, pelo Nacional-socialismo, do ordenamento constitucional democrático e do Estado de Direito; mais ainda, nem sequer de impedi-lo numa mínima proporção. O que se seguiu foi, durante os doze anos de domínio nacional-socialista até a capitulação incondicional do Reich, em 1945, o desprezo mais absoluto dos direitos humanos e civis. Por breve que seja tal exposição histórica, resultam evidentes as diferenças que separam a Alemanha das grandes democracias ocidentais. Isso explica sua peculiaridade a respeito da situação dos direitos fundamentais: em seu nascimento faltava o valioso patrimônio de uma tradição, em virtude da qual o conteúdo dos direitos fundamentais constitui o fundamento inquestionável da vida política e forja a consciência de governantes e governados. A experiência de um regime totalitário que depreciou o ser humano e sua liberdade e o fato de que a falta de tradição não tenha permitido considerar humanidade e liberdade como óbvias bases naturais do Estado conduziram, após 1945, ao esforço por estabelecê- las e fortalecê-las no novo ordenamento jurídico até o máximo de garantia possível. Dessa forma, o novo ordenamento jurídico baseia-se, já desde o artigo 1° GG, no princípio supremo, absoluto e intangívelda inviolabilidade da dignidade humana (art. 1.1 GG) e no reconhecimento dos direitos invioláveis e inalienáveis do homem (art. 1.2 GG). Os direitos fundamentais e suas possíveis limitações são regulados, caso a caso, pelo Direito Constitucional positivo; a Lei Fundamental tenta assegurar sua vigência jurídica da maneira mais sólida possível e submete sua observância a controles judiciais. Tudo isso, estabelecido no texto da Lei Fundamental, foi amplamente desenvolvido, elaborado e progressivamente desenvolvido pela jurisprudência, em particular pela emanada do Tribunal Constitucional. A mesma tarefa foi assumida, em relações de enriquecimento mútuo com a jurisprudência, pela doutrina do Direito Político, que, na atualidade, segue caminhos distintos daqueles da época de Weimar. Tudo isso conduziu a uma situação estatal em que os direitos fundamentais determinam e modelam não só a vida estatal mas toda a vida jurídica alemã. Aos direitos fundamentais corresponde um significado desconhecido até agora em sua história constitucional. Convém, a seguir, expor em detalhe essa situação. III. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA REPÚBLICA FEDERAL As garantias dos direitos fundamentais no Direito positivo alemão têm diversas bases. Os direitos fundamentais estão garantidos tanto na Lei Fundamental como na maioria das constituições dos Länder, tendo, conseqüentemente, a condição de Direito Constitucional federal ou de Land. Junto a eles aparecem direitos fundamentais em normas de Direito Internacional e que resultam aplicáveis como Direito federal (ordinário), especialmente na Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais44. A aplicabilidade respectiva e as relações recíprocas dessas garantias – em grande parte de conteúdo análogo -, estão reguladas com clareza, de forma que só ocorre colisão em casos concretos. 1. OS DIREITOS DA LEI FUNDAMENTAL A Lei Fundamental é a primeira Constituição alemã que coloca no topo do texto a enumeração dos direitos fundamentais (arts. 1°- 19). Com isso, expressa um traço essencial do novo ordenamento democrático e do Estado de Direito: o significado constituinte dos direitos fundamentais para esse ordenamento após a época de menosprezo e graves violações dos direitos humanos pelo regime nacional-socialista. Sem dúvida, essa enumeração não implica exclusão. Nos capítulos seguintes da Lei Fundamental se garantem direitos que também se podem considerar fundamentais (por exemplo, nos arts. 33, 101 ou 103 GG) e que também haviam encontrado acolhida pelo Direito alemão histórico no quadro dos direitos fundamentais das constituições. Apesar disso, considerados em conjunto, os direitos fundamentais da Lei Fundamental se circunscrevem basicamente aos clássicos direitos humanos e civis. Os constituintes de 1949 evitaram, conscientemente, incluir regras da vida econômica, social e cultural que transcendessem tais direitos, como se continham – ainda que só como programa não vinculante para o legislador, segundo a interpretação dominante – na Constituição do Reich de 191945. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS CONSTITUIÇÕES DOS LÄNDER As constituições dos Länder, que já estavam em vigor com anterioridade à Lei Fundamental (Baviera, Bremen, Hesse, Renania-Palatinado, O Sarre), contêm uma enumeração mais completa dos direitos fundamentais que a Grundgesetz; a mesma coisa se pode dizer das constituições dos novos Länder da Alemanha Oriental. Das surgidas posteriormente à Lei Fundamental, as da Renânia do Norte-Vestifália (art. 4°) e Baden Wurtemberg (art. 2°) fizeram remissão à Lei Fundamental para a incorporação de seus direitos fundamentais; ao mesmo tempo, ambas garantiram direitos fundamentais mais avançados. As constituições de Hamburgo, Baixa Saxônia e Schleswig-Holstein não contêm nenhum direito fundamental. A última incorporou as normas definidoras de tarefas do Estado (Staatszielbestimmungen ) relativas à igualdade da mulher e à proteção do meio ambiente. Nesses Estados vigem os direitos fundamentais da Grundgesetz . Na medida em que as constituições dos Länder garantam os direitos fundamentais de acordo com ela ou os incorporem a si mesmas, estes entram em vigor como Direito do Land (art. 142 GG). Se o Direito Constitucional do Land regular direitos fundamentais distintos dos da Grundgesetz, dada a preeminência do Direito federal, aqueles não poderão contradizer a Lei Fundamental. As garantias estabelecidas pelas constituições dos Länder para salvaguardar os direitos fundamentais ganham importância considerável ali onde contêm decisões em matérias que são de sua exclusiva competência, como sucede, sobretudo, com o direito escolar ou do ensino superior. O mesmo se pode dizer se houver previsão de procedimento de jurisdição constitucional própria para a tutela judicial de ditas garantias (de acordo com o ordenamento jurídico do Land). Até agora, esta via foi adotada pela Constituição bávara (art. 120); o mesmo sucede com as constituições de Berlim (art. 72), Brandenburgo (art. 112 f) Saxônia (art. 81) e Saxônia-Anhalt (art. 75 f), assim como com os projetos de Meclemburgo- Antepomerânia e Turíngia. 3. DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CONVENÇÃO EUROPÉIA DE DIREITOS HUMANOS E DOS TRATADOS INTERNACIONAIS Segundo o seu preâmbulo, a Convenção Européia para a proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais46 pretende garantir o reconhecimento universal e efetivo dos direitos que nela se proclamam, promovendo, com isso, a integração européia. Na seção I regula direitos humanos concretos e suas possíveis limitações; nas seções II a IV tenta assegurar o cumprimento das obrigações que a Convenção impõe aos Estados signatários, mediante a criação de uma Assembléia e de um Tribunal de Justiça para os Direitos Humanos. A Convenção não é norma geral de Direito Internacional. Por isso, não compartilha da preferência hierárquica dessas normas (art. 25.2 GG). Ao contrário, na Áustria, onde desfruta de nível constitucional, e na Suíça, onde cabe o recurso de apelação contra as violações das garantias fundamentais, a Convenção vigora, como já se disse, com força de lei federal ordinária. No entanto, essa diferença de validade formal não modifica substancialmente o significado objetivo dos Direitos da Convenção, que, como símbolo do progresso atual dos direitos fundamentais além do âmbito nacional, exclui a incomunicabilidade entre direitos fundamentais nacionais e europeus. Por isso, como o pôs acertadamente em relevo o Tribunal Constitucional, o conteúdo e a evolução da Convenção Européia de Direitos Humanos devem ser levados em conta na interpretação da Grundgesetz; em tal sentido, a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos contribui na determinação do conteúdo e alcance dos direitos fundamentais da Constituição47. Do mesmo modo, na Alemanha, vigoram com caráter de Direito ordinário as disposições da Carta Social Européia (que só estabelece obrigações jurídico-internacionais dos Estados, e não direitos individuais dos cidadãos) e os Acordos Internacionais sobre Direitos civis e políticos, bem como sobre Direitos econômicos, sociais e culturais (supra, número marginal 3)48. Na prática, não têm importância significativa na proteção dos direitos fundamentais dentro dos Estados. IV. OBJETO E FUNÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1. A CONDIÇÃO POLIFACÉTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Os direitos fundamentais devem criar e manter as condições elementares para assegurar uma vida em liberdade e a dignidade humana. Isso só se consegue quando a liberdade da vida em sociedade resulta garantida em igual medida que a liberdade individual. Ambas se encontram inseparavelmente relacionadas. A liberdade do indivíduo só se pode dar numa comunidade livre, e vice-versa; essa liberdade pressupõe seres humanos e cidadãos com capacidade e vontade para decidir por si mesmos, sobre seus próprios assuntos e para colaborar responsavelmente na vida da sociedade publicamente constituída como comunidade. Essas circunstâncias forjam a singularidade, a estrutura e a funçãodos direitos fundamentais: garantem não só direitos subjetivos dos indivíduos mas também princípios objetivos básicos para o ordenamento constitucional democrático e do Estado de Direito, fundamentos do Estado constituído pelos ditos direitos e seu ordenamento jurídico. Em seu duplo caráter mostram diferentes níveis de significação que, respectivamente, se condicionam, criando e mantendo consenso; garantem a liberdade individual e limitam o poder estatal; são importantes para os processos democráticos e do Estado de Direito, influem em todo seu alcance sobre o ordenamento jurídico em seu conjunto e satisfazem uma parte decisiva da função de integração, organização e direção jurídica da Constituição (supra cap. I, tít. 1, números marginais 5 ss.). 2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS INDIVIDUAIS DE DEFESA E DE ACESSO OU PARTICIPAÇÃO Os direitos fundamentais e sua especial garantia se propõem, a partir da tradição e do desenvolvimento histórico alemão, a prevenir ataques do Estado à esfera de existência individual. Esse é também o ponto de partida mantido até o momento pela jurisprudência do Tribunal Constitucional49; de acordo com a história e o conteúdo atual, os direitos fundamentais constituem, antes de mais nada, direitos humanos, direitos individuais e civis, cujo objeto consiste na proteção de esferas concretas e mais intensamente ameaçadas da liberdade humana50. O Tribunal se atribuiu como tarefa, a partir de um princípio, desenvolver uma efetiva proteção desses direitos. Ao esclarecer e fixar o conteúdo normativo e o alcance dos direitos concretos, suas relações recíprocas e os requisitos para sua limitação (infra números marginais 64 ss.), fez progredir substancialmente, em comparação com épocas pretéritas, a eficácia real dos direitos fundamentais. Em tal empreendimento, deixou-se guiar pela idéia de que só é compreensível o âmbito de proteção de um direito fundamental observando os dados da realidade social; e, assim, não pode uma mudança nesses dados deixar de ser levada em conta - hipótese relevante, por exemplo, à hora de determinar o alcance da garantia da propriedade51 ou da liberdade de comunicação (rádio e televisão)52. O conteúdo dos direitos fundamentais enquanto direitos subjetivos não se esgota nesse significado comum e geralmente aceito. Ao sentido negativo ou de defesa se acrescenta uma significação positiva não menos importante: trata-se, também, de que a pessoa faça uso dessa liberdade. Só mediante uma tal atualização podem-se tornar realidade a autodeterminação do indivíduo e sua participação responsável na vida política, social, econômica e cultural e pode cobrar vida a ordenação de uma sociedade constituída em liberdade. Isso se faz especialmente evidente com o direito à liberdade de expressão, constitutivo por antonomásia para um ordenamento estatal livre e democrático, porque só o permanente debate de argumentos permite a luta entre opiniões que constitui seu elemento vital53; em tal sentido, esse direito fundamental pode adotar o caráter de direito de acesso ou participação. Sem dúvida, dita liberdade positiva não pode significar que se deva fazer uso só de uma determinada maneira, de tal forma que qualquer outro uso dela não fosse protegido. Se para a Constituição é importante que se atualize o conteúdo dos direitos fundamentais, não o é menos que essa atualização se produza em liberdade, algo só factível se existem outras alternativas. Por isso, sempre se garante a liberdade não só de professar uma fé, de manifestar opinião ou de se filiar a partido ou sindicato mas também de não o fazer. 3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS OBJETIVOS Pertence desde as origens da tradição dos direitos fundamentais a idéia de que eles não são só direitos subjetivos mas, ao mesmo tempo, princípios objetivos da ordem constitucional. Mas na Alemanha, essa idéia só desempenhou algum papel nas deliberações da Assembléia Nacional de Frankfurt, de 1848. Mais tarde se perde; a interpretação formalista dominante até a época de Weimar não era capaz de abarcá-la. Só obteve reconhecimento a doutrina das garantias institucionais ou de institutos, que via na salvaguarda, por exemplo, do matrimônio, da família, da propriedade, ou, também, da liberdade do ensino ou de investigação, ou da autonomia local, não direitos subjetivos, mas, sim, garantias constitucionais dessas instituições ou figuras jurídicas semelhantes54. A interpretação atual dos direitos fundamentais, como princípios objetivos não só do ordenamento constitucional mas também do ordenamento jurídico em seu conjunto, supera amplamente ditas formulações originárias. Contudo, a significação objetiva dos direitos fundamentais não é meramente justaposta à significação primária jurídico-subjetiva em termos de direitos humanos e civis. Trata-se, sobretudo, de uma relação de remissão e complementação recíprocas. Ao significado dos direitos fundamentais como direitos subjetivos de defesa do indivíduo frente às intervenções injustificadas do Estado corresponde seu significado jurídico objetivo como preceitos negativos de competência. As competências legislativas, administrativas e judiciais encontram seu limite sempre nos direitos fundamentais; estes excluem da competência estatal o âmbito que protegem, e, nessa medida, vedam sua intervenção. Ao significado dos direitos fundamentais como direitos subjetivos garantidos para sua contínua atualização corresponde seu valor de peça fundamental do ordenamento democrático, do Estado de Direito e – se bem que em proporção reduzida – da ordem federal, que, por sua vez, unicamente podem tornar-se efetivos se são vivificados mediante a atualização dos direitos fundamentais enquanto direitos subjetivos. Dessa forma, num Estado de Direito, os direitos fundamentais operam como limite da ação estatal, como garantia dos fundamentos do ordenamento jurídico, em particular dos institutos essenciais do ordenamento jurídico privado; obrigam a proteger os conteúdos que garantem mediante procedimentos adequados. De igual maneira, o ordenamento democrático da Lei Fundamental busca sua configuração jurídica nos direitos fundamentais, nos princípios de um sufrágio geral, livre, igual e secreto, o da igualdade de oportunidades dos partidos políticos, da liberdade religiosa e ideológica, das liberdades de expressão, reunião e associação. Esses direitos fundamentais regulam e asseguram a livre e igual participação dos cidadãos na formação da vontade política e, ainda mais, protegem a atividade e a igual oportunidade das minorias políticas e a formação da opinião pública: em conjunto, a liberdade e abertura do processo político como o traço decisivo da democracia que regula a Lei Fundamental. Dentro do ordenamento federal, os direitos fundamentais criam um standard constitucional unitário de direitos e princípios, que funda uma certa homogeneidade e que, com este efeito, pertence aos fundamentos de nosso federalismo atual. Sobre o significado dos direitos fundamentais para a vida estatal, sobreleva sua interpretação como princípios objetivos do ordenamento jurídico em seu conjunto, que a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem desenvolvendo. Foi plasmada na transcendente sentença ditada em 15 de janeiro de 1958 ao resolver o caso Lüth55. De acordo com essa sentença, os direitos fundamentais destinam-se, em primeiro lugar, a assegurar a esfera de liberdade do indivíduo frente a intromissões do poder público. Ao mesmo tempo, a Lei Fundamental, que não quer ser de nenhum modo uma ordem neutra perante os valores, erigiu na seção correspondente aos direitos fundamentais uma ordem axiológico-objetiva, e nela se expressa, com valor de princípio, um robustecimento da força normativa dos direitos fundamentais. Esse sistema de valores, cuja medula radica na personalidade humana, atuando livremente no seio da sociedade constituída, bem como na dignidade da pessoa, deve vigorar como decisão constitucional básica em todas as esferas do Direito: dele recebem orientação e impulso a legislação, aadministração e a atividade jurisdicional. O decisivo dessa concepção ampla dos direitos fundamentais foi a rejeição à sua interpretação formal, dominante até então, e a guinada no sentido de uma noção material que compreende a dimensão jurídico-objetiva ínsita neles e que os concebe como princípios supremos do ordenamento jurídico, ao abrigo de qualquer relativização. Tal interpretação foi criticada56 – e também subsistem discrepâncias a respeito da relação entre as duas vertentes dos direitos fundamentais. De todas as maneiras, acabou por impor-se a idéia citada de que os direitos fundamentais continham os princípios normativos superiores do ordenamento jurídico. Essa interpretação produz efeitos de grande profundidade que aparecem por toda parte na jurisprudência constitucional. Os direitos fundamentais influem em todo o Direito – inclusive o Direito Administrativo e o Direito Processual – não só quando tem por objeto as relações jurídicas dos cidadãos com os poderes públicos mas também quando regulam as relações jurídicas entre os particulares. Em tal medida servem de pauta tanto para o legislador como para as demais instâncias que aplicam o Direito, as quais, ao estabelecer, interpretar e pôr em prática normas jurídicas, deverão ter em conta o efeito dos direitos fundamentais57. O Tribunal Constitucional circunscreveu dita influência sobre o Direito Privado – e a mesma coisa é de ser dita para as outras esferas do Direito -, no sentido de que o conteúdo jurídico dos direitos fundamentais, como normas objetivas, se espraia indiretamente pelos preceitos que regem imediatamente tais matérias. Sua interpretação doravante vai ser determinada pelo conteúdo constitucional específico que dimana do sistema axiológico dos direitos fundamentais. Um conflito surgido da aplicação de tais normas jurídico-civis informadas por direitos fundamentais continuará sendo, tanto na ordem material como na processual, um conflito jurídico de natureza civil. Continuará sendo o Direito Civil interpretado e aplicado, ainda que a interpretação tenha de seguir a Constituição58. Direito Constitucional e legislação ordinária se imbricam entre si de tal forma que se pode converter em problema o alcance dos controles constitucionais da decisão adotada. Além desses efeitos, a concepção dos direitos fundamentais como normas objetivas supremas do ordenamento jurídico tem uma importância capital, não só teórica, para as tarefas do Estado. Partindo dessa premissa da vinculação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário aos direitos fundamentais (art. 1.3 GG), surge não só uma obrigação (negativa) do Estado de abster-se de ingerências no âmbito que aqueles direitos protegem mas também uma obrigação (positiva) de levar a cabo tudo aquilo que sirva à realização dos direitos fundamentais, inclusive quando não conste uma pretensão subjetiva dos cidadãos. V. DOS PROGRESSOS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1. NOVAS FORMULAÇÕES Uma obrigação positiva do Estado como a que se acaba de referir constitui um elemento essencial para a evolução progressiva e o desdobramento dos direitos fundamentais. Isso foi manifestado nas mudanças históricas e na conseguinte transformação das condições em que atualmente, e num futuro previsível, se há de desenvolver a liberdade humana (cf. supra sobre isso; cap. I, tit. 1, III, 2, números marginais 26 e ss.): a metamorfose do Estado moderno em Estado social, e o fato de que a liberdade humana resulte ameaçada não só pelo Estado mas por poderes não estatais que atualmente podem ser ainda mais ameaçadores que o próprio Estado. A liberdade dos cidadãos sob as relações atuais não reside só numa liberação da intervenção estatal. Uma configuração em liberdade e autonomia da própria existência depende muito mais de uma série de condições, que não estão à disposição do indivíduo, a respeito de que o indivíduo, na melhor das hipóteses, só parcialmente dispõe, freqüentemente nem isso sequer. Hoje em dia o provimento e a manutenção de tais condições constituem uma clara tarefa do Estado, que chegou a ser quem planeja, guia e configura, isto é, o Estado do cuidado existencial e da segurança social. Por isso, na medida em que a liberdade humana, do ponto de vista do Estado, não dependa tanto já de que ele evite intervir nas esferas particulares quanto de que sua atividade se exerça com alcance geral, não se garante por mais tempo concebendo os direitos fundamentais como meros direitos de defesa. A importância do Estado para a liberdade aumenta à medida que, no limitado e complexo mundo atual, com seus cada vez mais escassos recursos existenciais, não só não se podem ampliar muitas das esferas da liberdade, como, inclusive, tendem a contrair-se. Na medida em que há a ameaça de colidir a liberdade de uma pessoa com a dos demais, faz-se muito mais necessário que antes demarcar, delimitar e ordenar os âmbitos da liberdade, e isso se tornou incumbência do Estado. Isso se torna especialmente evidente com as liberdades em matéria econômica, e, igualmente, na esfera da educação; de igual modo, no âmbito da liberdade de comunicação, o desenvolvimento dos meios modernos, de imprensa, rádio e televisão, conduz à necessidade de delimitar e ordenar as divergentes expectativas de liberdade. Também a segunda hipótese citada, a ameaça da liberdade humana por poderes estatais, leva a novas colocações. A liberdade só se garante efetivamente como um todo unitário. Dado que não deve ser só para os poderosos, deve proteger-se também frente a influências sociais. Se tal questão se considera jurídico-fundamental, a interpretação dos direitos fundamentais como simples direitos de defesa frente ao Estado não oferece solução. Sob ambos os aspectos: se se observa a liberdade tanto do ponto de vista do Estado como do dos poderes sociais, a liberdade que garante os direitos fundamentais não se pode entender como uma esfera do indivíduo livre da influência estatal, que o Estado simplesmente tenha de respeitar. A busca pelo Estado da efetividade dos direitos fundamentais tornou-se precondição de que chegue a haver uma real liberdade. O Estado já não aparece só como o inimigo potencial da liberdade, mas tem de ser também seu defensor e prote-tor. Por sua parte, é evidente que esse papel não está livre de perigos, já que uma ampliação ilimitada da responsabilidade e atividades do Estado que desemboque no onicompreensivo cuidado, planificação e configuração estatal anularia toda configuração existencial auto-responsável. Em tal medida, as garantias constitucionais, que devem cumprir essas funções, aproximam-se dos direitos fundamentais da segunda geração (supra número marginal 2). Junto à particularidade de que não só obrigam o Estado a uma abstenção mas também a uma atuação positiva, levantam a questão de se a obrigação jurídico-objetiva do Estado corresponde, e em que medida, a um direito subjetivo das pessoas e dos cidadãos para demandar do Estado tal atuação. 2. DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS DE PARTICIPAÇÃO OU DE PRESTAÇÃO Como uma solução à problemática da garantia jurídico- fundamental das condições de uma vida em liberdade, a dignidade humana oferece, segundo o Direito Constitucional vigente, uma nova interpretação ou expansão das liberdades fundamentais, até converter-se em direitos de participação ou de prestação, que fundam a pretensão de que se procurem e mantenham aquelas condições. Nesse extremo, não apresenta o tema dos direitos derivados de participação dificuldade nenhuma. Se nos regimes de prestação existentes, por exemplo, da seguridade social, da atenção a vítimas de guerra ou do fomento do ensino houvesse pessoas ou grupos de pessoas total ou insuficientemente levadas em conta, e se a distinção assim estabelecida em relação aos grupos de pessoas implicadas no sistema não resultasse compatível com o princípio da igualdade (art. 3° GG), poderia resultar desse direito fundamental, em conexão, em seu caso, com um direito-liberdade e com o postulado do Estado social (arts. 20.1, 28.1 GG), uma pretensão
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