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Júlia Figueirêdo – FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIAS DOENÇA FALCFORME: A anemia falciforme (AF) é um distúrbio genético causado por uma pequena mutação no gene da hemoglobina, especificamente a substituição de adenina por timina no cromossomo 6 do gene da globina β. Tal alteração transforma resíduos de glutamato em valina, “corrompendo” a proteína final. Ainda que aparentemente seja “insignificante”, esse erro é responsável pela formação de hemoglobina S, uma forma proteica alterada que se polimeriza (agrega) frente à hipóxia. A hemoglobina A (normal) e essa versão mutada são bastante semelhantes quando oxigenadas, apresentando solubilidade parecida. Alterações entre a forma A da hemoglobina e sua contraparte mutada, S Essa polimerização é o elemento-chave na patogênese da anemia, uma vez que implica na maior rigidez e mudança de formato (foice) do eritrócito. A deformação das hemácias é motivada pela troca de resíduos de aminoácidos Com a repetição desses episódios, a membrana eritrocitária é lesada de forma permanente, criando células irreversivelmente falcizadas, conhecidas também como células densas. Essas alterações não implicam em complicações à saúde nos primeiros meses de vida, pois a hemoglobina fetal permanece pouco tempo como desoxi-hemoglobina. ETIOPATOGENIA: Para o desenvolvimento da anemia falciforme, é necessário que um indivíduo apresente homozigose para formas alteradas de hemoglobina, sendo a mais comum a HbS (induz a supressão de HbA2 e o aumento de hemoglobina fetal). Caso seja heterozigoto, o indivíduo torna-se apenas portador do traço falciforme, podendo passar a mutação para seus descendentes, porém sem desenvolver sintomas. Por serem mais rígidas, as células em foice apresentam meia-vida curta, o que favorece a manutenção do quadro de anemia hemolítica. ATENÇÃO: Síndrome falciforme: todo quadro que é marcado pela formação de hemácias em foice. Doença falciforme: falcização que implica em achados clínicos significativos. Anemia falciforme: manifestação da doença falciforme com Hb < 8 mg/dL de modo constante Júlia Figueirêdo – FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIAS Os padrões de herança genética entre dois portadores de traço falciforme resultam em 25% de chance de gerar um filho com AF Algumas outras formas de alterações também cursam com manifestações clínicas significativas, como: Hemoglobinopatia SC: a HbC corresponde a outra variação no mesmo códon da globina que a HbS, porém não tende a formar polímeros. Seus portadores, no entanto, sofrem das mesmas complicações da AF; S/β-Talassemia: decorrem da “combinação” entre alterações falcêmicas e das talassemias, anda havendo certo grau de HbA2 sendo produzida. Existem duas “variações” nessa mutação, a S/β0, mais branda, e a S/β+, de curso mais grave. Ao contrário de outras anemias associadas com a destruição de hemácias, a fisiopatologia da AF é bastante dependente das lesões vaso-oclusivas associadas à falcização. Dinâmicas fisiopatológicas na anemia falciforme Ainda que essa obstrução seja mais comum na microcirculação, artérias de maior calibre também podem ser afetadas, causando eventos pulmonares ou neurológicos. Crises de falcização, induzidas por estresse ou hipóxia podem intensificar os sintomas, ao passo que a fase estável, entre esses episódios, conta somente com anemia persistente. O processo de hemólise em pacientes com AF é majoritariamente extravascular, resultado da fagocitose por células do sistema reticuloendotelial. Há, no entanto, destruição de hemácias no leito dos vasos, levando ao acúmulo local de hemoglobina. Esse processo leva à inativação do óxido nítrico, o que, junto à produção de espécies reativas de oxigênio (EROS) pelo endotélio lesado promovem reações inflamatórias e de vasoconstricção. Ressalta-se que as EROS são constantemente produzidas na anemia falciforme, principalmente como produto de lesões por isquemia-reperfusão. Por fim, todas as respostas supracitadas induzem a liberação de moléculas de adesão, estimulando a formação de agregados de interleucinas, hemácias lisadas, plaquetas e células saudáveis, obstruindo o lúmen arterial. Representação do processo de oclusão vascular na anemia falciforme Júlia Figueirêdo – FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIAS ACHADOS CLÍNICOS: De modo geral, o quadro clínico da AF é marcado por um estado persistente de anemia hemolítica, cuja intensidade é variável, tanto em pacientes diferentes quanto na evolução da doença num mesmo indivíduo. Como manifestações agudas, que necessitam de atendimento imediato, e normalmente estão associadas a episódios de falcização, destacam-se: Crise álgica; Anemia aguda (crise aplástica, mediada por infecções, ou sequestro esplênico); Inchaço de mãos e pés (dactilite); Criança com dactilite mediada por AF Priapismo; Síndrome torácica aguda; Eventos neurológicos (AVC). Como principais complicações por cronicidade, é possível evidenciar: Susceptibilidade elevada a infecções; Úlceras de perna; Palidez; Patologias das vias biliares (icterícia e cálculos); Distúrbios renais; Alterações cardíacas; Necrose isquêmica de ossos longos; Retinopatia; Hemossiderose (pelo histórico transfusional). Portadores de HbSS apresentam evolução mais complexa, ao passo que pacientes com HbSC e Sβ- talassemias têm manifestações mais brandas, porém há esplenomegalia frequente. Sinais e sintomas presentes na anemia falciforme DIAGNÓSTICO: Como alterações laboratoriais típicas, destaca-se a anemia moderada (Hb entre 7 e 9 mg/dL), geralmente de caráter microcítico (com hipocromia na S/β- talassemia). O acúmulo de bilirrubina indireta e de desidrogenase lática sugerem a presença de hemólise. Hb Ht VCM Rt SS 6-10 20-30 80-100 10-15 S/β0 6-10 20-30 60-80 10-15 S/β+ 8-12 30-36 65-75 3-6 SC 10-12 30-36 70-90 5-10 Resultados do hemograma para os diferentes genótipos em anemia falciforme (hemoglobina, hematócrito, volume corpuscular médio e reticulócitos, respectivamente) A AF pode causar diversas complicações durante a gestação, como abortamentos espontâneos (lesões microvasculares na placenta) e restrição de crescimento intrauterino (hipóxia placentária e desnutrição) Júlia Figueirêdo – FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIAS Na série branca, a alteração mais comum é a leucocitose. As plaquetas podem manter- se normais ou estarem aumentadas. Ao realizar o esfregaço de sangue periférico são evidentes eritrócitos falcizados e hemácias em alvo (típicas da hemoglobinopatia SC). Hemácia em foice (seta) e eritrócitos hipocrômicos em S/β-talassemia A diferenciação dos tipos de doença falciforme (padrões genéticos) requer a identificação e quantificação dos tipos de hemoglobina, que pode ser realizada tanto pela eletroforese de hemoglobina (mais usual) ou pela cromatografia líquida de alta performance. Quanto aos resultados, não existe HbA na anemia falciforme (substituída por HbS), ao passo que, na S/β-talassemia, a HbA2 está aumentada, junto à queda de VCM no hemograma. Hb (%) SS S = 80-95 A2 = 2-3 HbF = 2-20 S/β0 S = 75-95 A2 = 4-6 HbF = 2-20 S/β+ S = 50-85 A2 = 4-6 HbF = 2-20 SC S = -50 C = -50 Resultados dos tipos de hemoglobina detectados por eletroforese TRATAMENTO: De modo geral, o manejo da AF consiste em acompanhamento clínico constante, com apoio da equipe multidisciplinar. A hidroxiureia tem sido cada vez mais utilizada como forma de evitar crises álgicas, aumentando a HBF,além de modificar a expressão de moléculas de adesão e de induzir mielossupressão. A dose diária é de 10 a 15 mg/kg/dia por 6 a 8 semanas, havendo monitoramento do hemograma a cada 2 semanas e da HbF, nos mesmo intervalo do tratamento. Durante a infância, em específico, é muito importante a prevenção contra infecções, que pode ser feita pela imunização (principalmente para pneumococos e Haemophilus) e pela profilaxia com penicilina (até os 5 anos). A transfusão de concentrado de hemácias apresenta duas finalidades principais em pacientes com AF: corrigir quadros anêmicos sintomáticos e minimizar complicações pela redução da proporção HbS/HbA. Ressalta-se que esse não é um tratamento de indicação universal, sendo recomendado principalmente em pacientes mais velhos (mais complicações). Longo histórico de transfusões pode levar ao acúmulo e sobrecarga de ferro, que pode ser evitado pelo tratamento profilático com medicações quelantes em pacientes com regime transfusional. Júlia Figueirêdo – FADIGA, PERDA DE PESO E ANEMIAS Indicações para hemoterapia na anemia falciforme A única estratégia curativa é o transplante de medula óssea, porém essa é uma estratégia que implica em riscos de morbidade e mortalidade.
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