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Autor: Prof. Antônio Palmeira de Araújo Neto Colaboradora: Profa. Christiane Mazur Doi Governança Corporativa de TI Professor conteudista: Antônio Palmeira de Araújo Neto Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Paulista – UNIP (2013). Especialista em Gestão da Tecnologia da Informação pelo Centro Universitário Uninassau, em Pernambuco (2010). Engenheiro de Telecomunicações pela Universidade de Pernambuco (2008). Professor e coordenador geral do curso superior em Tecnologia em Gestão da Tecnologia da Informação na UNIP, lecionando também em outros cursos na modalidade presencial e a distância. Professor e coordenador do curso Técnico em Telecomunicações da Fundação Instituto de Educação de Barueri. Tem mais de dez anos de experiência em gestão e governança de TI, bem como na prestação de serviços de TI a empresas do segmento financeiro e a concessionárias de serviços de telecomunicações. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A663g Araújo Neto, Antônio Palmeira de. Governança Corporativa de TI / Antônio Palmeira de Araújo Neto. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 172 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Governança. 2. Modelo. 3. Cobit. I. Título. CDU 658.011.56 U512.06 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Elaine Pires Willians Calazans Sumário Governança Corporativa de TI APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 GOVERNANÇA CORPORATIVA .................................................................................................................... 11 1.1 Introdução, histórico e evolução da governança corporativa ........................................... 11 1.1.1 Definição de governança corporativa .............................................................................................11 1.1.2 Fundamentos da governança corporativa .................................................................................... 13 1.1.3 Surgimento da governança corporativa ....................................................................................... 14 1.1.4 Outros processos históricos que aperfeiçoaram a governança corporativa ................... 16 1.1.5 Stakeholders .............................................................................................................................................. 19 1.2 Estrutura de poder, controle e administração .......................................................................... 20 1.2.1 Estruturas e mecanismos da governança corporativa ............................................................ 20 1.2.2 Assembleia geral e conselho fiscal ................................................................................................... 22 1.2.3 Conselho de administração ................................................................................................................ 22 1.2.4 Comitê de auditoria, auditoria independente e auditoria interna ..................................... 25 1.2.5 Direção executiva.................................................................................................................................... 26 2 PANORAMA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL E NO MUNDO ............................. 29 2.1 Marcos da governança corporativa .............................................................................................. 29 2.1.1 Influências de Robert Monks ............................................................................................................. 29 2.1.2 Relatório Cadbury ................................................................................................................................... 31 2.1.3 Princípios da OCDE ................................................................................................................................. 32 2.1.4 Lei Sarbanes-Oxley ................................................................................................................................. 35 2.1.5 Impactos da SOX na área de tecnologia da informação ........................................................ 38 2.2 Modelos de governança corporativa ............................................................................................ 41 2.2.1 Modelos de governança corporativa utilizados no mundo ................................................... 41 2.2.2 Governança corporativa no Brasil ................................................................................................... 43 2.2.3 IBGC .............................................................................................................................................................. 45 2.2.4 Governança corporativa em empresas familiares ..................................................................... 47 Unidade II 3 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI ........................................................................................................ 56 3.1 Conceitos básicos de governança corporativa de TI .............................................................. 56 3.1.1 Diferenças entre governança de TI e gestão de TI..................................................................... 56 3.1.2 Definição e objetivos da governança de TI .................................................................................. 58 3.1.3 Histórico da governança de TI ........................................................................................................... 60 3.1.4 Motivadores da governança de TI .................................................................................................... 62 3.2 Fundamentos da governança corporativa de TI ...................................................................... 66 3.2.1 Ciclo da governança de TI ................................................................................................................... 66 3.2.2 Papéis, funções e responsabilidades relacionados à governança de TI ............................. 67 3.2.3 O alinhamento estratégico da TI ...................................................................................................... 69 3.2.4 Planejamento estratégico de TI ......................................................................................................... 70 4 A GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI E A TOMADA DE DECISÃO .............................................. 73 4.1 Decisões em governança corporativa de TI ............................................................................... 73 4.1.1 Tomada de decisão .................................................................................................................................73 4.1.2 Decisões em TI: princípios de TI e arquitetura de TI ................................................................. 76 4.1.3 Decisões em TI: infraestrutura de TI e necessidade de aplicações de negócios ............ 77 4.1.4 Decisões em TI: investimentos e priorizações ............................................................................. 79 4.2 Arquétipos decisórios e ferramentas de tomada de decisão .............................................. 81 4.2.1 Arquétipos de governança de TI ....................................................................................................... 81 4.2.2 Matriz de arranjos da governança de TI ........................................................................................ 83 4.2.3 Mecanismos para implementar a governança de TI................................................................. 85 4.2.4 Implementação do processo decisório e dos mecanismos de governança de TI.......... 86 Unidade III 5 MODELOS E PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI ................................................... 93 5.1 Modelos e frameworks de governança de TI ............................................................................ 93 5.1.1 Modelo e melhores práticas de governança de TI desenvolvidos pelo CISR do MIT ..............93 5.1.2 Modelo baseado no ciclo de governança de TI .......................................................................... 96 5.1.3 Modelo baseado na norma ISO 38500:2018 .............................................................................101 5.1.4 Princípios e práticas da norma ISO 38500:2018 ......................................................................103 5.2 Modelos que suportam a governança de TI ............................................................................104 5.2.1 A relação entre modelos de governança de TI e de suporte à governança de TI .......104 5.2.2 Modelo Babok® ......................................................................................................................................105 5.2.3 Modelo BPM CBOK® ............................................................................................................................108 5.2.4 Modelo Togaf ..........................................................................................................................................109 5.2.5 Modelos para a gestão de projetos de TI .................................................................................... 110 5.2.6 Modelos para a gestão de serviços de TI ..................................................................................... 113 6 MODELO COBIT® ............................................................................................................................................115 6.1 Histórico e introdução ao Cobit® ................................................................................................116 6.1.1 Contexto histórico do Cobit® ..........................................................................................................116 6.1.2 Evolução do Cobit® ..............................................................................................................................117 6.1.3 Características do Cobit® ...................................................................................................................119 6.1.4 Aplicação e benefícios do Cobit® .................................................................................................. 120 6.2 Cobit® 4.1 e Cobit® 5 ........................................................................................................................121 6.2.1 Cobit® 4.1 .................................................................................................................................................121 6.2.2 Estrutura do Cobit® 4.1 ..................................................................................................................... 122 6.2.3 Cobit® 5 ................................................................................................................................................... 124 6.2.4 Estrutura do Cobit® 5......................................................................................................................... 126 Unidade IV 7 COBIT® 2019: INTRODUÇÃO GERAL AO MODELO ............................................................................135 7.1 Princípios e práticas ..........................................................................................................................135 7.1.1 Introdução .............................................................................................................................................. 135 7.1.2 Princípios ................................................................................................................................................. 137 7.1.3 Componentes do sistema de governança.................................................................................. 138 7.1.4 Áreas de foco ......................................................................................................................................... 138 7.2 Fatores de desenho, cascata de objetivos e gerenciamento do desempenho ...........139 7.2.1 Fatores de desenho ............................................................................................................................. 139 7.2.2 Cascata de objetivos do Cobit® 2019 .......................................................................................... 144 7.2.3 Gerenciamento do desempenho do Cobit® 2019 .................................................................. 147 8 COBIT® 2019: OBJETIVOS DE GOVERNANÇA E GESTÃO ................................................................148 8.1 Objetivos de governança e gestão ..............................................................................................148 8.1.1 Introdução .............................................................................................................................................. 148 8.1.2 Propósitos dos objetivos de governança e gestão ................................................................. 149 8.1.3 Estrutura dos objetivos de governança e gestão .................................................................... 152 8.1.4 Componentes dos objetivos de governança e gestão .......................................................... 153 8.2 Exemplos de objetivos de governança/gestão, desenho e implementação ...............156 8.2.1 Exemplo de objetivos de governança .......................................................................................... 156 8.2.2 Os objetivos de governança/gestão e a cascata de objetivos ............................................ 160 8.2.3 Desenhando um sistema de governança customizado .........................................................161 9 APRESENTAÇÃO Prezado aluno, A Tecnologia da Informação (TI) tem se configurado cada vez mais como um importante recurso estratégico para praticamente todas as empresas. Muitos negócios foram totalmente transformados com a chegada da TI e hoje não sobrevivem mais sem as ferramentas tecnológicas digitais e as facilidades por elas proporcionadas. A TI agregou muito valor aos negócios, e, de forma bem concreta, é possível citar diversos benefícios entregues. Entre eles, podemos citar: a integração dos processos por meio dos sistemas Enterprise Resource Planning (ERP); a melhoria no relacionamento com os clientes por meio dos sistemas Customer Relationship Management (CRM); a adequada gestão da cadeia de suprimentos por meio de sistemas Supply Chain Management (SCM); o suporte à tomada de decisão por meio de Sistemas de Informação Gerencial (SIG); a infraestrutura de negócios otimizada a partir da infraestrutura de TI etc. Com o olhar voltado para as tecnologias emergentes, podemos observar um grande favorecimento a uma novarevolução industrial que gerou o que conhecemos por Indústria 4.0. Entre essas tecnologias podemos mencionar: realidade virtual; realidade aumentada; Internet of Things (IoT); Internet of Services (IoS); Big Data; Cloud Computing; Virtualização; Machine Learning, entre outras. Tomando uma dessas tecnologias, podemos citar a Cloud Computing, também conhecida como Computação em Nuvem, que revolucionou a forma de enxergar a infraestrutura de TI apresentando-a como um serviço e com desdobramentos para plataformas e softwares. Todo esse cenário associado a novas tecnologias e outras questões – como segurança da informação e regulamentações de mercado – resultou em um aumento da preocupação com a TI por parte da alta direção de muitas empresas. A atenção dos dirigentes começou a se voltar para o desempenho da TI criando as bases do surgimento de um sistema de governo para ela por entregar mais valor e competitividade aos negócios. É importante também destacar que, antes mesmo da percepção da necessidade de governar em TI, existe, desde o século passado, todo um processo de despertar para a chegada de uma governança corporativa na empresa como um todo. Essa governança corporativa, uma vez implementada, tem como consequência um desdobramento de práticas de governo para todos os ativos principais do contexto organizacional. Um desses ativos é representado pela informação e por suas tecnologias relacionadas. Assim, da percepção da importância da TI e do desdobramento das práticas da governança corporativa, estabelece-se a ideia de dirigir, monitorar e controlar o uso das tecnologias da informação nas organizações por meio de uma governança corporativa de TI. Boa leitura! 10 INTRODUÇÃO Esta disciplina tem como objetivo apresentar as práticas de governança corporativa de Tecnologia da Informação (TI) aplicadas nas organizações. Como desdobramento desse objetivo principal, conheceremos um pouco sobre governança corporativa, mencionando o panorama da governança corporativa no Brasil e no mundo, os seus modelos, as suas práticas e as suas estruturas. Ao ler este livro-texto, espera-se que você compreenda os fundamentos da governança corporativa e da governança corporativa de TI, apresentando os seus motivadores e as práticas utilizadas no mercado, bem como os frameworks mais comuns. Este livro-texto foi dividido em quatro unidades. Na primeira unidade serão apresentados uma introdução, histórico e evolução da governança corporativa. Ainda nessa unidade apresentaremos as estruturas de poder e os marcos da governança corporativa, com ênfase na Lei Sarbanes-Oxley. A segunda unidade tem como foco a governança corporativa de TI, apresentando os motivadores, os fundamentos e o seu relacionamento com a estrutura de tomada de decisão relacionada à TI. Serão apresentados, ainda, mecanismos de tomada de decisão em governança de TI. Na terceira unidade avançaremos na mesma temática da unidade anterior, apresentando os frameworks de governança e os frameworks que suportam a governança. Ainda vamos introduzir o modelo Cobit® e os seus conceitos principais. Na quarta unidade daremos continuidade à apresentação do modelo Cobit® por meio dos seus princípios, práticas e forma de implementação na sua versão mais atual, que é de 2019. Esperamos que você tenha uma boa leitura e se sinta motivado a ler e conhecer mais sobre governança corporativa de TI. 11 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI Unidade I 1 GOVERNANÇA CORPORATIVA Já passou o tempo em que a área da TI era considerada uma estrutura organizacional isolada das outras existentes em uma empresa. Há pelo menos três décadas, a TI tem feito um caminho de aproximação dos negócios, por meio de práticas de alinhamento estratégico, de forma que as estratégias corporativas cada vez mais foram assimiladas e desdobradas em estratégias de TI. Todo esse processo de alinhamento estratégico tem ocorrido não somente na área de TI, mas em diversas outras áreas (financeira, recursos humanos, comercial, operacional, dentre outras) graças à ideia de Governança Corporativa (GC). Em um primeiro momento, pensou-se que a GC seria mais um modismo que dominaria temporariamente o mundo da administração moderna. No entanto, desde a década de 1980, o que observamos é um crescimento da relevância do tema e forte disseminação das suas práticas nas empresas. Neste primeiro capítulo, apresentaremos as bases da GC, passando pelo seu histórico e pela sua evolução, além de apresentar os conceitos introdutórios que permitem entender como funcionam os sistemas de governo nas empresas. Apresentaremos também as estruturas de poder, controle e administração das organizações. 1.1 Introdução, histórico e evolução da governança corporativa 1.1.1 Definição de governança corporativa Para compreendermos bem o conceito de GC, vamos partir de duas definições, sendo uma nacional, oriunda do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e a outra internacional, originada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A primeira definição vem do IBGC (2015, p. 19): Governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para sua longevidade. 12 Unidade I Guardando semelhanças com a definição anterior, a segunda pode ser encontrada nos princípios da OCDE. Ela apresenta a GC como um sistema de direção e controle de forma a estabelecer os direitos de decisão e responsabilidade nas organizações, envolvendo conselho de administração, direção executiva, acionistas e diversas outras partes interessadas. Ainda a partir dos princípios da OCDE, é possível compreender que a GC oferece o lastro para o estabelecimento dos objetivos empresariais, bem como a forma de atingi-los (OCDE, 2004). Observação O IBGC e a OCDE possuem representatividade no Brasil e no mundo, e liderança considerável na discussão dos temas que envolvem os sistemas de governo nas empresas e as suas relações com os mercados nacionais e internacionais. Outros organismos multilaterais – organizações formadas por governos de diversos países – e diversos autores acadêmicos apresentam muitas outras definições para a GC. Por isso, Silva (2016) agrupou essas definições em quatro grandes grupos ou abordagens conceituais. Guardiã de direitos Governança corporativa Visão conceitual Sistema normativo Sistema de relações Estrutura de poder Figura 1 – Abordagem relativa às conceituações do sistema de governança corporativa Fonte: Silva (2016, p. 30). A GC pode ser compreendida primeiro como uma guardiã de direitos de todos os stakeholders de uma organização. Assim, a GC é responsável por garantir o ajuste dos interesses dos proprietários e da direção executiva, zelando pela justiça e transparência nas ações dentro do contexto corporativo. 13 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI Observação Stakeholder é um termo muito utilizado em governança que quer dizer pessoa ou parte interessada que tem interesse legítimo nas empresas. Como um sistema de relações, a GC estabelece como se dá o relacionamento entre os diversos stakeholders das organizações (conselho de administração, direção executiva, acionistas, auditoria e conselho fiscal). Dessa forma, a GC estabelece-se como um campo da administração voltado para relacionamentos entre estruturas de propriedade, controle e direção. Partindo para o terceiro grande grupo de definições, a GC pode ser entendida como aquela que lastreia os mecanismos e as estruturas de poder percebidas dentro das organizações. Essas estruturas de poder exercem a liderança e a tomada de decisão, zelando pela perenidade dos negócios e pela maximizaçãodos benefícios esperados pelos proprietários. Chegando ao último grande grupo de abordagens conceituais, a GC e as suas boas práticas apresentam-se a um sistema normativo responsável por gerir as relações internas e externas da organização. 1.1.2 Fundamentos da governança corporativa Alguns conceitos e definições já mencionados em GC podem parecer pouco claros e outros até bem distantes dos profissionais que têm pouca experiência com termos utilizados na administração moderna. Algumas palavras-chave mencionadas nas definições de GC (por exemplo: relações) podem ter significados diferentes em outras áreas do conhecimento. Por isso, convém conhecermos bem cada um desses termos importantes. O quadro a seguir apresenta algumas expressões-chave mencionadas anteriormente. Quadro 1 – Expressões-chave utilizadas em governança corporativa Expressão-chave Conceito Valores Sistema de valores que rege as corporações em suas relações internas e externas. Direitos Sistema de gestão que visa preservar e maximizar o retorno total de longo prazo dos proprietários, assegurando justo tratamento aos minoritários e a outros grupos de interesse. Relações Práticas de relacionamento entre acionistas, conselhos e direção executiva que têm como objetivo maximizar o desempenho da organização. Governo Sistema de governo, gestão e controle das empresas que disciplina suas relações com todas as partes interessadas em seu desempenho. Poder Sistema e estrutura de poder que envolve a definição da estratégia, as operações, a geração de valor e a destinação dos resultados. Normas Conjunto de instrumentos, derivados de estatutos legais e de regulamentos, que tem como objetivo a excelência da gestão e a observância dos direitos dos stakeholders afetados pelas decisões dos gestores. Adaptado de: Andrade e Rossetti (2012, p. 117). 14 Unidade I Depois de conhecermos as definições de GC e os termos mais importantes, passemos agora a compreender o que vem a ser os princípios da GC. Esses princípios são os componentes que dão sustentação às práticas e aos processos de alta gestão relacionados ao governo de empresas e que direcionam a tomada de decisão corporativa. Observação É comum encontrarmos alguns autores chamando os princípios da GC de valores da GC. Os princípios da GC são: • Equidade: também chamada pelo termo em inglês fairness, pode ser compreendida como senso de justiça na tratativa com os acionistas, respeitando os direitos dos acionistas minoritários. • Transparência: também chamada pelo termo em inglês disclosure, remete à necessidade de transparência das informações, considerando a relevância e os impactos nos negócios. • Prestação de contas: também conhecida pelo termo em inglês accountability, está relacionada à necessidade de prestação de contas alinhada às melhores práticas contábeis e de auditoria. • Conformidade: também conhecida pelo termo em inglês compliance, relaciona-se ao cumprimento de normas e regulamentações existentes a partir dos estatutos sociais, nos regimentos internos e na legislação do país. Saiba mais Para informações adicionais sobre as definições e os fundamentos da GC, leia o capítulo 2 do livro a seguir: SILVA, E. C. Governança corporativa nas empresas: guia prático de orientação para acionistas, investidores, conselheiros de administração e fiscal, auditores, executivos, gestores, analistas de mercado e pesquisadores. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2016. 1.1.3 Surgimento da governança corporativa Antes de chegarmos ao estágio atual de práticas de GC, a sociedade e as organizações de forma geral passaram por muitas evoluções e transformações. Por isso, Andrade e Rossetti (2012) mencionam a sucessão de seis processos históricos até que os conceitos e as ações de GC se firmassem nas empresas. Veja a seguir: 15 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI • Processo 1: evolução do capitalismo e das corporações. • Processo 2: o gigantismo e o poder das corporações. • Processo 3: a dispersão do capital de controle. • Processo 4: o divórcio entre a propriedade e a gestão. • Processo 5: conflitos na relação de agência. • Processo 6: o despertar da governança corporativa. A figura a seguir apresenta esses processos interligados. A formação, o desenvolvimento e a evolução Do sistema capitalista Do mundo corporativo O gigantismo e o poder das corporações O processo de diluição do capital de controle. Os conflitos e os custos da diluição do controle e a ascensão dos gestores como novas figuras que se estabeleceram no topo do mundo corporativo. O divórcio entre a propriedade e a gestão. O despertar da governança corporativa Figura 2 – Processos históricos que levaram ao despertar e ao aprimoramento da governança corporativa Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 29). O primeiro processo histórico que cooperou com o estabelecimento das ideias de GC foi a evolução concomitante do capitalismo e das corporações. Essa evolução deu-se a partir de pelo menos oito momentos marcantes na formação do sistema capitalista e no desenvolvimento das corporações, e estão apresentados no quadro a seguir. 16 Unidade I Quadro 2 – Momentos marcantes na formação do sistema capitalista e no desenvolvimento das corporações Momento Período Característica Ética calvinista Séculos XVI e XVII – O calvinismo foi um movimento protestante que fazia contraponto à Igreja católica em diversas questões, inclusive econômicas. – Os calvinistas não condenavam a riqueza, pelo contrário, aprovavam a promoção e o bom uso. – Os calvinistas enxergavam a energia empresarial como inviolável e sagrada determinação divina. Doutrina liberal Século XVIII – Doutrina que diminuía a ação e a intervenção do Estado na economia. – Os liberais acreditavam no surgimento da “mão invisível” do mercado e no livre empreendimento. – Eles davam ênfase à propriedade privada dos meios de produção. Revolução Industrial Século XVIII – Essa revolução gerou mudanças substanciais nos modos de produção e nas relações entre os agentes econômicos. – Estabeleceu as bases tecnológicas do desenvolvimento do sistema capitalista. – Deu ênfase no desenvolvimento da indústria dos bens de capital. Tecnologia, escalas e produção em série Século XIX – Surgimento da produção em grande escala e em série. – Diversificação industrial, gerando grandes benefícios para a sociedade. Ascensão do capital como fator de produção Século XIX – Ocorre a transposição histórica do poder da terra para o poder do capital (máquinas, equipamentos, prédios, ferramentas e dinheiro). – Emerge uma nova classe dominante. Surgimento das sociedades anônimas Século XIX – Surgem as sociedades em que a propriedade – ou seja, as ações – tem o seu controle fragmentado na mão de inúmeros acionistas. – Crescimento do sistema acionário e do mercado de capitais. Crash de 1929 Século XX – A Bolsa de Valores de Nova York quebra, desencadeando uma crise econômica devastadora. Desenvolvimento da ciência da administração Século XX – Surgimento das escolas clássicas e neoclássicas de administração. – Surgimento das práticas japonesas de gestão. Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 57). Todos esses fatos e contextos mencionados em cinco séculos de capitalismo contribuíram para que as corporações alcançassem grande importância na dinâmica econômica dos países e nos mercados. Essa importância acarretou grande preocupação em administrar e governar as corporações, fazendo nascer no século XX a governança corporativa, que evoluiu e se aperfeiçoou a partir de outros processos históricos que se sucederam nesse mesmo século. 1.1.4 Outros processos históricos que aperfeiçoaram a governança corporativa Conforme mencionado anteriormente, o primeiro processo histórico que fez surgir a GC foi a evolução do capitalismo e das corporações. A partir dele se sucederam mais cinco processos: o gigantismo e o poder das corporações; a dispersão do capital de controle; o divórcio entre a propriedade e a gestão; conflitos na relaçãode agência; e o despertar da governança corporativa. 17 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI O gigantismo e o poder das corporações se deram a partir de um processo expansionista, que ocorre pouco tempo depois do Crash da Bolsa de Nova York, em 1929. Vários fatores contribuíram com essa expansão, entre eles: avanços tecnológicos; expansão demográfica; aburguesamento da sociedade; evolução do mercado de capitais; fusões e aquisições de empresas; transnacionalização de companhias etc. A figura a seguir apresenta uma pequena ideia desse agigantamento das corporações, especificamente nos Estados Unidos, em um corte temporal que vai de 1955 até 2013. Dimensões consideradas (bilhões de US$ correntes) Anos 1955 1960 1970 1980 1995 2010 2013 Produto nacional bruto (a) 395,9 518,9 1.012,9 2.725,4 7.325,1 14.582,4 16.800,0 Receitas operacionais. Totais das 500 maiores companhias (b) 149,1 197,4 469,3 1.436,0 4.228,7 10.634,6 12.210,5 % das receitas operacionais em relação ao PNB: (b)/(a).100 37,7 38,0 46,3 52,7 57,7 73,0 72,7 37,7 38,0 46,3 52,7 57,7 73,0 72,7 1955 0 10 20 30 40 50 60 70 80 1960 1970 1980 1995 2010 2013 Receitas operacionais das 500 maiores corporações em relação ao PNB (%) Figura 3 – O gigantismo das corporações dos EUA, a maior economia mundial: uma visão de sua expansão histórica Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 61). Todo esse gigantismo e o poder das corporações cooperaram para uma grande correlação entre o mundo corporativo e as economias locais e mundial. Comprovamos isso quando observamos a figura anterior, por exemplo, no ano de 2010, e verificamos que as quinhentas maiores corporações dos EUA tinham propriedade sobre uma receita líquida equivalente a, pelo menos, 73% do Produto Nacional Bruto do país. Em última análise, esse cenário nos leva a crer que, necessariamente, problemas nas corporações (por exemplo fraudes financeiras ou falências) podem ser propulsores de grandes problemas nas cadeias produtivas globais. Tudo isso confere importância ainda maior na definição, difusão e adoção de boas práticas de GC para prevenir problemas que poderiam atingir os mercados. 18 Unidade I Outro processo histórico fundamental na evolução da GC é conhecido como dispersão do capital de controle, e ocorreu praticamente no mesmo momento que o processo anterior. Impulsionado pelas sociedades anônimas e pelo aumento do mercado de capitais pós-quebra de 1929, as empresas começaram a abrir o seu capital na bolsa, e o número de acionistas aumentou de forma considerável. Essa pulverização e despersonalização de propriedade gerou a figura do acionista despreocupado com a gestão da corporação, cujos interesses se davam apenas no retorno de investimentos e no valor de mercado das empresas. Esse cenário inaugurou o próximo processo histórico, conhecido como divórcio entre a propriedade e a gestão. O divórcio gerou a figura do proprietário passivo, ou seja, aquele que se interessava apenas pelo usufruto do lucro da companhia e do aumento do seu valor de mercado. É interessante perceber que a propriedade foi se afastando cada vez mais da gestão devido também à morte de muitos proprietários-fundadores das empresas e porque havia grande pressão para que as empresas estivessem integradas ao mercado de capitais. Esse afastamento entre propriedade e gestão fez com que as atenções se voltassem para a relação de agência e os seus conflitos. Na relação de agência, de um lado temos os proprietários acionistas, e, do outro, temos os gestores (que não detêm propriedade da corporação), e cada um deles (proprietários e gestores) tem os seus próprios interesses, às vezes distintos. A figura a seguir apresenta a ideia do conflito na relação de agência, que é considerado um dos processos históricos que cooperou com a evolução das práticas de GC e consagrou a teoria de agência. Acionistas • Principais • Focados em: – Decisões financeiras – Alocação de recursos – Máximo retorno – Riscos e diversificação Gestores • Agentes • Focados em: – Decisões empresariais – Domínio do negócio – Conhecimento de gestão – Estratégia, operações • Serviços de gestão • Informações sobre oportunidades, resultados e riscos • Recursos para capitalização • Remuneração pelos serviços Figura 4 – Relação de agência Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 85). Andrade e Rossseti (2012) mencionam que as razões para os conflitos de agência são duas: inexistência de contrato completo e a inexistência do agente/principal perfeito. 19 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI Especificamente sobre a razão inexistência do contrato completo, podemos dizer que há, normalmente, nas corporações, grande número de ocorrências imprevisíveis e uma multiplicidade de reações a cada nova ocorrência. Tudo isso impossibilita um contrato de grande abrangência que considere as situações de conflito em sua totalidade. Sobre a inexistência de agente/principal perfeito, podemos afirmar que essa razão se sustenta em dois pilares: o primeiro nos remete à força do interesse próprio, que as pessoas normalmente possuem; e o segundo, à natureza humana e racional, que dificilmente faz os objetivos alheios moverem, em primeiro lugar, as suas ações. Chegamos, enfim, ao último processo histórico, o momento em que houve, de fato, o despertar da GC que conhecemos nos dias de hoje. O quadro 3 apresenta as razões, de forma resumida, que contribuíram para o despertar da GC em um contexto mais moderno. Quadro 3 – Razões para o despertar da governança corporativa Razões essenciais Razões adicionais externas Razões adicionais internas – Relacionamento acionistas- corporações cada vez mais conflituoso. – Questionável constituição de conselhos de administração. – Atuação da direção executiva no dia a dia das corporações. – Mudanças macroambientais influenciadas pela globalização. – Mudanças no ambiente de negócios com novas arquiteturas de poder. – Revisões institucionais forçadas por escândalos e regulamentações. – Mudanças societárias oriundas de fusões, aquisições e processos sucessórios. – Realinhamentos estratégicos com resposta à análise do ambiente de negócios. – Reordenamentos organizacionais internos. Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 102). Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre os processos históricos que fizeram surgir e aperfeiçoar a ideia que temos de GC nos dias de hoje, leia o capítulo 1 do seguinte livro: ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2012. 1.1.5 Stakeholders Em administração, de forma geral, utilizamos o termo stakeholders para designar uma pessoa, uma área ou um grupo com interesses legítimos nas empresas. Eles podem ser classificados de quatro formas diferentes. Veja a seguir. 20 Unidade I • Shareholders: primeiro e mais importante grupo de stakeholders, os shareholders são compostos pelos proprietários e investidores. Seu interesse reside na maximização do retorno sobre os investimentos e no aumento do valor de mercado da empresa. • Internos: este segundo grupo é integrado pelo conselho de administração, direção executiva e demais funcionários da empresa. Têm os seus interesses voltados para a remuneração, bonificações, participação nos lucros, reconhecimento e eventuais oportunidades que venham a surgir dentro do contexto corporativo. • Externos: são formados pelos credores, fornecedores e clientes. O interesse dos credores reside nos resultados positivos da empresa de forma que as dívidas sejam liquidadas. Já os fornecedores desejam a regularidade nas relações comerciais e o desenvolvimento conjunto. Os clientes querem preço justo e produtos de qualidade, em conformidade com o solicitado. • Entorno: integram este grupo as organizações não governamentais (ONGs), o governo, a sociedade e as comunidades locais. Observação Os stakeholders externos e os do entorno estão no contexto exógeno. A principal diferença é que o externo está diretamente ligado à cadeia derelações do negócio, já os do entorno não possuem essa relação. 1.2 Estrutura de poder, controle e administração 1.2.1 Estruturas e mecanismos da governança corporativa Uma das abordagens conceituais mencionadas anteriormente apresentava a GC como responsável pelo estabelecimento das estruturas de poder de uma empresa. Integram essas estruturas diversos atores inseridos em ambientes específicos, que fazem os controles e a administração corresponderem às expectativas dos proprietários. Observação A GC possui quatro abordagens conceituais: sistema de relações; estrutura de poder; guardiã de direitos; e sistema normativo. De forma geral, podemos dividir os ambientes dentro do governo de uma empresa em quatro: ambiente de propriedade; ambiente de controle; ambiente de auditoria e fiscalização; e ambiente de administração. É comum encontrarmos pessoas que transitam por mais de um ambiente, favorecendo o vínculo entre as partes interessadas e contribuindo para a redução dos conflitos na relação de agência. 21 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI A figura 5 apresenta esses ambientes interligados e os seus mais diversos componentes, tais como assembleia geral, conselho de administração, conselho fiscal e direção executiva. Unidades de serviços compartilhados Unidades de negócios Diretoria executiva Conselho de administração Assembleia geral ordinária/extraordinária Acionistas controladores Auditoria independente Conselho fiscal "turbinado" Conselho fiscal Comitê de auditoria Auditoria interna Credores Governos Fornecedores Comunidades locais Clientes consumidores ONGs Acionistas minoritários Acionistas preferenciais Administração Cadeia de negócios Entorno Outras partes com interesses em jogo na companhia Controle Propriedade Auditoria e fiscalização – Supervisão – Pareceres – Orientação Figura 5 – Ambiente da governança corporativa Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 256). O ambiente de propriedade é composto pelos acionistas, que são aqueles que possuem ações da empresa, ou seja, são os proprietários. Eles se dividem em: • Acionistas minoritários: têm posse de um número pequeno de ações, sem poder suficiente nas decisões das organizações. Dividem-se entre aqueles que têm ações ordinárias (com direito a voto) e ações preferenciais (sem direito a voto). • Acionistas majoritários: detêm a maior parte das ações. 22 Unidade I Mencionando os outros ambientes, podemos dizer que o ambiente de controle dentro das empresas favorece a aderência das ações e os objetivos estratégicos às expectativas dos proprietários. Já o ambiente de auditoria e fiscalização atua nos mais diversos níveis da corporação, principalmente na área financeira, com o intuito de analisar os resultados e a sua integridade. O ambiente de administração é um dos mais importantes e tem foco na excelência operacional e eficácia estratégica a partir do planejamento, da direção e da organização das ações e da tomada de decisão. 1.2.2 Assembleia geral e conselho fiscal A assembleia geral é um dos principais órgãos nas estruturas de GC, sendo considerado soberano em suas decisões e deliberações. O poder é exercido de forma máxima por essa assembleia, que é formada exclusivamente pelos acionistas da empresa, responsáveis por outorgar poderes para outras áreas e pessoas dentro da organização. De forma ordinária, uma vez por ano (até o dia 30 de abril, no máximo), a assembleia geral é convocada com a responsabilidade de analisar a prestação de contas do ano anterior por meio de relatórios e demonstrações financeiras. Quando ocorre lucro ao fim do resultado, os membros da assembleia deliberam sobre o uso dele. É também na convocação ordinária que se dá a eleição dos membros do conselho de administração e do conselho fiscal. De forma extraordinária, a assembleia geral se reúne para deliberar sobre quaisquer outros assuntos não relacionados aos anteriores, ou em algum momento de crise, em que cabe a ação dos proprietários em assembleia. Ainda de forma extraordinária, é possível reformar o estatuto social da empresa, transferir controles e remover membros da administração. O conselho fiscal é outro órgão da GC de grande importância. Ele é normalmente composto de três ou cinco membros, em sua maioria acionistas, eleitos pela assembleia geral. A sua responsabilidade reside em examinar, fiscalizar e avaliar as ações da administração, principalmente no que tange às questões financeiras e seus desdobramentos. O conselho fiscal age independentemente do conselho de administração e, com o poder outorgado pela assembleia geral, representa os acionistas na fiscalização da alta direção da empresa em seus atos. Por isso, o conselho fiscal pode denunciar fraudes, erros e crimes diretamente para os proprietários, acionando-os por meio de uma assembleia geral extraordinária. O agrupamento constituído pelo conselho fiscal, comitê de auditoria, auditoria independente e auditoria interna forma o ambiente de fiscalização e controle da corporação. 1.2.3 Conselho de administração O conselho de administração é considerado o guardião dos interesses, valores e princípios dos acionistas. Os seus membros são eleitos pela assembleia geral e recebem a outorga de poder para tomar as decisões estratégicas e de controle dentro da corporação. 23 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI A ligação fiduciária entre os proprietários e a direção executiva da empresa se dá por meio do conselho de administração. É responsabilidade desse órgão monitorar o conjunto de riscos de gestão e os custos oriundos do conflito na relação de agência. No entanto, é importante colocar que algumas decisões, consideradas de alto impacto na organização, precisam ser levadas pelos conselheiros para a assembleia geral. É uma das atribuições do conselho de administração instalar o comitê de auditoria e a contratação da empresa responsável por fazer a auditoria independente da corporação. A destituição da empresa de auditoria independente também é uma atribuição do conselho de administração. O grau de envolvimento do conselho de administração em uma corporação varia de corporação para corporação. Assim, podemos, de acordo com o grau de envolvimento, classificar os conselhos de administração em cinco níveis diferentes. • Conselho passivo: tem pouco envolvimento na corporação, limitando-se a ratificar decisões da alta direção. • Conselho certificador: trabalha na avaliação da gestão perante os acionistas. • Conselho envolvido: tem grande envolvimento com a alta direção, atuando como parceiro da diretoria executiva. • Conselho interventor: tem profundo envolvimento na tomada de decisão, crucial para a corporação. • Conselho operador: atua de forma plena e envolvida na gestão, tomando as decisões e deixando a diretoria executiva apenas executá-las. Andrade e Rossetti (2012, p. 282) afirmam que: Estes diferentes modelos sugerem que pode ser definido o grau de envolvimento mais recomendável para a companhia, em função de suas requisições essenciais e de seu estágio de desenvolvimento. E sugerem mais: que o envolvimento pode mudar ao longo do tempo, para o melhor ajustamento do Conselho de Administração às questões que exigem sua participação ativa. No Brasil, os modelos mais praticados são o envolvido (59,8% entre as 1.000 maiores empresas) e o certificador (26,8%). A composição do conselho de administração precisa considerar representantes diretos dos proprietários (acionistas controladores e minoritários) e representantes de outros stakeholders da corporação. Deve também contemplar conselheiros independentes, de forma que o conselho de administração não seja uma extensão do grupo de acionistas controladores. 24 Unidade I O número de conselheiros deve ser sempre ímpar, com, no mínimo, três membros. Em tese não existe um número máximo de conselheiros, no entanto, é comum encontrar nove conselheiros, no máximo. Os membros do conselho de administração devem ter um envolvimento construtivo, focado emresultados e comprometido com a corporação. É de grande importância que todos os conselheiros sejam íntegros, éticos e com comprovada experiência para exercer as suas funções. Eles devem ter abertura para ouvir considerações e capacidade de analisar contextos, expressando de forma fecunda e franca os seus pontos de vista. As boas práticas de governança corporativa trazem a ideia de um colegiado de iguais, ou seja, onde todos têm o mesmo poder. O presidente do conselho de administração deve se comportar como coordenador de iguais, de forma que o seu poder de voto seja utilizado apenas em caso de desempate. Andrade e Rossetti (2012) apresentam uma síntese das boas práticas do conselho de administração de empresas no quadro a seguir. Quadro 4 – Síntese de boas práticas dos conselhos de administração Aspectos destacados Boas práticas recomendadas 1. Razões de ser Órgão-chave do processo de governança corporativa, exercendo funções deliberativas. Atua como guardião dos valores corporativos, tangíveis e intangíveis. Comprometimento com os interesses dos shareholders: retorno e valor da companhia. 2. Focos Assuntos estratégicos: visão, propósitos, direcionadores. Atento a riscos, oportunidades/ameaças e questões críticas da companhia. Monitoramento formal, crítico e construtivo de resultados e de desvios em relação a diretrizes e metas. Orientação de políticas funcionais, compatibilizando-as com estratégia de negócios. 3. Funcionamento Competências e funcionamento normatizados em Regimento Interno. Acesso irrestrito a informações: desempenho, riscos, fatos relevantes, projetos impactantes. Busca do consenso em suas decisões. Constituição de comitês como instrumentos de apoio à administração. 4. Poderes “Mini AG” permanente. Nomeia, fixa a remuneração, avalia e destitui o CEO. Orienta a auditoria interna quanto a seus propósitos. Contrata a auditoria independente, bem como especialistas e peritos, para embasamentos técnicos necessários às suas deliberações. Outros que venham a ser estabelecidos nos estatutos sociais. 5. Dimensão e composição Constituição baseada na complementaridade dos conselheiros, quanto a seus conhecimentos e experiências. Constituição por insiders, outsiders relacionados e conselheiros independentes. Participação de membros da diretoria executiva limitada à apresentação de resultados, políticas e projetos alinhados à estratégia. Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 295). 25 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI Também é possível encontrar, especificamente para o Brasil, um conjunto de boas práticas para os conselhos de administração, apresentado pelo IBGC (2015). A seguir, algumas dessas recomendações. • Conselheiros com mandato de, no máximo, dois anos e sem reeleição automática. • Separação entre os cargos de presidente do conselho de administração e diretor executivo, ou seja, não deve ser a mesma pessoa a ocupar os mesmos cargos. • Conselhos compostos de cinco a 11 membros. • A assembleia geral deve eleger, no mínimo, três membros, podendo destituí-los a qualquer momento. • Deve-se evitar a existência de conselheiro suplente. • Recomenda-se fortemente que existam apenas conselheiros externos e independentes para dar maior isenção na atuação do colegiado. • Deve-se evitar o pagamento de participação nos lucros para os conselheiros. Exemplo de aplicação Tomemos como exemplo a Petrobras, com suas estruturas de poder e controle que podem ser vistas em Petrobras (2020). Nela encontraremos o conselho de administração da empresa, composto de 11 membros, eleitos em assembleia geral ordinária para um mandato de até dois anos, admitidas, no máximo, três reeleições consecutivas. De todos os membros do conselho de administração, o presidente do conselho, o CEO e o representante dos empregados são não independentes. Todos os outros são membros independentes não executivos. O conselho fiscal da Petrobras é formado por cinco membros, com mandato de um ano, permitida reeleição, sendo um indicado pelos acionistas minoritários, um indicado pelos acionistas titulares de ações preferenciais e três indicados pela União, sendo um indicado pelo ministro da Economia, como representante do Tesouro Nacional. Tomando uma empresa de outro ramo da economia, pesquise sobre como é a composição do conselho de administração. 1.2.4 Comitê de auditoria, auditoria independente e auditoria interna Juntamente com o conselho fiscal, o comitê de auditoria, a auditoria independente e a auditoria interna formam os órgãos de auditoria e fiscalização no processo de GC. 26 Unidade I O comitê de auditoria é a estrutura mais tradicional no mundo corporativo nos Estados Unidos e na Europa. Os seus membros são indicados pelo conselho de administração e recebem a incumbência de supervisionar se as práticas contábeis e as demonstrações financeiras são íntegras. Com a autoridade que lhe cabe, é sua a responsabilidade de verificar a legalidade dos atos da administração. Observação As legislações e os marcos históricos da GC atestam que o comitê de auditoria é um dos órgãos do sistema de controle corporativo. A auditoria independente é outro elemento fundamental de fiscalização importante e obrigatório nas corporações. Esse trabalho é executado por uma empresa contratada de auditoria com competência técnica atestada por órgãos externos de controle. Esse contrato deve ser por prazo determinado. A empresa de auditoria externa não deve ter vínculo comercial com a empresa auditada, de forma a existir uma isenção nos seus trabalhos. Assim, a auditoria independente deve verificar as demonstrações financeiras geradas pela alta direção e fazer recomendações à administração sobre problemas e erros. Deve também proceder a uma avaliação dos controles corporativos internos, atestando ou não a sua confiabilidade. Ainda sobre a auditoria independente, é importante mencionar a relação desta com a auditoria interna da organização, que deve prestar todo suporte à empresa contratada quando necessário o conhecimento sobre as estruturas de controles internos. O último integrante do ambiente de fiscalização e controle é a auditoria interna, que é considerada um serviço corporativo, muito mais que um órgão de GC, sendo subordinado à direção executiva. A auditoria interna deve ter foco em compliance e verificar a efetividade da gestão de riscos operacionais, além de gerenciar o ambiente interno de controle. Observação O exercício da auditoria consiste em analisar componentes da contabilidade de uma corporação, buscando verificar a exatidão e a fidelidade nos relatórios e procedimentos, tendo por base a legislação vigente. 1.2.5 Direção executiva A direção executiva é a responsável pela gestão da organização, e os seus membros são escolhidos pelo conselho de administração. Os diretores têm a obrigação de prestar contas e dar satisfações ao conselho de administração, porque recebem dele o poder para tomar as decisões. 27 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI Oliveira (2015, p. 78) menciona que: A diretoria executiva representa o órgão que faz o meio de campo entre as atribuições da governança corporativa e as unidades organizacionais da empresa. Nesse contexto, a principal atribuição da diretoria executiva é consolidar o otimizado processo decisório na empresa. E, para tanto, o ideal é que a diretoria executiva atue como órgão colegiado, em que o processo de apresentação, análise e consolidação das decisões seja da melhor qualidade possível. Embora o ideal seja sua atuação como órgão colegiado, cada diretor pode tomar suas decisões – conforme estabelece significativa parte dos estatutos sociais – de forma isolada ou conjunta. Isso porque a diretoria executiva não é um órgão deliberativo, conforme é o conselho de administração. É papel da direção executiva zelar pelo alinhamento da administração aos comportamentos desejáveis pelos proprietários, buscando sempre a excelência operacional. Por isso, é necessária uma integração constante e permanentecom o conselho de administração. Andrade e Rossetti (2012) mencionam que a direção executiva, o conselho de administração e os proprietários são as três âncoras da governança corporativa. • Máximo retorno total dos investimentos: — Dividendos — Crescimento do valor da companhia • Capital investido • Poder e capacidade de influência • Expectativa de resultado • Guidelines para os negócios • Formulação de estratégias e políticas • Relatórios confiáveis de desempenho • Direcionamento, homologação e monitoramento das estratégias e das políticas corporativas • Avaliação do desempenho • Representação fiduciária: — Guardião dos valores corporativos — Zelo pelos interesses dos investidoresProprietários (princípios e propósitos empresariais alinhados) Diretoria executiva (alinhamento presidente-gestores) Conselho de administração (interação construtiva) Otimização do retorno total dos proprietários Figura 6 – Três âncoras da governança corporativa Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 262). Na figura é possível compreender os relacionamentos entre direção executiva e conselho de administração, além de entender as interações entre a direção executiva e os proprietários. 28 Unidade I Exemplo de aplicação Tomemos como exemplo a Petrobras, com a sua direção executiva, que pode ser encontrada em Petrobras (2020). A direção executiva é composta por um presidente e oito diretores executivos, eleitos pelo conselho de administração, com mandato de até dois anos, permitidas, no máximo, três reeleições consecutivas, podendo ser destituídos a qualquer tempo. Entre os membros da diretoria executiva, apenas o presidente da companhia é membro do conselho de administração, sem, no entanto, presidir o órgão. Escolha uma empresa de outro ramo da economia e pesquise sobre como é a composição da sua direção executiva. Espera-se dos principais executivos da direção que sejam extremamente comprometidos, com capacitações técnicas, íntegros, além desempenhar uma liderança com inteligência emocional. Eles precisam ter capacidade de escuta, tomar decisões assertivas e gerenciar adequadamente as pressões do cargo que ocupam. Saiba mais Sobre as estruturas da GC, leia o capítulo 2 do seguinte livro: OLIVEIRA, D. P. R. Estruturação do conselho de administração: governança corporativa na prática – integrando acionistas, conselho de administração e diretoria executiva na geração de resultados. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015. Exemplo de aplicação A Renner é considerada a primeira corporação do Brasil. Tem sua origem no ramo industrial com a criação do Grupo Renner, em 1912, em Porto Alegre. Em 1940 ela se transforma em uma loja de departamentos, tornando-se Lojas Renner S.A. em 1965, com capital aberto na Bolsa de Valores brasileira em 1967, quando a Bovespa não tinha nem sido criada. Como primeira corporação brasileira, criou um manual de assembleia geral, que se configurou como um exemplo para outras companhias. Esse manual foi indispensável para a Renner, devido ao fato de ter o seu capital muito pulverizado. Para complementar os seus conhecimentos, pesquise mais um pouco sobre o histórico das Lojas Renner S.A. 29 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI Saiba mais Mais informações sobre a história das Lojas Renner e outros casos de GC no Brasil, você encontra no capítulo 7 do livro a seguir: GONZALEZ, R. S. Governança corporativa: o poder de transformação das empresas. São Paulo: Trevisan, 2012. 2 PANORAMA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL E NO MUNDO Vimos parte considerável da base conceitual da GC e, sob uma perspectiva histórica, acompanhamos a sua chegada nas organizações. Apresentamos também a estrutura de governo das organizações, enfatizando o papel da assembleia geral, do conselho de administração e da direção executiva. Agora vamos avançar mais um pouco, conhecendo o panorama da GC no Brasil e no mundo. Primero, vamos apresentar os marcos recentes da governança corporativa: influências de Robert Monks; Relatório Cadbury; Princípios da OCDE; e Lei Sarbanes-Oxley. Esses marcos têm forte relação com os princípios e valores da GC. Em seguida, vamos abordar os modelos de GC existentes e dar ênfase no Brasil, principalmente no papel do IBGC e das estruturas que regulamentam normas que implicam diretamente os sistemas de governo das corporações. 2.1 Marcos da governança corporativa 2.1.1 Influências de Robert Monks O primeiro marco moderno da GC que abordaremos será a influência exercida por Robert Monks. A compreensão dos desdobramentos do ativismo de Monks remete a dois dos princípios da GC vistos anteriormente: equidade (no que tange ao senso de justiça) e conformidade (no que diz respeito à conformidade legal). Lembrete Os valores ou princípios da GC são: equidade, conformidade, transparência e prestação de contas. Robert Monks nasceu em 1933 e teve uma vida inteira dedicada ao mundo corporativo. Ainda bem novo começa a trabalhar nos negócios da família e constrói o seu tino para negócios. Formou-se em Direito pela Universidade de Harvard e acumulou considerável conhecimento prático em administração financeira, fruto das vivências nas empresas da família. 30 Unidade I Acumulou também certa experiência na vida pública, presidindo por um breve período o programa de fundos de pensão do Departament of Labor do governo norte-americano (equivalente ao Ministério do Trabalho no Brasil). A experiência no governo acumulada à da vida corporativa privada formou uma mentalidade voltada para um ativismo em favor das boas práticas de governança corporativa. Ao deixar a sua função pública no Departament of Labor, Monks mergulhou mais em negócios privados, tornando-se um acionista combativo. Fortalecido pela convicção de que a presença do acionista agrega valor aos negócios, ele defendia que o traçado estratégico de muitas corporações modernas era cada vez mais transferido do proprietário para a direção executiva, gerando deturpações nos papéis dentro dos sistemas de governo das empresas. Lanzini (2020, p. 31) menciona que Monks: Apontou a ineficácia do processo legal, as relações público-privadas, a prevalência da inteligência organizada, ou seja, a gestão da empresa com decisões que autopreservam seus administradores, inclusive com a devida transparência e prestação de contas e talvez o principal dos problemas: o conflito de interesses. A ideias de Monks foram propagadas por alguns livros que ele escreveu. Dentre eles é possível citar o Power and accountability (1992), que trata das ações dos proprietários no intuito de monitorar as empresas, e outra obra de destaque foi Corporate governance (1995), publicada como um manual de boas práticas de GC, apresentando casos práticos ocorridos nos Estados Unidos. Outras obras de Monks estão ligadas à transformação do ambiente corporativo e à redefinição de processos com o objetivo de equilibrar poder e liberdades ilimitadas em muitas empresas. Elas também serviram para aproximar mais acionistas-conselhos-direção, ajudando e amenizando os conflitos na relação de agência. Nesse sentido, todo o trabalho do ativista tinha como objetivo atingir resultados. Quadro 5 – Resultados do ativismo de Robert Monks Resultados visíveis Resultados de longo prazo Revelação de desvios nas práticas corporativas. Definição de caminhos para a prosperidade compartilhada. Exposição das falhas corrigíveis por nova legislação. Mobilização de acionistas minoritários e institucionais. Mais respeito pelos justos direitos dos proprietários. Institucionalização das práticas de governança corporativa. Refinamento da capacidade técnica dos proprietários, especialmente dos institucionais, de influir positivamente na vida das empresas. Mais proposições normativas e mais intervenções corretivas no mercado de capitais, mais eficácia: - Das empresas, na geração de resultados. - Do mercado, na alocação de recursos. - Da economia, na prosperidade gerada por corporações confiáveis e justas. Adaptadode: Andrade e Rossetti (2012). 31 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI Esses resultados são alcançados à medida que os acionistas se conscientizam da importância de participar das decisões corporativas e, de certo modo, se envolver um pouco mais na empresa. Tudo isso pode gerar a maximização do valor corporativo e favorecer a perenidade das organizações. É interessante perceber que, por experiência própria, Monk vivenciou situações em que conseguiu demonstrar a importância dos acionistas nas organizações. Sobre isso, um fato curioso da biografia de Monks é contado por Andrade e Rossetti (2012, p. 166): Em 1991, de uma lista de “empresas candidatas”, Monks escolheu a Sears, Roebuck & Co., corporação gigante do varejo, para exercer o seu direito como acionista. Adquiriu 100 ações e candidatou-se para o conselho. O papel então desempenhado parecia de um Dom Quixote. Não obteve votos suficientes, mas mostrou “o absurdo que era não haver nenhuma forma de mesmo alguém que havia sido presidente de um banco e diretor de uma agência federal poder fazer parte do conselho de uma corporação, embora a lei lhe assegure o direito de se candidatar”. No ano seguinte, em 1992, apoiou um movimento bem-sucedido para reestruturação da Sears. Os acionistas se conscientizaram de que a atuação do Dom Quixote, embora aparentemente sem sucesso, não havia sido em vão: a corporação havia tomado decisões equivocadas e a intervenção era necessária e, como a partir de então foi admitida, revelou-se proveitosa. Pelos seus resultados, os desdobramentos desta rumorosa intervenção foram muito além das fronteiras corporativas da Sears. 2.1.2 Relatório Cadbury Saindo dos Estados Unidos da América e “atravessando” o Oceano Atlântico, chegamos a um outro marco recente para as práticas de GC: o Relatório Cadbury. A sua versão final foi publicada em 1992 e as suas práticas guardam forte relação com os princípios de transparência e prestação de contas da GC. O Relatório Cadbury foi fruto de um trabalho desenvolvido a partir de uma iniciativa do Banco da Inglaterra em criar um comitê elaborador de um código de melhores práticas de GC. Esse trabalho teve a sua coordenação confiada ao Sr. George Adrian Hayhurst Cadbury, que foi presidente da Cadbury Schweppes (1965-1989) e conselheiro do Banco da Inglaterra (1970-1994). Observação Adrian Cadbury participou ativamente na elaboração do código de melhores práticas de GC, mas não existia uma personificação de Cadbury para o tema governança corporativa na Inglaterra, assim como existia para Monks nos Estados Unidos. 32 Unidade I Compunham o código de melhores práticas: • Definições sobre responsabilidades de conselheiros e executivos nas organizações. • Gestão das informações contábeis, abrangendo frequência, clareza e formato. • Conselhos e seus papéis e constituições. • Auditoria nas suas responsabilidades e atribuições. • Elo entre acionistas, conselhos e auditores. De forma prática, o Relatório Cadbury faz uma série de recomendações com o objetivo de separar as responsabilidades do conselho de administração e da direção executiva. Dentre as recomendações, é possível citar: • Reuniões regulares do conselho de administração em vista do controle e monitoramento da direção executiva. • Os conselhos de administração precisam ter uma constituição mista, incluindo conselheiros externos e independentes. • Alguns conselheiros podem exercer cargos de direção, com remuneração claramente divulgada, papéis e responsabilidades definidos, além da avaliação de desempenho previamente acordada. • Os relatórios e controles devem retratar uma avaliação equilibrada e compreensível da situação da companhia. • Os conselheiros que não têm cargo na direção executiva devem predominar em número no conselho de administração e exercer julgamento independente sobre estratégia, desempenho e destino de recursos. 2.1.3 Princípios da OCDE A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um organismo multilateral, fundado em 1961, e congrega 37 países-membros. Dentre os principais países que são considerados membros de origem da OCDE estão Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia. O principal objetivo da OCDE é impulsionar o progresso econômico e o comércio mundial, e as suas políticas, segundo a OCDE (2004, p. 2), visam: 33 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI alcançar o mais elevado nível de crescimento econômico e de emprego sustentável e uma crescente qualidade do nível de vida nos países-membros, mantendo a estabilidade financeira e contribuindo assim para o desenvolvimento da economia mundial; contribuir para a expansão econômica dos países-membros e dos países não membros em vias de desenvolvimento econômico; contribuir para a expansão do comércio mundial, numa base multilateral e não discriminatória, de acordo com as obrigações internacionais. As consequências positivas e negativas do elo ou tríade entre mercados, corporações e nações despertou na OCDE interesses pelas práticas da GC. A figura a seguir apresenta as razões essenciais do interesse da OCDE. Esses interesses provocaram a criação de um grupo de trabalho voltado para a GC dentro da OCDE, agregando governos nacionais, mercado de capitais e grandes corporações privadas. Mobilização do mercado de capitais Crescimento das corporações Desenvolvimento das nações Melhores práticas de governança corporativa Figura 7 – Razões essenciais do interesse da OCDE pela GC Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 174). O resultado desse trabalho foi a criação de princípios, que seriam um suporte para os países-membros sobre as boas práticas de GC. Em um primeiro momento, os princípios da OCDE aplicam-se a empresas de capital aberto na Bolsa, mas podem se estender para empresas que não negociam ações no mercado de capitais. Segundo a OCDE (2004, p. 3): Os princípios da OCDE sobre o governo das sociedades tornaram-se uma referência internacional para decisores políticos, investidores, sociedades e outros sujeitos com interesses relevantes em todo o mundo. Fizeram 34 Unidade I progredir a calendarização de prioridades do governo das sociedades e proporcionaram uma orientação específica para as iniciativas legislativas e regulamentadoras tanto nos estados-membros da OCDE como em países terceiros. O Fórum para a Estabilidade Financeira considerou os princípios como uma das doze normas fundamentais para sistemas financeiros sólidos. Os princípios servem também de base a um amplo programa de cooperação entre os estados-membros da OCDE e países terceiros, além de justificarem a vertente dos relatórios sobre o cumprimento de padrões e códigos do Banco Mundial e FMI relacionada com o governo das sociedades. Os princípios passaram por diversas revisões desde que foram criados, em 1999, e podem ser sintetizados em oito pontos: • As empresas devem promover os princípios da integridade e da transparência, em conformidade com as leis e regulamentações, cooperando com a adoção das boas práticas de GC. • Os direitos dos proprietários devem ser protegidos e deve ser garantida a sua participação ativa na assembleia geral, elegendo e destituindo conselheiros, além de participar de decisões relevantes na corporação. • O tratamento dispensado aos acionistas majoritários e minoritários deve obedecer ao princípio da equidade, além do acesso igual às informações de relevância na organização. • É necessário o zelo pela participação de outras partes interessadas nas estruturas e ações de governança, respeitando direitos consagrados, principalmente de empregados e credores. • O desejo de transparência tem que se transformar em ações concretas, divulgando dados e informações bem preparadas e auditadas no contexto contábil da organização. • O sistema de governança estabelecido em uma organização deve especificar ospapéis e as responsabilidades do conselho de administração baseado em boas práticas de GC. • Os riscos precisam ser bem gerenciados, de forma que exista identificação, classificação, mitigação e plano de respostas, considerando matriz de probabilidade × impacto. • Devem ser implementadas metodologias para avaliar os sistemas de governança da organização. Lembrete Compunham o código de melhores práticas da GC: definições sobre responsabilidades de conselheiros e executivos nas organizações; gestão das informações contábeis, abrangendo frequência, clareza e formato; conselhos e seus papéis e constituições; auditoria nas suas responsabilidades e atribuições; e elo entre acionistas, conselhos e auditores. 35 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI 2.1.4 Lei Sarbanes-Oxley Antes de entender a Lei Sarbanes-Oxley, é necessário conhecer bem todo o contexto em que se deu a sua criação, nos Estados Unidos, no início dos anos 2000. Esse contexto caracterizou-se pela existência de uma série de escândalos e fraudes envolvendo grandes empresas com ações abertas no mercado de capitais, como a Enron, a Parmalat, a WorldCom e a Xerox, além de uma empresa de auditoria conhecida como Arthur Andersen. Das empresas envolvidas, a que ganhou maior destaque foi a Enron, que no início do ano 2001 era considerada uma das maiores empresas do setor de energia do mundo e a sétima maior empresa dos Estados Unidos. Sediada no Texas, a Enron tinha grande relação com o mundo privado e com o poder público. Os seus negócios se espalharam por mais de quarenta países, inclusive no Brasil, especificamente no Gasoduto Brasil-Bolívia e na Usina Termelétrica de Cuiabá. O aumento vertiginoso do valor de mercado da Enron ocorreu devido à alta de preços no mercado de energia e aos processos de desregulamentação incentivados pelo governo norte-americano nos EUA. No entanto, próximo ao final do ano 2001, a Enron pediu concordata e, posteriormente, foi descoberta uma série de fraudes cometidas pelos seus executivos nos balanços contábeis. Observação Estudos apontam que o endividamento da Enron atingiu aproximadamente 13 bilhões de dólares, sendo que várias de suas subsidiárias passaram a assumir passivos que não eram contabilizados nas demonstrações financeiras da empresa. A Enron ainda superestimou seus lucros em 600 milhões de dólares, mascarando dívidas de 650 milhões de dólares. Sobre o momento em que se deram os escândalos, Giacomelli (2017, p. 385) menciona que: Em dezembro de 2001, o mundo, ainda abalado pelos atentados terroristas ocorridos em 11 de setembro, foi surpreendido por outro evento com proporções globais: a descoberta de manipulações contábeis em uma das empresas mais conceituadas dos Estados Unidos: a Enron. Essa descoberta deu início a um efeito dominó, com a constatação de práticas de manipulação em várias outras empresas, não só norte-americanas, mas no resto do mundo. Isso resultou em uma crise de confiança em níveis inéditos, desde a quebra da Bolsa norte-americana em 1929; acarretou o enfraquecimento do grau de confiança dos investidores, abalando o equilíbrio não apenas do mercado daquele país, mas também dos demais mercados internacionais. 36 Unidade I Todas as fraudes e escândalos cometidos pela Enron foram acobertados pela empresa responsável pela auditoria: Arthur Andersen. Poucos meses depois, a Arthur Andersen, considerada uma das maiores do mundo em seu setor, encerrou suas atividades e foi condenada pela Corte Federal de Houston no Texas devido à obstrução de justiça no caso da Enron. Saiba mais Sobre a ascensão e a queda da Enron, incluindo o processo judicial no Congresso norte-americano, assista ao documentário a seguir: ENRON: os mais espertos da sala. Direção: Alex Gibney. EUA: Jigsaw Production, 2005. 110 min. Todo esse contexto gerou uma crise de confiança nos investimentos no mercado de capitais, tradicionalmente considerado o mais desejado pelos investidores na sociedade dos EUA. Assim, preocupado com essa situação, o Congresso norte-americano aprovou, em menos de um ano após o início da crise, a Lei Sarbanes-Oxley, também conhecida como SOX, que marcou a história recente da GC. A SOX recebeu esse nome porque foi assinada pelo senador democrata Paul Sarbanes, do estado de Maryland, e pelo congressista republicano Michal Oxley, do estado de Ohio. A lei foi sancionada pelo presidente George W. Bush, justamente um dos presidentes mais próximos da Enron e oriundo do estado do Texas. George W. Bush foi governador do Texas no final da década de 1990. A lei promulgada abrange os quatro valores da GC (conformidade, prestação de contas, transparência e equidade) e estabeleceu uma extensa regulação na vida corporativa baseada em boas práticas de governança. Considerando o valor conformidade da GC, a SOX estabeleceu que as empresas precisavam adotar um código de ética para a alta direção, de forma a nortear a sua conduta em diversas situações envolvendo conflitos de interesses e divulgação de informações. Uma cópia desse código deve estar em poder da Securities and Exchange Commission (SEC). Observação A SEC exerce nos Estados Unidos o mesmo papel que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exerce no Brasil. Ela regulamenta e controla o mercado de capitais. Relacionado ao valor prestação de contas, a SOX estabelece que o Chief Executive Officer (CEO) e o Chief Financial Officer (CFO) devem atestar que as informações financeiras são legítimas, além da obrigatoriedade da existência de um comitê de auditoria. Esse comitê tem o objetivo de verificar os números financeiros e o trabalho dos auditores. 37 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI No valor transparência, a SOX enfatiza a importância da comunicação de informações para a SEC. Ainda relacionado a esse valor, a SEC pode requerer a divulgação imediata de informações relacionadas aos negócios e que tenha certa influência no mercado de capitais. Relativo ao último valor, que é a equidade, a SOX estabelece que o conselho de administração deve determinar a remuneração do CEO. Sobre esse valor, a SOX também determina penas rígidas para as fraudes que vierem a ocorrer nas corporações. A SOX é composta de 11 capítulos, também conhecidos como títulos: • Título 1: apresenta as bases para o estabelecimento do Órgão de Supervisão do Trabalho dos Auditores Independentes, responsável por registrar auditorias e criar padrões para elas. • Título 2: apresenta toda a ideia que cerca a independência que o auditor deve ter em seu trabalho. • Título 3: voltado para as questões de responsabilidade corporativa atribuídas à alta direção da organização. • Título 4: está relacionado às regras que contribuem para o crescimento do nível de divulgação de informações financeiras pertinentes. • Título 5: apresenta as normas que minimizam a ocorrência de conflito de interesses de analistas de corretoras de valores ou administração de fundos. • Título 6: atribui autoridade à SEC (entidade que regula o mercado de capitais nos EUA) para suspender empresas e profissionais de auditoria. • Título 7: autoriza a SEC a analisar estudos e relatórios de mercado e das corporações. • Título 8: estabelece regras e penalidades rígidas nos casos em que haja prestação de contas fraudulentas. • Título 9: estabelece o aumento das penalidades para crimes de colarinho branco. • Título 10: estabelece que o CEO deve assinar o imposto de renda da pessoa jurídica. • Título 11: define responsabilidade corporativa na ocorrência de fraudes e prestação de contas adulteradas. Observação Todas as empresas que têm capital aberto na Bolsa de Valores dos Estados Unidos são obrigadas a seguir a SOX e podem ser penalizadas pelo seu descumprimento. 38 Unidade I 2.1.5 Impactos da SOX na área de tecnologia da informação Já está bem claro para nós que um dos objetivos da SOX é estabelecer uma proteção dos investidores no mercado de capitais americanos. Os mecanismos da SOX se fundamentam na implementação de uma estrutura
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