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Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida Agosto/ 2019 Professor/autor: Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de desenvolvimento institucional Todos os direitos em língua portuguesa reservados por: Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR 86055-670 Tel.: (43) 3371.0200 3Culto e Liturgia | FTSA | SUMÁRIO Bíblia II - Introdução ao Antigo Testamento Unidade I - Teologia litúrgica e adoração Introdução..............................................................................................................................04 1. O culto evangélico hoje.....................................................................................................05 2. Teologia da adoração.......................................................................................................12 3. Adoração e culto...............................................................................................................21 Unidade II - Fundamentação bíblica do culto no Antigo Testamento Introdução..............................................................................................................................35 1. As expressões de culto na história de Israel......................................................................35 2. Os calendários litúrgicos de Israel.....................................................................................52 3. As festas do Antigo Testamento.......................................................................................59 Unidade III - O culto no Novo Testamento e na história da igreja 1. O culto no Novo Testamento...............................................................................................68 2. O calendário litúrgico e as festas do Novo Testamento...................................................87 3. O culto na história da Igreja...............................................................................................93 Unidade IV - Os livros proféticos 1. O movimento profético..................................................................................................108 2. Panorama teológico dos profetas..............................................................................119 3. Estrutura literária do oráculo profético.....................................................................132 Resultado dos exercícios....................................................................................................147 | Culto e Liturgia | FTSA4 Introdução A disciplina de Culto e Liturgia do curso de Graduação em Teologia da FTSA tem por objetivo introduzir o estudante no estudo do culto cristão. Trata-se de um campo de estudos muito rico dentro da teologia, pois vai desde a teologia da adoração até as questões práticas do culto, seu passo a passo. Pensar em culto e liturgia é observar a teologia, os símbolos, os momentos do culto, os rituais, entre outros aspectos, os quais consistem na manifestação visível daquilo que se crê. Na matriz curricular da FTSA, Culto e Liturgia é uma disciplina do eixo teórico-prático e da área de teologia prática. Por isso, apesar do estudo teológico do culto ao longo da história, a proposta da disciplina é auxiliar o(a) estudante na prática cúltica em suas comunidades, a partir da observação da tradição e dos princípios observados na palavra de Deus. Entretanto, você verá que a espontaneidade não é algo abolido pela Bíblia, principalmente por ser uma atitude genuína de quem adora a Deus. Esta disciplina assume uma metodologia ativa dividida em três etapas: observar, interpretar e agir, divisão facilmente observada neste material: o início da apostila traz a observação da realidade, como está o culto hoje; da metade da unidade 1 até o fi nal da unidade 3, tem-se a interpretação, a saber, o estudo teológico e histórico do culto; e na quarta unidade a prática (agir), falando da comunicação litúrgica, da relação da adoração com a ética e apresentando alguns modelos de liturgia para ocasiões específi cas. Por fi m, o desejo da FTSA e meu, professor responsável pela disciplina, é que você desfrute do conteúdo apresentado, com espírito crítico, questionando o próprio conteúdo e, também, seu entorno, sua realidade. Para que o aprendido aqui não seja um fi m em si mesmo. Ao contrário disto, que este conteúdo possa, ao menos, instigá-lo a buscar mais conhecimento e a aperfeiçoar-se a cada dia. Bons estudos! 5Culto e Liturgia | FTSA | Unidade 1 - Teologia litúrgica e adoração O grande tema desta disciplina é o culto cristão. Como objetivo geral o que intencionamos é conhecer os fundamentos teológicos e bíblicos daquilo que tem sido central na vivência religiosa dos cristãos, o culto. Entendemos que é por meio do culto, principalmente, que expressamos a nossa fé. É inegável que o culto, que ocorre no domingo ou em outro dia da semana, dependendo da tradição denominacional, tornou-se o mais importante momento na vida comunitária da igreja. Há igrejas que não oferecem qualquer outra forma de atividade para os participantes. Mais ainda, é por aquilo que acontece no culto que as pessoas recebem a maior parte das informações teológicas sobre Deus e a fé cristã. Daí, entendemos a importância de investigarmos mais a fundo esse tema. Dadas as características do curso, a questão prática do culto será abordada pela observação e análise daquilo que ocorre regularmente nas diversas igrejas, quer pela vivência particular de cada aluno em suas próprias comunidades, quer pela investigação daquilo que é público e acessível por meio de visitas a outras comunidades, vídeos ou outros recursos. Como parte integrante do estudo teológico do culto, abordaremos o tema da adoração que parece ser o mais difundido, ou lembrado de imediato, quando pensamos no ato de cultuar a Deus. Mais recentemente, por causa dos movimentos de avivamento e dos movimentos pentecostais, a adoração, o louvor e as expressões de emoção relacionadas ao culto receberam uma grande atenção das pessoas. Nosso primeiro passo, no entanto, não será tratarmos de assuntos específi cos, e sim iniciarmos refl etindo sobre o fazer teológico sobre o culto, suas fontes de conhecimento e caminhos de entendimento daquilo que parece ser quase instintivo; como defi ne a primeira pergunta do Catecismo Maior de Fé de Westminster: Qual é o fi m supremo e principal do homem? O fi m supremo e principal do homem e glorifi car a Deus e gozá-lo para sempre (Ref. Rom. 11:36; 1 Cor. 10:31; Sal. 73:24-26; João 17:22-24). | Culto e Liturgia | FTSA6 1. O culto evangélico hoje Falar de culto evangélico hoje é aparentemente fácil, porque, visto de longe, a maioria das igrejas chamadas evangélicas parecem ter uma única forma de culto, mesmo com a diversidade de denominações existentes e espalhadas por todos os cantos do Brasil. Por um lado, mesmo observando somente a forma, há diferenças que merecem nota quando se trata de estilos de culto diferentes. Por outro lado, há muita semelhança e isso também merece menção. De forma generalista, pode-se dividir entre culto histórico (luterano, anglicano, presbiteriano, metodista, batista, etc.), pentecostal (Assembléia de Deus, Congregação Cristã, etc.) e neopentecostal (Igreja Universal, Renascer, etc.). As igrejas históricas sofreram a infl uência do movimento pentecostal e, podemos dizer, que passam por um momento de transição, concluído em alguns lugares, mas em fase inicial ou intermediária em outros. Isto, porque algumas igrejas persistem em manter a sua tradição litúrgica e resistem à infl uencia externa. Elas conseguém manter uma liturgia relativamente fi el ao seu passado, assim estruturada: prelúdio, cânticos (hinários), momento de contrição, leitura bíblica, pregação, poslúdio e bênção apostólica. Algumas igrejas já hibridizam essa liturgia com o que é mais comum em outras igrejas e, assim, o culto apresenta: abertura, louvor oferta, pregação,avisos, oração fi nal e bênção. O chamado momento de louvor tem sido utilizado em blocos longos, tomando a maior parte do culto, em estilo contemporâneo. Às vezes, hinos dos antigos hinários são cantados com novos arranjos, porém, os hinários em geral perderam espaço para os cânticos contemporâneos. A mudança nos cultos tradicionais é mais visível nas igrejas que, inclusive, apresentam hibridização em suas doutrinas, isto é, igrejas tradicionais que assimilaram a teologia e prática de outros segmentos, principalmente pentecostais. Nessas igrejas, a liturgia modifi ca-se ainda mais, pois, conforme será elaborado mais adiante, a teologia é refl etida diretamente no culto. 7Culto e Liturgia | FTSA | O culto pentecostal é muito diverso, mas alguns seguem uma ordem simples, com abertura, louvor, oferta, pregação e encerramento, incluindo momento de apresentação de música solo e de testemunhos, quando possível. A maior representante deste segmento, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus, possui um culto com liturgia marcante por ser muito participativo, uma vez que os diversos grupos de pessoas pertencentes a igreja atuam no culto. Há participação de crianças, adolescentes, jovens, mulheres, homens, canto comunitário, solo, coral, além dos momentos tradicionais comum às outras tradições como pregação e orações. Ainda há a apresentação dos visitantes e, normalmente no início do culto, a tradicional orquestra. De forma geral, o culto pentecostal é muito participativo, não fi cando focado apenas no momento de louvor e na ministração da palavra. A participação é, possivelmente, a maior de suas marcas depois da grande liberdade de manifestação das pessoas, que dizem em alta voz expressões como “glória”, “aleluia”, etc. Também, procuram expressar a manifestação dos dons espirituais, sentimentos, choro, riso, etc. Quanto às comunidades denominacionalmente independetes, é difícil identifi car uma forma litúrgica comum. Normalmente elas se assemelham à sua tradição de origem, histórica ou pentecostal, porém o culto possui uma litugia mais simples com tendências contemporâneas. É importante considerar que os motivos que levaram ao surgimento dessas comunidades, principalmente se forem por divergências teológicas, acabam refl etidos na liturgia. Muitas comunidades surgem de igrejas históricas quando estas recebem infl uência de outros movimentos. Este contato, normalmente não é assimilado por todos os membros, levando à divisão. Quando a nova comunidade surge, ela carrega consigo muito do modelo de sua igreja de origem, mas a infl uencia da nova teologia irá aparecer em seu culto. Algumas vezes, a causa da divisão é justamente a divergência na forma de culto, quer seja por expectativas pessoais ou por infl uência daquilo que esses outros movimentos oferecem como novidade. Todavia é importante uma ressalva. A diferença no culto da nova comunidade muitas vezes está na atitude: um louvor mais longo, liberdade para manifestação de dons e de entrega de “profecias”, entre | Culto e Liturgia | FTSA8 outras coisas. Mas a estrutura litúrgica em si não se modifi ca muito, ou seja, o culto continua tendo a mesma estrutura: abertura, louvor, ofertório, pregação, avisos, oração e bênção. De fato, ainda há diferenças grandes nas liturgias de algumas denominações quando comparadas. Para constatar isso, basta fazer um breve exercício de comparação entre um culto luterano e um pentecostal, por exemplo — ambos são facilmente localizados na internet. Mas é preciso observar a grande uniformização dos cultos de maneira geral, principalmente em sua forma. O porquê disso talvez seja a infl uência de movimentos vindo do exterior, o chamado gospel, os quais invadiram as igrejas brasileiras. De toda forma, não é difícil entender que o grande crescimento do mercado evangélico está na base desta uniformização. 1.1. Mercado e espetáculo Um dos aspectos visíveis da infl uência do mercado evangélico pode ser percebido na música. Observa-se que as mesmas músicas utilizadas no momento de louvor de uma igreja histórica são tocadas no culto de uma comunidade pentecostal. Essas músicas, por sua vez, podem ter vindo de qualquer uma das tradições, levando consigo sua forma de culto e sua teologia, infl uenciando a igreja que a canta, pois a mensagem de qualquer música contém um pressuposto teológico. A ênfase musical talvez seja a maior característica dos cultos atuais. Isso porque a música ocupa a maior parte do tempo de culto, diferentemente das liturgias tradicionais, nas quais o sermão era o centro. Não nos importa agora fazer juízo de valor, principalmente porque devemos considerar as transformações culturais do nosso contexto. Hoje, as pessoas, principalmente das novas gerações, não conseguem se concentrar em discursos muito longos, por isso, na maioria dos casos, sermões de, no máximo, trinta minutos são mais atrativos. Contudo, também é importante considerar que as músicas mexem com o emocial das pessoas dando a elas uma sensação de prazer de estarem naquele 9Culto e Liturgia | FTSA | ambiente. Também, podemos perceber que alguns cultos têm a aparência de um espetáculo, no qual as pessoas apreciam um bom ambiente, boa música e, também, uma boa palestra. O apelo emocial é, por esse e por outros motivos, um ponto muito explorado nos cultos atuais, inclusive as pessoas os frequentam para terem experiências sobrenaturais pessoais com Deus. Obviamente que ter experiência com Deus é algo bom e algumas tradições dão mais valor a este aspecto do que outras. Todavia, há cultos em que o foco é a promoção de uma experiência de troca ou, em outras palavras, visando receber algo de Deus mais do que adorar. Além disso, a dimensão de comunhão com as pessoas também é desprezada. Essas questões levaram os cultos evangelicos à dimensão do espectáculo, o que não é novo, mas com certa intensifi cação pelo uso mídia. Alguns cultos assimilaram aspectos midiáticos, os quais acabaram infl uenciando os cultos que não estão na mídia, isto é, das pequenas e médias igrejas. Todavia, para abordar esta questão, é preciso considerar aspectos da comunicação e da sociologia. A partir dessas teorias, duas questões fazem sentido para uma breve análise, uma delas é o culto como espetáculo, a outra o culto como teatro, ou a teatralização do culto. Sobre o culto como espetáculo, o pesquisador Alberto Klein escreve: Assim é que os cultos e missas tornam-se mais televisivos e, portanto, mais espetaculares. Nada é sutil aos sentidos da visão e da audição: os gestos e a movimentação corporal devem ser bastante visíveis, o louvor nos cânticos deve-se render necessariamente em decibéis elevados, a voz do pregador se eleva, retumba, repercute tactilmente em nossa pele. A ela as vozes da platéia reagem, gritam, falam a língua dos anjos, assobiam, choram, braços se erguem, o corpo inteiro entra em êxtase espiritual. No palco um corpo explora todo o espaço possível, pula, movimenta-se, | Culto e Liturgia | FTSA10 dança, anima o público. Tudo se agiganta aos olhos e ouvidos (2006, p. 176). As palavras de Klein, que não é um teólogo, mas um pequisador da área de Comunicação Social, podem soar como uma crítica a alguns cultos como são feitos hoje, principalmente aqueles que, de fato, procuram por um aspecto espetaculoso. Todavia, é importante observar a constatação do autor, verificar o que realmente é um traço de muitos cultos atuais e usar a autocrítica, a fi m de fazer um julgamento da realidade evangélica brasileira. Conforme Klein, tudo no culto midiático é abundante, por isso há grande apelo sensorial. Com este propósito, a iluminação é trabalhada, o som é forte e alto, muito bem preparado e trabalho, os gestos dos ministros de louvor e do pregador são abundantes, entre outras coisas. O grande objetivo é atrair e manter o público frequente e empolgado, para isso, as pessoas precisam gostar do que veem. As constatações de Klein são facilmente observadasnas igrejas de hoje em dia. Afi nal, os palcos estão cada vez mais repletos de instrumentos musicais de última geração, de iluminação digna de shows, de músicos profi ssionais — muitas vezes contratados para aquela função —, de corpo de dança, etc. O ministro ou ministra de louvor conduz o público com palavras de ordem, palmas, gestos, choros, etc. Muitas vezes o conteúdo do que se fala ou canta parece indicar falta preparo ou formação teológica O culto, muitas vezes, parece um grande show, ou um programa de auditório de televisão, com animadores e condutores de plateia, um verdadeiro “show da fé”. Na mesma direção, as percepções de Leonildo Silveira Campos são interessantes. Este autor, em seu famoso livro Teatro, templo e mercado, de 1997, afi rma que uma das possíveis formas de observar a relação entre os seres humanos e seus entes invisíveis (entidades religiosas, deus, deuses) é por meio da dramatização, do rito, o qual “exprime o ritmo da vida social, na medida em que as pessoas se reúnem em sociedade para reavivar as percepções e sentimentos que têm de si mesmas” 11Culto e Liturgia | FTSA | (Campos, 1997, p. 62). Para o autor, este é um processo de teatralização, uma metáfora social, o qual permite visualizar as maneiras pelas quais as forças sociais atuam, possibilitando o entendimento das relações dos seres humanos com o sagrado. Tratando sobre o teatro em si, Campos explica que o teatro, em seu ideal grego, tornava “presente algo ausente, interpretanto, encenando e apresentando, sob outras formas, uma realidade invisível aos olhos, aprendida por meio da imaginação e ativada pelas palavras, música, gestos e ação dos intérpretes” (1997, p. 65), ou seja, a encenação faz do invisível algo visível, palpável a quem vê. Isso acontece em todas as representações teatrais, pois o teatro é capaz de encenar as mais diversas esferas da vida, tornando-as reais sobre o palco. A encenação, então, exerce um forte poder sobre os sentimentos e imaginário das pessoas, levando-as à mudança de mente muitas vezes. Campos (1997, p. 65) deixa claro que o teatro não é uma invensão recente, pois nasceu nos templos e nas liturgias religiosas antigas para fazer a representação do intangível. Mas ele foi afastado da religião cristã ao longo da história por diversas questões de ordem doutrinária, voltando à tona no neopentecostalismo. Todavia, nesta breve explanação, a teatralização não é vista apenas como existente no meio neopentecostal, afi nal, atualmente, as práticas teatrais também estão presentes nos cultos de diversas outras igrejas. Os motivos para isso não são muito claros, talvez seja o fato dos líderes verem o grande avanço numérico do neopentecostalismo, ou mesmo pela necessidade de representação visível que as pessoas têm: o ser humano quer ver, imaginar não é o sufi ciente. Este fato é mais um que mostra que a identidade denominacional no culto se perdeu em muitos lugares, por isso há muita semelhança entre um culto de uma igreja de tradição histórica atual e um culto de uma comunidade independente pentecostal ou neopentecostal. Neles vemos a inserção de elementos para simbolizar ou conduzir as pessoas a algo, à teatralização. Observar o culto como um espetáculo teatralizado é olhar para aquilo que é encenado com o objetivo de tornar visível o invisível. Todavia, | Culto e Liturgia | FTSA12 em princípio, não há problema nos elementos que representam a fé, inclusive, esta disciplina falará de elementos e símbolos litúrgicos. Por ora, a intenção é mostrar que o culto, em geral, está em outro momento histórico, fruto de um longo processo, no qual o sentir, o ver e o gostar são muito importantes para o público, inclusive determinando se o crente irá ou não permanecer em determinada igreja. Por fi m, é preciso dizer que a visualização e o sentimento não são necessariamente ruins, afi nal: 1) as pessoas precisam dos elementos sensoriais e do emociais; 2) Deus toca as pessoas em suas emoções e fala com elas a partir disso; 3) o visível torna a fé mais compreensível. Devido a esses motivos e a muitos outros, é necessário estudar o culto e a forma de fazê-lo, ou ainda, sobre a adoração e a teologia que sustenta esses temas. Exercício de aplicação Pensando em culto como espetáculo, vemos esta realidade nas igrejas atuais nas seguintes situações: a. Quando louvamos a Deus, a partir da direção de uma banda profi ssional. b. Quando o pregador ocupa um lugar de destaque durante sua fala. c. Quando o culto é um momento de entretenimento e diversão antes de ser o momento de adoração. 2. Teologia da adoração Antes de pensarmos na adoração, como talvez estejamos acostumados quando falamos de culto, como resultado daquilo que aprendemos e repetimos no cotidiano das igrejas, na vivência da nossa fé em Cristo, 13Culto e Liturgia | FTSA | gostaria que déssemos um passo atrás na tentativa de nos abstrair desse hábito adquirido e fi zéssemos uma observação mais isenta, mais livre dos sentimentos e pressupostos que nos aproximam da prática do culto, a partir de algo que é considerado um fenômeno humano comum a todos os povos. Podemos pensar nos atos de adoração como uma manifestação quase que instintiva do ser humano frente a percepção da divindade. A dimensão divina ou aquilo que transcende o ser humano é representado das mais diferentes formas pelas muitas culturas, quer seja pelos astros, animais, imagens, forças da natureza, mitologias, etc. Tanto a arqueologia quanto a história são ricas em mostrar essa característica da religiosidade humana nas muitas sociedades que existiram em todos os continentes desde os seus primórdios. No caso judaico-cristão, Deus se apresenta, ou se revela, principalmente, por meio da Bíblia e, nesse sentido, se diferencia da maioria d a s representações das outras religiões. Aliás, em sua revelação, ele propositalmente se auto diferencia das representações chamadas pagãs. Ele não se permite representar por imagens e ídolos que tenham aparência de coisas da natureza. Sua maior manifestação, no entanto, acaba por ser um ser vivo, encarnado, na pessoa de Jesus Cristo, o nazareno. Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos fi lhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Êxodo 20:1-6) | Culto e Liturgia | FTSA14 Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purifi cação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, tendo- se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais excelente nome do que eles (Hebreus 1:1-4) Mas todas as culturas humanas possuem expressões religiosas de adoração a algum tipo de divindade. Dessa forma, a adoração ou a religião se torna um fenômeno humano estudado pela Antropologia, Sociologia e outras ciências afi ns. A motivação para a adoração de uma divindade pode ser temor ou medo, barganha, respeito, reconhecimento, agradecimento, etc. Por exemplo, há culturas que fazem oferendas a deuses que, em seu entendimento, controlam os ventos, as chuvas, rios, mares, sol e lua, para que estes, por um lado, não castiguem o povo com intempéries e, por outro lado, proporcionem boas colheitas, pesca e segurança aos rebanhos e à sua própria vida. Há também culturas que veneram o próprioser humano ou seus arquétipos, tidos como divinos, enaltecendo sua sabedoria, autocontrole e estado de alma elevado. As manifestações de adoração nas religiões, normalmente, se dão por rituais que incluem atos como a oração, leitura, meditação, sacrifício, oferenda, música, canto, dança, magia, uso de objetos, etc. A expressão ritual é a manifestação visível da crença que se dá de maneira individual, mas, principalmente, coletiva. Ela, portanto, não abrange todo o espectro da adoração que considera também o elemento da fé e devoção pessoal de cunho íntimo. Uma pessoa pode expressar a sua adoração de diversas formas, mas é através dos rituais comunitários, já estabelecidos culturalmente, que ocorre o fortalecimento da religião na comunicação de seus elementos comuns. 15Culto e Liturgia | FTSA | Pensando na adoração cristã, ou antes disso, na adoração hebraica presente no Antigo Testamento observamos que ela tem pontos em comum com as outras religiosidades de sua época. Um exemplo disso são os sacrifícios de animais e as oferendas. Observamos também a presença de sacerdotes, roupas cultuais e rituais detalhados ricos de simbolismo. Podemos dizer que o temor é a característica mais marcante desse tipo de adoração. Os sacrifícios de animais carregam em si esse entendimento de apaziguamento da ira divina que pode afetar de maneira negativa a vida humana. Já as formas que a adoração cristã assume, ou seja, após Jesus Cristo, por outro lado, se comparadas com a hebraica, da qual é herdeira histórica, são muito mais simples em seus rituais e artefatos. Quando pensamos, então, em uma Teologia da Adoração o que pretendemos é investigar, a partir da revelação bíblica, qual é a natureza da adoração a Deus, entendido como Javé pela revelação do Antigo Testamento, e sua manifestação encarnada em Jesus Cristo. Nos interessamos em buscar as origens, os propósitos, motivação, conteúdos que lhe são próprios e ao mesmo tempo que se diferenciam dos outros tipos de adoração presentes nas culturas humanas. 2.1. Liturgia como teologia Comentamos que a adoração envolve um sentimento individual, mas que principalmente se expressa de maneira coletiva. Para que a adoração coletiva seja possível é preciso haver um entendimento comum daqueles que a promovem. O termo chave aqui é “comum”. Em outras palavras, estamos nos referindo à “comunicação da comunhão comunitária”. Embora redundante, essa frase procura expressar a ideia que está por trás da adoração que prestamos comunitariamente. Aquilo que chamamos de culto é a organização dos atos que procuram comunicar alguma coisa. Antes mesmo de ser uma tentativa de conexão com o ser divino, o culto é um acordo coletivo sobre a forma pela qual comunicamos algo. É nele que os valores compartilhados por um grupo são expressos e, nesse sentido, o culto se torna restrito à cultura, uma | Culto e Liturgia | FTSA16 vez que esta é a estrutura na qual a língua, os costumes e os hábitos estão elaborados. A tentativa de organizar os passos de uma manifestação de adoração, ou seja, seus ritos, é chamada de liturgia. A outra signifi cação para liturgia é ordem de culto. Originalmente, a palavra liturgia (do grego leiturgueo) signifi ca “o trabalho do povo” ou “trabalho em favor do povo”. A liturgia é um serviço voltado para a comunidade. O sentido original foi sofrendo, ao longo da história, nova interpretação vindo a signifi car, então, ordem de culto. Quando pensamos na Teologia como ciência, via de regra, vêm à nossa mente as refl exões e elaborações sistematizadas, em formulações dogmáticas sobre o conteúdo da crença. Por outro lado, observando as expressões de adoração podemos perceber que há um claro divórcio entre as formulações teóricas da Teologia e a prática cultual das pessoas. Aquilo que muitas vezes é expresso pela dogmatização ofi cial da igreja não é necessariamente aquilo que as pessoas praticam na adoração, ainda que falemos sobre Deus, com ele e para ele. De alguma forma, antes da Teologia surgir como ciência a adoração já existia. O impulso da adoração é anterior às formulações teológicas. Na verdade, a adoração é uma forma de expressar uma teologia que se crê e se vive. Alguns estudiosos defendem, então, o argumento de que a liturgia, ou o culto, é a theologia prima, ou seja, a teologia primária. Isso signifi ca que podemos pensar em fazer teologia a partir da liturgia. Observando as ações cultuais de um grupo podemos formular as suas crenças. Aliás, esse é o caminho que a Antropologia muitas vezes utiliza para falar de uma religião. Entretanto, no momento em que passamos a sistematizar o discurso da liturgia, transformamo-la em teologia secundária. A experiência primária é vivida na prática, mas ela pode vir a ser enriquecida pelo exercício da análise e refl exão de si mesma, ou seja, pela teologia secundária. Podemos até dizer que isso é feito naturalmente, ainda que nem sempre a sistematização apareça na forma de um compêndio escrito. Na verdade, a interpretação se dá quando nos 17Culto e Liturgia | FTSA | envolvemos com uma vida litúrgica comunitária. Primeiro tomamos parte dos atos litúrgicos, a seguir conversamos uns com os outros sobre essa experiência, algumas vezes nos informamos sobre o assunto e, depois, nos lembramos de algo sobre ela, ou seja, a experiência passa a fazer parte da nossa vida fora daquele momento vivido. O ciclo reinicia quando novamente participamos de um ato litúrgico. Enfi m, todos os passos seguintes à prática litúrgica, de alguma forma, se tornam uma maneira de fazer teologia secundária. Mas o culto envolve certo mistério transformador. A simples prática ou participação afeta a nossa vida, fé e compreensão da divindade. Ao mesmo tempo em que somos os atores do culto, os que fazem e participam daquele momento, também somos espectadores e receptores de seus efeitos. Participamos em atos-sinais que manifestam e incorporam a presença de Deus e que nos transformam. Quando questionamos, então, qual a fonte geradora e expressão básica da nossa crença podemos ser direcionados à liturgia e não às formulações teológicas dogmáticas. Nossa antecipação, expectativa e memória do culto nos faz diferentes, individualmente e corporativamente, e tudo isso comporá a nossa teologia primária. Algumas vezes as refl exões não são para serem equacionadas com o ato litúrgico em si. Por exemplo, a leitura de uma receita de bolo não substitui a experiência de se cozinhar. Por outro lado, não podemos fi car restritos apenas à nossa experiência primária pela simples razão do próprio Deus ter optado pela sistematização, se assim podemos dizer, do culto. Experiências primárias são fundamentais e insubstituíveis, mas não conseguiríamos adorar a Deus plenamente sem considerarmos que ele se revelou. O próprio Deus decidiu se mostrar e comunicar quem ele é por meio do texto bíblico. Assim, a teologia secundária será o nosso alvo sem desprezar a experiência pessoal e coletiva que temos em nossas práticas de adoração. Nossa intenção é entendermos a teologia, o discurso que nos mostra Deus, a partir dos princípios litúrgicos apresentados, principalmente, na Bíblia. | Culto e Liturgia | FTSA18 Também recorreremos à história como referência dos entendimentos que a igreja teve desses processos. Exercício de fi xação 1- Qual a defi nição correta de liturgia? a. É o serviço que prestamos a Deus por causa da nossa intenção de adorá-lo. b. É o estudo teológico da adoração e do culto. c. É a organização dos rituais em nossa intenção de prestar adoração de forma comunitária. 2.2. Teologia Litúrgica Ainda que possamos investigar o que é a adoração e explicá-la teologicamente, os recursos que temos disponíveis, praticamente, nos limitam ao texto bíblico. Ao mesmo tempo, os textos bíblicos são mais claros e numerosos quando tratam da prática do culto em si e não do conceito de adoração. Isso signifi ca dizer que tenderemos a construir uma Teologiada Adoração a partir da Teologia Litúrgica, ou seja, o entendimento da adoração se dará pela observação da participação do culto e não como algo pré-defi nido de maneira independente. Uma metodologia que podemos aplicar pode ser a de investigarmos a liturgia pela ótica das diversas áreas teológicas: eclesiologia, cristologia, soteriologia, etc. A maior difi culdade, no entanto, é que o conteúdo dos textos bíblicos que tratam da liturgia do culto é muitas vezes elementar, superficial e com vários simbolismos de difícil i n t e r p r e t a ç ã o . Querendo elucidar o signifi cado teológico por trás dos ritos litúrgicos teremos que procurar defi nir conceitos e categorias que sejam capazes de expressar o mais completo possível a natureza essencial da experiência litúrgica na Bíblia e sua aplicação na igreja. Um passo posterior seria 19Culto e Liturgia | FTSA | conectar essas ideias a um sistema de conceitos que a teologia use para expor a fé e doutrina da igreja. Como forma de ampliarmos e aprofundarmos a nossa investigação também podemos recorrer às ciências de apoio. Uma análise fi losófi ca poderia se interessar em perguntar como os rituais litúrgicos codifi cam e descrevem o mundo para os seus participantes. Em uma perspectiva mais antropológica poderíamos tentar nos abster de nossa crença e tentar observar a liturgia com os olhos de uma pessoa estranha àquele ambiente. Nesse exercício, perguntaríamos o porquê por trás dos rituais propondo explanações além das afi rmações verbais presentes no ato, procurando verifi car o que os comportamentos são capazes de imediatamente oferecer. A princípio podemos pensar em três posições no que se refere à teologia presente na liturgia: A liturgia é a fonte das afi rmações teológicas e tem prioridade sobre esta; A teologia tem prioridade sobre a liturgia e deve julgá-la e adequá-la; A liturgia e a teologia se afetam e fundamentam mutuamente subsistindo numa relação criativa e simbiótica A primeira posição prioriza a experiência e os eventos do culto no processo de conhecimento e produção do discurso e conceito teológico. Nesse caso, o estudo e refl exão das doutrinas e textos bíblicos têm um caráter secundário para a realidade teológica. A segunda posição entende que o estudo e refl exão formal das doutrinas de origem bíblica devem ser sobrepostos a qualquer experiência que ocorra no culto ou nos rituais de adoração. As experiências só são consideradas válidas se avaliadas pelo resultado da produção teológica, por assim dizer, intelectual. A terceira posição procura adequar a importância tanto da experiência quanto da | Culto e Liturgia | FTSA20 refl exão, em um processo dialético, em que uma complementa a outra. De maneira bem genérica, podemos considerar que a igreja primitiva ou do período patrístico adotou a primeira opção. A mesma opção parece ser priorizada pelas igrejas pentecostais. Já a segunda posição parece ser adotada pelas igrejas históricas reformadas. A terceira é mais difícil de ser identifi cada em grupos ou movimentos na história da igreja, mas podemos sugerir, por exemplo, o movimento metodista liderado por John Wesley. Creio ser ainda importante uma refl exão complementar ao tema em questão. Na verdade, ela poderia ter sido feita na introdução, mas preferi deixá-la para esse momento propondo refl etir sobre aquilo que pretendemos manter em mente ao longo do estudo que se inicia. Toda teologia deveria ter por objetivo o louvor e reconhecimento a Deus, em outras palavras, a sua glória (doxa). Toda teologia, então, ainda que seja um discurso humano, deveria ser uma doxologia, uma vez que toda ação humana deve buscar a glória de Deus, conforme indica o apóstolo Paulo: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Coríntios 10:31). Pensando no culto, devido a sua natureza celebrativa, as manifestações parecem carregar um pouco mais desse aspecto de engrandecimento de Deus. Don Saliers apresenta a seguinte observação: Nossa tarefa é buscar caminhos que permitam que a doxa de Deus dê forma às nossas práticas doxológicas. Porque apenas assim a arte indicativa da nossa teologia terá resiliência sufi ciente e será enraizada e fundada em seu verdadeiro objeto. Consequentemente, todas as afeições — gratidão, esperança, lamento, dor moral, arrependimento, amor e compaixão — todas essas afeições que a liturgia em seu tempo nos convida a transformá-las em direção a Deus — acharão sua essência quando a glória for mostrada em carne humana (1994, p. 42). 21Culto e Liturgia | FTSA | Poderíamos até considerar, baseado nessa argumentação, que a fi nalidade principal da participação na adoração litúrgica não é receber algo de Deus, e sim o contrário. A liturgia não deveria ser vista como algo utilitário para benefício próprio. O culto não deveria ter como objetivo primeiro satisfazer as pessoas ou simplesmente dar vazão à nossa criatividade, habilidades e gostos. Os ritos não deveriam ser elaborados como um estilo de vida para dar lugar à nostalgia, para prover descanso, oferecer enlevo moral ou para suprir experiências estéticas. Também não visam prioritariamente transferir um estilo denominacional ou se tornar um ambiente de atualização da vida eclesiástica. Enquanto um ou todos esses resultados podem vir a acontecer a um indivíduo ou a toda a comunidade como consequência da participação litúrgica, eles não constituem em todo ou em parte o motivo da participação. A celebração da glória de Deus é que continua sendo a sua fi nalidade. A relação dos crentes com a liturgia está na celebração, na festa em si. A teologia litúrgica, então, é um empreendimento festivo, 3. Adoração e culto Até aqui procuramos entender o papel da Teologia como ciência ao dialogar com a temática do culto, da liturgia, ou daquilo que circunscreve a manifestação comunitária da adoração cristã. Nossa intenção agora é investigar a natureza da adoração, seu signifi cado, sua motivação, enfi m, sua relação com a manifestação cultual. O que torna interessante esta investigação é o fato da adoração ser um tema contemporâneo de grande atratividade para as pessoas. Com os recentes movimentos históricos de avivamento e renovação, impulsionados pelo pentecostalismo, a ideia de adoração ganhou espaço na igreja. Embora interessante, talvez o que torne esse tema um pouco difícil de ser abordado é a aproximação que todos, de certa forma, possuem | Culto e Liturgia | FTSA22 do assunto. A adoração é um conceito que as pessoas parecem dominar ao mesmo tempo em que demonstram difi culdade para defi nir teologicamente. A apreensão da ideia de adoração parece permear o lado afetivo e emocional, quase subconsciente, da experiência de fé, deixando um vácuo entre essa realidade e a sua construção doutrinária. É exatamente visando preencher esse vácuo que tentaremos construir uma fundamentação bíblico-teológica da adoração. A Confi ssão de Fé de Westminster, de 1643, uma das mais antigas confi ssões da Reforma Protestante, afi rma em seu capítulo XXI o seguinte: I. A luz da natureza mostra que há um Deus que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras (Ref. Rom. 1:20; Sal. 119:68, e 31:33; At. 14:17; Deut. 12:32; Mat. I5:9, e 4:9, 10; João 4:3, 24; Exo. 20:4-6). O texto da Confi ssão é uma tentativa de sintetizar diversas passagens bíblicas que tanto indicam certa obrigatoriedade na adoração, demandada por Deus, quanto uma disposição de coração voluntáriapor parte do ser humano. Esse paradoxo que apresenta um ato obrigatório associado a um ato livre torna-se um ponto fundamental de refl exão sobre o culto cristão. Se entendermos a adoração como o resultado de um relacionamento amoroso entre o ser humano e Deus ela jamais poderá ser algo imposto. Caso haja uma imposição da parte de Deus para que ele seja adorado, a dimensão do relacionamento em amor será afetada. O amor perfeito não 23Culto e Liturgia | FTSA | pode ser expresso por força de imposição. Ninguém pode ser obrigado a amar outra pessoa, ainda que possa aprender a fazê-lo ou a desenvolvê- lo, porém, sempre de maneira livre. Por outro lado, o reconhecimento da existência de Deus é algo que parece ser exigido, como observamos em Romamos 1:18-23: A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorifi caram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram- se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. No texto em questão, a adoração, em certo sentido, também parece ser exigida como consequência do simples reconhecimento da existência de Deus. Pela argumentação de Paulo, o dar glória e graças a Deus, ou em outras palavras, valorizar e ter gratidão por Deus, seria uma atitude natural daquele que reconhece a sua existência como tal. Entretanto, por causa do pecado, o ser humano passa a glorifi car deuses fabricados por ele mesmo. Certamente os atos de glorifi car e dar graças estão envolvidos na adoração, mas a abordagem do apóstolo não tem como foco principal a adoração voluntária resultante de um relacionamento de | Culto e Liturgia | FTSA24 amor. Seu foco está na condição humana geral, submetida a um estado de pecado, de incapacidade de reconhecer a Deus e adorá-lo. O texto elabora mais o aspecto amplo daquilo que é estabelecido pela queda causando tanto a chamada ira divina quanto a condição de insanidade do ser humano diante do seu criador, tornando-o, por isso indesculpável ou passível de morte. Um texto mais claro para entendermos a adoração como um ato de liberdade, dentro de uma relação, e não como uma obrigação é o que está em Gênesis 3:3-7: Aconteceu que no fi m de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. Abel, por sua vez, trouxe das primícias do seu rebanho e da gordura deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta; ao passo que de Caim e de sua oferta não se agradou. Irou-se, pois, sobremaneira, Caim, e descaiu-lhe o semblante. Então, lhe disse o SENHOR: Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo. O livro de Hebreus procura explicar o que está registrado nessa passagem de Gênesis: Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala (Hb 11:4). O culto em si não é um ato vazio, rotineiro e ritualístico para cumprir uma imposição divina. Também não é um ato para satisfazer um Deus narcisista que necessita da adulação humana. A adoração surge como uma resposta da fé, ou seja, da relação entre alguém que crê e reconhece em Deus o alvo do seu amor e confi ança. 25Culto e Liturgia | FTSA | Tendo esse primeiro conceito desenvolvimento, passaremos a buscar uma maior fundamentação bíblica para a adoração. 3.1. Fundamentação bíblica da adoração Em um livro dedicado ao tema da adoração, Russel Shedd apresenta diversos termos bíblicos, em hebraico e grego, que são traduzidos pela palavra adoração ou por seus sinônimos correlatos. Um dos termos principais é proskuneo, assim explicado: Originalmente signifi cava “beijar”. Entre os gregos era um termo técnico que signifi cava “adorar os deuses”, dobrando os joelhos ou prostrando-se. Beijar a terra ou a imagem, em sinal de adoração, acompanhava o ato de prostrar-se no chão. Colocar-se nessa posição comunicava a idéia básica de submissão (1987, p. 16). Segundo o mesmo autor, essa foi a palavra grega usada para traduzir o termo hebraico shacha cujo signifi cado é o mesmo, de curvar-se ou prostrar-se. Com isso, obtemos o primeiro conceito por trás da adoração que é o de reconhecer alguém que é maior que nós a quem reverenciamos. O ato simbólico de curvar-se ou prostrar-se é praticado por várias culturas em situações diversas e embora seja demonstrado fi sicamente, no caso da adoração a Deus, ele se torna secundário frente à intenção do coração ou à motivação da pessoa. O entendimento de quem Deus é e do relacionamento que ele intenciona ter conosco é mais importante do que os ritos cultuais externos. De maneira simplifi cada poderíamos dizer que a adoração é uma atitude interna e o culto uma manifestação externa. Dois textos bíblicos, pelo menos, parecem apontar para essa ideia: Nossos pais adoravam neste monte; vós, entretanto, dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem neste monte, nem em Jerusalém | Culto e Liturgia | FTSA26 adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores (João 4:20-23). O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais (Atos 17:24-25). O questionamento que a mulher samaritana faz a Jesus no capítulo 4 do evangelho de João se concentra em uma rixa histórica entre o seu povo e o povo judeu. Desde que os hebreus samaritanos perderam a condição de pureza de raça, após os exílios assírio e babilônico, e com a destruição do templo em Jerusalém, estes passaram a adotar um novo local para cultuar a Deus. A dúvida daquela mulher era legítima uma vez que o povo samaritano postulava adorar o mesmo Deus dos judeus cujos patriarcas ancestrais eram comuns aos dois povos. No relato, porém, Jesus afi rma haver um desconhecimento por parte do povo samaritano sobre a revelação da salvação oferecida pelo Messias judeu que haveria de ser ele próprio. A centralidade religiosa do povo judeu, no entanto, na cidade de Jerusalém causava dúvidas quanto à validade da adoração que se prestava pelo povo samaritano. Observe que Jesus não rejeitou a adoração daquele povo e ao mesmo tempo relativizou a manifestação cultual judaica. Jesus apresenta uma quebra de paradigma muito importante ao dizer que não é o lugar onde 27Culto e Liturgia | FTSA | se adora e, por consequência, não são os atos litúrgicos que importam. O que importa é uma adoração que nasça de uma consciência interna e seja expressão de uma relação verdadeira e não ritualística. A quebra de paradigma trazida por Jesus afeta uma prática histórica secular e difícil deser imediatamente aceita. Por muitos anos a religiosidade do povo de Israel foi construída em torno do Templo de Jerusalém. Por isso mesmo, essa perspectiva de Jesus incomodou a casta religiosa dominadora representada por fariseus, saduceus e escribas. Pelo menos em duas passagens Jesus afronta diretamente essa relação da religiosidade do Templo: Mateus 21:12 e João 2:19. Ele nos ajuda a confrontar as religiosidades que criamos com o princípio do relacionamento pessoal genuíno com Deus. Voltando agora a nossa atenção ao texto de Atos 17:24-25, vemos que ele registra o discurso do apóstolo Paulo em Atenas que segue um raciocínio semelhante ao de João ao afi rmar a falta de associação direta entre Deus e os santuários, ou templos, bem como da sua independência com relação à oferta ou não de adoração por parte dos seres humanos. A ideia por trás da expressão traduzida como “nem é servido por mãos humanas” é a de que está fora da capacidade humana fazer algo que venha a mudar quem Deus é. Ele é sufi ciente em si mesmo e não é a adoração humana que irá completá-lo de alguma forma. Novamente o que temos aqui é uma quebra de paradigma que já deveria ter sido vencida desde o tempo de Jesus ou Paulo. A centralidade do templo na adoração cristã não faz sentido. Mas, a priori, não é isso que observamos na vivência da igreja. A grande maioria das expressões de culto que os cristãos prestam está diretamente associada aos templos. Não que haja algo errado em se prestar culto em um espaço específi co que reúna as pessoas. O equívoco está na centralização e restrição da adoração quase que exclusivamente a esse tipo de espaço e a um tipo de liturgia. O culto também pode ser entendido como um ato de serviço (leitourgeo) a Deus que demonstra de maneira externa e coletiva o reconhecimento, a | Culto e Liturgia | FTSA28 reverência, a confi ança, a esperança, enfi m, o relacionamento que há entre ele e as pessoas. Se por um lado não temos como defender a centralidade da liturgia do templo, por outro, vemos na afi rmação da Confi ssão de Fé, apresentada no início desse texto, que nem todas as formas de culto são aceitáveis. Se por um lado temos como condição primordial para a adoração uma atitude interior adequada, por outro, temos princípios norteadores das manifestações cultuais que pretendemos prestar. 3.2. Atitude interna e motivação da adoração Ao nos propormos investigar os princípios bíblicos norteadores do tipo de atitude que deve estar presente em nossa adoração encontramos alguma difi culdade para apontar instruções explícitas sobre o tema. Começando com o Antigo Testamento, precisamos levar em consideração que a religiosidade do povo de Israel era expressa de maneira muito concreta com atos cultuais detalhadamente elaborados, mas com pouca alusão aos sentimentos e às atitudes internas. Isso não signifi ca dizer que tais atitudes eram desconsideradas ou possuíam importância secundária. Os salmos, nesse sentido, são ricos no que se refere aos sentimentos, mas se a nossa busca se concentrar em textos de outros livros bíblicos, na tentativa de encontrar instruções ou doutrinas, teremos muita difi culdade em sistematizá-las. Um dos textos fundamentais para toda a teologia do AT, citado na Confi ssão de Fé1, que pode indicar os princípios que buscamos é o de Deuteronômio 6:4,5: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”. A ideia do texto em hebraico é um pouco diferente da que talvez venhamos a ter lendo-a já na tradução em português. O texto instrui o povo de Israel a amar a Deus, que é único, com a totalidade do lebab (coração), com a totalidade da nephesh (alma), com grande intensidade. Vale esclarecer que a expressão “força”, no texto original, não faz qualquer alusão a algum aspecto físico ou corporal. A ideia é de magnitude, de 1 Ver Unidade 3. 29Culto e Liturgia | FTSA | excesso, ou seja, ela adjetiva a ação de amar trazendo uma noção de que a mesma deve ser feita com bastante intensidade. No fundo, todo o verso está, num certo sentido, no superlativo: amar com todo o coração, toda a alma e com muita intensidade. Esclarecendo um pouco o signifi cado de lebab, traduzido como coração, observamos uma restrição naquilo que o termo expressa na cultura hebraica. Nossa cultura atribui ao coração apenas os sentimentos ou as emoções. Para a cultura hebraica o coração tem uma abrangência maior conforme nos explica Hans Wolff: Na grande maioria dos casos, predicam-se do coração funções intelectuais, racionais, logo exatamente aquilo que nós atribuímos à cabeça ou mais exatamente ao cérebro; cf. 1 Sam 25,37... Deve-se evitar a impressão falsa de que o homem bíblico seja determinado mais pelo sentimento do que pela razão. Esta orientação antropológica errônea se origina com facilidade demasiada numa tradução indiferenciada de l. A Bíblia põe o homem perante claras alternativas que devem ser conhecidas. É sumamente característico que l. se encontre de longe com maior freqüência na literatura sapiencial: só nos Provérbios 99 vezes e no Eclesiastes 42 vezes; no Deuteronômio, acentuadamente doutrinal, 51 vezes (1975, p. 70). Com base na explicação acima, o amor a Deus não se restringe a “sentirmos” algo em relação a ele e sim intencionalmente, numa manifestação consciente, inteligente e racional da vontade, n o s relacionarmos com ele considerando a sua unicidade e status divino. Esta mesma ideia é defendida pelo apóstolo Paulo no Novo Testamento em 1 Coríntios 14:15 ensinando que o nosso culto a Deus é eminentemente racional: “Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente”. | Culto e Liturgia | FTSA30 Complementando o princípio ensinado no texto de Deuteronômio, vemos a referência a uma disposição de integralidade da nephesh (alma) na relação com Deus. Mais uma vez, temos aqui um provável entendimento equivocado sobre o signifi cado do termo hebraico utilizado. Por causa da tradução de nephesh como alma e dado o uso que fazemos do termo como denotando a dimensão interna do ser humano que identifi ca a personalidade, podemos pensar que o texto está aludindo a alguma postura interior. No entanto, nephesh tem um sentido um pouco diferente. Novamente, Wolff nos explica: “[Nephesh] deve ser olhado aqui em conjunto com a fi gura total do homem e especialmente com a sua respiração; por isso, o homem não tem n. [nephesh] mas é n., vive como n.” (1975, p. 22). Um texto que podemos usar para esclarecer o signifi cado de nephesh é o de Gênesis 2:7. Ali temos a ideia da totalidade do ser humano como um organismo que vive ou que respira e não simplesmente o âmbito da interioridade. Resumindo o ensino de Dt 6:4-5 e aplicando-o à nossa atitude quanto à adoração, podemos traduzir o texto da seguinte forma: Adorarás intensamente a Deus com toda a tua vontade, razão, emoção e com toda a vida que há em ti. Voltando agora a nossa atenção ao Novo Testamento e retomando o texto de João 4:23-24, encontramos a afi rmação de que Deus requer que seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. Esta passagem está em direta relação com o capítulo 3 quando Jesus dialoga com Nicodemus e explica a nova condição daqueles que nascem, de novo, do Espírito. Assim, a adoração que Deus espera é aquela que é consequência de uma nova relação, especial, que não tem mais a ver com a questão étnica judaica, nem tampouco com a religiosidade cultural praticada por aquele povo. Não se trata mais de uma simples prática ritualística e sim de uma atitude consciente da relação de carinho e proximidade estabelecida a partir do nascimento para uma nova realidade. Por isso mesmo, a adoração deve ser verdadeira, não falsa, não hipócrita. A acusação de 31Culto e Liturgia | FTSA | hipocrisia talvez seja a maior que Jesus faz à religiosidade dos escribase fariseus, os pretensos guardiães da adoração correta segundo os princípios cultuais da tradição judaica. Exercício de fi xação Qual a ideia central ensinada no texto de Dt 6:4-5 no que se refere à atitude interna ou motivação para a adoração a Deus? a. A adoração deve ser feita em espírito e em verdade; b. A adoração é uma atitude de amor que envolve sentimentos e razão; c. A adoração é uma atitude de amor que vem da alma; 3.3. Atitude externa e expressão de adoração Pensemos agora em algumas atitudes externas ou, em outras palavras, em formas de adoração que encontramos na Bíblia. A sugestão é a de que mantenhamos em mente a atitude que Deus requer de seus adoradores, elaborada no item anterior, à medida que vasculhamos os textos que seguem. No Antigo Testamento encontramos um princípio interessante sobre a expressão de adoração a Deus que rejeita as fórmulas pagãs do tempo de Moisés. No decálogo a adoração politeísta e de imagens é rechaçada (Êxodo 20:3-6). O que este texto nos apresenta não é uma simples rejeição a elementos simbólicos visuais, mas a impossibilidade de se representar o Deus único e criador do universo por meio de qualquer representação humana como a realizada pelas diversas religiosidades do Antigo Oriente. Se o que estivesse sendo prescrito fosse a completa ausência de elementos simbólicos, não teríamos a possibilidade de aceitar toda a orientação para a realização do culto no Tabernáculo, registrado nos capítulos 25 a 31 do livro de Êxodo e, posteriormente, no Templo de Jerusalém. | Culto e Liturgia | FTSA32 Outro dado importante do decálogo é que o tema explícito do culto está em franca relação com o comportamento e atitude ética na vida diária. Os Dez Mandamentos confi rmam a nossa tese de que a adoração requer uma atitude interna e de vida ética igualmente relevante. Não se pode dissociar estes dois aspectos. Não voltaremos a nossa atenção aos textos que descrevem o culto sacrifi cial do AT uma vez que esse culto foi superado no NT com o sacrifício vicário de Cristo. A outra razão para não entrarmos em detalhe nesses textos é que o esforço de investigação exigiria uma maior profundidade de estudo antropológico e histórico fugindo da abordagem proposta. Gostaria, no entanto, de observar outros textos que confrontam exatamente o rigor estabelecido pelo tipo de culto praticado em torno do Tabernáculo e Templo numa tentativa de encontrar os princípios mais importantes para a adoração a Deus. A primeira e interessante expressão de adoração que gostaria de abordar é a de Ana em 1 Samuel 1:9-14. Primeiramente, devemos nos abstrair daquilo que já conhecemos ou nos acostumamos a ver nas formas de adoração que encontramos nas igrejas nos dias de hoje. O que se passa com Ana nesse texto não era normal nem “aprovado” pela religiosidade da época. Podemos perceber isso pela reação do sacerdote, ou se assim preferir, do pastor da igreja, Eli. Ana orava profunda e intensamente com lágrimas e balbucios numa demonstração de confi ança e liberdade em Deus, sem estereótipos sem rituais elaborados. Todos sabemos que a adoração e oração de Ana foram aceitas. Outra expressão de adoração que quebra os padrões pré-estabelecidos e esperados dentro da cultura religiosa judaica é a de Davi registrada em 2 Samuel 6:12-16. O que Davi faz é, de certa forma, ridículo e impróprio segundo a ótica de sua esposa. Não me parece que a questão estivesse na dança em si e sim na participação comum do rei naquele desfi le. Davi expressava a sua adoração de maneira sincera e, talvez, até mesmo exagerada, mas para alguns, aquilo poderia ser visto como impróprio. 33Culto e Liturgia | FTSA | Já no NT, dentro desta mesma intenção de verifi carmos expressões que fogem aos padrões instituídos, mas que traduzem uma adoração genuína e sincera vemos o que Simeão faz, dentro do Templo, quando se encontra com o menino Jesus (Lucas 2:25-35). Temos ainda o registro de Hebreus 5:7-9 falando de uma forma de culto oferecida pelo próprio Jesus. Ou ainda, a parábola de Lucas 18:9-14 que contrapõe a adoração do fariseu e do publicano. A do primeiro é religiosamente perfeita, porém, vazia de signifi cado para Deus. A do segundo é sincera e atinge o seu objetivo. Estas passagens bíblicas apontam para uma certa relativização das formas de culto que prestamos em nossa intenção de expressar a atitude e motivação que temos ao adorar a Deus. Ao investigarmos a teologia e prática do culto devemos sempre nos lembrar destes princípios ainda que parte de nossa intenção seja a de organizar, de alguma maneira, os atos litúrgicos tendo como objetivo a comunicação da experiência de fé comum. Exercício de reflexão O texto deste último tópico afi rma que existe uma certa relativização das formas de culto, relacionando a adoração a intenção de expressar-se a Deus. Atualmente, muitas expressões de adoração surgiram, muitas delas aparentemente estranhas e irreverentes. Com base em seu conhecimento sobre as formas de adoração (vistas em sua comunidade ou em outras), refl ita sobre a validade das expressões atuais de adoração, isto é, se elas se encaixam em atitudes autênticas ou se fogem à reverência devida a Deus. Exercício de reflexão O texto deste último tópico afi rma que existe uma certa relativização das formas de culto, relacionando a adoração a intenção de expressar-se a Deus. Atualmente, muitas expressões de adoração surgiram, muitas delas aparentemente estranhas e irreverentes. Com base em seu conhecimento sobre as formas de adoração (vistas em sua comunidade ou em outras), refl ita sobre a validade das expressões atuais de adoração, isto é, se elas se encaixam em atitudes autênticas ou se fogem à reverência devida a Deus. | Culto e Liturgia | FTSA34 Bibliografi a CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. Arquivo disponível em www. executivaipb.com.br/arquivos/confi ssao_de_westminster.pdf. Acesso em 27 de junho de 2019. CAMPOS, Leonildo Silveira. Templo, teatro e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis, RJ: Vozes; São Paulo: Simpósio Editora e Universidade Metodista de São Paulo, 1997. KLEIN, Alberto. Imagens de culto e imagens da mídia: interferências midiáticas no cenário religioso. Porto Alegre: Sulina, 2006. SALIERS, Don E. Worship as theology: forestate of glory divine. Nashville: Abingdon Press, 1994. 255 p. SHEDD, Russel. Adoração bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1987. WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 1975. p.70. 35Culto e Liturgia | FTSA | Unidade 2 - Fundamentação bíblica do culto no Antigo Testamento Após uma série de temas introdutórios, queremos focar nossa atenção na formulação de uma fundamentação bíblica para o culto. A investigação se dará a partir da observação do processo histórico de desenvolvimento do povo de Israel e sua cultura conforme registrado nas Escrituras. Após apontarmos as características do culto ao longo das diversas fases históricas e de compreensão teológica por parte do povo de Israel, apresentaremos algumas conclusões na tentativa de aplicação de princípios à realidade contextual contemporânea. Devemos ter um cuidado adicional ao lidar com textos bíblicos, principalmente os do Antigo Testamento. Muitas vezes, por já conhecermos toda a revelação bíblica, de Gênesis a Apocalipse, que considera o fundamental e central aspecto da pessoa e obra de Jesus Cristo, temos a tendência de ler alguns textos a partir desse conhecimento. Para a abordagem a que nos propomos, devemos nos abstrair desse prévio conhecimento, que já adquirimos, e tentarmos elaborar os conceitos a partir do contexto no qual e para o qual o texto bíblico foi escrito. Isso signifi ca que ao olharmos para o desenvolvimento do culto no Antigo Testamento, devemos nos ater apenas ao contexto no qual o texto foi escrito e em seu passado histórico produtor. 1. As expressões de culto na história de Israel 1.1. O culto na época dos patriarcasA primeira observação que podemos fazer acerca do culto a Deus no período patriarcal é que este se assemelhava muito aos cultos pagãos do Oriente Antigo. Os cultos dos povos que habitavam a região onde viveram os patriarcas de Israel, de maneira geral, eram feitos em altares ou lugares sagrados, com o uso de ofertas, sacrifícios de animais e orações. Roland de Vaux nos informa que | Culto e Liturgia | FTSA36 [...] A religião naturalista de Canaã reconhecia uma manifestação da presença ou da ação divina nas fontes que fecundam a terra, nos poços que abeberam os rebanhos, nas árvores que testemunha essa fecundidade, nas alturas que se reúnem as nuvens de onde vem a chuva benfazeja. Os israelitas e seus ancestrais, que foram pastores e agricultores, partilhavam dessa concepção (2003, p. 315). Observe os relatos de alguns textos do livro de Gênesis: • Gn 12:7-8 – Apareceu o SENHOR a Abrão e lhe disse: Darei à tua descendência esta terra. Ali edifi cou Abrão um altar ao SENHOR, que lhe aparecera. Passando dali para o monte ao oriente de Betel, armou a sua tenda, fi cando Betel ao ocidente e Ai ao oriente; ali edifi cou um altar ao SENHOR e invocou o nome do SENHOR. • Gn 15:7-10 – Disse-lhe mais: Eu sou o SENHOR que te tirei de Ur dos caldeus, para dar-te por herança esta terra. Perguntou-lhe Abrão: SENHOR Deus, como saberei que hei de possuí-la? Respondeu-lhe: Toma-me uma novilha, uma cabra e um cordeiro, cada qual de três anos, uma rola e um pombinho. Ele, tomando todos estes animais, partiu-os pelo meio e lhes pôs em ordem as metades, umas defronte das outras; e não partiu as aves. • Gn 16:13-14 – Então, ela [Hagar] invocou o nome do SENHOR, que lhe falava: Tu és Deus que vê; pois disse ela: Não olhei eu neste lugar para aquele que me vê? Por isso, aquele poço se chama Beer-Laai- Roi; está entre Cades e Berede.; • Gn 17:9-11 – Disse mais Deus a Abraão: Guardarás a minha aliança, tu e a tua descendência no decurso das suas gerações. Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de aliança entre mim e vós. 37Culto e Liturgia | FTSA | • Gn 21:33 – Plantou Abraão tamargueiras em Berseba e invocou ali o nome do SENHOR, Deus Eterno. • Gn 26:23-25 – Dali subiu para Berseba. Na mesma noite, lhe apareceu o SENHOR e disse: Eu sou o Deus de Abraão, teu pai. Não temas, porque eu sou contigo; abençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência por amor de Abraão, meu servo. Então, levantou ali um altar e, tendo invocado o nome do SENHOR, armou a sua tenda; e os servos de Isaque abriram ali um poço. • Gn 28:18-22 – Tendo-se levantado Jacó, cedo, de madrugada, tomou a pedra que havia posto por travesseiro e a erigiu em coluna, sobre cujo topo entornou azeite. E ao lugar, cidade que outrora se chamava Luz, deu o nome de Betel. Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então, o SENHOR será o meu Deus; e a pedra, que erigi por coluna, será a Casa de Deus; e, de tudo quanto me concederes, certamente eu te darei o dízimo. • Gn 33:20 – Voltando de Padã-Arã, chegou Jacó são e salvo à cidade de Siquém, que está na terra de Canaã; e armou a sua tenda junto da cidade. A parte do campo, onde armara a sua tenda, ele a comprou dos fi lhos de Hamor, pai de Siquém, por cem peças de dinheiro. E levantou ali um altar e lhe chamou Deus, o Deus de Israel. Os textos mostram diferentes expressões de culto: construção de altares, sacrifício de animais, construção de poço, mutilação humana (circuncisão), plantação de árvores, construção de coluna, unção com óleo (azeite) e entrega de oferta (dízimo). Nenhum dos relatos segue qualquer lógica ou ordem específi ca. Na realidade, as expressões de culto relatadas são idênticas às feitas pelas diversas religiosidades dos povos que habitavam o Oriente Antigo. Outro elemento curioso é que Deus possuía diferentes adjetivações associadas à raiz hebraica genérica El que é traduzida como Deus. Os | Culto e Liturgia | FTSA38 textos que tratam dos patriarcas são anteriores ao monoteísmo iniciado com a tradição de Moisés que atribuiu a Deus o nome de Javé (Yahweh). Assim, vemos nos textos originais em hebraico várias expressões associadas a essa raiz: • Gn 17:1 – Quando Abrão estava com noventa e nove anos de idade o SENHOR (Yahweh) lhe apareceu e disse: “Eu sou o Deus todo- poderoso (El Shadday); ande segundo a minha vontade e seja íntegro; • Gn 21:33 – Abraão, por sua vez, plantou uma tamargueira em Berseba e ali invocou o nome do SENHOR (Yahweh), o Deus Eterno (El Olam); • Gn 31:13 – Sou o Deus de Betel (El Betel), onde você ungiu uma coluna e me fez um voto. Saia agora desta terra e volte para a sua terra natal; • Gn 33:20 – Ali edifi cou um altar e lhe chamou El Elohe Israel (Deus de Israel). Com base nos textos desse primeiro período não encontramos uma direção litúrgica clara quer seja na forma de orientação doutrinária quer seja na forma de ordenança. O que observamos é uma grande semelhança entre a prática pagã e a prática dos patriarcas, porém, estas tendo como alvo específi co o Deus do clã de Abraão, que vai sendo perpetuado em sua família. É assim que vemos a repetição da expressão o Deus de Abraão, o Deus de Isaque (Gn 28:13) e o Deus de Jacó (Ex 3:6). Ainda que a proibição de se tentar expressar a pessoa de Deus por meio de imagens tenha sido prescrita apenas a partir dos Dez Mandamentos, os relatos do tempo dos patriarcas apontam para uma contínua tentativa de expressão simbólica concreta por meio de colunas de pedra, árvores, poços, etc. Ainda não havia o Tabernáculo ou o Templo, mas havia lugares considerados sagrados (Betel, Berseba, Siquém, etc.) e o uso altares. Muito importantes eram os eventos ou ações atribuídas a Deus que geravam os cultos de adoração: vitória em batalhas, sonhos, nascimento de fi lho, boa colheita, etc. Da mesma forma entendemos a importância 39Culto e Liturgia | FTSA | dada às teofanias2 como geradoras de cultos. Em todos os relatos desse período os cultos aparecem como algo simples, sem liturgias complexas. Exercício de Fixação A contextualização do culto e das práticas litúrgicas dos patriarcas é importante para compreensão da narrativa bíblica, pois detalhes são melhores compreendidos frentes às práticas dos cultos pagãos do Oriente Antigo. Sobre o culto no tempo dos patriarcas é correto afi rmar que: a) Eram feitos sem mandamento ou orientação litúrgica; b) Eram feitos em tendas prefi gurando o Tabernáculo; c) Eram feitos de maneiras diversas em lugares diversos por meio de sacerdotes; d) Eram feitos com elementos pagãos proibidos; e) Eram feitos em templos espalhados por todo o território nômade. 1.2. O culto no deserto e ocupação de Canaã Voltamos agora a nossa observação para o culto praticado quando da peregrinação do povo de Israel pelo deserto e sua fi xação na terra prometida de Canaã após a saída do Egito. Os livros bíblicos que nos informam sobre esse período são os compreendidos entre Êxodo e 1 Samuel, pertencentes a diferentes tradições editoriais. Basicamente este é o tempo histórico em que se instituiu o culto a Javé (Yahweh) em um templo móvel, ou tenda, que se denominou Tabernáculo e que posteriormente foi transferido para o Templo de Salomão no período monárquico. Seu desenvolvimento e descrição se encontram na tradição do Sinai e do deserto. Os textos do Pentateuco são particularmente 2 Teofania é uma expressão de origem grega que signifi ca a revelação ou manifestação sensível de Deus em algum lugar, coisa ou pessoa, ou através de um anjo, ou fenômenos impressionantes da natureza. | Culto e Liturgia | FTSA40 atenciosos aos acontecimentos que ocorreram em função do Tabernáculo, assim como às normas religiosas e cultuaisassociadas a ele. Uma explicação mais detalhada nos é dada por Roland de Vaux: Antes disso, deve-se estudar um outro grupo de tradições, relacionados aos princípios do culto de Iahvé. É dito que no deserto os israelitas tinham como santuário uma tenda, que se tornou, por infl uência da Vulgata, o Tabernáculo da literatura cristã. Esta Tenda é chamada em hebraico ’ohel mo‘ed, a Tenda da Reunião, ou do Encontro, ou da Assembleia. Ela é de fato o lugar onde Iahvé conversava com Moisés “face a face”, Êx 33.11, lhe falava “boca a boca”, Nm 12.8. Esses textos pertencem à tradição mais antiga, que insiste na função da Tenda nos oráculos: quem queria “consultar a Iahvé” ia à Tenda, onde Moisés servia de intermediário junto a Deus, Êx 33.7. A tradição sacerdotal manteve o mesmo nome, com o mesmo sentido: a Tenda da Reunião é o lugar de “encontro” com Moisés e o povo de Israel, Êx 29.42-43, 30.36. Mas essa tradição prefere chama- la a Habitação, mishkan, um termo que parece ter designado primeiramente a habitação temporária do nômade, cf. o antiquíssimo texto de Nm 24.5 e o verbo correspondente em Jz 8.11, cf. também II Sm 7.6, logo, um sinônimo de “tenda”. Os relatos sacerdotais escolheram essa palavra arcaica para exprimir o modo de habitação terrena do Deus que reside no céu [...] Sobre o aspecto dessa Tenda, sua estrutura e sua mobília, as passagens mais antigas não dão nenhuma explicação. Por outro lado, a tradição sacerdotal dá uma longa descrição da Habitação, tal qual Iahvé ordenou que fosse construída, Êx 26, e que Moisés executou, Êx 36.8-38. Essa descrição é difícil de interpretar e não se vê bem como se combinam os vários elementos que ela apresenta (2003, pp. 332-333). 41Culto e Liturgia | FTSA | Uma maneira simplista de entender a ideia por trás da Tenda/Habitação de Deus é pensar naquilo que ocorria na cultura dos povos nômades da região. Em suas peregrinações, os nômades se abrigavam em tendas que eram montadas e desmontadas à medida que se deslocavam pelas regiões que faziam parte de suas migrações em busca de pasto, água, segurança e comercialização de seus produtos pastoris. Na prática de sua religiosidade, uma tenda especial era dedicada à divindade ou às divindades em que criam, servindo de santuário e local de oferta e culto. No caso do povo de Israel, de forma semelhante, enquanto se moviam e habitavam no deserto próximo à Canaã, uma tenda era dedicada ao culto a Javé. Uma tentativa de representar aquilo que é descrito sobre o Tabernáculo no livro de Êxodo pode ser vista na fi gura a seguir. Reprodução em maquete do Tabernáculo (http://www.albanymissionarybaptist.org/tabernacle-lesson-1/) Os detalhes de como ocorria esse serviço religioso não nos são informados. Se primeiro levarmos em conta a ideia da Tenda como um | Culto e Liturgia | FTSA42 lugar onde o líder e profeta Moisés consultava a Deus para saber os seus oráculos e recebia o povo para aconselha-lo, podemos imaginar um rito simples. Se, no entanto, tomarmos o processo posterior, desenvolvido em função de uma Tenda maior com sacrifícios ofi cializados pelos sacerdotes, temos aquilo que encontramos especifi cado, principalmente, nos livros de Êxodo e Levíticos, em torno de toda a arquitetura, mobília, utensílios e liturgia sacrifi cial e de oferta. Um dado importante a ser ressaltado, sobre esse culto sacrifi cial e intermediado pelos sacerdotes, é que ele não prevê a participação comunitária em seus ritos. Se lermos com atenção os textos bíblicos, vemos que a responsabilidade do povo é apenas de levar os animais e ofertas até a entrada da Tenda, entregando-os aos sacerdotes. Esses sim, são os que prestarão, por assim dizer, o culto a Javé. Na transição do deserto para o assentamento e posse da terra de Canaã, nossa expectativa poderia ser de vermos que o culto instituído em torno do Tabernáculo seria único, porém, se observarmos os textos daquele período com cuidado veremos que não foi isso o que aconteceu nessa fase histórica. Mesmo a interessante descrição do Tabernáculo que se movia com o povo no deserto sob o comando de Deus, por meio da coluna de nuvem de dia e de fogo à noite, desaparece quando as tribos se fi xam em Canaã, cada uma em uma região diferente da outra. Não há uma indicação clara sobre o que teria ocorrido com o Tabernáculo a não ser relatos soltos que apontam para uma possível fi xação em Siló desde a travessia do Jordão e repartição das terras (Js 18:1) até que o rei Davi o levasse para Jerusalém (2Sm 6). O texto de 1 Samuel 1:24 indica estar naquela cidade a Casa do Senhor e o texto de Juízes 21:19 destaca um culto festivo anual. Vejamos os textos • Js 18:1 – Toda a comunidade dos israelitas reuniu-se em Siló e ali armou a Tenda do Encontro. A terra foi dominada por eles; • 1Sm 1:24 – Depois de desmamá-lo, levou o menino, ainda pequeno, à casa do Senhor, em Siló, com um novilho de três anos de idade, uma arroba de farinha e uma vasilha de couro cheia de vinho; 43Culto e Liturgia | FTSA | • Jz 21:19 – Há, porém, a festa anual do Senhor em Siló, ao norte de Betel, a leste da estrada que vai de Betel a Siquém, e ao sul de Lebona • 2Sm 6:1-2 – Ele e todos os que o acompanhavam partiram para Baalá, em Judá, para buscar a arca de Deus, arca sobre a qual é invocado o Nome, o nome do Senhor dos Exércitos, que tem o seu trono entre os querubins acima dela. No entanto, alguns textos do livro de 1 Samuel apontam Mispa e Gilgal: • 1Sm 7:5 – E Samuel prosseguiu: “Reúnam todo o Israel em Mispá, e eu intercederei ao Senhor a favor de vocês”; • 1Sm 10:8 – “Vá na minha frente até Gilgal. Depois eu irei também, para oferecer holocaustos e sacrifícios de comunhão, mas você deve esperar sete dias, até que eu chegue e diga a você o que fazer”; Também é difícil identifi car toda a multiplicidade de cultos presentes no meio do povo de Israel que sofreu a constante infl uência dos povos canaanitas. A chamada idolatria pagã foi uma constante ao longo da história de Israel mesmo durante o período monárquico. Podemos considerar a seguinte polarização: o culto organizado e institucionalizado que acontece no Tabernáculo e os vários cultos que utilizavam altares, árvores, sacrifícios e festas agrárias que aconteciam em todo o território. O culto do Tabernáculo, na verdade, tinha um caráter unifi cador da fé javista entre o povo. Ele possuía um cunho militarista também já que este é um período de constante disputa pela terra. Em outras palavras, apesar de existirem outras manifestações cultuais aceitas, é no Tabernáculo que encontramos um culto comunitário de liturgia bastante elaborada, basicamente girando em torno dos sacrifícios de animais e ofertas dos produtos da atividade agrícola e pastoril (Êx 17:15; 20:24-26; 24:4; 25-31; Lv 1-8). Vários utensílios simbólicos são utilizados, além da especifi cação de espaços e lugares especiais. Também é fundamental a participação dos levitas na função sacerdotal de intermediários entre o povo e Deus na realização do culto. | Culto e Liturgia | FTSA44 1.3. O culto no período monárquico A partir do reinado de Davi ocorre uma ação específi ca de ofi cializar o culto javista do Tabernáculo em detrimento de todas as outras práticas. Há aqui um elemento importante a se considerar que é a legitimação do poder político por meio da religião. Vale ressaltar que essa relação dialética entre religião e política é percebida em quase todas as culturas mesmo nos dias de hoje. Trazendo a Arca da Aliança, o maior símbolo da presença de Deus entre o povo, para a nova capital política Jerusalém e trocando a estrutura móvel do Tabernáculo pela estrutura fi xa do Templo, conseguiu-se instituir o culto javista como o único aceito pela liderança do povo. O palácio real estrategicamente construído ao lado do Templo, ao mesmo tempo, divinizava o rei e fortalecia a casta sacerdotal profi ssional responsável pelos serviços religiosos. Embora o projeto tenha sido iniciado por Davi,
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