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MARC Carolina Ferreira INTRODUÇÃO E FISIOLOGIA DA COAGULAÇÃO -A hemostasia é o processo resultante do equilíbrio entre proteínas pró-coagulantes, anticoagulantes e fibrinolíticas, p/ manter o sangue fluido e, quando necessário, coibir o sangramento -O equilíbrio é alcançado pelo bom funcionamento de vasos sanguíneos (endotélio), plaquetas, proteínas da coagulação, da fibrinólise e dos anticoagulantes naturais Muitos fatores, genéticos ou adquiridos, podem contribuir p/ romper esse equilíbrio, levando a estados de hipocoagulabilidade ou hipercoagulabilidade -Didaticamente, a hemostasia pode ser dividida em 3 etapas: 1º, 2º e 3º Hemostasia primária -A hemostasia primária é responsável por estancar o sangramento por meio da formação do tampão plaquetário -Após lesão endotelial, ocorrem exposição do colágeno e vasoconstrição reflexa. As plaquetas circulantes aderem ao colágeno por meio do fator de von Willebrand, liberado pelo endotélio em razão do estresse de cisalhamento. Essa adesão ocorre por intermédio das glicoproteínas Ib (GPIb) e Ia-IIa localizadas, respectivamente, na superfície das plaquetas e do colágeno -As plaquetas aderidas ao colágeno são ativadas, liberando secreções dos conteúdos granulares (adenosina difosfato, prostaglandinas, tromboxano A2 e serotonina), e sofrem alteração de sua estrutura, expondo outra glicoproteína de membrana: GPIIb/IIIa. -Esta é responsável pela agregação plaquetária por meio da sua ligação ao fibrinogênio: agregação plaqueta-plaqueta -As secreções dos grânulos plaquetários são responsáveis por > vasoconstrição, adesão, ativação e agregação plaquetária. Assim, forma-se o tampão plaquetário, responsável pelo controle do sangramento em poucos minutos. -Por fim, o tampão plaquetário tem atividade pró-coagulante, por meio da exposição de fosfolípides pró-coagulantes e complexos enzimáticos na superfície da plaqueta, o que resulta na inter-relação entre ativação plaquetária e ativação da cascata da coagulação -As principais doenças relacionadas c/ distúrbios da hemostasia primária são relacionadas c/ o ↑ da fragilidade da parede vascular (púrpura trombótica e púrpura de Henoch-Schönlein), alterações na forma e na quantidade das plaquetas (púrpura trombocitopênica imunológica), além de alterações quantitativas e qualitativas do fator de von Willebrand, que levam à doença de mesmo nome. MARC Carolina Ferreira Hemostasia secundária -Hemostasia secundária é o nome dado às reações da cascata da coagulação, que consistem na ativação sequencial de uma série de pró-enzimas ou precursores proteicos inativos em enzimas ativas, resultando na formação de fibras de fibrina que fortalecem o tampão plaquetário. -A hemostasia secundária é capaz de evitar o ressangramento por meio da formação de uma rede adesiva de fibrina que consolida o tampão plaquetário (a partir daí, chamado de coágulo) -No caso das alterações da hemostasia secundária, temos, como principais problemas: a hemofilia por deficiências do fator VIII ou IX, a coagulação intravascular disseminada e a deficiência de vitamina K comum nos usuários de cumarínicos. -Todos os fatores de coagulação são produzidos pelo fígado, c/ exceção do fator VIII e do fator de von Willebrand, que são secretados pelo endotélio. -A cascata da coagulação é dividida em 2 vias principais: a via intrínseca, desencadeada por fatores de contato, de carga negativa, e a via extrínseca, desencadeada pelo fator tecidual, que confluem p/ uma via comum. -Na via extrínseca, o fator VII circulante liga-se ao FT (tromboplastina) exposto pelo endotélio lesado e, juntos, ativam o fator X (via comum). -Na via intrínseca, o fator XII, na presença de Cininogênio de Alto Peso Molecular (CAPM) e pré-calicreína (PK), é ativado por fatores de contato (substâncias de carga negativa, como toxinas bacterianas). O XIIa ativa o fator XI, que atuará na ativação do fator IX. O fator IXa, na presença do VIIIa, ativa o fator X -Após a geração de fator Xa por ambas as vias, o fator Xa se associa ao fator Va e ativa a protrombina (fator II) em trombina (fator IIa), sendo esta a responsável pela transformação do fibrinogênio em fibrina. O fator XIII é fundamental p/ a estabilização do coágulo de fibrina. -Cálcio e fosfolípides são cofatores importantes p/ a cascata da coagulação. -Os fatores de coagulação dependentes de vitamina K são: II, VII, IX, X, proteínas C e S. -Tal maneira clássica de apresentar a cascata da coagulação é importante p/ o raciocínio na interpretação dos exames laboratoriais, mas ñ é o que acontece no organismo -Fisiologicamente, sabe-se que o FT exposto após a lesão endotelial é o evento primário da cascata da coagulação, pois o complexo FT-VIIa ativa os fatores X e IX, gerando pequena quantidade de trombina. Sabe-se também que os fatores da antiga via intrínseca (como XI, IX, VIII) funcionam como amplificadores do processo dessa geração de trombina, peça-chave na formação do coágulo de fibrina. Tal amplificação ocorre na membrana das plaquetas ativadas MARC Carolina Ferreira (aquelas ativadas no processo da hemostasia primária), utilizadas como fonte de fosfolípides, importante para a localização do coágulo apenas no tecido lesado. -3 importantes substâncias agem como moduladoras da cascata da coagulação: antitrombina (AT), o inibidor da via do Fator Tecidual (FT) e a proteína C ativada/proteína S. -A AT, produzida no fígado e, possivelmente, nas células endoteliais, é um dos + potentes inibidores da cascata da coagulação. Exerce seu papel como anticoagulante pela inibição da trombina, dos fatores XIIa, XIa, IXa, Xa e da calicreína. -O inibidor da via do FT bloqueia a ação do complexo VIIa-FT ao ligar-se c/ o fator Xa, diminuindo a geração de trombina em sua fase + inicial. A principal fonte do inibidor da via do FT são as células endoteliais. -A trombina gerada pela cascata da coagulação liga-se à trombomodulina, presente no endotélio sem lesão. O complexo trombomodulina-trombina ativa a proteína C circulante (PCa), e esta, a proteína S (PSa). Tanto a PCa quanto a PSa exercem seus papéis como anticoagulantes ao inativarem os fatores Va e VIIIa, bloqueando a geração de + trombina. Além dessa ação anticoagulante, a proteína C ativada é capaz de bloquear a ação do PAI-1 (inibidor do ativador do plasminogênio-1) e do TAFI (inibidor da fibrinólise ativado pela trombina), diminuindo o efeito supressivo desses compostos sobre a fibrinólise. Portanto, a proteína C ativada apresenta papel pró-fibrinolítico e, por fim, também é capaz de reduzir a resposta inflamatória por vários mecanismos. Modulação da cascata da coagulação -Além desses mecanismos, o tromboxano, a prostaciclina e o óxido nítrico modulam a reatividade da parede vascular e das plaquetas, contribuindo para o controle da cascata da coagulação e para a fluidez do sangue. Fibrinólise -Além dos fatores de coagulação e de anticoagulação, o organismo conta também com um sistema fibrinolítico -O plasminogênio é uma proteína inativada circulante no plasma que se liga à fibrina à medida que o coágulo se forma. Ao se ligar à fibrina, converte-se em plasmina, a qual dissolve o coágulo e inicia a fibrinólise. -Essa conversão ocorre pela ação do ativador tecidual do plasminogênio (tPA – tissue Plasminogen Activator), sintetizado pelo endotélio, e do ativador do plasminogênio tipo uroquinase (uPA – urokinase-type Plasminogen Activator), secretado por diversos tecidos. A MARCCarolina Ferreira liberação endotelial do tPA é estimulada pela presença de trombina, serotonina, bradicinina, adrenalina e citocinas. -Os compostos que controlam a fibrinólise são: PAI, especialmente o PAI-1, TAFI e alfa-2- antiplasmina -O TAFI é ativado pelo complexo trombina-trombomodulina e liga-se à fibrina já parcialmente lisada, impedindo a ligação do plasminogênio e a formação de + plasmina. -Os distúrbios da hemostasia 3º são causados principalmente pelas: alterações adquiridas da fibrinólise que ocorrem também na coagulação intravascular disseminada, em hepatopatias crônicas, em neoplasias de próstata e em cirurgias cardíacas. Avaliação laboratorial da hemostasia -Na avaliação da hemostasia, deve ser realizada avaliação laboratorial a depender do tipo de distúrbio de hemostasia a ser suspeitado (primário ou secundário). -Nos distúrbios da hemostasia primária, devem ser solicitados: a) Contagem de plaquetas b) Tempo de sangramento; c) Curva de agregação plaquetária; d) Fator de von Willebrand e fator VIII (investigação de doença de von Willebrand) -Nos distúrbios da hemostasia secundária, devem ser solicitados: a) Tempo de Protrombina (TP); b) Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA); c) Tempo de trombina; d) Fibrinogênio e) D-dímero - Quadro 6.2 - Interpretação laboratorial da hemostasia primária MARC Carolina Ferreira - Quadro 6.3 - Interpretação laboratorial da hemostasia secundária A via da coagulação -P/ a análise da hemostasia secundária, deve ser lembrada a divisão didática em via intrínseca/extrínseca, pois assim é possível desenvolver raciocínio clínico c/ a história do paciente e os exames laboratoriais. -IMPORTANTE: O TP/INR avalia a via extrínseca, o TTPA, a via intrínseca, e a via comum é avaliada por ambos. -TP alargado corresponde à presença de inibidores ou deficiência de VII; TTPA alargado, à deficiência ou inibidores de VIII, IX, XI, XII, cininogênio de alto peso molecular e pré-calicreína; TP e TTPA (ambos) alargados, à deficiência ou inibidores da via comum – V, X, II, fibrinogênio. MARC Carolina Ferreira Avaliação de situações especiais Pseudoplaquetopenia: -A pseudoplaquetopenia (plaquetopenia espúria) é um diagnóstico diferencial importante, corresponde à aglutinação plaquetária in vitro, interpretada pelos contadores automáticos como plaquetopenia, geralmente relacionada ao EDTA (anticoagulante do tubo de coleta – tubo roxo) -P/ confirmar a pseudoplaquetopenia causada pelo EDTA, utiliza-se o anticoagulante citrato de sódio (tubo de tampa azul), que previne a aglutinação das plaquetas. Pela análise de sangue periférico, pode-se avaliar a morfologia plaquetária (presença de macroplaquetas, comuns nas púrpuras trombocitopênicas imunes). -A plaquetopenia dilucional acontece nas transfusões sanguíneas maciças, em que o aporte transfusional chega ao correspondente a uma volemia ou próximo disso. Transfusão de 15 unidades de hemácias em 24 horas resulta na contagem plaquetária entre 47 e 100.000/mm3, e transfusão de 20 unidades pode levar à contagem entre 25 e 61.000/mm3. Razão Normatizada Internacional (RNI): a fim de padronizar a monitorização dos pacientes que fazem uso de anticoagulante oral (cumarínicos como a varfarina), o valor do TP deve ser dado na forma de RNI. A RNI nada mais é do que o TP corrigido a padrões mundiais. O uso de anticoagulantes orais é avaliado somente pela RNI. Diferença entre deficiência de fator e presença de inibidor -É feita por meio do teste c/ o plasma do paciente misturado c/ plasma normal, à proporção 1:1. Em caso de deficiência, o alargamento do tempo em estudo será corrigido completamente, visto que foi ofertado o fator deficiente. Em caso de presença de inibidor, após a mistura a 50%, o tempo não corrige ou o faz parcialmente. -A utilidade dos testes de coagulação é avaliar a deficiência de fator ou presença de inibidor, detectadas pelo alargamento daqueles. O encurtamento dos testes é possível em algumas circunstâncias especiais, sendo as principais erro de coleta e técnica inadequada na realização dos testes. Afastadas essas causas, os fatores de coagulação podem estar aumentados em neoplasias malignas, coagulação intravascular disseminada ou após exercícios, resultando no encurtamento dos testes. -Finalmente, pode-se solicitar a dosagem dos fatores individualmente, como no caso da hemofilia A (fator VIII) e hemofilia B (fator IX). Avaliação de fibrinólise: além dos anteriores, pode-se utilizar o teste do tempo de lise de euglobulina, que consiste em separar do plasma do paciente a fração de euglobulina (proteínas que incluem fibrinogênio, plasminogênio, plasmina ativa, ativadores e MARC Carolina Ferreira inibidores do plasminogênio – ativadores da fibrinólise). Essa fração separada é ressuspensa junto à trombina, e, a partir daí, conta-se o tempo para a formação do coágulo; tempo encurtado equivale a hiperfibrinólise, e tempo alargado, a hipofibrinólise. -Como diagnosticar as alterações da coagulação? p/ avaliar o tipo de distúrbio de hemostasia, é importante avaliar o coagulograma, fator de von Willebrand, fibrinogênio e D-dímero. -Os distúrbios da hemostasia primária são resultantes de 3 mecanismos: Fragilidade da parede vascular; Alterações quantitativas ou qualitativas das plaquetas; Alterações quantitativas ou qualitativas do Fator de von Willebrand (FvW). -A manifestação clínica dos distúrbios da hemostasia primária + comum é o sangramento mucocutâneo (petéquias, gengivorragia, epistaxe, hematêmese/melena, hematúria, menorragia) espontâneo e/ou imediatamente após pequenos traumas. FRAGILIDADE DA PAREDE VASCULAR -A > fragilidade da parede vascular causada por alterações microvasculares de causa inflamatória ou ñ, leva a um distúrbio da hemostasia primária que pode ocasionar sangramento mucocutâneo, causando as púrpuras não trombocitopênicas. -Na investigação, é importante determinar se há púrpura palpável (depósito de fibrina, edema ou infiltração celular), se há sinais inflamatórios (calor local, dor ou eritema) e se há alteração nos exames laboratoriais que denotem causa hematológica (contagem e função plaquetárias, coagulograma). As púrpuras não trombocitopênicas são um diagnóstico diferencial muito importante das púrpuras trombocitopênicas, visto que sua manifestação clínica é semelhante: petéquias, púrpuras, sangramento mucoso (gengivorragia ou epistaxe), e raramente apresentam sangramento digestivo ou urinário. -Os principais exemplos de púrpuras não trombocitopênicas são: púrpura trombótica, púrpura de Henoch-Schönlein, pioderma gangrenoso e eritema multiforme. -A telangiectasia hemorrágica hereditária (doença de Rendu-Osler-Weber) é um distúrbio autossômico dominante c/ o aparecimento de vasos tortuosos, dilatados, c/ paredes finas, geralmente na submucosa do tubo digestivo e na mucosa respiratória. Manifesta-se c/ epistaxes frequentes e sangramento de mucosa oral e gastrintestinal, consequentes à malformação vascular. No exame físico, é característico o encontro de telangiectasias na face, nos dedos, na língua, nos lábios e no nariz. Parece púrpura, mas não é. -Quadro das etiologias + frequentes das púrpuras vasculares MARC Carolina Ferreira Nota: a púrpura de Henoch-Schönlein – principal causa de vasculite na infância, afeta predominantemente a população pediátrica (3 a 15 anos); 90% dos casos ocorrem emcrianças c/ idade abaixo de 10 anos; + comum em meninos (1,8:1). A causa ñ é bem esclarecida, mas acredita-se que infecções virais, bacterianas (principalmente por Streptococcus), medicamentos, alergia alimentar ou picada de insetos possam ser desencadeadores. Ocorre vasculite leucocitoclástica por depósito de complemento e imunocomplexo (à custa de IgA e C3). Manifesta-se pela tétrade clínica: púrpura palpável simétrica, na ausência de plaquetopenia ou alteração da coagulação (principalmente nos membros inferiores e nádegas); artralgia/artrite; dor abdominal de intensidade variável (com ou sem sangramento digestivo); nefrite (glomerulonefrite aguda). O diagnóstico é clínico, e a biópsia do local afetado (pele ou rim) é reservada aos casos de apresentação clínica incompleta ou atípica. É uma doença autolimitada, que necessita apenas de tratamento de suporte (ingesta de líquidos, repouso e analgesia). O uso de corticoide é reservado aos casos complicados com envolvimento renal ou não responsivos aos sintomáticos. O prognóstico é muito bom: apenas 1/3 dos casos apresenta recidiva nos 4 meses seguintes ao quadro inicial, de forma mais branda e com menor duração. A complicação com perfuração ou intussuscepção intestinal é rara, e 94% das crianças e 89% dos adultos que apresentam alteração renal evoluem com recuperação completa. ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS DAS PLAQUETAS -A trombocitopenia (também chamada plaquetopenia) é definida como contagem de plaquetas < 150.000/mm3. -As principais causas são: ↓da produção, ↑da destruição (imune ou ñ imune) e sequestro esplênico. -A identificação da etiologia é essencial p/ a indicação do tipo de tratamento, já que, em alguns casos (como na púrpura trombocitopênica imunológica), o uso de concentrados de plaquetas p/ transfusão pode piorar o quadro clínico. -A trombocitopenia é causa importante de sangramento de pequenos vasos. Essas manifestações hemorrágicas estão relacionadas à sua etiologia e à contagem plaquetária: MARC Carolina Ferreira sangramento clinicamente significativo em geral não ocorre na presença de contagens plaquetárias acima de 10.000 a 20.000/mm3, e pacientes c/ púrpura trombocitopênica imunológica têm < tendência a sangramentos, pois, c/ a destruição periférica excessiva, há maior produção medular e consequente liberação de plaquetas + jovens circulantes e c/ > poder hemostático. -A seguir, vamos estudar as formas + frequentes de plaquetopenia, suas manifestações clínicas e tratamentos: Trombocitopenia por diminuição de produção -Pode ser congênita ou adquirida, a 1º é muito rara, destacando-se as síndromes de Wiskott- Aldrich, de Bernard-Soulier, tromboastenia de Glanzmann e May-Hegglin -As causas + comuns são: 1. Carências nutricionais de vitamina B12 e ácido fólico: são causas importantes de plaquetopenia por déficit de produção, geralmente acompanhada por anemia e/ou leucopenia; 2. Doenças primárias da medula óssea: distúrbio na produção dos megacariócitos, anemia aplásica, mielodisplasia, infiltrações medulares por leucemias, tumores e mielofibrose. Destaca- se, ainda, a agressão medular por quimioterapia ou radioterapia, ou ainda por outros agentes tóxicos (benzeno e álcool); 3. Megacariopoese ineficaz: ocorre produção medular de megacariócitos anômalos, com liberação inadequada de plaquetas para o sangue periférico, como a mielodisplasia; 4. Quadros infecciosos: em especial o HIV, que leva à trombocitopenia nos 1º estágios, por reações antígeno-anticorpo e por supressão megacariocítica direta pelo vírus. A hepatite por vírus C e Epstein-Barr causam, frequentemente, um quadro semelhante. -Carências nutricionais de vitamina B12 e de ácido fólico são causas importantes de plaquetopenia por déficit de produção, geralmente acompanhada por anemia e/ou leucopenia. Trombocitopenia por excesso de destruição -As principais causas são: 1. Púrpura Trombocitopênica Idiopática (PTI): destruição plaquetária por formação de anticorpos antiplaquetários ou por interação dos anticorpos c/ outros elementos, em que a plaqueta atua como hapteno ou, ainda, por produção ineficaz de plaquetas. Pode estar associada a outras doenças autoimunes, como LES, anemias hemolíticas autoimunes, quadros infecciosos virais e ingestão de drogas, ou pode ser idiopática; 2. Destruição mecânica: como na hemólise por próteses valvares cardíacas, hemangioma cavernoso, aneurisma de aorta ou aterosclerose; 3. Consumo: por quadros inflamatórios ou infecciosos, como na meningococcemia, dengue hemorrágica, mononucleose, citomegalovirose, HIV e sepse; nas microangiopatias trombóticas, em que as plaquetas são consumidas em razão da trombose na microcirculação (Púrpura Trombocitopênica Trombótica – PTT –, Síndrome Hemolítico-Urêmica – SHU –, síndrome HELLP, coagulação intravascular disseminada – CIVD). As microangiopatias trombóticas PTT e SHU também cursam com anemia hemolítica; 4. Medicamentos: uso de heparina, quinidina, ácido valproico, sulfas, interferona e vacina de catapora; 5. Púrpura aloimune: destruição plaquetária em razão de aloanticorpos (anticorpo antiplaquetário não presente no indivíduo, adquirido por transfusão ou transmissão materno- fetal, contra antígeno presente na superfície de sua plaqueta). Ocorre em indivíduos que recebem muitas transfusões de plaquetas e na púrpura aloimune neonatal; 6. Trombocitopenia aloimune neonatal: acontece quando as plaquetas do feto contêm antígenos herdados do pai, não possuídos pela mãe. Assim, há desenvolvimento de anticorpos maternos diretamente contra esses antígenos plaquetários do feto (HPA 1a ou PLA1, principalmente), semelhante ao que ocorre na doença hemolítica do recém-nascido. MARC Carolina Ferreira -A mãe passa a produzir anticorpos específicos (IgG), que cruzam a barreira placentária e destroem as plaquetas em formação. Os RN podem apresentar plaquetopenia leve, moderada ou severa. Deve-se manter o nível de plaquetas > 30.000 a 50.000, pois a > complicação é o sangramento intracraniano, que ocorre em 10 a 20% dos recém-nascidos acometidos, sobretudo nas primeiras 72 a 96 horas, ou ainda intraútero (25 a 50% dos casos). O quadro reverte-se em 1 a 4 semanas, período necessário para o clearance dos anticorpos maternos. Enquanto isso, devem-se transfundir plaquetas c/ antígenos plaquetários compatíveis c/ os da mãe (inclusive a própria plaqueta da mãe) e/ou administrar imunoglobulina. A transfusão será indicada se a contagem de plaquetas for < 30.000 a 50.000/mm3, principalmente nas primeiras 96 horas, em que o risco de sangramento é muito alto. A taxa de recorrência nas gestações subsequentes é de 75 a 90%, sendo indicada transfusão intraútero imediatamente antes do parto e/ou infusão de imunoglobulina na mãe, associadas ou não a corticoide. PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IDIOPÁTICA: -Também chamada de púrpura trombocitopênica imunológica, é uma das causas + comuns de plaquetopenia em crianças. Trata-se de uma doença autoimune, que pode ser aguda (c/ duração de até 3 meses), persistente (de 3 a 12 meses) ou crônica (acima de 12 meses), e cursa c/ destruição plaquetária imunologicamente mediada por anticorpos, à semelhança do que acontece na AIDS, no LES, nas infecções virais (hepatites B e C), na leucemia linfoide crônica, no linfoma não Hodgkin e nas complicações de terapias medicamentosas diversas (púrpuras trombocitopênicas imunológicas secundárias). Essas etiologias secundárias devem ser devidamente investigadas e descartadas, pois o diagnóstico de PTI é de exclusão. -Patogênese: ainda é incerta, mas acredita-se que está relacionada: 1. Ao ↑da destruição das plaquetas por anticorpos IgG produzidos por linfócitos B (podem coexistir anticorposIgM em 40% dos casos) contra os complexos glicoproteicos plaquetários IIb/IIIa e Ib/IX. As plaquetas opsonizadas após essa reação antígeno-anticorpo são fagocitadas pelo sistema reticuloendotelial, levando à destruição plaquetária, principalmente no baço; 2. À participação importante de linfócitos T helper CD4+, tanto no estímulo da ação dos linfócitos B quanto na possível ação citotóxica direta; 3. À ↓da secreção de trombopoetina; fisiologicamente, em situações de plaquetopenia, essa substância encontra-se elevada, o que não ocorre na PTI. -Epidemiologia: a incidência > é na infância, porém pode afetar virtualmente todas as faixas etárias em ambos os sexos. Em crianças, é + frequente o aparecimento da plaquetopenia após quadro viral ou vacina (principalmente a SCR – Sarampo, Caxumba e Rubéola), iniciando-se, geralmente, 3 semanas após a infecção, c/ taxa de remissão espontânea bastante alta nessa faixa etária, chegando a 80%. Infecção pelo Helicobacter pylori tem sido associada à PTI em alguns relatos. Nos adultos, acomete em geral mulheres em torno da 2º à 4º década de vida MARC Carolina Ferreira ou, ainda, idosos; nessas situações, a remissão clínica é menos comum, c/ > chance, por conseguinte, de cronicidade do quadro, mesmo c/ tratamento adequado. -Quadro clínico e laboratorial: a PTI se apresenta como um distúrbio da hemostasia primária, destacando-se a presença de petéquias, geralmente ascendentes. Pode ocorrer sangramento em, virtualmente, todos os tecidos do organismo, sendo + comuns epistaxe, gengivorragia e menorragia. Idosos tendem a apresentar sangramentos mais graves, como digestivo ou urinário. O SNC raramente apresenta fenômenos hemorrágicos potencialmente fatais, tendo em vista hiperfunção das poucas plaquetas presentes. Os pacientes encontram-se em bom estado geral e afebris, c/ ausência de esplenomegalia ou de outras alterações no exame físico, além de petéquias, púrpuras e equimoses. Diferentemente da púrpura de Henoch-Schönlein, a PTI é indolor, ñ palpável e ñ ocorre de forma exclusiva ou principal nos membros inferiores. Os pacientes apresentam bom estado geral, sem febre, esplenomegalia ou outras alterações além de petéquias, púrpuras e equimoses. Também podem ocorrer sangramentos, sendo mais comuns epistaxe, gengivorragia e menorragia. A contagem plaquetária pode alcançar valores abaixo de 10.000/mm3, muitas vezes c/ megatrombócitos circulantes (macroplaquetas), consequentes ao aumento da demanda medular, sem qualquer outra evidência de alteração no hemograma. Eventualmente, pode haver anemia ferropriva, secundária aos episódios de sangramento. As outras linhagens celulares estão normais, porém 10% têm anemia hemolítica autoimune associada (síndrome de Evans). -Como investigar: avaliação inicial deve incluir anamnese e exames físicos detalhados, hemograma completo e avaliação do esfregaço de sangue periférico. Em pacientes c/ + de 50 anos, devem-se considerar aspirado e biópsia de medula óssea, a fim de afastar um processo mielodisplásico. A análise do sangue periférico é importante p/ descartar pseudoplaquetopenia e presença de células anômalas (leucemia) e de esquizócitos (sinal de microangiopatia). Na púrpura trombocitopênica imunológica, é comum aparecerem macroplaquetas. Ao mielograma, evidenciam-se linhagens celulares normais, podendo haver aumento do número de megacariócitos, muitos deles imaturos, basofílicos, com núcleo grande e não lobulado, demonstrando eritropoese acelerada e resposta medular elevada. Pode-se encontrar também número de megacariócitos normais ou diminuídos, nos casos em que estes são afetados. Logo, o mielograma não é importante para o diagnóstico da PTI, mas para a exclusão de outras doenças que afetam a medula. Deve ser solicitado em crianças, ou menores de 18 anos (pela possibilidade de diagnóstico de leucemia aguda), idosos (pelo diagnóstico diferencial de mielodisplasia), pacientes corticorrefratários e aqueles que não apresentaram boa resposta à esplenectomia. Podem-se, ainda, detectar anticorpos antiplaquetários por citometria de fluxo; entretanto, a sensibilidade e a especificidade desse teste são muito baixas, o que impede sua utilização para o diagnóstico. -É importante a realização de investigação laboratorial extensa, dado que não há nenhum exame laboratorial que confirme PTI, e o diagnóstico é de exclusão. É importante descartar outras doenças para o diagnóstico de PTI, como: 1. Doenças autoimunes; 2. Anemia megaloblástica; 3. Doenças infecciosas, em especial hepatite C e HIV; 4. Agamaglobulinemia (solicitar eletroforese de proteínas e dosagem de imunoglobulinas) 5. Tireoidopatias (se houver sintomas de hipo ou hiperfunção tireoidiana); 6. Síndrome mielodisplásica (principalmente em idosos); 7. Leucemia aguda (principalmente em crianças); 8. Uso de medicamentos -Já que não há nenhum exame laboratorial que confirme a PTI, deve-se realizar investigação laboratorial extensa, e o diagnóstico de PTI é de exclusão. -Tratamento: considerando-se que nas crianças geralmente há remissão espontânea, e em alguns poucos casos nos adultos (< 10%), o início da terapia está indubitavelmente indicado MARC Carolina Ferreira apenas em 3 situações: nível plaquetário abaixo de 30.000/mm3, quadro de sangramento ativo ou previsão de intervenção cirúrgica. -Outras situações podem ser levadas em conta para a indicação terapêutica objetivando plaquetometria> , como risco de trauma (geralmente idosos ou pacientes que exercem atividade de risco), uso de medicamentos anticoagulantes ou antiagregantes e a presença de comorbidades. -A 1º opção terapêutica é o corticoide, p/ reduzir a afinidade dos macrófagos c/ as plaquetas marcadas por anticorpos, além de ↓a ligação dos anticorpos à superfície das plaquetas. Quando mantida a corticoterapia por longos períodos, a produção de anticorpos↓. A corticoterapia pode ser administrada em diferentes formas: 1. Prednisona: 1 mg/kg de peso/d, pelo mínimo de 4 semanas (mais utilizada); 2. Pulsos c/ dexametasona: 40 mg/d, por 4 dias, a cada 14 a 28 dias, quantas vezes forem necessárias p/ ↑a contagem plaquetária (em geral, de 1 a 6 vezes); 3. Pulso c/ metilprednisolona: 30 mg/kg/d, respeitando a dose máxima de 1 g/d, por 3 dias, seguido da prednisona na dose já descrita. Nessa opção, obtém-se resposta + rapidamente, mas sem diferenças na frequência e/ou na duração da resposta completa, sendo reservada apenas a pacientes com quadro de sangramento importante ou refratários à dose convencional de prednisona. -O sangramento geralmente ↓de intensidade após o 1º dia de corticoide, mesmo antes do início da elevação plaquetária, talvez por ↑da estabilidade vascular. Após o início da corticoterapia, a contagem de plaquetas pode levar até 4 semanas p/ se elevar. Em pacientes c/ sangramento importante, em pré-operatório (particularmente p/ a esplenectomia), gestantes e/ou refratários ao uso de corticoide, a imunoglobulina é indicada. Tal agente atua no bloqueio dos receptores Fc dos macrófagos e na ↓da captação de plaquetas recobertas por anticorpos. Preconiza-se dose de 400 mg/kg de peso/d, por 3 a 5 dias, ou 1 g/kg/d, por 2 dias. Espera-se resposta laboratorial em 1 a 5 dias. -A transfusão de plaquetas só é recomendada em casos de sangramento ativo e c/ risco de vida iminente, geralmente com o dobro da dose usual. -A transfusão de plaquetas está contraindicada, recomendada apenas em casos de sangramento ativo e c/ risco de vida iminente (sangramentos no trato gastrintestinal ou no sistema nervoso central), geralmente calculando-se o dobro da dose usual – enquanto a dose usual de plaquetas randômicas é 1 unidade a cada 10 kg, aqui se faz 2 a 3 unidades a cada 10 kg depeso. Não há contraindicações p/ transfusões de concentrados de hemácias caso haja anemia severa sintomática associada, em razão das perdas. -Não há contraindicação p/ transfusão de concentrados de hemácias em casos de anemia severa sintomática associada, em razão das perdas. -Para os casos refratários, a esplenectomia é indicada aos casos em que não há resposta a prednisona, quando há dependência de altas doses do uso desta ou em casos de recidiva da doença. Deve-se aguardar pelo menos 6 meses p/ indicar esse procedimento, tendo em vista a chance de remissão espontânea nesse período. Entretanto, a cirurgia não é garantia de sucesso a 100% dos pacientes, tendo índice de resposta em longo prazo que varia de 60 a 90%, dependendo da série estudada. -O anticorpo monoclonal anti-CD20 (rituximabe), responsável pela supressão de linfócitos B e, portanto, da síntese de anticorpos, vem sendo bastante estudado na tentativa de ↓as indicações de esplenectomia, mas ainda carece de estudos que comprovem superioridade quanto à sua eficácia como primeira linha, principalmente em longo prazo, porém é reservado aos refratários à esplenectomia ou àqueles com contraindicação cirúrgica, com boas taxas de sucesso. -Os análogos de trombopoetina (eltrombopague e romiplostim) são aprovados p/ uso em pacientes refratários às terapias anteriores; não induzem à remissão, entretanto melhoram a plaquetometria durante seu uso em pelo menos 50% dos casos. Ambos os medicamentos já foram lançados no Brasil. MARC Carolina Ferreira -Descreve-se, também, que o uso do danazol, um agente anabolizante, está associado à melhora em pacientes refratários a corticoides, o mesmo acontecendo com o quimioterápico ciclofosfamida e o imunossupressor ciclosporina. Ressalta-se, porém, que esses medicamentos são de terceira linha terapêutica, apresentando respostas menores do que os demais supracitados. -É importante lembrar que, em pacientes c/ HIV, a terapia antirretroviral auxilia no incremento dos níveis plaquetários. -Prognóstico: nas crianças, a > parte apresenta remissão completa (80%), enquanto nos adultos, a maioria dos casos (aproximadamente 60%) regride c/ uso de prednisona. O prognóstico é bom na maioria dos casos, com resolução após terapêutica medicamentosa ou esplenectomia. A mortalidade relacionada à PTI é pequena (< 1%) e secundária a sangramento ou infecção. Figura: tratamento na púrpura trombocitopênica idiopática Plaquetopenia por sequestro esplênico -Pacientes c/ esplenomegalia podem reter até 90% das plaquetas circulantes no baço, no entanto, a massa plaquetária do paciente pode ser normal, mesmo quando a contagem representar apenas 20% do valor normal. -A causa + importante da plaquetopenia por sequestro esplênico é a hepatopatia crônica c/ hipertensão portal e esplenomegalia congestiva. -Hiperesplenismo é uma situação distinta, em que a esplenomegalia está associada ao ↑da destruição de plaquetas, leucócitos e hemácias, c/ ↑dos precursores medulares (citopenia, esplenomegalia e medula hipercelular). Ocorre nas citopenias autoimunes, doenças infecciosas e inflamatórias, como lúpus, esquistossomose, mononucleose, malária ou leishmaniose. Defeitos qualitativos das plaquetas -Podem ser congênitos ou adquiridos e são responsáveis por quadro clínico semelhante ao das plaquetopenias. Defeitos congênitos: 1. Síndrome de Bernard-Soulier: doença autossômica recessiva em que há deficiência no complexo glicoproteico plaquetário GPIb, resultando em menor número de receptores para o MARC Carolina Ferreira FvW e defeito na adesão plaquetária. Além da alteração da função, também apresenta diminuição da contagem plaquetária; 2. Tromboastenia de Glanzmann: é uma síndrome hemorrágica rara, causada por um defeito autossômico recessivo, com perda do receptor de fibrinogênio (GPIIb/IIIa), resultando em déficit de agregação plaquetária; 3. Storage pool disease: é uma “doença do armazenamento”, ocorrendo por defeitos das reações de liberação do conteúdo dos grânulos plaquetários, levando a respostas anormais na produção de prostaglandinas ou liberação de ADPs, alterando agregação e ativação plaquetárias. Defeitos adquiridos: 1. Ingestão de ácido acetilsalicílico: liga-se de forma irreversível à cicloxigenase 2 (COX-2), enzima responsável pela produção de prostaglandinas e tromboxano A2 na membrana plaquetária, levando à alteração da agregação plaquetária e ao aumento do tempo de sangramento; 2. Ingestão de outros anti-inflamatórios não hormonais: inibem reversivelmente a COX e a agregação plaquetária, porém esta última de forma menos intensa; 3. Tienopiridinas: a ticlopidina e o clopidogrel agem inibindo o receptor plaquetário de ADP e a sua agregação; 4. Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa: são drogas que inibem especificamente esse componente, impedindo a agregação plaquetária (abciximabe, eptifibatida e tirofibana, utilizados no tratamento da insuficiência coronariana); 5. Uremia: o mecanismo exato p/ a alteração da função plaquetária é desconhecido, porém, acredita-se que o acúmulo do ácido guanidinossuccínico possa alterar a adesão, agregação e secreção de grânulos plaquetários. A gravidade do quadro clínico associa-se à severidade da insuficiência renal concomitante. Doença de von Willebrand -A Doença de von Willebrand (DvW) é um distúrbio autossômico dominante (o tipo 1, forma + comum, afeta cerca de 80% dos casos) ou recessivo (o tipo 3, + raro), em que pode haver redução da síntese do FvW ou produção de substância alterada, ineficaz, que é incapaz de realizar as funções de adesão plaquetária e manutenção adequada dos níveis de fator VIII -É a coagulopatia hereditária + frequente e raramente pode ser adquirida, em geral associada a mieloproliferações ou a tumores sólidos. -O FvW é uma glicoproteína multimérica sintetizada nos megacariócitos e nas células endoteliais e circula no plasma como multímeros de tamanhos variáveis. Só os multímeros de alto peso atuam na adesividade plaquetária. Desmopressina, trombina e colágeno estimulam a secreção de multímeros ultragrandes, que são clivados na circulação, pela metaloprotease ADAMTS13, em multímeros menores e menos ativos. -O FvW tem 2 funções na hemostasia: adesão plaquetária e manutenção adequada dos níveis de fator VIII, pois o FvW ligado ao fator VIII na corrente sanguínea o protege da degradação plasmática pelas proteínas C e S. Assim, na sua deficiência, além de existirem distúrbios da adesividade plaquetária, pode ocorrer a redução dos níveis de fator VIII. -A DvW pode ser de 3 tipos: 1. Tipo 1: deficiência quantitativa parcial do FvW; 2. Tipo 2: deficiência qualitativa do FvW. a) 2A: redução da função de ligação às plaquetas e ausência de grandes multímeros de alto peso molecular; b) 2B: maior afinidade pela glicoproteína Ib; c) 2M: redução da função da ligação às plaquetas, sem ausência de grandes multímeros de alto peso molecular; d) 2N: redução da afinidade do fator VIII coagulante. 3. Tipo 3: deficiência quantitativa virtualmente completa do FvW (deficiência total). -A pseudodoença de von Willebrand consiste em alterações da membrana plaquetária, com excessiva avidez pelas formas multiméricas grandes, causando sua retirada precoce do plasma. MARC Carolina Ferreira -Quadro clínico: ocorre sangramento mucocutâneo, c/ exceção do subtipo 2N, que se comporta como hemofílico (deficiência de fator VIII), c/ sangramentos articulares e musculares profundos e sangramento tardio após trauma. Deve-se ter atenção p/ a história familiar, que pode apresentar episódiosde sangramento prolongado após extração dentária, procedimentos cirúrgicos, parto e sangramento menstrual excessivo. A perda sanguínea ↓na vigência de estrogênios ou durante a gravidez, pois essas situações ↑a síntese de FvW. -Diagnóstico laboratorial: pode ser difícil, pois o nível sérico de FvW é influenciado por diversos fatores, e os resultados dos vários testes relacionam-se mal c/ a gravidade da situação clínica. Esse fato exige frequentemente a repetição das análises se a suspeita clínica for grande, e os resultados, inconclusivos. Vários testes podem e devem ser utilizados no diagnóstico da DvW e na sua classificação e são agrupados em 3 níveis: de rastreamento; específicos para o FvW, que permitem estabelecer o diagnóstico; testes classificatórios, que permitem caracterizar precisamente os diferentes subtipos da doença. 1. Testes de rastreamento: a) Tempo de sangramento: importante na suspeita inicial de muitos casos de DvW, pois estará aumentado em todos os tipos, exceto no subtipo 2N (deficiência de fator VIII); b) Tempo de tromboplastina parcial ativada: pode ser normal ou prolongado, a depender do valor do fator VIII; c) Contagem plaquetária: estará normal, descartando outras patologias de hemostasia primária. Exceção ao subtipo 2B, em que, em razão da alta afinidade GPIb-FvW, é possível haver plaquetopenia. 2. Testes específicos: a) Dosagem do fator VIII plasmático: estará diminuído no subtipo 2N e no tipo 3; b) Dosagem do antígeno FvW plasmático: estará diminuído nos tipos 1 e 3 e normal ou limítrofe no tipo 2, lembrando que um grande número de fatores pode alterar os níveis plasmáticos do antígeno FvW, como o sistema ABO do sangue (os indivíduos do grupo O têm níveis de FvW plasmático mais baixos do que os do AB), estrogênios, hormônios tireoidianos, idade e estresse; c) Atividade de cofator da ristocetina: avalia alteração funcional do FvW. A ristocetina é um antibiótico capaz de induzir a interação entre o FvW e o complexo GPIb-IX. Logo, a determinação do cofator da ristocetina estará diminuída em todos os tipos da DvW. 3. Testes classificatórios: a) Eletroforese do FvW em gel de agarose: permite a análise dos diferentes multímeros; b) Aglutinação plaquetária induzida pela ristocetina (RIPA): aumentada no subtipo 2B e diminuída nos demais tipos; c) O diagnóstico pré-natal da DvW já é possível por meio de análise genética. -Tratamento: deve-se evitar sempre o uso de AINES e anticoagulantes orais. O tratamento da doença de von Willebrand é feito c/ desmopressina, e, p/ os casos ñ responsivos, pode-se usar fator VIII liofilizado. A desmopressina, um análogo sintético do hormônio antidiurético, provoca ↑dos níveis de fator VIII e FvW, mas ñ da PA, vasoconstrição nem contração uterina ou gastrintestinal, sendo bem tolerada pelos pacientes. Seu uso ñ está associado ao ↑de infecções virais, e o produto é comercializado em várias formulações (intravenosa, subcutânea ou inalatória), c/ custo relativamente baixo. Apresenta boa resposta terapêutica na DvW tipo 1 e resposta variável no tipo 2. O uso de concentrados de fator VIII liofilizado (contendo FvW) é preconizado p/ os que ñ respondem à desmopressina, na dose de 20 a 50 UI/kg, a ser repetida 3x/d enquanto for necessário. Agentes antifibrinolíticos, como o ácido tranexâmico ou o ácido épsilon-aminocaproico e cola de fibrina, podem ser utilizados como terapêutica adjuvante durante pequenos procedimentos invasivos. O estrogênio pode ser utilizado em mulheres c/ sangramento menstrual excessivo, c/ boa resposta na DvW tipo 1 e resposta variável no tipo 2. Quais são as doenças relacionadas com distúrbios da hemostasia primária? Os distúrbios de hemostasia primária mais comuns são a doença de Von Willebrand e a púrpura trombocitopênica idiopática MARC Carolina Ferreira -As coagulopatias causadas por alterações da hemostasia secundária manifestam-se quase sempre por grandes equimoses ou hematomas após traumas menores e por tempo de coagulação prolongado após lacerações ou cirurgias. O sangramento é tardio após o trauma, diferentemente das alterações da hemostasia primária, em que o sangramento é imediato -Sangramentos articulares são bastante comuns, também sendo possíveis no trato gastrintestinal. -Quase todos os fatores de coagulação estão alterados podendo ser de forma adquiridas ou hereditárias -Os distúrbios da hemostasia secundária podem ser: Adquiridos: geralmente, são deficiências múltiplas, como no caso da hepatopatia ou da deficiência de vitamina K (nesta última, há < síntese de fatores II, VII, IX, X e de proteínas S e C). Nas doenças hepáticas, há deficiência de síntese de todos os fatores de coagulação de síntese no fígado, inclusive os antifibrinolíticos; Hereditários: geralmente, envolvem apenas um fator de coagulação deficiente. Por exemplo, as deficiências do fator VIII (hemofilia tipo A, +comum) e do fator IX (hemofilia tipo B ou doença de Christmas) são desordens c/ transmissão ligada ao cromossomo X. ALTERAÇÕES HEREDITÁRIAS Hemofilia: -Etiologia: doença de caráter recessivo ligado ao X, afetando particularmente homens, pois as mulheres portadoras heterozigotas do gene são assintomáticas. Raros casos de mulheres homozigotas foram descritos. Pode ser de 2 tipos, hemofilia A (fator VIII ou hemofilia clássica) e hemofilia B (deficiência do fator IX ou doença de Christmas). -Classificação: em qualquer um dos tipos de hemofilia, ocorre ↑de fator VIII ou IX, que pode ser secundária à deficiência quantitativa ou qualitativa de síntese do fator. A classificação da hemofilia se dá de acordo c/ a quantidade presente de fator -Quadro clínico: as hemofilias A e B são clinicamente indistinguíveis. Ocorrem hemartroses espontâneas (em grandes articulações, como joelhos, tornozelos e cotovelos) e são responsáveis por 80% das manifestações hemorrágicas de hemofilia. Também ocorrem sangramentos musculares, do trato gastrintestinal e do trato geniturinário. -Em alguns casos, o diagnóstico é feito logo ao nascimento, pois pode ocorrer hemorragia intracraniana ou subgaleal nos casos graves, no período perinatal. Hemartrose em paciente hemofílico grave MARC Carolina Ferreira -Aos pequenos traumas, inicialmente ocorre parada do sangramento, porém, após algum tempo, c/ difícil controle local, o sangramento retorna, podendo muitas vezes durar vários dias. De todos os tipos de sangramento, o + temido é o que ocorre no SNC. Pode acometer virtualmente qualquer região (subdural, epidural, parenquimatosa ou subaracnóidea) e deve ser sempre diagnosticado e tratado de forma agressiva. Sempre que houver um episódio de cefaleia não habitual, intensa, que dure + de 4 horas e que ñ responda à analgesia comum, é importante excluir sangramento no SNC -A artropatia hemofílica crônica é uma complicação derivada de repetidas hemorragias em articulação, causando destruição da cartilagem articular, hiperplasia sinovial resultando em deformidade articular permanente e contraturas musculares. Pode ocorrer em qualquer articulação, em especial nos joelhos, tornozelos, cotovelos e na articulação coxofemoral. Todo esse processo inflamatório e fibrótico resulta em perda da função articular (inclusive com articulação anquilosada) e intensa atrofia muscular. -Os hematomas musculares são a 2º causa + comum de sangramento em hemofílicos. Quando em pequena quantidade, apresentam dor local e desconforto, sendo facilmente manejáveis; entretanto, nos hemofílicos graves, esses hematomas podem ser de volume crescente, fazendo compressão e dissecção de tecidos, com risco de complicações, podendo apresentar leucocitose, febre e dor intensa. Sangramentos espontâneos ou pós-traumáticos de viasaéreas (língua, musculatura ou partes moles do pescoço ou da garganta) podem aumentar rapidamente e causar sua compressão, devendo ser prontamente tratados. -De acordo c/ o local acometido, os hematomas podem causar síndromes compressivas: no antebraço, podem causar paralisia dos nervos mediano ou ulnar, ou a contratura isquêmica da mão (contratura de Volkmann); e sangramento abundante na panturrilha pode causar paralisia de nervo fibular. Em especial, devem-se destacar hematomas no músculo iliopsoas que, de acordo com o volume, podem acarretar dor no abdome inferior, simulando outras patologias abdominais cirúrgicas, como apendicite aguda. -Por sua vez, a hematúria é um sintoma comum, ocorrendo em até 75% dos hemofílicos em algum momento de seu acompanhamento, em geral após os 12 anos. Pode ser totalmente assintomática ou ocasionar sintomas de dolorimento no flanco e dor no abdome inferior/disúria. Usualmente, esse quadro é autolimitado, devendo-se, porém, sempre investigar patologias do sistema geniturinário, especialmente em hematúrias de repetição. -Pode-se ter ainda o chamado pseudotumor hemofílico, complicação pouco frequente, porém grave. Também chamado de cisto hemorrágico, ocorre quando o sangramento abundante não MARC Carolina Ferreira é completamente reabsorvido, c/ a formação de lesão capsular cística, contendo fluido serossanguinolento ou viscoso. Esta estrutura pode, por sua vez, crescer ocasionando compressão óssea ou vascular e destruição tecidual. Os locais + acometidos são pelve, fêmur e tíbia nos adultos, enquanto nas crianças ocorre predominantemente nos ossos das mãos e dos pés. -Avaliação laboratorial: devem ser solicitados: tempo de tromboplastina parcial ativada, tempos de sangramento e protrombina, agregação plaquetária e níveis séricos dos fatores VIII e IX. Nos exames laboratoriais, o Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA) encontra-se prolongado, enquanto os tempos de sangramento e de protrombina e a agregação plaquetária estão normais. Os níveis séricos de fator VIIIc (fator VIII “coagulante”) e de fator IX estão diminuídos. -Tratamento: o tratamento básico fundamenta-se no aporte dos fatores VIII e IX, hoje disponíveis na forma de concentrados liofilizados. Procura-se alcançar níveis de fator VIII suficientes p/ tratar o sangramento ativo ou prevenir hemorragias, como em pré- procedimentos cirúrgicos. É importante destacar que o uso do fator tem como objetivo suspender a hemorragia ativa, enquanto o organismo reabsorverá por si só o hematoma formado. -A dose de fator VIII é calculada assumindo que 1 UI/kg de fator VIII aumenta em 2% o seu valor plasmático. -A partir desse valor, calculam-se o volume plasmático do indivíduo e o nº de unidades de fator que deverá receber p/ alcançar níveis de atividade de fator VIII suficientes p/ tratar a condição do momento. -Considera-se que, em sangramentos menores, 30% de atividade do fator será suficiente, ao passo que, para perdas moderadas, indica-se alcançar 50% de atividade. Para grandes cirurgias, sugere-se 100% de atividade como nível seguro. -As infusões de fator VIII devem ser repetidas a cada 12 horas, para garantir a ação desse fator dentro da sua vida média. -As formas leves de hemofilia A podem ainda favorecer-se com o uso de desmopressina, já que esta substância aumenta a liberação de fator VIIIc. -Na hemofilia B, utilizam-se concentrados de fator IX, na dose calculada de 1 UI/kg de peso de fator IX, o que leva a aumento de 1% do seu valor plasmático, pois o seu volume de distribuição tecidual é maior. O tempo de vida média do fator IX é de 24 horas, o que reduz o número de infusões, sem indicação para uso da desmopressina nesta doença. -Atualmente, entretanto, o Sistema Único de Saúde brasileiro já autoriza o uso de fatores VIII e IX de forma profilática, o que traz resultados bem mais benéficos para o paciente hemofílico. Enquanto na transfusão tradicional “sob demanda”, dá-se fator quando o paciente apresenta algum evento hemorrágico (como hemartrose ou hematomas), a profilaxia mantém um nível quase constante de fatores VIII ou IX por meio do uso desses concentrados liofilizados de 2 a 3 vezes por semana. Assim, mantém-se sempre a atividade do fator deficiente acima de 30%, evitando-se sangramentos de qualquer tipo, refletindo diretamente na melhora da qualidade de vida e na prevenção de sangramentos graves que evoluam com disfunção articular ou risco de vida. -Como medidas coadjuvantes, têm-se, ainda, ações locais (curativos compressivos ou tampões com adrenalina), uso de agentes antifibrinolíticos, como ácido tranexâmico ou ácido gama- aminocaproico. O atendimento multidisciplinar, com orientações de psicólogo, enfermeiro, nutricionista e dentista, é de extrema importância. Finalmente, deve haver treinamento dos pais ou responsáveis para aplicação domiciliar de fator, prevenindo ao máximo as complicações da hemofilia, como artropatia hemofílica crônica. -Prognóstico: como complicações tardias da hemofilia, podem-se ter, além das anormalidades ortopédicas secundárias a hemartroses de repetição, a transmissão de infecção viral pelos derivados do sangue e desenvolvimento do anticorpo antifator VIII e antifator IX. A disponibilidade de fator VIII liofilizado p/ reposição tem modificado a história natural da MARC Carolina Ferreira hemofilia A, e a inativação viral eficaz dos concentrados de fator seguramente interferiu no aumento da sobrevida desses pacientes. Cerca de 40% dos pacientes desenvolvem anticorpos inibidores do fator VIII e necessitam de abordagem mais específica, como aumento da dose do fator, uso de complexo protrombínico ativado (FEIBA) ou fator VII ativado (NovoSeven®). Já na hemofilia B, somente 6 a 10% evoluirão com inibidores de fator IX, lançando-se mão, nesses casos, das mesmas medidas para hemofilia A. Deficiência do fator XIII -O fator XIII é responsável pela estabilização da fibrina formada; logo, sua deficiência leva à tendência hemorrágica por instabilidade do coágulo de fibrina, c/ > suscetibilidade à sua degradação -É uma doença hereditária rara, que se manifesta por sangramento persistente, imediato ou tardio após procedimentos cirúrgicos ou traumas (imediatamente ou até 12 a 36 horas depois), com alteração da cicatrização. Caracteristicamente, apresenta persistência de sangramento no coto umbilical após queda do cordão. Apesar de ser uma deficiência de fator de coagulação, hemartroses e hematomas musculares são bem menos comuns do que na hemofilia. -Na avaliação laboratorial, Tempo de Protrombina (TP), TTPA, tempo de sangramento e contagem plaquetária estão normais, podendo apresentar somente um discreto ↑do tempo de trombina (este pode ser o único exame alterado a levantar a suspeita para deficiência de fator XIII). O diagnóstico confirmatório é feito c/ o teste da urease concentrada (5M). A quantidade de fator XIII p/ adequada hemostasia é extremamente baixa, sendo utilizada p/ tratamento a transfusão de plasma fresco congelado na dose de 2 a 4 mL/kg ou crioprecipitado (1 UI; 10 kg). Como a meia-vida é longa (14 dias), a reposição com plasma, quando necessária, pode ser feita a cada 20 dias. Outras deficiências -É possível apresentar deficiência de quaisquer um dos fatores: XI (hemofilia C ou síndrome de Rosenthal), V, X, VII, XII, fibrinogênio ou disfibrinogenemia ou, ainda, uma combinação dessas deficiências. O diagnóstico é feito pela manifestação hemorrágica e pela dosagem do fator deficiente. O tratamento é realizado por meio da reposição do fator deficiente com a infusão de complexo protrombínico (para deficiência dos fatores II, VII ou X), fator VII ativado (para deficiência de fator VII), transfusão de crioprecipitado(para deficiência de fibrinogênio ou disfibrinogenemia) ou de plasma fresco congelado, nos casos que não dispõem de produto liofilizado. Deve-se realizar a reposição do fator deficiente nos casos de sangramento ativo ou em profilaxia pré-procedimento invasivo. -A deficiência do fator XII, particularmente, não apresenta tendência hemorrágica; ao contrário, estuda-se a possibilidade de deficiências severas (< 1%) estarem relacionadas a fenômenos trombóticos. É importante para diagnóstico diferencial de TTPA alargado, mas não exige cuidado para profilaxia de sangramento. ALTERAÇÕES ADQUIRIDAS Coagulação intravascular disseminada -A coagulação intravascular disseminada (CIVD) é uma síndrome adquirida, caracterizada pela ativação maciça dos fatores da coagulação, plaquetas e fibrinólise, c/ manifestação clínica de trombose e/ou sangramento excessivo. -É uma síndrome caracterizada pela ativação sistêmica da coagulação intravascular, levando à formação e deposição de fibrina na microvasculatura e ao consumo de fatores de coagulação e de plaquetas. -A deposição de fibrina em excesso pode levar a oclusão microvascular e consequente comprometimento do fluxo sanguíneo, o que, em conjunto c/ alterações metabólicas e hemodinâmicas, pode contribuir p/ a falência de múltiplos órgãos. MARC Carolina Ferreira -O consumo e a consequente depleção dos fatores da coagulação e das plaquetas, resultantes da ativação contínua da coagulação, podem levar ao quadro de sangramento em diversos sítios. -Etiologia e patogênese: a CIVD é sempre secundária e pode ocorrer em associação a grande variedade de patologias. -As principais causas de CIVD são: 1. Doenças infecciosas: infecções bacterianas são as + associadas (Gram positivos e negativos). Exotoxinas de bactérias resultam em resposta inflamatória generalizada, com liberação sistêmica de citocinas e ativação de macrófagos. Estes espalham fator tissular em sua superfície e, junto à lesão endotelial pela ação direta das toxinas, ativam a cascata da coagulação; 2. Trauma grave: mecanismos incluem liberação de gordura e fosfolípides tissulares na circulação, hemólise e lesão endotelial; 3. Tumores sólidos e neoplasias hematológicas: o mecanismo envolvido parece estar relacionado ao fator tissular expresso na superfície das células tumorais. De 10 a 15% dos pacientes com tumores metastáticos e de 15 a 20% daqueles com leucemia apresentam evidências de ativação intravascular da coagulação; 4. Leucemia promielocítica aguda (LMA M3): forma distinta de CIVD, caracteriza-se por hiperfibrinólise decorrente da liberação de substância fibrinolítica dos grânulos dos promielócitos patológicos; 5. Condições obstétricas: o descolamento prematuro de placenta e a embolia de líquido amniótico são relatos clássicos, e considera-se que a liberação de material tromboplástico é que provavelmente desencadeia o quadro. Pré-eclâmpsia e eclâmpsia, síndrome do feto morto retido, rotura uterina e aborto séptico são outros exemplos; 6. Doenças vasculares: hemangiomas gigantes (síndrome de Kasabach-Merritt) ou grandes aneurismas de aorta, que resultam em ativação local da coagulação pelo turbilhonamento não fisiológico. -Quando a CIVD é de instalação aguda, há o consumo excessivo de fatores de coagulação, os quais o fígado ñ consegue “repor”. Esse fato, associado à fibrinólise intensa, explica os fenômenos hemorrágicos que acompanham a CIVD. -Quando a CIVD é de instalação crônica, o consumo dos fatores de coagulação é compensado pela produção hepática, e os pacientes apresentam alto risco de trombose. Como exemplo, têm-se as neoplasias malignas, que muitas vezes se apresentam inicialmente com quadro de trombose profunda ou tromboflebite superficial migratória (síndrome de Trousseau). Fisiopatologia da coagulação intravascular disseminada -Quadro clínico : é de sangramento importante em feridas operatórias, locais de punção ou drenos, petéquias, sangramento digestivo ou urinário, eventos trombóticos e falência multissistêmica em casos avançados. Os trombos formados podem ser encontrados em diferentes topografias (em ordem decrescente de frequência): cérebro, coração, pulmões, rins, MARC Carolina Ferreira adrenais, baço, fígado e hipófise, culminando nos casos mais avançados com a falência de múltiplos órgãos. Necrose hemorrágica da pele e púrpura fulminante também podem ser manifestações da CIVD. -Os principais diagnósticos diferenciais são doença hepática grave, trombocitopenia induzida por heparina (devendo ser considerada nos pacientes sépticos em UTI recebendo heparina não fracionada ou de baixo peso molecular), púrpura trombocitopênica trombótica e outras patologias que cursam com anemia microangiopática. -Alterações laboratoriais: as principais alterações são alargamento do TP e do TTPA, ↑ do D- dímero, trombocitopenia (consumo), anemia hemolítica microangiopática (trauma mecânico), elevação dos produtos de degradação da fibrina e dos multímeros de von Willebrand. A antitrombina e a proteína C podem estar diminuídas pelo mesmo motivo de consumo, contribuindo para eventos trombóticos. Em casos iniciais ou de CIVD crônica, encontram-se apenas contagem plaquetária discretamente alterada, D-dímero e Produto de Degradação da Fibrina (PDF) aumentados, podendo o tempo de trombina também estar alargado (pelo aumento de PDF). Os demais exames (TP, TTPA e fibrinogênio) são normais. -Tratamento: inicialmente, deve-se tratar a causa que desencadeou o processo e proceder com estabilização hemodinâmica. As outras medidas, como reposição de plasma fresco e crioprecipitado, devem basear-se no quadro clínico de sangramento ativo ou na necessidade de submissão a procedimentos cirúrgicos. -A reposição de plasma fresco e de concentrados de plaquetas deve ser criteriosa e usada apenas quando há fundamento laboratorial, sangramento ativo ou necessidade de procedimento invasivo/intervenção cirúrgica. Tenta-se manter TP e TTPA normais e as plaquetas acima de 50.000/mm3, nesses casos. -O fibrinogênio é reposto por intermédio do crioprecipitado, a fim de manter as concentrações acima de 100 mg/dL, sempre que há sangramento ativo ou necessidade de intervenção invasiva. -Não há evidência de que a transfusão de plaquetas, plasma fresco congelado ou crioprecipitado, na ausência de sangramento ativo ou risco de sangramento (procedimento invasivo), traga benefício. Tampouco há estudos que comprovem o benefício do uso da heparina na CIVD aguda para melhora da disfunção orgânica, sendo reservada só aos casos de CIVD crônica, com manifestação trombótica e antes de procedimentos cirúrgicos. -A utilização de concentrado de proteína C recombinante é controversa. No passado, já foi indicada em algumas situações de sepse grave, com risco de morte e disfunção de órgão, mas, recentemente, essa medicação foi retirada do mercado. A antitrombina recombinante não mostrou benefício nos pacientes estudados e evidenciou maior risco de sangramento, e fator VII ativado é reservado para casos com sangramento muito grave, com risco de morte, sem melhora com a reposição de plasma fresco, plaquetas e crioprecipitado. Há estudos que mostram que o uso de concentrado de proteína C pode reduzir a mortalidade em casos de púrpura fulminans. É utilizada na dose de 100 UI/kg em bolus, seguida de 50 UI/kg a cada 6 horas até a normalização ou decréscimo nos níveis de D-dímero. -Já a utilização de agentes antifibrinolíticos é contraindicada, pois, ao inibir a fibrinólise, aumenta o risco trombótico. -Prognóstico: a CIVD é uma complicação grave, com mortalidade chegando de 40 a 80%. Depende da causa-base, da rapidez no diagnóstico e da pronta instituição de terapêutica adequada. Deficiênciade vitamina K -A vitamina K é essencial p/ a funcionalidade dos fatores de coagulação que apresentam radical glutâmico: fatores II (protrombina), VII, IX, X, proteína C e proteína S. Ela é sintetizada no organismo pela flora bacteriana intestinal, em pequenas quantidades. A ingesta alimentar de vegetais de folhas verdes (que contêm a vitamina) é necessária p/ complementar a necessidade diária de 90 a 120 µg. Após a ingesta, a vitamina K é separada do alimento pelas MARC Carolina Ferreira enzimas pancreáticas e, por ser lipossolúvel, necessita de sais biliares para ser absorvida no intestino delgado. -A função da vitamina K é de coenzima para a gamacarboxilação dos fatores de coagulação citados, junto à enzima gamacarboxilase. Após esse processo, tem-se a formação da vitamina K na forma inativa (epóxido), que é novamente ativada pela enzima epoxirredutase. Oxirredução da vitamina K e ação dos dicumarínicos sobre a vitamina K redutase -Os principais fatores de risco p/ deficiência de vitamina K são: 1. Alcoolistas crônicos: ocorre pela ↓da ingesta e pela insuficiência pancreática; 2. Pacientes c/ doença inflamatória intestinal ou pós-ressecção ileal: ocorrem redução da absorção e alteração da flora bacteriana; 3. Uso de antibióticos e nutrição parenteral por períodos prolongados: levam à alteração da flora bacteriana. São exemplos cefalosporinas de segunda e de terceira geração e cloranfenicol; 4. Lactentes: em razão do fígado imaturo, ausência de vitamina K no leite materno e ausência de flora bacteriana. Manifesta-se pelo quadro clínico da doença hemorrágica do recém-nascido, que consiste em sangramento cutâneo, gastrintestinal ou até intracraniano na 1º semana de vida e pode ser prevenido pela administração de vitamina K 0,5 a 1 mg IM; 5. Uso de dicumarínico: essa classe de medicamentos inibe a enzima vitamina K-redutase, diminuindo a atividade da vitamina K. -O diagnóstico é feito pelo TP alargado, visto que é um teste altamente sensível p/ detectar redução nos fatores vitamina K-dependentes, sendo o fator VII o principal deles, pois apresenta baixa meia-vida (6 horas). Nas deficiências extremas, também pode haver prolongamento do TTPA. No teste da mistura a 50%, observa-se a correção do tempo prolongado. A manifestação clínica é de hematomas após pequenos traumas, e, nas deficiências severas, podem ocorrer hematêmese, melena ou hematúria. -O tratamento é feito c/ a reposição de vitamina K na dose de 1 a 10 mg VO, IM ou IV. Em casos de sangramento c/ risco de vida, transfundir plasma fresco congelado na dose de 10 a 15 mL/kg, complexo protrombínico ou fator VII ativado, a depender da urgência e das condições do paciente. Hepatopatia -O fígado é o local de síntese de todos os fatores de coagulação, c/ exceção do fator VIII e do fator de von Willebrand. Também é local de carboxilação dos fatores dependentes da vitamina K, de síntese de antitrombina e de fatores fibrinolíticos. -Hepatopatas crônicos têm deficiência de vitamina K tanto pela falta de ingesta quanto pela diminuição da absorção pela colestase em estágios terminais. Diminuição da síntese dos fatores de coagulação, da carboxilação dos fatores dependentes da vitamina K, da síntese de antitrombina e alfa-2-antiplasmina, disfibrinogenemia (em razão do excesso de ácido siálico, que interfere na formação de fibrina) colocam o hepatopata em risco de sangramento e de trombose, sendo necessário um equilíbrio muito justo para não acontecer nenhum desses MARC Carolina Ferreira eventos. Muitas vezes, também cursa com plaquetopenia secundária a esplenomegalia, contribuindo para as manifestações hemorrágicas. -O tratamento deve basear-se apenas na manifestação clínica, nunca em exame laboratorial. Pode-se administrar profilaticamente a vitamina K, e, enquanto o fígado for capaz de produzir fatores, ela será benéfica. Em casos de sangramento, deve-se transfundir plasma fresco congelado e, em caso de trombose, anticoagulação cautelosa. -A anormalidade congênita da fibrinólise é uma condição muito rara, sendo + comuns as alterações adquiridas. -Como resultado dessas anormalidades, podem-se encontrar: a) ↑excessivo da plasmina, decorrente do ↑dos ativadores do plasminogênio ou deficiência dos inibidores. Tais situações cursam c/ manifestação clínica de sangramento (hiperfibrinólise); b) ↑dos inibidores da fibrinólise ou deficiência dos ativadores, cursando c/ manifestação clínica de trombose (hipofibrinólise). As causas de distúrbio da fibrinólise podem ser: o Congênitas: afibrinogenemia ou disfibrinogenemia; hipoplasminogenemia, displasminogenemia;deficiência de PAI-1; deficiência de alfa-2-antiplasmina; o Adquiridas: CIVD por ↑ t-PA e ↓ alfa-2-antiplasmina; hepatopatia crônica, por ↓ o clearance de t-PA e a síntese de alfa-2-antiplasmina; neoplasias, por ↑ u-PA; cirurgias cardíacas. -Na hiperfibrinólise, o diagnóstico diferencial c/ CIVD aguda é muito difícil, visto que há alargamento de TP e TTPA, ↓ de fibrinogênio, ↑ de D-dímero e PDF e encurtamento do tempo de lise de euglobulina. -A diferença é que ñ há consumo de plaquetas e esquizócitos nem consumo de antitrombina. Na hipofibrinólise, o diagnóstico é bastante difícil, visto que a dosagem dos ativadores do plasminogênio e dos inibidores da fibrinólise é muito variável e sofre diversas interferências. O exame que sugere esse quadro é o tempo de lise de euglobulina alargado. -No tratamento dos quadros de hiperfibrinólise, utilizam-se os antifibrinolíticos; nos casos de hipofibrinólise, anticoagulante oral. Quadro dos diagnósticos diferenciais entre coagulação intravascular disseminada, hiperfibrinólise primária e púrpura trombocitopênica trombótica Quais características clínicas ajudam no diagnóstico de distúrbios da hemostasia secundária? whematomas profundos, hemartrose, sangramentos profundos e história familiar comum. MARC Carolina Ferreira CASO CLÍNICO: “Eu achei que ia ser muito tranquilo naquela semana na enfermaria, mas me dei mal. Nosso grupo escolheu os pacientes com sintomas parecidos para não ter que estudar doenças diferentes, mas parece que as coisas não se encaixaram! Todos eles tinham sangramento, até aí tudo bem, mas parece que as histórias deles são muito diferentes. O paciente da Renata chegou se queixando de sangramento pela gengiva quando escovava os dentes, e tinha umas manchas no corpo. O paciente da Cinthia foi internado porque teve um corte no braço, que parou de sangrar rápido, mas voltou a sangrar de novo depois. O meu paciente era o William, que a gente já conhecia de uma internação anterior – aquele do problema no fígado, que tem que ficar fazendo paracentese. Talvez a gente tenha feito algo errado. Eu fico chateado porque a gente estudou isso tudo de sangramento no sétimo período, mas eu sabia que ia esquecer. Mais chateado ainda eu fiquei quando perguntei quais eram aquelas doenças desses pacientes e ele falou o de sempre: nas suas anotações do sétimo período tem isso, dá uma lida de novo e me traga a resposta amanhã. Sem problemas, meus resuminhos são todos digitados, eu tinha aqui no celular. A gente se dividiu para juntar mais dados para ajudar no diagnóstico. Descobrimos que esses sangramentos eram recorrentes no primeiro paciente que falei, acontecia mais no nariz e gengivas, parecia ser mais superficial. Quando examinamos vimos que as manchas estavam concentradas mais nas pernas. Tinha muitos exames solicitados, mas os resultados ainda não tinham saído. O cara do corte no braço tinha parado de sangrar. O curativo funcionou bem. A gente até perguntouse ele havia tomado algum remédio, mas ele negou. A queixa dele agora era que o joelho estava muito inchado, parecia uma bola. Eu falei para mandar para a ortopedia, mas meu preceptor mandou permanecer na clínica médica. Eu já estava ficando com raiva dele, mas tentei me segurar, estava muito preocupado com meu paciente. William parecia estar piorando. Qualquer lugar que a gente furava, não parava de sangrar. E hemodinamicamente, ele estava pior. O residente pediu vaga para ele na UTI. Não sabia que sangramentos pequenos podiam ser tão
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