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1 O Renascer de uma Paixão Título original: The Playboy Sheikh Alexandra Sellers [FILHOS DO DESERTO – OS SULTÕES] – 04 (The Playboy Sheik - 2002 - Silhouette) Momentos Íntimos 147 Lisbet queria ser livre e não conseguiria isso ao lado de Jafar. Ele a aprisionava com aquele amor possessivo. Então, ela acabou com o caso dos dois. Anos mais tarde, ela teve que viajar à Barakat para ser a protagonista de um filme. E lá estava Jafar, perto demais, sedutor demais, encantador demais. Lisbet não queria ceder, mas era difícil resistirao sheik playboy... E ela não sabia, mas eles estavam envolvidos em algo muito maior... e perigoso. 2 Prólogo Um par de olhos verdes invadiu a tela, lançando um desafio para dentro da sala. O sheik sentiu um frio no estômago ao prender a respiração. _ Desta vez é ela _ Comentou alguém atrás dele. _ Eu sei que sim – disse Jafar al Hamzeh. Sua voz saiu firme e controlada, observando a imagem. Aqueles olhos se dirigiram direto para ele, invadindo-lhe a alma. A íris eram verde-claras com delicados traços verde-escuros, envolvidas por um suave e fino círculo esmeralda. O branco dos olhos era puro e cristalino, emoldurados por um par de suaves sombrancelhas. Jafar já os vira muito próximos. Eles haviam preenchido todo seu mundo. Fora quando ela estivera deitada sobre ele, entre seus braços, ao se sentirem dominados por um prazer extremo que parecia quer aniquilá-los. Ou a tudo ao redor. Jafar não sabia qual dos dois. Nem se preocupara com aquilo. Naquela ocasião, vira aqueles olhos, tal como agora. Percebeu que um profundo e intenso sentimento de ciúme perpassou seu pensamento, uma vez que todos os que se encontravam naquela sala poderiam vê-los também. Se pudesse, pediria que saíssem. A câmera se afastou um pouco, revelando as faces rosadas e seu nariz reto. Revelou também a boca determinada esboçando um sorriso desafiador. Os espessos cabelos loiros caíam numa luxuriante curva sobre seu ombro e braço. Jafar já passara as mãos por entre aqueles fios sedosos e agora rememorava a textura indescritível que eles possuíam. Pôde sentir, até o perfume que ela usava. Cerrou as pálpebras e ouvia os comentários: - Uma beleza extraordinária. - Uma personalidade. 3 No monitor, após falar qualquer coisa, ela se virou e saiu do foco da câmera. Usava um vestido curto que destacava suas formas e suas esbeltas pernas. A entonação era baixa e ressonante, como sempre, e lembrava-lhe a última vez em que a ouvira. Falava por sobre o ombro, com um sorriso maroto, e então balançou a cabeça de tal forma que sua cabeleira se espalhou sobre as costas. Pareceu a Jafar que o tocara. Suas entranhas pareceram pegar fogo. A Porta se abriu e se fechou, e a linda jovem desapareceu. Do mesmo modo como saíra de sua vida. Um sorriso, um meneio de cabeça e o som de uma porta batendo. Jafar rememorou a dor que sentira, implorando para que a porta tornasse a se abrir e ela voltasse para dizer-lhe que havia mudado de idéia. - Aqui há mais uma – falou alguém. Lisbet estava lá outra vez, agora na praia, usando uma tanga. Parecia concentrada num sorvete, enquanto os homens a seu redor a admiravam, esquecendo a realidade. Um barco virou, e seus passageiros acenaram e gritaram, despertando a atenção do salva-vidas, mas foi para a garota que o rapaz olhou. Um jogo de voleibol foi interrompido assim que ela apareceu na praia, os cabelos esvoaçando, evidenciando seu corpo cheio de curvas femininas. Um vendedor de cachorro-quente deixou o carrinho cair dentro da água. “Ela é minha!”, Jafar pensou como se estivesse dizendo para todos. - Fantástico! Jafar nada comentou a respeito dessa exclamação. Continuou olhando para a tela, e a viu tirando a areia com uma expressão sensual. Já vira isso antes, mas naquela ocasião não fizera nenhum gesto como aquele. Estava certo disso. O nome do fabricante de sorvete apareceu na tela e se fixou no rosto dela. 4 - Bem, acredito que não poderíamos encontrar nada melhor para nosso harém, não é? – disse alguém, como se pudesse haver outra escolha e como se não fosse uma conclusão predeterminada. - Acredito que a moça seria uma jóia que daria prazer a qualquer sultão. Não é assim, Jafar? Ele sorriu, assentindo, acatando aquela sugestão com ar de pouco-caso. A jovem sorrira para ele antes de partir, num tom de deboche e desafio. “Faça o pior”, dissera-lhe. Ela veria o que ele poderia fazer de pior. Primeiro, um presente para o sultão. Mas no final, teria aquela beldade para si. Apenas para si. CAPÍTULO I Tomada de desespero, Lisbet Raine tratava de se manter na superfície, enquanto uma nova onda se aproximava, quebrando sobre ela. Assim que pôde, aspirou mais ar. 5 A sua frente, via a linha da praia. Atrás, milhas de um ofuscante mar esverdeado. O sol se encontrava a pino. O sal fustigava seus olhos. Os cabelos flutuavam a sua volta e grudavam em sua face. Seu longo vestido fora aberto para liberar as pernas, acompanhando-a por entre as ondas, verde sobre verde. Seus pés se mexiam procurando o fundo do mar. Como se ele fosse um apaixonado e impaciente amante, uma nova onda apareceu e a envolveu com carinho. Perto dali, oculto pelas rochas e montado num cavalo branco, ele a observava. Um terrível ciúme o queimava, como se a visse fazendo amor com outro homem. Naquele momento , os pés dela alcançaram o fundo, e Lisbet se endireitou, o que lhe permitiu iniciar a tentativa de voltar para a beira da praia, acompanhando a maré. Ao tentar quebrar as ondas, elas mostravam querer trazê-la de volta para seu seio. Lisbet hesitou por um momento, como se dando por vencida, mas a água parou por um instante, deixando que se recuperasse. Jafar continuava observando, imóvel, como se aguardasse por um sinal. A espuma a envolvia enquanto se movia, arrastando seu vestido para a frente e para trás, revelando suas pernas, para depois, com ansiedade, escondê-las. As águas dançavam ao redor dela, ora revelando os quadris, ora os joelhos. O vestido escondia e revelava aleatoriamente partes do corpo escultural. Lembrava um erótico e provocante strip-tease. Jafar estava atormentado por imaginar que suas mãos, sua boca e seu corpo poderiam envolvê-la, como fizeram as ondas do oceano, deixando-a tão ofegante quanto ele um dia. Com lânguido gesto, Lisbet ergueu os cabelos, empurrando-os por sobre as costas. Os seios firmes moldados pelo vestido 6 molhado e os braços bem torneados destacavam-lhe a feminilidade por entre o tecido verde. O cavalo relinchava, chacoalhando-se , assim que Jafar pousou a mão sobre seu pescoço. - Aguarde um pouco – murmurou para o obediente animal. Já quase saindo da água, Lisbet parou um instante, levantou as graciosas mãos para o céu e, com um triunfante grito, ajoelhou-se, como num gesto de agradecimento. Então, se atirou para trás, abrindo os braços para receber o sol, o ar e a vida. Uma onda se aproximou dela, envolvendo-a na espuma e revelando, mais uma vez, suas pernas e um pouco de seus joelhos. Jafar se ressentia com a necessidade de beijá-la, tal como o mar acabara de fazer. O garanhão reagiu de imediato a seu toque e partiu em galope. O sheik e seu cavalo pareciam um ser único. Ao chegarem à beira-mar, a luz do sol parecia transformar os respingos d’água em ricos diamantes. Lisbet deveria Ter sentido o movimento atrás de si, mas, como se estivesse cansada demais, não esboçou o menor movimento. Jafar estava quase ao seu lado. Parou o cavalo, e ela virou-se para olhar. Ao vê-lo, ficou boquiaberta. Tratou de sentar-se, sem demora. Desorientada, gritou: - O que está fazendo aqui?! - Este é meu país. – Jafar esboçou um sorriso sem graça. - Seu país? – Ela o encarou, parecendo zombar dele. - Eu disse que no final você seria minha. - O quê, afinal, está acontecendo aqui? – questionou Masoud al Badi, sem sedirigir a ninguém em especial. – De onde apareceu esse cavalo branco? Onde está o negro? O que Adnam está pretendendo? 7 O assistente ergueu a cabeça do roteiro e esboçou um expressiva resposta: -Acabei de repassar a filmagem com ele, e o cavalo era negro. O diretor tornou a olhar para o casal na praia. - Quer dizer que não é Adnam que está ali com ela! Quem é então? Onde está Adnam? - Estou aqui. – Ele saia de um trailer. – Quem está com Lisbet é Jafar al Hamzeh. Desculpe-me senhor al Badi. - Jafar?! Ele emlouqueceu?! – O diretor, naquele momento, viu Lisbet correndo, desesperada, pela praia, deixando atrás de si um rastro sobre a areia úmida. – Alá, Jafar a deixou em pânico! Ela vai se machucar! Um murmúrio percorreu o set de filmagem, assim que se ouviu o nome do sheik. Todos se puseram de prontidão, como se alguém tivesse tocado um varinha mágica. Jafar al Hamzeh, companheiro da Irmandade do Cálice do Príncipe Karim, não apenas era rico e bonito como ele só, mas também o playboy favorito da imprensa. Tudo ficava mais interessante com a presença de Jafar al Hamzeh. E se ele estivesse interessado na estrela do filme... Bem, a situação poderia ficar bem mais excitante. Na praia, o cavaleiro permaneceu montado no cavalo numa postura arrogante, como um predador que estivesse deixando sua presa se afastar um pouco para tornar a caça mais interessante. Masoud paralisado, olhava a garota de vestido verde em desabalada carreira pela areia. Agarrou o megafone e começou a berrar, mas eles estavam afastados demais. Sua voz se perderia no meio do mar. Voltou-se para buscar alguma inspiração. Dirigiu-se para o ator em vestes brancas e gesticulou para ele, ordenando: - Adnam, pegue seu cavalo e... - Meu Deus! – murmurou alguém. 8 Masoud al Badi mais uma vez se voltou. Enfim, Jafar colocara a montaria em ação. O animal em poucos instantes, estava próximo de Lisbet. Jafar não diminuiu a velocidade. Todos soltaram um suspiro assim que o cavaleiro soltou as rédeas sobre o garanhão. Inclinou-se, então, sobre os joelhos, como num espetáculo de circo, enquanto o animal corria lado a lado com Lisbet. - Será que ele está tentando derrubá-la?! – berrou Masoud, furioso. Lisbet disse qualquer coisa, mas Jafar a segurou firme e a colocou sobre a sela. De repente, ela estava sentada na frente dele, presa pelos braços fortes. - Coloque-me no chão! Está querendo me matar?! O que acha que está fazendo?! - Você me desafiou, Lisbet. Quando uma mulher desafia um homem de raça, é porque quer provocá-lo a tomar uma atitude. Mas é preciso Ter cuidado. A reação pode ser bem diferente do que ela imaginara... Lisbet emgoliu em seco. - Acha que eu queria que você... Como chegou aqui, Jafar? Como sabia onde nós estávamos? Ele sorriu. - Acredita que sou um covarde que espera que as ircunstâncias o favoreçam? Você não é o tão ingênua assim! Lisbet sentiu o coração disparar... e teve medo. - O que está querendo me dizer? Jafar encorajou o cavalo, forçando Lisbet a se apoiar nele. O animal galopava com elegância na água. 9 - O que quer dizer quando diz que as circunstâncias o favoreçam? – Lisbet insistiu. - Você entenderá. Tinham sido amantes, mas fora muito tempo atrás. Encontraram-se fazia um ano, cheios de desconfianças e dúvidas sobre o amor. As lembranças voltaram agora, muito vívidas, à memória de Lisbet. O envolvimento sexual foi inevitável, pois a atração foi imediata e avassaladora. Mas logo compreenderam que o prazer não era tudo de que necessitavam. Jafar queria dominá-la. Quando começou a ficar exigente, Lisbet o advertiu: - Não faça planos a meu respeito. Não me olhe como a futura mãe dos seus bebês. Não quero isso para mim. - Venha comigo para Barakat, Lisbet. Apenas para uma visita. Veja se consegue viver lá. Ficaremos lá só durante uma parte do ano. É um país maravilhoso, posso garantir. Ela sorriu de uma forma que o enfureceu: indiferente e intocável. - Tenho certeza de que é. Anna adora Barakat. Anna era uma querida amiga Lisbet, que se casara com o irmão de Jafar. Uma vez que o amor a conquistara, como necessário. - Talvez eu também venha a amar seu país. Mas esse não é o objetivo, não é? Não se trata de Barakat contra a Inglaterra, mas sim de casamento versus liberdade. E eu lhe avisei, Jafar. Desde o começo. - Liberdade! Que liberdade, Lisbet? De ficar velha e sozinha? De não ter filhos para confortá-la? Ela o encarou de um modo que ele não conseguiu decifrar. - Isso mesmo. Quero ser livre para envelhecer só. Sem filhos para me consolar. Estamos discutindo algo impossível, Jafar. Se você apenas olhasse pelo lado mais simples... 10 Ele a agarrou pelo pescoço, para fazê-la se calar. - Não estou enganado, Lisbet. Conseguimos encontrar aquilo com que os demais apenas sonham. -Não me referi a nossa compatibilidade sexual – brincou. Jafar a encarou. - Sexo é apenas uma parte de tudo o que nos une. Acha que não sei o quanto tem lutado para se afastar de mim? Será que não entende que não precisa fugir de mim, Lisbet? Ela empinou o queixo. - Jafar, você está imaginando coisas. Ele, porém, sabia que não era assim. CAPÍTULO II 11 Lisbet se remexia inutilmente. Sentada de lado na sela, sentia-se desprotegida, apesar de Jafar segurá-la, mantendo-a firme. - Para onde pensa que vai me levar, Jafar?! - Até minha casa, que fica a alguns quilômetros daqui. - Sua casa?! Ficou maluco? Leve-me agora mesmo de volta para o ... - Não fale comigo nesse tom, Lisbet. Ela hesitou por um momento, mas logo recobrou a coragem. - Estou no meio de um filmagem, Jafar, e você acabou de interromper uma cena que estava sendo rodada! Leve-me de volta até o set da filmagem! - Assim que eu acertar tudo com você. Aquilo a irritou mais ainda. - Como se atreve?! O que está planejando, Jafar. Rapto? Deixe-me ir e embora! Ele sorriu. - Acha que entre nós seria possível um rapto? Quanto tempo já se passou, Lisbet? Contou os dias? - Não, não contei. - As semanas? - Pare este cavalo! Lisbet procurou as rédeas, uma das mãos ainda apoiada no tórax de Jafar, mas ele a estreitou ainda mais. - Os meses? – Desafiou-a – Lisbet, eu quero saber. - Mais de seis meses, e eu não estava com... - Quanto mais? – inquiriu ele, ressentido. - Não tenho idéia! - Quanto? - Sete meses e três semanas, e não ligo a mínima! - E quanto aos dias? - Por que supõe que eu deveria saber? - Você sabe. 12 - Não sei! - Então, vou lhe dizer. Quatro dias. Já se passaram sete meses, três semanas e quatro dias desde que me pediu para fazer o pior, Lisbet. Será que seu instinto não lhe avisou que seria muito perigoso para você vir até meu país num espaço tão curto? - Você está dizendo que oito meses é muito cedo, Jafar? Até acreditei que já havia esquecido meu nome. - Será que ficou desapontada por eu não tê-la procurado? – perguntou, com suavidade. – Ah, Lisbet, se eu soubesse... Ela enrijeceu ao sentir a forma inusitada como a estava envlolvendo. - Não, não me desapontei! Depois de toda sua fanfarronice, me senti aliviada. - Mentirosa! - Não fale comigo desse jeito, Jafar! Ele achou graça. - Quase me esqueci de nossas deliciosas discussões quentes. Mas novas oportunidades não faltarão para aprendermos tudo de novo. À frente deles, um grupo de rochas que invadia o mar cortava-lhes o caminho. Jafar manteve o cavalo caminhando, e se esgueiraram pela sombra daquele saliente espinhaço. Lisbet colocou suas duas mãos sobre as dele, que seguravam as rédeas, e fez o animal parar. - De uma forma ou de outra, voltarei para a filmagem, Jafar. O sheik contraiu as mandíbulas com a mesma ferocidade que a fizera correr na primeira vez. - Nenhum momento para dividir com seu ex-amante? - Enquanto estou trabalhando? Jafar, sou uma profissional! Não me peça para ficar impressionada com sua forma descomplicadade playboy de encarar a vida. As pupilas deles cintilaram. - Ah... quer dizer que não me esqueceu por completo... 13 - É um pouco difícil esquecê-lo por completo. Afinal, costuma aparecer na imprensa todas as semanas. - Esse é dos benefícios da fama que eu não poderia prever. Lisbet se aborreceu em pensar que ele concluiria que estava acompanhando seus passos pelos jornais. Teria sido melhor admitir que não sabia nada sobre seu mau-caráter favorito da mídia. Mas não conseguia. - Você tem um inebriante estilo de viver, Jafar. Fiquei muito impressionada com a limusine banhada a ouro, sabia? Ele deu de ombros, fazendo um gesto de pouco-caso. - Não vale a pena discutir isso agora, querida. - Nem agora, nem nunca. Tenho um trabalho a fazer. Lisbet fez o cavalo dar uma guinada de cento e oitenta graus. Jafar o permitiu e, quando ela procurou fazer o garanhão correr, ele estacou. Lisbet ficou assustada ao perceber quão longe haviam chegado. Esperava ver, a distância, o conjunto de trailers, equipamentos, guarda-chuvas e pessoal, que dermacavam o set de filmagem, mas não via nada, além de areia. Ali, só eles dois e o cavalo. Uma pontada de medo a perpassou. Estava por inteiro à mercê dele, naquela paisagem inóspita. Justo o que ela sempre temera. - Droga! – E instigou o animal. O cavalo, porém, parecia petrificado. - Vamos, ande! O que você fez com este bicho, Jafar? Ele sorri, mostrando seus dentes alvos. - Firouz e eu estamos juntos faz seis anos. Se você me compreendesse tanto quanto esse rapazinho é capaz... Lisbet rangeu os dentes. - Teria sido melhor que você me entendesse, Jafar. E agora? Fará este turrão voltar para o set ou terei de voltar a pé? 14 Seria uma longa caminha naquele calor e, se ela não se perdesse, ficaria queimada. Ou, no mínimo, teria um insolação. Sentia as picadas do sal ressecando sua pele e sabia que o mar não poderia protegê-la. - Não pode caminhar sob esse sol, Lisbet. Minha casa é muito arejada. Fica no meio de árvores, uma plantação de tâmaras. - Leve-me de volta. – Seu olhar perscrutava o horizonte, à procura de qualquer sinal de que estivesse sendo procurada. – A esta altura eles já devem ter chamado a polícia. Devem pensar que você é um seqüestrador. - Mas é isso o que sou. - O que fez com Adnam? - Sua imaginação é muito fértil, e talvez própria para uma atriz. Não fiz nada com Adnam Amani, exceto aumentar sua conta bancária. - Você fez chantagem com ele para ocupar seu lugar?! - Teria gostado que o tivesse golpeado e amarrado? A violência deveria ser o último recurso, caríssima. - Lógico que não teria gostado! – Lisbet suspirou – Leve- me para o set, Jafar. - Sob uma condição. - Não dou a mínima para sua condição! - Você deverá jantar comigo esta noite. - Se é só isso o que quer, por que não vai esta noite à casa de Gazi e Anna. Deve saber que estou hospedada lá. Tendo chegado ao emirado de Barakat na última semana, para a filmagem, era muito natural que Lisbet se hospedasse com Gazi e Anna. Seria muito normal que Jafar os visitasse nesse período, mas ele não o fez, bem como nenhum gesto nessa direção. - Você sentiu minha falta? - Não esperava revê-lo. Por que resolveu me procurar agora? - O que eu tenho para lhe dizer não é para consumo público. 15 Lisbet estremeceu. Tinha medo dele. Lembrava-se de como fora difícil tirá-lo de sua vida. Precisa usar de uma imensa determinação. - Não estou interessada, Jafar. - Não concorda em vir? - Terminamos há meses. Acabou, e não começará de novo. Ele parecia não Ter saído do lugar, mas o cavalo começou uma leve caminhada, pé ante pé, em direção às rochas, e para o mar. - Minha casa fica ali atrás. É muito bem protegida. Uma vez lá, ninguém poderá alcançá-la, a menos que tenha minha permissão. - Solte-me! Mais uma vez, Lisbet lutou, mas o sheik a segurava com firmeza. O animal se movia mais depressa. Ela não poderia arriscar um salto, ainda mais porque não conhecia a superfície da água. Se caísse sobre alguma rocha, ou se o garanhão lhe desse um coice... - Agora ou hoje à noite, Lisbet? De uma forma ou de outra você irá me ver. O cavalo continuava dentro da água, dando a volta nas rochas. Lisbet podia sentir determinação nele. Seus pés estavam agora dentro do mar. Seu corpo indicava um nervosa expectativa. Depois de meses de silêncio, ela começara a achar que Jafar a tivesse esquecido, bem como a todas suas juras de amor. Durante a última semana de espera e ansiedade por encontrá-lo no jantar, convencera-se disso. E agora, ali estava ele, irado, rancoroso e exigente. Sentiu-se desorientada e, de repente, percebeu que não o conhecia. Estava em seu próprio país, em seu território, conduzindo-a para o desconhecido. Lisbet era uma estrangeira, e ele, um pessoa influente. - Muito bem! – Lisbet estava brava consigo mesma por sua capitulação. O cavalo estacou. 16 - Irá jantar comigo hoje?? - Sim, Jafar. Jantarei com você, mas não em sua csa. Iremos a um restaurante, e é só. E se pretende qualquer coisa além disso, esqueça! Jafar assentiu com um elegante meneio, fazendo-a sentir-se como uma rude camponesa. - Mas é lógico. O que mais poderia ser? Firouz deu meia-volta e começou a caminhar de volta com a precisão de um cavalo amestrado. - Quero deixar bem claro que não haverá sexo como sobremesa – Lisbet o desafiou. - Pergunto: você sabe disso? No retorno, cruzaram com dois buggies. Jafar sorriu e puxou as rédeas. - Seus salvadores chegaram um pouco atrasados – disse ele. - Lisbet você está bem? – Masoud a fitava, aturdido. – Está tudo em ordem? Ela se desvencilhou das mãos de Jafar. O rosto dele tinha uma expressão estranha ao olhar para a saia dela, que ao desmontar revelara boa parte das pernas incríveis. - Não, nem tudo está bem, Masoud. Conhece este homem? Não continuarei trabalhando enquanto ele estiver por aqui. – E entrou em um dos carros. Lisbet esperava por uma discussão, certa de que Jafar iria perdê-la. Mas ela deveria conhecê-lo melhor. Não deu mais que dois passos, quando ouviu o som de patas se afastando. Jafar al Hamzeh, ereto sobre seu cavalo branco, com suas esvoaçantes roupas brancas, retornava pelo caminho pelo qual vieram. Passados alguns minutos, Lisbet bateu a porta de seu trailer, que tinha um irregular aparelho de ar condicionado. Tina, sua camareira, boquiaberta e cheia de curiosidade, ocupava-se dos botões de seu vestido. 17 - Esteve exposta ao sol por muito tempo! Seu nariz está queimado? Eu falei sobre isso com Masoud, há meia hora. Precisamos reaplicar o bloqueador. Lisbet se sentia exausta. Seu encontro com Jafar parecia ter lhe sugado as energias. - Não se preocupe com isso, Tina. Preciso tomar uma ducha. – E despiu-se. Em segundos, enfiou-se embaixo do jato de água fria, embora tivesse sido advertida pelo pessoal da filmagem a usá-la com moderação, desejando que toda sua aflição escoasse também pelo raio. Lisbet conheceu Jafar al Hamzeh quando solicitara sua ajuda para socorrer sua melhor amiga, Anna Lamb, estava em apuros. Houve um interesse imediato entre os dois. Jafar não fez segredo algum de sua atração por ela. Naquela ocasião, após ter auxiliado Anna, Lisbet dirigira-se ao estúdio de tevê para uma filmagem externa, em Hampstead Heath. Jafar a conduzira até lá e então ficara por ali para continuar sem sua companhia... por toda a noite. Lisbet jamais se esqueceria da eletricidade que experimentaram. Sentados sob a luz dos flashes, eles ficaram se entreolhando. Falando sobre tudo e sobre nada. Cada vez que ela se dirigia ao set para uma cena, tivera receio de que Jafar não mais se encontra-se lá quando voltasse, mas ele permanecia lá, aguardando. Havia uma conexão entre eles, como uma corda muito esticada, tensa, e à medida que os acontecimentos se desenrolavam, a atração se tornara mais e mais intensa. Jafar a levara de volta para casa em sua limosine, eLisbet o convidara para tomar um café. Assim que entraram no apartamento ele a beijou de repente, faminto, como se tivesse perdido o autodomínio. Aquele foi seu primeiro beijo, que explodiu em seus 18 lábios com um ardente carinho. Pensar nisso, mesmo agora, a arrepiava toda. Lisbet jamais esqueceria esse primeiro encontro, fazendo amor com jafar enquanto o sol atravessava a neblina de Londres. Nem que se passassem cem anos. Depois disso, preocupara-se com o fato de que ele, sendo de uma cultura diferente, a achasse muito fácil, a menosprezasse por ter sido seduzida tão rápido. O sheik a deixou pela manhã com um apaixonante beijo, dizendo-lhe que a procuraria logo, mas seu temor era que não passasse daquela noite. Porém, a limusine a aguardava junto ao meio-fio, quando Lisbet deixou o estúdio, naquela noite. Seu coração bateu tão forte que a deixou tonta. O Rolls Royce a levou até o Dorchester Hotel. Ninguém , no Dorchester Hotel, estranhou vê-la chegando numa despojada roupa de trabalho, com os cabelos desarrumados e um lenço que dava três voltas em trono do seu pescoço. -Você deveria ter me prevenido! – ela protestou, assim que Jafar abriu a porta de sua cobertura. -Do que eu deveria tê-la prevenido? – Estendeu a mão e a conduziu para dentro, e, antes que ela pudesse responder, beijou-a, exigente. Mais tarde, ao descansarem, entrelaçados, Jafar acariciava- lhe os quadris, as costas, as coxas. Sobre eles, um céu estrelado. Seu abraço era suave, todavia protetor e envolvente. Lisbet jamais se sentira tão segura. Olharam as estrelas e compararam sua palidez quando confrontadas com o firmamento de Barakat. - Certa vez, quando mais jovem, eu estava com meu avô, quando ele examinava um lote de diamantes. Ainda posso ver essa pedras caindo sobre a almofada de veludo negro, sobre a qual meu avô se sentara. Os diamantes soltavam chispas, ofuscando minha visão. 19 - Hum... - Me lembro que queria tocá-los. Então meu avô os colocou na palma de minha mão. Aquele momento foi de suprema alegria. Lisbet sorriu, imaginando-o como um menininho, tremendo de felicidade. - Gostaria de saber por que você ficou tão impressionado. - Porque achei que estava tocando as estrelas, Lisbet. É assim que parecem as estrelas do meu país: diamantes. Acreditava que vovô havia trazido as estrelas e um pedaço do céu. Foi um momento mágico, de puro êxtase. Lisbet se emocionou por aquela imagem. Virou-se e olhou para o firmamento londrino. - Jamais senti algo semelhante até hoje – sussurrou ele, acariciando-a. – Até este instante, não tinha conseguido tocar as estrelas novamente. 20 CAPÍTULO III - Ele está aqui! – disse, ofegante, a camareira de Lisbet, ao entrar no trailer. Tina tratou de ocultar a excitação, mais ainda assim, seu tom de voz irritara Lisbet. - Você parece uma aposentada que vai tomar chá com a rainha. - É muito engraçado que me diga isso, pois, aos doze anos, conheci a princesa Diana. Foi o momento mais fantástico de minha vida. – Tina sorriu. – Desde então, conheci um grande número de celebridades, mas, neste tipo de negócio, o brilho é temporário. Nada até então teve o impacto necessário. Até hoje! Lisbet sabia que Tina brincava, mas não pôde conter uma leve repreensão: - O que há de tão fabuloso em relação a Jafar al Hamzeh? - Bem , você é aquela que irá jantar com ele esta noite... Lisbet deu de ombros. Ninguém entre os presentes sabiam de seu relacionamento anterior com Jafar, e ela não tinha intenção alguma de revelá-lo. - Sabia que Jafar al Hamzeh é um dos confrades da Irmandade do Cálice do Príncipe Karim, Lisbet? - Sim, sabia. - Seu irmão, Gazi, também é. Além de todo o brilho das estrelas, eles também mantêm relações com o poder. Rashid, um dos elos, contou-me que a tradição da Irmandade do Cálice à era pré-islâmica, mas que, naquela época, se restringia tão-só a acompanhar o rei em seus momentos de lazer. Não podiam participar de forma nenhuma das decisões políticas do gabinete real. Agora, todos fazem parte do gabinete do príncipe e participam de suas decisões. Cada um deles tem responsabilidades específicas, bem como grande influência, que ultrapassa os limites do país. E são muitíssimo leais entre si e com os princípes. 21 Lisbet queria pedir à camareira que se calasse, entretanto estava concentrada em seu batom e não queria borrar a pintura. - Ele também é muito rico, Lisbet. Milionário desde a morte do pai, de acordo com os boatos que correm pelo estúdio. E também comenta-se que é muito generoso. E parece-me que perdulário. Todas aquelas histórias veiculadas pela imprensa não é mero falatório. Jafar esbanja sua herança tal como água descendo pelas cataratas. Algumas noites atrás pereu meio milhão de barakatis no cassino, e levantou-se da cadeira como se nada tivesse acontecido. Se você agir com esperteza, terá seu futuro garantido. Tina fez uma pausa, mas Lisbet continuava delineando os lábios com um tom cor-de-rosa. Tina arqueo as sombrancelhas. Com aquele contorno, os lábios dela deveriam estar com vermelho- intenso. - E, além de tudo isso, que homem sexy! O que achou daquele galope na filmagem, atrás de você? Meu Deus! Quase desfalecemos! E quando Jafar a agarrou, quase voando... juro que senti um fogo dentro de mim. E o que ele lhe disse, enquanto a mantinha sobre o cvalo? - Nada muito importante. – Lisbet terminou de pintar os lábios e examinou o resultado. Tina não podia crer naquela indiferença. - Bem, se Jafar quisesse fazer isso comigo, estaria disposta a qualquer hora. Disseram-lhe que ele pertenceu ao time olímpico de 1966 dos Emirados de Barakat como cavaleiro, e que ganhou uma medalha e ouro? E que, na adolescência, enquanto estudava nos Estados Unidos, passava suas férias num circo e em rodeios? Lisbet estava a par de tudo isso, mas não iria confessá-lo, sob pena de que todos descobrissem o que houvera entre ambos. - Um rodeio seria o lugar certo para ele. Estou surpresa por Jafar não ter continuado lá. - Só pode estar brincando, Lisbet! O homem transpira sensualidade! Lembra-me daqueles antigos galãs franceses. 22 Belmondo. Delon. Je te aime, moi non plus. Oh! Como teria gostado se fosse eu a escolhida... Que bom seria! - Ela não quer nada comigo! – Irritada, Lisbet terminou de se arrumar e apanhou a bolsa. Os comentários de Tina a deixaram ainda mais nervosa. Perguntava-se por que capitulara àquele ultimato. Talvez não tivesse resistido àquela chance de vê-lo pela última vez. - Bobagem minha. Achei que ele estivesse interessado em você – corrigiu-se Tina, com extrema ironia. – Jafar apenas não queria que você invadisse suas terras, não foi isso? Sabia que ele é o dono de toda a praia e que, portanto, estamos em sua propriedade? Lisbet se concentrava em sua aparência. Seus sapatos e a bolsa combinavam com o vestido de seda creme, e seus longos cabelos estavam presos por uma fita da mesma cor. Escolhera com cuidado o traje, por sua discreta e formal elegância. Era o mais impessoal possível, e não deixava entrever nada de sexy. Os brincos eram de ouro, acompanhados por uma corrente de ouro, e no dedo anular, um grande anel de pérola. - Você está linda! – Tina esperava vê-la mais animada. Teria preferido que Lisbet soltasse as mechas ou que se vestisse com uma roupa mais exuberante. Qualquer um diria que ela estava escondendo sua sensualidade, e Tina não conseguia compreender essa atitude. Deveria ser o nervosismo, pois Lisbet sabia muito bem, tal como a camareira, o que melhor lhe servia. Tinha o dom de definir- se por detalhes que a transformavam numa excitante estrela. Enquanto Lisbet se dirigia para a saída, Tina deu-lhe mais uma olhada. Lisbet devia saber o que fazia. Supunha que os árabes fossem tão suscetíveis ao mito da Mulher de Gelo como os demais homens e, talvez, a sugestão de seus corpo por baixo da seda pudesse levá-losa loucura. 23 Num primeiro momento, meses antes, entregaram-se à paixão que os consumia. Juntos, tiveram momentos devastadores e tormentosos. Lisbet nunca se sentira assim antes. Às vezes parecia embriagada, tanto que parecia cambalear. Outras ocasiões, chegava a crer que Jafar segurava seu coração nas mãos. Apenas uma palavra ou um olhar carregava tanta força que a tirava do prumo. Lisbet se amedrontava com isso tudo. Não só pelo poder de Jafar, mas por sua resposta a tudo aquilo. E ela possuía diversas razões para sentir-se temerosa de que alguém tomasse conta de sua vida. Jafar, sem saber, tocara numa ferida antiga de Lisbet. Não fora só por amor que seu pai, de propósito, engravidara sua mãe. Essa foi a forma que ele encontrou para interromper a promissora carreira da mãe de Lisbet e mantê-la junto a si. Isso acontecera quando a moralidade dos incríveis anos sessenta chegara àquela cidadezinha da Escócia, onde os jovens amantes moravam. Gillian Raine ganhara um bolsa na escola de teatro e estava esperando o fim do verão, para partir para Londres e começar sua carreira. Seu amante, Edward MacArthur, fizera o que todos os homens daquela vila fariam: começou a trabalhar nas minas de carvão. A frustação de Gillian fora inculcada em Lisbet desde a infância. De como seu pai implorara para que sua mãe ficasse na vila e se casasse com ele. De como tivera de se render assim que soube de sua gravidez... “Jamais abram mão de seus sonhos, meninas”, a mãe costumava prevenir as filhas. Assim que se tornaram jovens, a história se tornaria mais clara foi então que Gillian lhes falou a respeito da gravidez que mudara seu destino. Contou-lhes a respeito da fatídica noite na qual Edward lhe pedira que ficassee ali, casasse com ele e abandonasse a escola de teatro. 24 Gillian resistira a todos os argumentos de Edward, e, quando ele se deu por vencido, começou a beijá-la. - Papai a estrupou?! – perguntaram-lhe as filhas, de acordo com os novos conceitos de educação vigentes no mundo. Gillian sorrira, impaciente. - Não. Será que não estão entendendo o que quero lhes dizer? Edward era um fogoso amante, e ele... bem, crianças, Edward me beijou até que... – Suspirou – Até então sempre fomos muito prevenidos. Aquela noite, porém, ele não levara nenhuma proteção. Mas era tão apaixonante que esqueci de tudo. Eu o desejava, e nada me importava. Só me preocupei semanas mais tarde. Quando lhe informei que estava grávida, entendi que era essa sua intenção. Gillian abrira mãos de seus sonhos, casou-se com seu amante e passoaa adedicar-se ao casamento com Edward, vindo gerar uma série de filhos. E passara seus dias se arrependendo por ter sido tão tola. Lisbet prestara muita atenção a essas advertências. Não queria um futuro igual ao de sua mãe, cheio de arrependimento. “Se não fosse por minha sina, seria eu a representar ali”, diria ela, cada vez que assistia a uma novela. Todavia, as coisas não foram tão ruins, até o fechamento das minas. Edward, embora exausto e coberto de pó, mantinha o brilho nos olhos, o que faziam sua mãe tão feliz. Lisbet mal chegara à juventude quando grande greve dos mineiros estourou e o primeiro-ministro mandara dar um fim àquilo. Assim que a poeira de sangue e carvão se assentaram, as minas tinham acabado, bem como a alegria de seu pai. Mais do que o fim das minas, mais do que o seu trabalho, extinguira-se sua fé na justiça britânica. Sua personalidade se aniquilara. Edward jamais voltara a trabalhar, a não ser em pequenos serviços aqui e ali. Gillian passara a ganhar o sustento da casa, e 25 nada poderia haver de mais vergonhoso do que isso para um homem daquele tipo. Ele odiara isso, e perdera toda a vontade de lutar. Sentia-se com o orgulho ferido, o que o arrasara. Aí, começou a beber. A única coisa boa de tudo aquilo era que os irmãos de Lisbet não precisariam mais trabalhar nas minas. A escolha seria diferente: partir ou morrer. Os MacArthur eram bastante inteligentes. Todos chegaram à universidade num momento em que crianças pobres só conseguiam estudar se obtivessem bolsas de estudo. Todos deram o melhor de si, e agora, com muito esforço, estavam bem empregados. Mas Lisbet seria sempre especial. Herdara a beleza da mãe, assim como seu gosto pelo teatro. Freqüentara uma famosa escola teatral em Londres, com o peso do sonho de ambas sobre os ombros. Deixara de lado seu sotaque regional e o sobrenome do pai. Escolhera o sobrenome de solteira da mãe, e Elizabeth Raine MacArthur se transformou em Lisbet Raine. Por ocasião de sua formatura, recebera o cobiçado prêmio Olivier Medal. Desde então, trabalhara sem parar, sobretudo para a televisão, papéis cada vez mais importantes. Lisbet sempre soubera que a segurança era responsabilidade da própria pessoa. Não do casamento ou de outro ser humano. Apenas as realizações pessoais contavam. Gillian era a prova viva de que só se pode contar consigo mesmo. Para uma mulher, o amor era cheio de armadilhas. Assim que seu romance com Jafar teve início, Lisbet começou a pensar sobre sua independência. Não queria nenhum mal-entendido a respeito de suas expectativas, ou as de Jafar. Na época de seu aniversário, Jafar lhe deu um maravilhoso bracelete de ouro cravejado de diamantes e rubis. Lisbet ficou excitada e sorriu para ele. - Ele será de muita valia enquanto aguardo um novo trabalho – disse ela, sorrindo. 26 Ele, indignado, comentou que se Lisbet um dia ficasse sem dinheiro, poderia procurá-lo. - Oh, sem dúvida... E, depois de conseguir ultrapassar seus assistentes e de sua secretária me perguntar quem sou, posso contar-lhe o que há entre nós? - Eu jamais a esquecerei. – Jafar a beijara com paixão. – Não esqueci nem por um momento, desde o nosso primeiro encontro. Ela pensou estar diante do homem mais incrível da face da terra. Todavia, isso só aumentava seu risco. - Suas mentiras são um mel para meus ouvidos, Jafar. Tão doces, tão deliciosas... - Não acredita no que digo, porque não quer. E assim evita qualquer compromisso por achar que não sou sério, Lisbet. Não consegue crer que um homem rico e influente poderia amá-la, e ignora o fato de que sua amiga Anna e meu irmão se casaram! De certa forma era verdade. Aquele casamento a espantara. Lisbet não nascera para casar, e quase desfalecera ao ficar ao lado da amiga durante a festa. Talvez tivesse sentido, pela primeira vez, que seu romance com Jafar pudesse se transformar numa relação muito perigosa, e que, por isso, teria de terminar. Assim que abriu a porta do trailer, a primeira coisa que Lisbet viu foi um Rolls Royce. O chofer trajava uma camisa pólo e lustrava a imaculada pintura, mordiscando um palito nos dentes. A impecável limusine era branca. Os pára-choques e as maçanetas eram de ouro, bem como todos os demais detalhes, que costumavam ser cromados. Então era verdade o que os jornais diziam. Lisbet não acreditara no que lera. Não era aquele o Jafar que conhecera. Um grande número de pessoas que trabalhavam na filmagem, e que fingiam estar por ali fazendo alguma coisa, a observavam. 27 Lisbet deu de ombros e meneou a cabeça, inconformada, quando percebeu que pretendiam testemunhar seu encontro com Jafar. O pequeno drama da tarde estimulara a imaginação de todos. Masoud conversava com alguém em seu trailer. O interlocutor estava de costas para Lisbet, e trajava um cafetã preto e um turbante. O tipo de vestimenta que qualquer homem usaria nos Emirados de Barakat, de garçom a príncipe. Lisbet parou por um instante para observá-lo. Jamais vira Jafar al Hamzeh em roupas típicas, a menos que levasse e consideração sua aparição daquela tarde. Mas sentiu que era ele. Jafar foi ao encontro dela e o chofer abriu-lhes a porta do carro, ainda mascando, resoluto, seu palito. O elegante emblema do Rolls Royce fora substituído por uma grotesca figura em ouro de uma mulher nua que se transformavanum cisne de costas reclinadas e longos cabelos. Bem, Lisbet o vira em fotos, mas achara ser uma montagem. - E alguns dizem que os árabes não tem bom gosto! - Por aqui, isto mais parece um automóvel comum, Lisbet. - É o que estou venso... – Ela olhava para dentro do veículo. Assentos em couro branco, guarnições de madeira, tapetes persas e mais detalhes em ouro. - Quantos botões! Para que servem? - Só posso dizer que é melhor não mexer neles sem avisar. Lisbet não conseguira deixar de sorrir com esse comentário. - Entre, Lisbet. Ela o obedeceu. Assim que partiram, Jafar segurou-lhe o pulso. Lisbet se assustou com aquele gesto. - O que é isto?! - Jafar ergueu-lhe o braço. Acabara de ver seu anel na mão direita. - Pode ver por si mesmo. É uma pérola cercada de brilhantes. É um anel de noivado, Jafar. 28 Ele não se mexeu, o que a deixou nervosa. Os olhos de Jafar se tornaram escuros, de uma forma que ela bem conhecia. Jafar acionou um botão, abrindo o vidro. Lisbet o fitava perplexa. Jafar arrancou-lhe o anel do dedo e o arremessou para fora da limusine. Não dissera uma única palavra, e, com um toque no painel, tornou a fechar o vidro. O coração de Lisbet parou por instantes. Uma raiva imensa explodiu dentro dela. - Como se atreve?! - Nem sequer era verdadeiro. Será que o homem era idiota? Ou você? Lisbet mordeu o lábio. Pedira o anel emprestado à responsável pelo guarda-roupa, fazia menos de uma hora. Pareceu-lhe muito bonito, mas deveria ter sabido que Jafar notaria que era falso com um simples olhar. - Eu sabia que era imitação, Jafar, mas ambos passávamos, naquela altura, por certas dificuldades. Contudo, ele não queria que eu viesse para o país do sheik sem uma prova de seus direitos sobre mim. Jafar se mostrou tão confuso que ela caiu na risada. Lisbet estava fazendo o melhor naquelas circunstâncias, mas teve de concordar que se tratava de uma história inverossímil. - E quem é esse ingênuo que acredita que, com um anel de bijuteria, pode deter os direitos sobre uma mulher como você? - Seu nome é Roger. - Roger de quê? Ela o encarou como os lábios apertados. - Há seis meses, você não parecia ser uma garota que se interessasse por casamento. - As pessoas mudam. - E como isso aconteceu com você, Lisbet? 29 Aquele anel fora um estratégia de última hora para provocá-lo. Ela deveria saber que Jafar não o deixaria passar em branco. Mas Lisbet não sabia representar o papel de noiva apaixonada. - Poderíamos mudar de assunto? - Não gosta de falar sobre ele? - Não com você. - Será que Roger sabe que estará se casando com uma mulher insensível? Será que ele abriu mão de ter filhos em nome de sua vontade? - Roger e eu sabemos muito bem o que queremos para nosso futuro, e agradeço por sua preocupação. Muito obrigada! Jafar esboçou um sorriso sem humor. - Pobre de você... - O que quer dizer com isso? - Que jamais será feliz com um sujeito que aceita imposições sem discutir. - Roger não é assim! - Então é um idiota. Um camarada que não quer filhos é bobo ou, então, um mentiroso. Lisbet se lembrou de seu pai. - Nem todos são tão intratáveis como você, Jafar. - Tome cuidado, Lisbet. Poderia me fazer crer que está falando mais de seus desejos que de suas observações. - Estou sendo objeto de alguma ameaça? Jafar tomou-lhe uma mecha e enrolou-a no dedo indicador, sorriu e respondeu: - Só disse o que você já deveria saber, querida. Lisbet rangeu os dentes. Que tola tinha sido ao acreditar que estaria protegida, usando um anel de bijuteria! Deu um tapa na mão dele. - Esta me confundindo com outra pessoa, Jafar. - Posso provar que não estou. - Não, você não poderá! 30 - Tão leal com Roger que não pode alimentar uma velha chama? - Evidente! - Você lhe falou a meu respeito? - De passagem, como tantos outros. - Seu noivo sabia que nos encontraríamos esta noite? Lisbet hesitou, mas respondeu: - Sim. Jafar meneou a cabeça, como se falasse sozinho. - Então planejou tudo, Lisbet? Está comprometida com outro e, mesmo assim, arriscou-se a vir... O que pensou? Que poderia me enganar com uma bijuteria comprada num bazar por um noivo sem rosto? Mas não, você é mais esperta que isso. O que se passa em sua cabecinha? Quer Ter mais uma aventura rápida? Foi isso que planejou ao decidir vir para cá? Um caso sem conseqüência com um bárbaro antes de se casar com um homem normal, de sua própria cultura? Achou que eu estaria louco por migalhas que poderia ter? enganou-se a meu respeito, garota! Um sorriso aflorou nos lábios dele. Mas os olhos negros a dominaram. Faziam-no assemelhar-se a um lobo à espreita de sua presa. - Ainda crê que a desejo, Lisbet? Acha impossível matar um amor como o meu? Ou pensa que agora consigo conviver com um amor sem compaixão como o seu? O discurso fora mais longo do que ela poderia esperar. Com um nó na garganta, estendeu os braços para ele, querendo agredi-lo. Contudo, Jafar era um esportista olímpico, com ótimos reflexos. Agarrou-lhe os pulsos no meio do caminho, e em segundos tudo mudou. - Não tente fazer muita força, Lisbet. Ela conseguia sentir seu inconfundível perfume, a maciez se sua pele, levando-a a recordar aqueles momentos de prazer indescritíveis. - Deixe-me, Jafar! 31 - Uma mulher tão preocupada com sua liberdade deveria ter mais cuidado antes de provocar um homem. - Muito bem, perdoe-me. Agora, deixe-me ir embora! Como resposta, Jafar juntou-lhe as mãos e, com vagar, trouxe-a para junto de si, prendendo-a num abraço. -Deixá-la partir? – Seus lábios já roçavam os dela, enquanto murmurava, enchendo-a de vontade pelas promessas de futuro deleite. – Mas eu a deixei partir, Lisbet. Se não queria me ver, por que veio até meu país? 32 CAPÍTULO IV Lisbet não saberia dizer como aconteceu, mas, quando se deu conta, a boca de Jafar tomara a sua, com ansiedade. Seu coração palpitava, seu sangue subia e descia em alta velocidade. Um calor abrasador percorreu sua pele, sedenta pelo bálsamo daquele toque que a incendiava. As mãos dele pareciam transfomar a seda de seu vestido em chamas, queimando-a mais e mais. Seus lábios eram implacáveis, sua língua, faminta e exigente. Seu abraço a estreitava, e, ao mesmo tempo, a protegia. Tudo parecia muito contraditório, exceto em relação ao prazer da fome mitigada. Por isso, Lisbet não conseguia recuar, nem lutar. Seria como pedir ao homem que está perdido no deserto que não matasse a sede. À mulher no escuro que não olhasse para a luz. A um prisioneiro que escapara do cárcere para não dançar de felicidade. Jafar afastou-se um pouco, para tomar alento. Livre daquele punitivo e tormentoso beijo, ela conseguiu retomar o autodomínio. Empurrou-o de leve. Sentiu lágrimas quentes no rosto, sem entender o que as provocara. - Isso foi uma espécie de punição?! Os olhos de Jafar escureceram, perigosamente. - Punição?! Meu beijo significa isso? Responda! O toque de minha boca não lhe agradou? Mentir-lhe seria impossível. - Que diferença faz? - Duvido que tenha mudado tanto, Lisbet. Tenho ainda em meus ouvidos seus suspiros e gemidos de amor. Ouço-os em meus sonhos, mesmo hoje. E houve ocasiões em que acordei chorando, ao constatar que você não estava ao meu lado. Quer mesmo que eu acredite que, para você, meu carinho é flagelo? 33 - Eu não disse... – começou, mas não encontrou mais palavras para continuar. Jafar, sentado ali, com os braços abertos, fitava-a como um juiz, pronto para impor-lhe a sentença. Tratou de virar-se para olhar pelo vidro. Os últimos raios de sol deixavam as nuvens com um tom róseo e transformavam as dunas num local mágico. O céu, escurecendo, adquiria a tonalidade violeta. Jafar dissera-lhe que o deserto era apaixonante. - Era nisso que queria que eu acreditasse quando me mandou isto, Lisbet? – Jafar abriu o cafetã, tirando dele um envelope escuro e tirou algunspapéis de dentro. Com um movimento da mão, mostrou-os para ela. Lisbet ergueu um, esforçando-se para vê-lo, em meio à escuridão. Depois, mais um. Eram todos iguais: cheques pessoais emitidos por Lisbet Raine MacArthur em favor do sheik Jafar al Hamzeh. E issso a remeteu a meses atrás, quando se dera o começo do fim. Jafar disse que queria comprar-lhe um apartamento. Aos poucos, pedaço por pedaço, ele provara ser tão possessivo quanto apaixonante. Naquele momento, queria ser o proprietário do lugar onde Lisbet morava. Permitir isso seria um forma de admitir que lhe pertencia. E que o sheik sempre teria a última palavra. Lisbet morava em uma agradável corbetura no norte de Londres. Embora um pouco afastada do centro, compensava pelo valor do aluguel. Todos os amigos de Lisbet concordavam com isso. Mas logo recebeu a notícia de que o imóvel fora vendido e, como o novo proprietário queria reformá-lo, ela deveria deixá-lo. Assim, Lisbet se viu obrigada a procurar um novo lar. O mercado estava em alta, porém, e logo Lisbet se viu em dificuldades. Evidente que não iria perdir ajuda a Jafar. Por tê-la 34 sempre rejeitado, ele parara de oferecê-la. Lisbet se arrependeu tarde demais disso. Após várias semanas de depressão na inútil busca de uma nova moradia, Lisbet chegou a conclusão de que a melhor opção seria dividir o aluguel com alguém. Até encontrara um local agradável, numa área da cidade eu adorava, Primrose Hill. Para o proprietário, não passava de um apartamento térreo. Morava ali uma advogada que passava a maior parte do tempo em Hong Kong e queria dividi-lo com alguém. Procurava um colega responsável, que tomaria conta de suas plantas e seus maravilhosos móveis e obras de arte. Lisbet quase não acreditou em sua sorte quando o achou. Claro que exigiria alguns sacrifícios. Era o melhor que poderia conseguir naquele momento, e o seu quarto era o menor cômodo disponível. Entretanto, o apartamento em si era um sonho, finalmente decorado, com muita luminosidade e um terraço cheio de plantas. Jafar não gostara. - Como iremos fazer amor numa cama tão estreita, Lisbet? É menor do que a que tinha na cobertura. Não consigo entender como pode gostar daqui. Nem mesmo conhece a pessoa com quem dividirá a moradia. - Você é muito mimado. Não sabe como gente comum vive. Ficarei muito bem aqui, mesmo tendo de cuidar da faxina. Ficarei pelo menos três semanas sozinha, todos os meses, Jafar! Mesmo que não goste da moça, poderei conviver com isso uma semana por mês. O sheik a ajudou na mudança, sem reclamar. Lisbet fora obrigada a vender a maior parte de seus móveis, pois guardá-los num depósito significaria pagar dois aluguéis, o que seria inviável. Em cinco dias, Jafar lhe apresentou a escritura de transferência do apartamento para seu nome. Fora tudo uma armação, um jogo para manipulá-la e fazê-la vender os móveis, fazer a mudança e deixá-la sem saída. 35 Mas se Jafar achava que iria agradecer-lhe de joelhos, enganara-se. Seu efeito fora o inverso do que com certeza planejara. Talvez tivesse querido o melhor para ela, mas Lisbet ficara furiosa com essa interferência. Jafar não tinha o direito de decidir nada em seu lugar. Assim sendo, a primeira coisa que Lisbet fez, assim que ele lhe trouxera a escritura de propriedade, foi mostrar-lhe a porta da rua. Lisbet piscou e voltou à realidade. Juntou todos os cheques, segurando-os, sem olhar para Jafar. - O que você quis me dizer com isto, Lisbet? - Referem-se ao valor do aluguel que acertei com o senhorio, enquanto eu morasse lá. - Então? Naquele instante, naquele contexto, sua atitude lhe parecia mesquinha e avarenta. Mas não vira dessa forma em Londres. - Não importa em nome de quem está passada a escritura, Jafar, pois o apartamento é seu. Fui usada, antes de mudar, para que você fechasse o negócio. - Sabe muito bem que não preciso disso. - Você não tinha o direito de fazer o que fez! Como acha que me senti?! - Sentiu-se tão mal a ponto de recusar meu presente? Sim, agora percebi. Quando conheceu Roger? - Ro... – Lisbet ficou confusa e engasgou. Sua máscara caíra. – Não vou responder a isso. - Ele fez amor com você na cama que eu comprei? Nos mesmo lençóis? Ou beijou-a no travesseiro no qual descansamos nossas cabeças? É por isso que me pagou o aluguel? Para aplacar sua crise de consciência? 36 - Essa conversa é reveladora. – Encarou-o, radiante. – Apenas prova quem estava com a razão, não é? Você me levou até aquele imóvel só para me controlar! - Não comprei aquele apartamento para controlá-la! - Mas, por tê-lo comprado, ficou zangado por não ter atingido seu objetivo, não é? - Não se faça de boba! -Entretanto, aqui você tem se divertido, jogando nos cassinos e passeando em seu Rolls Royce folheado a ouro. Conhece aquela canção que diz “Você não me quer, mas quer que eu continue a querê-lo”? Por favor, deposite os cheques, Jafar, pois não me sinto bem com essa situação. Sinto-me comprada. Jafar rasgou-os, jogando fora os pedacinhos para serem levados pelo vento para o meio do deserto. - Se me mandar novos cheques, Lisbet, farei um depósito de dois milhões de de dólares em sua conta bancária. Aí então sentirá o que é uma mulher comprada. Aproximavam-se de uma pequena cidade, na qual despontavam, protegidos pelas palmeiras, pitorescos telhados. A limusine diminuiu a velocidade e saiu da estrada principal, tomando uma rua sem pavimentação. Depois de rodar uma curta distância, entraram pelo jardim de um edifício. Acima da porta, uma inscrição em árabe. - É aqui que jantaremos? – Lisbet estava surpresa. Imaginara que o sheik a levaria para um hotel caro, como aquele onde o produtor do filme a levara em sua primeira noite no país. - A comida daqui é excelente – afirmou Jafar. A recepção era minúscula, e o salão que adentraram estava à meia-luz. A iluminação ficava por conta dos lampiões a querosene sobre as mesas, e havia alguns de maior porte, suspensos sobre cada entalhe do teto. 37 Lembrava uma quieta e misteriosa tenda nômade. Lisbet sorriu assim que uma mulher de cabelos escuros, com uma exclamação de prazer, apareceu de trás de uma cortina. - Marhaba! – disse ela, aproximando-se de Jafar com braços abertos, batendo palmas e balançando a cabeça para dar-lhes as boas-vindas. – Assalaamu aleikum! - Waleikum assalaam, Umm Maryam. Conversaram por um certo tempo como velhos amigos, e logo depois a recepcionista virou-se para Lisbet. - Assalaamu aleikum. Ahlan wa sahlan! - Salaam aleikum – respondeu Lisbet, sorrindente, tratando de utilizar o pouco árabe que sabia. Umm Maryam os conduziu, então, pelo restaurante, onde várias pessoas jantavam, e paravam de fazê-lo para acompanhá-los com os olhares. Os três foram em direção a uma plataforma mais elevada no final do salão. Umm Maryam abriu uma porta que os levou a uma sala com intrincadis arabescos em madeira. Lisbet estendeu a mão para tocar os pássaros e flores entalhados com admirável beleza. Aquela área tinha apenas duas mesas. Com o teto mais rebaixado, parecia aconchegante e privativa. Suspenso no alto, um lampião oferecia uma luz suave. Lisbet e Jafar sentaram-se. Nesse meio tempo, Umm Maryam acendeu um candeeiro, que transformou aquele espaço em algo particular para o casal. Lisbet percebeu que ali estariam muito à vontade. - Eles não têm um menu impresso – murmurou Jafar, assim que a recepcionista desapareceu. – Você confiaria em minha escolha? - Sim, claro. - Muito bem. A proximidade dele a excitava. Lisbet podia sentir seu perfume, e bastaria fechar seus olhos para trazer à memória todos 38 aqueles momentos em que se derretera como uma cela numa fornalha. Empinou o queixo e mordeu o lábio, para manter os olhos abertos e sua guarda fechada. O sheik a fitou como se fosse dizer algo, mas Umm Maryam reapareceu trazendo um bandeja com dois generosos cálices cheios de um líquidoque lembrava rum. Lisbet sorveu um gole e surpreendeu-se com o sabor. - Que bebida é esta? - Suco de tâmara s com pinha. – Jafar tomou um pouco de seu cálice. Lisbet bebeu mais um gole, sorrindo e gesticulando para a recepcionista, indicando que estava apreciando o suco. Enquanto isso, Jafar e Umm Maryam discutiam o cardápio daquela noite. Lisbet, um pouco distante, ouvia as duras consoantes de seu idioma. - Você aprecia cordeiro, Lisbet? - Desde que não venha inteiro, posso gostar, sim. - Trata-se de um bife enrolado e grelhado sobre brasas, recheado com frutas secas e especiarias. É uma das especialidades da casa, como também um iguaria barakati. Ninguém a prepara melhor do que a mãe de Umm Maryam. - A mãe dela? - Sim, este é um restaurante familiar. Umm Maryam é a terceira geração. Tudo começou com sua avó. Umm Maryam, percebendo que estava sendo objeto da conversa, esboçou um lindo sorriso para Lisbet. Após um momento, chegaram a um acordo sobre os pratos. A recepcionista fez uma série de sugestões que logo foram aceitas por Jafar, e, com uma reverência, saiu. O silêncio e a paz reinantes os envolvia, e Lisbet sentiu um mudança em seu estado de espírito. Jafar parecia mais calmo, e seu olhar perdera aquele lampejo de irritação. 39 - Costuma vir aqui com freqüência? - Preferia que tivéssemos ido a um lugar mais agitado? - De modo algum. Apenas me surpreendi. - Espero jamais perder o Dom de surpreendê-la, Lisbet – falou bem próximo a seu ouvido. Aquela voz trazia à tona muitas lembranças. Jafar lhe dissera aquilo antes. Quando estava deitada a seu lado, trêmula de prazer. Ele se recusara a parar até vê-la extenuada. - Hoje você me surpreendeu, posso garantir. Que confusão provocou! Jafar arregalou os olhos. - Ora, ora, o que fiz? Era apenas uma cena, Lisbet. - Era a parte mais importante das filmagens. Por que tomou uma atitude tão desmedida? Uma jovem senhora entrou para servir o primeiro prato. Fez alguns rápidos comentários e, antes de sair, sorriu para Lisbet. - Eu queria vê-la, Lisbet. – E Jafar serviu-se, concentrando-se na deliciosa comida a sua disposição. 40 CAPÍTULO V - Não precisava fazer tanto estardalhaço, Jafar. Você interrompeu um dia de filmagem. Não sei quanto tudo isso irá custar. E o que foi perdido é irrecuperável. Deveria saber as conseqüências que haveria. Jafar mostrou um sorriso sem humor. - Então não sabia que sou mau caráter e perigoso, e me conhecer é comprometedor? Ele fora assim definido algumas semanas atrás pela imprensa mundial. - Por quê? – Lisbet serviu-se de salada. Jafar a ensinara a comer verduras frescas e pão logo no início do namoro, em Londres. Lisbet se surpreendeu com a aguda memória daquele sabor impregnando seu paladar. - Decerto porque fiquei tão louco por amor por você, Lisbet. - Não é isso o que corre por aí, Jafar. Dizem que foi sua herança que o enlouqueceu. - É isso que falam? Quem disse isso? - É melhor perguntar quem não o diz. - São todos uns bobos, que nunca amaram – respondeu ele, dissimulado. - Por que está cortejando a imprensa? Ele deu de ombros. -Nenhum companheiro da irmandade precisa adular a mídia, e você sabe disso. Somos uma fonte natural. Era verdade. Mas, mesmo assim, Jafar soubera somo evitar que falassem sobre eles enquanto estavam em Londres. Nada fora noticiado. Jafar mudara da água para o vinho. - Você não precisava, mas hoje tudo mudou. - Não causarei nenhum prejuízo ao produtor do filme, Lisbet. Assim que Masoud se acalmar, perceberá que minha atitude trará muitos benefícios e será utilizada como pré-publicidade. 41 E de repente passaram a discutir sobre o filme, o que fez arrefecer a animosidade. Pareceu-lhes estar de novo em Londres, quando Jafar sempre demonstrara muito interesse pelo que Lisbet fazia. Ela estava contente por trabalhar com Masoud al Badi, um diretor cujo último filme fora premiado com a Palma de Ouro em Cannes, entre outros prestigiosos prêmios. Esse trabalho tinha um orçamento um tanto baixo, mas não seria problema, segundo Lisbet. O tema era bom, tinha bons atores e não precisaria de efeitos especiais ou grandes estrelas. E seu papel era brilhante, uma grande oportunidade para revelar seu talento. Lisbet ficava ora assustada, ora excitada com o desafio que encarava. - Por que você estava no meio do mar? Qual é a explicação? - Não conhece a história de Rose Dumont, a bandoleira? - Conte-me. Jafar já o pedira antes, por diversas vezes, pois adorava histórias. Afinal, nascera num país de contadores de fábulas, e Lisbet adquirira o hábito de relatar-lhe todos os argumentos que lia. - Parte do roteiro está baseada em suas memórias. Rose Dumont era a irresponsável filha de um rico mercador londrino. Não fez sucesso em sua primeira apresentação para a sociedade, ao redor de 1860, porque era muito independente e contestadora. As bajulações não a agradavam. E se recusou a apresentar-se um Segunda vez para a sociedade. Dessa forma, sua família a mandou para a Índia, onde talvez encontrasse um marido. - E ela não pensou que se tratava de uma aventura? - Foi o que pensou. Em seu diário, escreveu que ficou tentada a se fazer passar por um homem durante a viagem. Mas, sendo vigiada de muito perto, não conseguiu pôr essa vontade em prática. Todavia, sabia que qualquer coisa poderia acontecer, e estava certa. Jamais chegaria à Índia, pois, assim que alcançaram a costa dos Emirados 42 de Barakat, como era comum naquela época, seu barco foi atacado por piratas. Durante a batalha, Rose caiu no mar, e salvou-se graças aos escombros do navio. Jafar a tudo ouvia com muita atenção. - Rose chegou até a costa, tal como na cena que você hoje interrompeu, e foi de imediato capturada por um nômade de uma tribo do deserto. Mas ofereceu tanta resistência que o homem pensou que ela fosse uma djim. Como você sabe bem, os djins são entidades de poderes superiores aos dos humanos, mas inferiores aos dos anjos. Assim sendo, em vez de torná-la sua mulher, deu-a de presente ao rei. Jafar tornou a servir-se. Jamais poderia ter pensado nisso. - Sem perda de tempo, o nômade resolveu levá-la até o palácio para apresentá-la ao soberano, informando-o de que não a tocara. O rei, aceitando o oferecimento, mandou-a para o harém. Rose foi deixada ali para que definhasse junto com as outras mulheres. Ela sempre odiara restri’~oes e abominava a idéia de não poder conviver com homens. Escreveu que a vida no harém era tão escravizante quanto a Inglaterra vitoriana e, como não tinha nada para fazer, passou os dias aprendendo árabe, que logo dominou. A maioria das mulheres do harém não tinha educação alguma. Mas, dentre elas, havia algumas, como Rose, bem-educadas e preparadas, e que, sendo estrangeiras, fizeram uma aliança. E começaram a planejar a fuga. Jafar arqueou as sombrancelhas. - Aonde imaginaram que poderiam chegar? - Subornaram um dos eunucos, que concordou em ajudá-las. Peça por peça, ele vendeu as jóias delas no mercado. Assim que pudessem, comprariam um barco e contratariam um capitão. Iriam tentar a sorte em alto-mar. - Muito corajosas! – Jafar achava cada vez mais interessante o relato. - Porém, alguma coisa aconteceu que mudou o rumo dos acontecimentos. Passados quase dois anos, o rei, de repente, se 43 lembrou do presente que recebera daquele homem do deserto, aquela estrangeira com uma estranha cor, e mandou buscá-la no harém. - Que rei afortunado... É bom ter tanto poder. - Rose, embora não quisesse revelá-lo abertamente, deu a entender que aprendera algumas habilidades com os eunucos. Escreveu que tomara a rainha Esther como sua guia. Talvez você saiba que ela aprendeu com os eunucos alguns truques que lhe permitiram impressionar Assuero, rei dos persas, quando, enfim, foi obrigada a se deitar com ele. - Nunca ouvi falar disso. - Consta da Bíblia, Jafar. E Assuero é conhecido,nos livros de história, como Artaxerxes. Todavia, qualquer coisa que Esther tenha feito naquela primeira noite, e nas subseqüentes, seduziu o rei, deixando-o apaixonadíssimo. - Claro. Lisbet pressionou os lábios e resistiu em responder àquele comentário. - Quer ouvir ou não sobre Rose Dumont? Jafar franziu o cenho. - O que estou fazendo de errado? - Não importa. Mas, por favor, não me interrompa tanto. Jafar fechou a boca, mas continuou com um olhar matreiro. - Rose viu-se, de uma hora para outra, na posição de favorita do rei, e sua vida no harém experimentou uma grande mudança. Adquirira poder. Uma nova moradia. Deu à luz um filho, o que lhe conferiu ainda mais honras. Começou a ganhar presentes de pessoas que queriam sua intercessão junto ao rei. Isto a ajudaria a continuar com seu plano de fuga. E foi aí, quando seu plano tomava corpo, que percebeu que era mais feliz do que jamais fora antes. Lisbet suspirou. - Apaixonara-se pelo rei. Passavam noite adentro acordados, discutindo desde negócios de Estado até astronomia. Ele a 44 consultava e seguia seus conselhos. Ela jamais encontrara um homem com tanto preparo intelectual. E tinham um adorável filho. Rose aproveitava a vida como nunca. Mas as outras mulheres continuavam desesperadas para fugir. E assim, Rose viu-se diante de um dilema. Lisbet fez uma pausa, enquanto Jafar balançava a cabeça. - Do que está falando? Como poderia haver algum dilema? Rose tinha um marido e um filho. O que poderia ser mais importante do que isto? Lisbet o fitou. - Ele não era seu marido, mas seu dono. E a alternativa era a liberdade. – Notou fúria nos olhos de Jafar. Naquele momento, Umm Maryam serviu o prato principal, a carne de cordeiro, que exalava um delicioso aroma. A boca de Lisbet se encheu de água, fazendo-a perder o fio da narrativa. - Que cheiro delicioso! – ela exclamou. A carne se desfazia a um toque do garfo, e o aroma de especiarias era qualquer coisa do outro mundo. Comeram em silêncio, pois nos Emirados de Barakat esse era o costume: concentrar-se na comida. Assim que reiniciaram a conversação, seria sobre culinária, e assim que terminaram a refeição, retomaram o assunto do filme. - Você estava falando a respeito de Rose Dumont. - Certo. Bem, depois de muita hesitação, Rose resolveu fugir junto com as outras. Ela sabia que a qualquer momento poderia cair em desgraça. Sua felicidade estava nas mãos do rei, e não queria que dependesse de ninguém. Precisava ser dona de seu próprio destino. E achou que não deveria desapontar as amigas, que planejaram a fuga durante tanto tempo. Por fim, chegou o dia em que o eunuco lhe informou que o barco e o capitão estavam prontos. Ele marcou o dia para quando a maré estivesse baixa, cedo pela manhã, e assim todas elas poderiam escapar à noite e embarcar. Lisbet tomou um gole de chá. 45 - Na ocasião indicada, todas as mulheres se reuniram nos aposentos de Rose, onde se vestiram com roupas masculinas. Assim que todos no palácio adormeceram, elas beijaram seus filhos, que dormiam, e se preparam para a fuga. - Não levaram seus filhos? - Não poderiam. Seria muito arriscado. Rose escreveu que fraquejou ao beijar seu menino pela última vez. - Isso é inacreditável. Você crê nisso, Lisbet? Que uma mulher abandone o filho por esse motivo? Seria capaz de fazer uma coisa dessas? - Elas estavam numa situação que as obrigava a agir contra a sua vontade. Não era sua própria decisão ficar no harém, ou será que era? Nenhuma delas se deitou com o rei por seu próprio desejo. - Exceto Rose. Lisbet ignorou o comentário e retomou a narração: - O eunuco levou-as para a saída do harém e depois, por caminhos secretos, para fora do palácio, em direção à cidade. Todas caminharam para a praia, mas assim que lá chegaram, o eunuco desapareceu sem deixar rastro. - Ah... - Sim. O capitão que lhes fora indicado pelo eunuco negou saber algo. Tinham sido traídas. Rosa jamais descobriu se foi o eunuco, ou se ele foi capturado pelo capitão e assassinado assim que lá chegaram. Mas o dia estava amanhecendo, e não teriam muito tempo para tomar uma decisão. Assim que soasse o alarme no palácio, seriam descobertas e executadas. Com as últimas jóias que Rose trouxera consigo, compraram cavalos e armas. E, em vez de fugir pelo mar, foram para o interior, para o deserto. Talvez pudessem encontrar um oásis. Jafar incrédulo, a encarou. - E conseguiram sobreviver? 46 - Viraram bandoleiras, rivalizando com o famoso Abu Tariq, que controlava um grande pedaço do deserto. Ele seria, por acaso, o avô de Selim, que foi o avô do ex-príncipe Jalal. As sombrancelhas dele subiram até seus cabelos. - E como Rose se arranjou para sobreviver num deserto controlado pelo grande Abu Tariq? - Ela informa que, após uma escaramuça com Abu Tariq, ele resolveu dar-lhes autorização para ficar com um pequeno território. Rose não explica como chegaram a esse acordo, e talvez seja possível que tenha usado os mesmos recursos que usara com o rei. Alguns historiadores chegam a afirmar que Rose deu à luz o homem que seria, mais tarde, o pai de Selim. Jafar sorriu. - E essa história é considerada como verdadeira? Lisbet acreditava, em grande parte, nela. - Isso foi publicado nas memórias de Rose. Alguns estudiosos debocharam dela, mas, em 1985, algumas pesquisas levadas a efeito em Barakat confirmaram que houve naquela época, no deserto, um grupo de bandoleiras reconhecidas por sua ferocidade. Os livros indicam que dominaram um certa área e um segmento das rotas das caravanas. Como seriam mais sanguinárias do que o bando de Abu Tariq, todos os mercadores dobravam a guarda assim que por lá passavam. E há uma informação de que foram varridas de lá por volta de 1890, ano em que Rose indica aquele em que voltou à Inglaterra. - Ela retornou?! - Rose ficou com saudade de casa assim que chegou à meia- idade. Passou a liderança do bando para as mais jovens e foi até o porto com um acompanhante. Viu um homem europeu e o assaltou. Assim, se fez passar por um turista inglês. Como tinha bastante dinheiro e objetos caros, fruto de seus assaltos, conseguiu comprar a passagem de volta. Suas memórias são fascinantes, mas não chegam aos detalhes que gostaria de saber. O livro foi muito 47 popular por uma década ou mais, e ela era uma heroína, mas a história foi recheada de bobagens. Havia muita discrepâncias. - E assim que chegou à Inglaterra, o que aconteceu? - Rose abraçou as causas feministas, lógico! – Lisbet sorriu. – Serviu, já bem idosa, como enfermeira na Primeira Guerra Mundial e morreu em 1919, numa epidemia de gripe. - Sozinha e sem filhos. - Sim, mas o filme não termina aí. - Como acaba? - Em seu leito de morte, Rose rememora um momento especial de sua vida de bandoleira. Não faz parte de suas memórias e foi alterada para entrar no enredo. Ela e as comparsas encontraram um jovem que se distanciou de sua turma de caçada. Ele se defendeu tão bem que resolveram aprisioná-lo. Foi então que perceberam que se tratava do príncipe herdeiro, pois o rei e seus companheiros saíram a sua procura. Rose, de repente, se deu conta de que se tratava de seu próprio filho. A cena é muito pungente, pois o rapaz a faz pensar no que poderia ter sido seu futuro. Rose viria a ser, um dia, a mãe do príncipe herdeiro, talvez a mãe do rei. Sem se identificar, ela exigiu a espada do príncipe como resgate, soltou-o, e partiu com suas companheiras. - E o monarca as deixou partir? - Ele não a reconheceu. Jafar meneou a cabeça. - Impossível, Lisbet. - Por quê? - Como poderia ter esquecido a mulher que amava? - Haviam se passado mais de quinze anos. - Mesmo que tivessem sido cem, não seriam suficientes para fazê-lo esquecer o tom de sua voz, seu cheiro e a forma como seus olhos mudavam de acordo com seu estado de espírito. Um homem pode parar de amar, mas jamais esquecerá aquela que amou. 48 “O Sheik Jafare Seu Novo Filme. Jafar al Hamzeh, o menino mau da Irmandade do Cálice do Príncipe Karim, pretende ser ator de cinema e encontrou um forma infalível. Na tarde de ontem, invadiu o set de filmagem do novo fime de Masoud al Badi enquanto uma cena estava sendo rodada e arrebatou, com seu cavalio, Lisbet Raine, a estrela inglesa... Lisbet atirou longe o jornal, sem continuar sua leitura. Estava tomando seu desjejum. Encontrava-se hospedada na maravilhosa casa de sua amiga Anna, que, após sua mãe, fora a primeira pessoa a quem informou que seria a estrela do novo filme que Masoud al Badi iria produzir em Barakat. - Claro que você ficará conosco. Será uma grande alegria privarmos de sua companhia – dissera-lhe Anna. Lisbet estava emocionada por ser hóspede na nova residência de Anna, com um misto de angústia e prazer. Ver que a amiga e o marido eram muito felizes, planejando seu futuro, era adorável. Mas lhe trazia à lembrança algo que poderia estar acontecendo com ela, se apenas... Mas fizera a coisa certa, se não por razões certas. Jafar não era Gazi, como os jornais gostavam de indicar. Ele não tinha o equilíbrio do irmão. A vida com Jafar seria tão insegura quanto a convivência com seu próprio pai. Ela o comprovara na véspera. - Bom dia! – ouviu Anna dizendo do alto de um balcão, preparando-se para descer uma escada de pedras centenárias. – O que Jafar anda aprontando? - Ainda não ouviu falar o que ele fez depois do jantar? Lisbet chegara muito tarde na noite anterior, e todos já estava dormindo. - Sei que telefonou ontem para Gazi e que o deixou em polvorosa. 49 - Será que o sheik queria proibir a publicação da história? Tempo perdido. - Gazi tem a capacidade de conduzir as notícias a serem publicadas, mas, quando se refere a Jafar, é quase impossível, pois eles adoram noticiar suas façanhas. – Lisbet tomou um gole de café. – E nas filmagens sempre aparece algum curioso com telefone celular. Não precisa mais de meia hora para que todos os jornalistas do país soubessem que Jafar invadiu o set. - É incrível como ele programou a façanha com tanta precisão, para que tudo fosse publicado, à exaustão, nas colunas de Domingo. Anna ficou estarrecida ao ler o jornal. - Ele invadiu com seu cavalo, o set de filmagens? - Sim. Interrompendo os trabalhos no meio, caçou-me pela praia, me agarrou e me colocou na sua frente, sobre a sela, o que poderia Ter provocado um acidente fatal. Mais parecia uma caçada humana. Anna ficou de queixo caído. - O que... como? Mal consigo acreditar! – ela exclamou, voltando-se para o periódico. - não me diga que irá confirmar minha história no Sunday Mirror? – reclamou Lisbet. – Eu sou a vítima, não se esqueça! Mas Anna não conseguia parar de ler a matéria, que fora enriquecida com a foto de um homem montado num garanhão. Poderia ser, ou não, uma imagem congelada da filmagem do dia anterior. - Estou curiosa para saber a reação de Gazi! Todo o mundo sabe que o príncipe Karim já pediu a Jafar que parasse de dar motivos para a imprensa. Se ele for destituído de seu título, envergonhará a família. - Será que isso pode acontecer? Anna deu de ombros. - Não se trata de uma ofensa mortal, não é? – comentou Lisbet. – Agora que esfriei a cabeça, começo a ver que não foi tão 50 prejudicial assim. Estou certa de que poucos filmes receberam um pré-publicidade tão boa quanto essa. Anna achou graça. - Talvez, se tivesse casado com ele, hoje você fosse famosa. - Agradeço, mas prefiro consegui-lo com meu próprio esforço. - Sem dúvida, querida, você chegará lá. É verdade que não continuará filmando enquanto Jafar estiver por perto? -Eu estava muito aborrecida quando disse isso. - “A estrela estava, de fato, expulsando o poderoso sheik de seu próprio país. Os produtores do filme podem se dar por felizes por ele não ter devolvido na mesma moeda. A locação foi arrendada, por um valor simbólico, por um membro da Irmandade do Cálice e amante das artes.” O mordomo entrou. - O que gostaria de comer Lisbet? - Algo muito leve, Anna, pois não estou em um de meus melhores dias. Anna deu instruções ao criado e saiu em busca dos jornais europeus que estavam sobre a mesa. Apanhou um deles. - Poucos têm colocado estas notícias na primeira página. Estão mais preocupados com o tráfego de drogas. – Segurando o Times, leu a manchete: - “A conexão de Heroína Barakati Confunde a Scotland Yard.” Em seguida, pegou o Sunday Times. - Mas este ainda é pior – disse ela, escondendo-o embaixo da pilha. - Para que Gazi não o veja em primeiro lugar. Deixemos que se concentre na heroína. - Aliás, Jafar me trouxe aqui ontem à noite e dormiu em um dos quartos de hóspedes, dizendo que era muito tarde para dirigir. - Sim, eu sei. Ele está agora no escritório com Gazi. - Seu marido está preocupado com ele? 51 - Não fala muito sobre isso, para ser franca. Lê tudo o que aparece na imprensa, mas quando lhe peço que me conte algo... – Anna deu de ombros. - Gazi falou com Jafar a esse respeito? - Não em minha frente. Nem sei sobre o que estão conversando agora. Como vê, faz tempo que Jafar não passava por aqui. Devo admitir que fiquei um pouco surpresa por ele não ter vindo antes. Achei que viria assim que soubesse que você estava conosco. - Eu lhe avisei que Jafar não faria isso, Anna. Mesmo assim, passara uma semana em grande expectativa. Talvez por isso tivesse ficado tão aturdida com a aparição dele durante a filmagem na praia. Algum motivo existiria para ter ficado tão transtornada com a atitude dele, assim que viu seu rosto. - Às vezes me pergunto se isso teria acontecido se tivesse se casado com ele, Lisbet. – Anna exalou um suspiro. – Tudo começou depois que ele voltou para cá, assim que vocês se separaram. Às vezes gostaria... Lisbet fez um gesto com a mão, pedindo a amiga que parasse. - Anna, não me deseje isso. Não quero ser a muleta de ninguém. E se você visse o que aconteceu depois do jantar... - Como foi seu encontro? - Ótimo. Refiro-me ao que aconteceu depois, no jogo. Fomos até o Shalimar Gardens. O Shalimar Gardens, de acordo com o que Lisbet vira, era um cassino de alto luxo recém-inaugurado, para atender clientes muito ricos. Fora planejada para ser o primeiro entre os pares. - Por favor, Lisbet, não conte nada para Gazi. O que houve? - Jafar jogou, estouro champanhe, distribuiu gorjetas incríveis e perdeu muito. - Quanto? - Não imagino. Uma fortuna. Era uma outra pessoa. Grotesca. E odiei todo o cenário. 52 -Psiu! Eles estão chegando! Lisbet virou a cabeça. Os dois irmãos eram fortes e corpulentos, com pernas musculosas e tornozelos ossudos. Jafar ria de algum comentário de Gazi. O sol lhes iluminava os cabelos negros e a pele bronzeada. - Diga, não formam um belo par? - Claro que sim, Lisbet. Jafar, ao se aproximar, resolveu desafiar Lisbet: - Então, Roger já está informado de que você já encontrou com seu ex-amante? Anna se espantou com o que ouviu. Olhou para os dois, mas o olhar de advertência de Lisbet impediu-a de perguntar o que queria. Lisbet não saberia dizer se Jafar entendeu ou não aquela atitude. - Acabei de acordar – disse ela. Jafar sorriu. - nesse caso, por que não guardar a confissão para depois desta noite? Talvez consiga passar gato por lebre. Deixe-me levá-la mais tarde para conhecer a cidade. 53 CAPÍTULO VI Barakat era um país maravilhoso, confirmando o que Jafar dissera. Ele levou Lisbet ao Jardim da Felicidade, uma ampla área verde, murada, cheia de canais e fontes, com uma infindável variedade de árvores e pássaros. Era um local que transmitia paz. - Eles sabem como aliviar o estresse, não é mesmo? - Este parque foi doado há mais de sessenta anos pelo rei Daud, em comemoração a seu primeiro casamento com aquela maravilhosa estrangeira – contou-lhe Jafar, assim que passaram por uma pequena queda d’água - , e levou vinte
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